© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Vol. 15 N.o 2. Págs. 491-497. 2017
www .pasosonline.org
Opiniones y ensayos
A revolução militar portuguesa de 1974 e
suas implicações no turismo nacional
Eva Maria Marques Milheiro*
Instituto Politécnico de Portalegre (Portugal)
* E-mail: eva@esep.pt
Resumo: Ao longo da sua curta história, vários acontecimentos se conjugaram, a nível social, político e
conjuntural, que transformaram o turismo na atividade que é hoje em Portugal.
Volvidos 41 anos sobre um acontecimento marcante na história deste país – a revolução militar de 1974 – que
teve implicações decisivas em vários setores da sociedade portuguesa, parece-nos pertinente refletir sobre as suas
implicações no setor do turismo. Este artigo assumirá uma estrutura baseada na cronologia do turismo em Portugal
desde os finais do século XIX, aprofundará os acontecimentos durante o período revolucionário e apresentará
alguns dados sobre o turismo no pós 25 de abril, com maior incidência no estado da arte atual do sector.
Palavras-chave: Turismo; História do Turismo; Portugal; Revolução militar; 25 de abril.
The Portuguese military revolution of 1974 and its implications for national tourism
Abstract: Throughout its short history, several events came together, social, political and economic situation,
which turned tourism in activity that is now in Portugal. Oped 41 years on a remarkable event in the history of
this country - the military revolution of 1974 - which had decisive implications in various sectors of Portuguese
society, it seems appropriate to reflect on its implications in the tourism sector. This article will take a structure
based on the chronology of tourism in Portugal since the late nineteenth century, deepen the events during the
revolutionary period and present some data on tourism in the post April 25, focusing on the current state of the
art sector.
Keywords: Tourism; Toursm History; Portugal; Military Revolution; 25 april.
1. Introdução
A “consciência turística em Portugal” como defende Cunha (2010: 129), desponta no século XIX,
em sequência da necessidade de resolver os problemas financeiros com que então o país se deparava.
Outros países europeus já tinham percebido a importância económica do turismo que, nos finais do
século XIX, em resultado de profundas transformações tecnológicas, sociais e económicas que ocorreram
nos países ocidentais, já se apresentava como uma atividade popular, atraindo turistas para estâncias
balneares e climáticas.
Desde essa época que o turismo evoluiu muito em Portugal, em termos de organização, divulgação
e impacto na economia e sociedade. Atualmente, este setor reveste-se de uma crucial importância
para o país, não apenas pela sua relevância económica, mas também pela sua capacidade de projetar a
imagem de Portugal no exterior, induzir o seu desenvolvimento social e contribuir para uma abertura
ao mundo das mentalidade e cultura das suas gentes.
A frágil evolução do turismo em Portugal é comprometida com a revolução de 25 de abril de 1974,
também conhecida por “revolução dos cravos”, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente
Eva Maria Marques Milheiro
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492 A revolução militar portuguesa de 1974 e suas implicações no turismo nacional
desde 1933, e iniciou um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático,
com a entrada em vigor da nova Constituição em 25 de abril de 1976.
Para se compreender de que forma o setor do turismo em Portugal foi afetado pelo 25 de abril,
é necessário recuar um pouco e apresentar, de uma forma sucinta, alguns factos que marcaram o
turismo desde que este começou a ter alguma expressão no país. Deste modo, este artigo assumirá uma
estrutura baseada na cronologia do turismo em Portugal desde os finais do século XIX, aprofundará os
acontecimentos durante o período revolucionário e apresentará alguns dados sobre o turismo no pós
25 de abril, com maior incidência no estado da arte atual do sector.
2. O turismo em Portugal – cronologia de desenvolvimento até 1974
Desde tempos imemoriais que se realizam viagens, motivadas por questões religiosas, de expansão
dos impérios, de saúde, espírito de aventura e curiosidade. Eram, contudo, deslocações esporádicas, de
uns quantos viajantes que não careciam de outra designação.
Nos finais do século XVI, surgem novos viajantes que percorrem a Europa à descoberta de novas
culturas, à procura de novos conhecimentos ou pelo simples prazer das viagens. Como afirma Cunha
(2010: 128), “os europeus estão ávidos de saber: à descoberta dos novos mundos sucede-se a descoberta do
céu; à exploração do espírito sucede-se a do corpo. Viajantes, astrónomos, médicos, físicos, matemáticos
e filósofos consagram-se à busca do conhecimento e as viagens são um precioso auxiliar”.
No século XVII, vulgariza-se o ritual da viagem como função educativa e cultural, com os jovens
britânicos a realizar o tour cultural1 por vários países da Europa.
Em Portugal, porém, o fenómeno é mais recente.
Como nos dá conta Lousada (2010), no que respeita às elites – aristocratas, juízes desembargadores,
grandes negociantes, a vilegiatura nas praias e nas termas começa a ser habitual na primeira metade do
século XIX. Não havendo estatísticas que nos permitam aferir o número de visitantes, podemos recorrer
às descrições de Ramalho Ortigão, que viajava por todo o país considerando que “nada há de mais valioso
e propício à nossa higiene intelectual e moral do que as viagens” (in Cunha, 2010: 129). O número de
termas e praias descritas nos seus guias, publicados em 1875 e 1876, dão-nos a conhecer a geografia e
a sociologia desses locais. Ramalho identifica 30 praias, procuradas por famílias das principais cidades
(Lisboa, Porto, Coimbra), mas também pelos lavradores abastados. Os da Beira vão à Figueira da Foz,
os do Alentejo a Troia, os do Minho à Póvoa do Varzim (Lousada, 2010).
A ida à praia - mesmo pelos menos abastados que procuravam ir pelo menos aos domingos, aproveitando
as tarifas reduzidas oferecidas pela Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses (Lousada, 2010;
Ferreira e Simões, 2010), a frequência das termas e a visita aos monumentos mais importantes do país
(trilogia Tomar, Batalha, Alcobaça) entraram nos hábitos de lazer dos portugueses.
Note-se que o desenvolvimento dos lugares turísticos, adotando a terminologia usada por Ferreira
e Simões (2010), está muito ligado à expansão da rede ferroviária. Como salientam estes autores, os
caminhos de ferro foram relevantes para a mobilização dos fluxos, tanto internos como internacionais,
para estes lugares. Destaque-se a inauguração do Sud Express, em 1887, que fazia a ligação entre
Lisboa, Madrid e Paris. Pedras Salgadas, Vidago e Chaves são exemplos de termas que prosperaram
graças à abertura da linha do Corgo (Henriques e Lousada, 2010).
Todavia, e devido a constrangimentos de ordem financeira, a modernização da rede viária não
acompanhou o desenvolvimento desejado pelo país ao nível das acessibilidades. Em 1905 foi editada a
primeira carta automobilística de Portugal, mas a verdade é que as estradas eram más, dificultando
a circulação no país.
Em termos institucionais, o período da I República (1910-1926) fica marcado pela organização do
IV Congresso Internacional de Turismo que recebe em Lisboa mais de 1500 participantes, e pretende
reforçar o reconhecimento internacional do novo regime e atrair visitantes de outros países (Conselho
Sectorial do Turismo, 2011). A criação da Repartição do Turismo, em 1911, no decorrer do congresso,
coloca Portugal entre os primeiros países a criar uma organização oficial de turismo (Cunha, 2010),
reconhecendo-lhe a importância que o setor poderá ter no equilíbrio das contas nacionais.
Não obstante a aposta institucional na organização do turismo português, outro problema condicionava
o desenvolvimento do turismo, a falta de estruturas hoteleiras adequadas. A oferta consistia, sobretudo,
em unidades de pequena dimensão, na sua maioria pensões e casas de hóspedes, perfazendo um total de
pouco mais de 3000 quartos em todo o Continente (Henriques e Lousada, 2010). Refira-se, no entanto,
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a existência de algumas unidades de luxo em Lisboa e Porto, e os Palaces do Buçaco e Vidago (este
último inaugurado em 1910).
Neste início do século XX, importa destacar o Grande Projecto do Estoril, idealizado por Fausto de
Figueiredo e desenvolvido pelo arquitecto francês Henry Martinet, ao estilo da estância francesa de
Biarritz. Iniciado em 1914, é apenas em 1930 que são inaugurados o casino e o Palace Hotel (ver figura
4) e a extensão ao Estoril do Sud Express. Este hotel viria a tornar-se, na 2ª Guerra Mundial, num local
de refúgio da realeza europeia e outras figuras internacionais proeminentes.
A Guerra de 1914-1918 teve consequências no fluxo de turistas estrangeiros que procuravam Portugal,
provocando a sua diminuição e comprometendo a entrada de divisas. O contexto de guerra apresentou,
no entanto, algumas potencialidades que a Sociedade de Propaganda de Portugal procurou potenciar: “A
situação política e geográfica especial de Portugal perante a conflagração europeia explica facilmente a
afluência de estrangeiros, que teem escolhido o nosso país para nele esperarem tranquilamente a ocasião
de regressarem à pátria” (Ferreira e Simões, 2010: 81).
Em 1917, os acontecimentos da Cova da Iria colocaram Portugal no centro das atenções e levaram
a que o local se viesse a tornar num dos principais polos de turismo religioso mundial.
Em 1919 ficaram concluídas as linhas do Vouga e do Corgo.
Entre 1920 e 1923 foram identificados 135 lugares turísticos. Como nos dão conta Ferreira e Simões
(2010), em 1921 são criadas as Comissões de Iniciativa para criar e regulamentar as estâncias hidro‑lógicas
e, em 1923, é publicada em Diário da República a lista que classifica as estâncias – de praia,
climatéricas, de altitude, de repouso e de turismo. Adotando um olhar geográfico sobre a distribuição
destes lugares, não podemos deixar de referir que há uma maior concentração e diversidade de lugares
turísticos no Norte do país, enquanto que a Sul apenas foram referenciados Setúbal, Lagos e Praias da
Rocha e a estância termal de Monchique.
A instabilidade política e social marcou os anos 20. A partir de 1926, e com a instauração da ditadura
militar (1926-1933), o “medo das más influências vindas do exterior” (Conselho Sectorial do Turismo,
2011: 8) faz com que a Repartição do Turismo fique dependente do Ministério do Interior. No mesmo
ano foi regulamentado o jogo, passando a existir duas zonas permanentes na Madeira e no Estoril e
algumas temporárias em Viana do Castelo, Espinho, Cúria, Praia da Rocha, Figueira da Foz e Sintra
(Conselho Sectorial do Turismo, 2011).
Nesta década foi atribuída grande relevância à propaganda interna, com a obrigação de serem
exibidos nas salas de cinema 100 metros de filmes portugueses, de preferência sobre paisagens nacionais
(Conselho Sectorial do Turismo, 2011). A propaganda externa, da responsabilidade do recriado Conselho
Nacional de Turismo, em 1929, também não foi descurada, uma vez que era do entendimento do regime
que, se os estrangeiros visitavam pouco Portugal e o turismo ainda não constituía a fonte de receitas
esperada, era porque “Portugal ainda era um país ignorado” (Cunha, 2010: 133). Para o tornar mais
conhecido, foram desenvolvidas várias ações, das quais destacamos a presença nas exposições mundiais
de Sevilha e Barcelona.
Na década de 30 continua a aposta na promoção, com a criação do Secretariado de Propaganda
Nacional, sob direção de António Ferro. As praias ganham adeptos, em contraste com o desinteresse
pelas termas. O Estoril, a Figueira da Foz e a Póvoa do Varzim tornam-se locais de veraneio.
Em 1935, é criada a Federação Nacional para a Alegria no Trabalho, com a finalidade de criar as
infra-estruturas destinadas às atividades culturais, desportivas e recreativas dos trabalhadores e suas
famílias.
Esta década fica também marcada pelo desenvolvimento dos transportes aéreos. Lisboa passa a estar
ligada a diversas capitais européias e, a partir de 1939, aos Estados Unidos, através dos hidroaviões
da Pan Am.
Outro acontecimento decisivo para a organização do turismo português respeita ao início da conta‑bilização
da entrada de estrangeiros em Portugal, pelo Instituto Nacional de Estatística.
Em 1940 foi organizada a Exposição do Mundo Português, integrada nas comemorações do duplo
centenário da Fundação e Restauração de Portugal. Pretendia-se transmitir para o mundo uma imagem
festiva e esplendorosa de Portugal e do regime. Apesar da guerra, a exposição foi um sucesso, tendo
sido visitada por um milhão de pessoas (Conselho Sectorial do Turismo, 2011).
Como consequência de mais uma guerra, o fluxo de turistas voltou a diminuir drasticamente, mas
foi substituído pela chegada de milhares de refugiados que passavam por Portugal rumo à liberdade.
Devido ao parque hoteleiro insuficiente e com precárias condições, o Estado teve de distribuir por
estâncias balneares por todo o país os estrangeiros em trânsito para as Américas.
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494 A revolução militar portuguesa de 1974 e suas implicações no turismo nacional
A consciência da precariedade do alojamento, levou ao lançamento do projeto da rede nacional de
pousadas, tendo a primeira sido inaugurada em Elvas, em 1942 (Fernandes, 2001). Pretendia-se “alojar
os visitantes e fornecer-lhes a alimentação no respeito do estilo de cada região” (Lei 31.259 de 1 de Maio
de 1941), proporcionando um acolhimento personalizado e de qualidade. Como dizia António Ferro
(1942)2 “quando um hóspede deixar de ser tratado pelo nome, para ser conhecido pelo número de quarto
que ocupa, estaremos completamente desviados do espírito das Pousadas”.
Abrirão mais cinco pousadas até ao final da década.
Em 1942 é inaugurado o aeroporto internacional da Portela e, em 1944, é criada a TAP (Conselho
Sectorial do Turismo, 2011). Destaque-se, ainda, a melhoria da rede viária.
No início da década de cinquenta, Portugal enfrenta uma crise económica e o turismo continua a
não ser alvo de uma política de desenvolvimento por parte do Estado. Pelo contrário, noutros países da
Europa, o turismo começava a afirmar-se como um sector determinante na economia. Segundo Cunha
(1997), em Itália o número de turistas (em 1950) rondava os 5 milhões e a França era visitada por mais
de 3 milhões de turistas!
Em Portugal assistia-se à estagnação das receitas turísticas, não obstante o crescimento das entradas
de estrangeiros no país entre 1946 e 1950, e a uma deficiente oferta hoteleira3, sendo o país visitado
por apenas 0,3% dos turistas mundiais (Cunha, 1997).
Perante esta realidade, mas adquirindo uma crescente consciência acerca das potencialidades do
país para o turismo, o Governo começou a encarar o setor como de grande interesse para a economia
nacional e para a melhoria do reconhecimento externo do país. Como nos dá conta Cunha (1997), sob o
ponto de vista político o país começava a ficar isolado internacionalmente e o turismo constituía uma
forma de promover a sua imagem. Assim, houve uma preocupação em legislar e reorganizar o setor que
culminou com a criação do Fundo de Turismo. Também foram criadas zonas de turismo administradas
por comissões municipais ou juntas de turismo.
Nesta década, destaque-se, ainda, a abertura de alguns hotéis emblemáticos: o Grande Hotel da
Figueira da Foz, o Infante de Sagres, no Porto, e o Ritz, em Lisboa (Conselho Sectorial do Turismo, 2011).
O Galo de Barcelos é adotado como símbolo de Portugal.
A década de 60 fica marcada pelo desenvolvimento dos transportes aéreos, que favorecem o desenvolvimento
do turismo nos países do sul da Europa. Portugal, e mais concretamente o seu regime que tão avesso tinha
sido a apostar no turismo na década anterior, também se abre às potencialidades deste setor em expansão.
No início da década, as receitas do turismo externo que, em 1953, apenas representavam 5% do
total das receitas provenientes das exportações de bens e serviços, atingiram, em 1961, quase 9% deste
total (Cunha, 1997). A capacidade hoteleira aumentou consideravelmente4, mas estava praticamente
toda concentrada no distrito de Lisboa (30%), seguindo-se os distritos do Porto (8,4%), Aveiro (7,5%) e
Leiria (7,2%). O Algarve e a Madeira dispunham apenas, respectivamente, de 5% e 3,3% da capacidade
hoteleira do país (Cunha, 1997). Os principais mercados emissores de turistas estrangeiros nesta altura
eram o Reino Unido, a França e os Estados Unidos da América (60% no conjunto), o que denota uma
grande dependência do turismo português destes mercados, agravada pelo facto do turismo se concentrar
principalmente no distrito de Lisboa.
Em 1964 - fruto da recuperação económica dos países industrializados e do crescimento económico
que se lhe seguiu, aliado à generalização do automóvel e das férias pagas e ainda ao desenvolvimento
do transporte aéreo, que beneficiou os países da orla mediterrânica - as receitas turísticas atingiram um
milhão de contos (Conselho Sectorial do Turismo, 2011), o que eleva o turismo a um papel de destaque
na política portuguesa, sendo incluído, pela primeira vez, num Plano de Fomento, o Intercalar de
1965-1967. No III Plano de Fomento, em vigor entre 1968 e 1973, o turismo será encarado como “setor
estratégico do crescimento económico” (Conselho Sectorial do Turismo, 2011).
Neste período surgem os grandes empreendimentos turísticos, no Algarve, Madeira e Troia, e
constroem-se os aeroportos do Funchal e do Algarve, tornando-se, este último, no destino nacional
mais procurado.
Em 1973 as entradas de estrangeiros ultrapassaram os 4 milhões, as receitas provenientes do
turismo externo ultrapassaram os 13 milhões e, em todos os meios de alojamento, registaram-se cerca
de 19 milhões de dormidas de estrangeiros. Pela primeira vez, as dormidas de estrangeiros na hotelaria
ultrapassaram as dormidas de nacionais, sendo os principais mercados externos provenientes da
Alemanha, Espanha, França, Reino Unido e Estados Unidos da América (Cunha, 1997).
Para corresponder ao acréscimo de procura, aumentou-se a oferta hoteleira que, em 1973, atingiu
as 86 mil camas, com o Algarve a deter cerca de 16% da mesma (Cunha, 1997). O Sol e Praia passa a
ser o principal produto turístico do país.
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3. O Turismo em Portugal no período revolucionário
A evolução do turismo nas décadas anteriores, e particularmente no início da década de 70, é compro‑metida
com a revolução de 25 de abril de 1974, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente
desde 1933, e iniciou um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático,
com a entrada em vigor da nova Constitução em 25 de abril de 1976.
O turismo nacional foi seriamente afetado, com as entradas de estrangeiros a passar, em 1975, para
48% das entradas registadas em 1973, e as receitas a descer dos 13,5 milhões de contos em 1973 para
9,2 milhões (Cunha, 1997).
Por outro lado, as alterações a nível institucional, com a intervenção do Estado nas principais
empresas do sector e posterior desintervenção (Cunha, 1997), levaram à estagnação da construção de
um considerável número de empreendimentos turísticos. Como nos é relatado por Cunha (1997), até
1977 a capacidade hoteleira aumentou, por via do término das construções iniciadas antes de 1974,
mas a partir daí estagnaram até à década seguinte.
Este período é marcado por profundas transformações a diversos níveis, económico, social e político,
que criaram dificuldades ao turismo português, não apenas pela diminuição das entradas de visitantes
estrangeiros e receitas associadas ao turismo, mas também pela degradação do parque hoteleiro, falta
de investimento na qualificação dos trabalhadores do turismo e restrições às saídas de divisas que
comprometeram o negócio das agências de viagens. À hotelaria, valeu o afluxo de grandes massas de
retornados das ex-colónias que foram alojados em várias unidades hoteleiras.
A tutela do turismo é alterada várias vezes durante o período de 1974 a 1976 até que, em 1976, é
criado o Ministério do Comércio e Turismo, em que se integra a Secretaria de Estado do Turismo. Ainda
em 1976, é criada a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo que, entre outras funções, vai assumir
a gestão da rede de pousadas
A política do turismo neste período de 1974 a 1976 é marcada pelo desinteresse face ao setor, que
não é ainda considerado relevante para a economia. Aliada a esta perspetiva, persiste uma atitude dual
face ao turismo. Se, por um lado, este é encarado pelas forças de esquerda como sendo benéfico para
as classes trabalhadoras (numa perspetiva de férias e ocupação dos tempos livres) e como potenciador
da fraternidade entre os povos, por outro lado, o turismo proveniente do exterior é encarado como
comprometedor para os valores locais.
4. O turismo no pós 25 de Abril
Findo o período revolucionário, o turismo cresce a um ritmo acelerado. Após uma quebra acentuada
da procura turística nos anos de 1974, 1975 e 1976, a partir de 1977 o número de visitantes estrangeiros
vai voltar a subir5, e o turismo interno também vai conhecer um crescimento nunca antes visto, fruto
das regalias sociais conquistadas com o 25 de abril e o fim do ambiente opressivo da ditadura. As classes
com menos capacidade económica começam a fazer férias em território nacional, fazendo com que o
número de campistas e caravanistas aumente significativamente.
Afirmada definitivamente a sua importância económica e social, o setor passa a ser objeto de diversas
medidas com o intuito de o fomentar, nomeadamente ao nível da valorização das infra-estruturas, da
promoção turística, do financiamento à atividade turística e da formação. São cruciais nesta fase a
Direção-Geral do Turismo, a ENATUR, o Conselho Nacional de Turismo, o Instituto do Estado para
o Fomento do Turismo, o Centro Nacional de Formação Turística e Hoteleira e os Órgãos Regionais e
Locais de Turismo.
No período compreendido entre 1980 e 1992, Portugal registou a nível europeu, uma das mais elevadas
taxas de crescimento, tanto nas entradas como receitas turísticas.
A década de 80 é marcada pela preocupação em criar um turismo de qualidade, com apoio financeiros
estatais à requalificação e aumento do parque hoteleiro, e uma aposta num novo tipo de produto, o
Turismo em Espaço Rural. É de destacar, ainda, nesta década a criação de treze Regiões de Turismo,
e o surgimento de novos destinos que começam a atrair visitantes nacionais e estrangeiros. Em 1985,
Portugal ultrapassa a fasquia dos dez milhões de visitantes estrangeiros (Conselho Sectorial do Turismo,
2011) e, com a entrada na CEE, em 1986, reforçou a sua posição na Europa como destino turístico.
O turismo passou, cada vez mais, a ser encarado como um fator essencial para o desenvolvimento. No
entanto, e numa tendência que Cunha designou por “euforia utópica” (1997, p. 97), este desenvolvimento
nem sempre se processou da melhor forma, nomeadamente no Algarve, onde a especulação imobiliária
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496 A revolução militar portuguesa de 1974 e suas implicações no turismo nacional
associada ao setor conduziu a graves desequilíbrios ambientais e ao desenvolvimento de uma economia
paralela, por via do crescimento do alojamento não classificado.
Durante a década de 90 acentua-se a concentração da oferta turística no Algarve, Lisboa e Madeira,
a dependência de poucos mercados emissores (Espanha, Reino Unido e Alemanha) e uma oferta pouco
diversificada.
Não obstante estes problemas estruturais do setor, a época de 90 também se destaca pelas acções de
promoção turística desenvolvidas no estrangeiro e no próprio país, pelo aumento da procura interna,
pela expansão da rede de Turismo em Espaço Rural e Pousadas de Portugal e pela aposta em projetos
de revalorização cultural e patrimonial, como as Aldeias Históricas. Surge um novo símbolo para o
turismo português, da autoria do artista plástico José de Guimarães.
Nas décadas seguintes o turismo em Portugal desenvolveu-se muito significativamente, tendo-se
tornado crucial para a economia do país e desenvolvimento regional e no efeito multiplicador que gera
noutros setores. Estima-se que, atualmente contribua em cerca de 10% para o PIB, tendo apresentado
receitas, em 2011, superiores a 8 mil milhões de euros (Turismo de Portugal, 2012) e, em 2013, superiores
a 9 mil milhões de euros (Turismo de Portugal, 2014).
A sua expressão internacional é muito significativa, tendo recebido mais de 14 milhões de visitantes
em 2013. Em 2012, Portugal integrava o Top 15 de destinos europeus com maiores receitas atribuídas ao
turismo (8600 milhões de euros) (Turismo de Portugal, 2014). Em Maio de 2014, as receitas atribuídas ao
turismo rondavam os 3200 milhões de euros (Turismo de Portugal, 2014). E, em 2015, nos primeiros dois
meses, face ao período homólogo do ano anterior, as receitas turísticas subiram 14,4% para mais de 1,1
mil milhões de euros, enquanto as dormidas de estrangeiros cresceram 9,5% (Banco de Portugal, 20156).
5. Conclusão
Neste artigo revimos alguns dos acontecimentos mais marcantes do turismo português, tendo sido
destacado o período compreendido entre 1974 e 1976, no qual as consequências da revolta militar se
fizeram sentir. Porém, nos anos que se seguiram, o turismo português recuperou, quer em termos de
número de visitantes internacionais, quer de receitas, tendo-se, aos poucos, e em sequência de políticas
diversas de organização, investimento e promoção do setor, transformado numa das principais atividades
económicas do país.
O turismo democratizou-se e globalizou-se nas últimas duas décadas, sendo hoje acessível a vastas
camadas da população, ao que não é alheio o desenvolvimento dos transportes aéreos, ou o surgimento
das companhias aéreas low cost e fórmulas de alojamento para todos os tipos de clientes. Apostou-se
noutros tipos de produtos, mais diversificados e, em alguns casos, dirigidos a nichos de mercado,
atenuando a grande dependência do produto sol e praia.
Portugal afirmou-se como um destino de qualidade, constando nas listas de cada vez mais consumidores
dispostos a descobrir as suas riquezas patrimoniais, culturais e naturais. O reconhecimento internacional
da qualidade e variedade da oferta turística portuguesa está patente nas mais de 50 distinções que
recebeu em 2013, das quais se destacam, entre outros, cinco prémios mundiais e nove europeus dos
World Travel Awards, e a eleição como “melhor país para viajar” pela Conde Nast Traveller.
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2012. O Turismo em Números 2012. Lisboa: Turismo de Portugal.
Turismo de Portugal
2014. O Turismo em Números 2014. Lisboa: Turismo de Portugal.
Notas
1 A Grand Tour é um marco incontornável da história do turismo. Consistia num ritual educativo, que teve o seu início nos
finais do século XVII. A educação dos cavalheiros britânicos não ficava completa sem terem passado três anos a viajar
pela Europa, por países como a França, Itália, Alemanha, Suíça e Países Baixos (Mill & Morrison, 1992). Foi com a Grand
Tour que o viajante passou a ser, pela primeira vez, designado por turista, associando o lazer e a ânsia de conhecimento
ao prazer da descoberta de países, monumentos, tradições, sabores e culturas diferentes.
2 Retirado de www.enatur.pt (consultado em 11 de Julho de 2014)
3 Em 1949, a capacidade hoteleira era de cerca de 17540 camas, a maior parte em pensões modestas, quando na Grécia já
existiam 29 mil camas e na Holanda 80 mil (Cunha, 1997).
4 Em 1953 a capacidade hoteleira era de 24 mil camas e, em 1963, 57 mil (Cunha, 1997).
5 Em 1979 as entradas de estrangeiros atingiram um novo máximo (mais de 5 milhões) proporcionando 46 milhões de
contos de receitas externas (Cunha, 1997).
6 Consultado em http://www.turismodeportugal.pt/Português/ProTurismo/estatísticas/quadrosestatisticos/receitas/ (acedido
em 8 junho 2015).
Recibido: 08/06/2015
Reenviado: 28/01/2016
Aceptado: 20/02/2016
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