Vol. 5 Nº 1 págs. 69-80. 2007
www.pasosonline.org
© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Espelho da história: o fenômeno turístico no percurso da humanidade
João dos Santos Filho †
Universidade Estadual de Maringá (Brasil)
Resumo: A elaboração deste artigo tornou-se um desafio para o autor por dois motivos: o primeiro, por
ser extremamente audacioso, pois questiona as epistemologias existentes para o estudo do fenômeno
turístico, e pelo trabalhoso tempo gasto na pesquisa e na investigação da produção literária existente, que
exigiu a leitura de diversos livros de áreas correlatas ao turismo, contudo, não estamos lamentando, mas,
sim, constatando a existência da interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdiciplinaridade pró-pria
do fenômeno turístico. O segundo motivo deve-se à audácia em querer questionar a literatura exis-tente
e seus principais paradigmas, proposta nada fácil para o seleto grupo acadêmico que atua nesse
campo.
Palavras chave: Turismo categoria histórica; Interdisciplinariedade; Movimento; Atividade
Abstract: The development of this article became such a challenge for the author for two reasons: first,
for being extremely daring, because it asks about the features existing in the tourism phenomenon stud-ies
and it was necessary a vast reading of several books relationed to the tourism. Of course, it wasn´t an
easy task because it asked for a valuable time in the research of the literary output. It shows the existence
of interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade originally from this subject.The
second one, is the from the daring in the attempt of question about the literature and its qualities, that
was something very hard for a selected group of academics that works in this sort of area.
Keywords: Tourism as a historian category; Interdisciplinaridade; Movement; Activity
† • João dos Santos Filho é professor concursado pela Universidade Estadual de Maringá, no Estado do Paraná,
Brasil e professor no Centro de Ensino Superior de Maringá (Cesumar) na cidade de Maringá-Pr. Membro do Conse-lho
Científico do Boletim de Estudos em Hotelaria (Beth); do curso de Turismo das Faculdades Integradas da Vitória
de Santo Antão (Faintvisa) e Membro do Conselho Editorial da revista semestral Global Tourism -
www.periodicodeturismo.com.br . E-mail: joaofilho@onda.com.br
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Movimento: atividade sinalizadora do
desenvolvimento do turismo
O verbete movimento estabelece, no caso,
que a atividade é tão necessária ao orga-nismo
como é indispensável à cultura. A
diferença entre o nosso tratamento ante-rior
do impulso muscular e nervoso e a
definição de necessidade, como ela aqui
aparece é clara. Estamos agora interes-sados
nas condições gerais sob as quais a
maioria dos membros, em qualquer ocasi-ão,
e todos os membros em alguma opor-tunidade
têm de obter algum raio de ação
para exercício e iniciativa...
Atividades. O organismo humano, normal
e repousado, precisa de movimento. Este
é um imperativo muito geral imposto pela
natureza humana sobre a civilização.
.....................................................................
[...] atividades especiais estabelecidas e
organizadas, tais como esportes, jogos,
danças e festividades, onde uma ativida-de,
regulada e estabelecida, muscular e
nervosa torna-se um fim em si mesma.
Temos um corpo de pesquisa a respeito de
folguedo e recreação, no qual algumas das
respostas a estes problemas já haviam si-do
antecipadas (Malinowski, 1970, p. 90 e
102, grifo nosso).
Preliminares
A elaboração deste artigo tornou-se um
desafio para o autor por dois motivos; o
primeiro, por ser extremamente audacioso,
pois questiona as epistemologias existentes
para o estudo do fenômeno turístico, e pelo
trabalhoso tempo gasto na pesquisa e na
investigação da produção literária existen-te,
que exigiu a leitura de diversos livros de
áreas correlatas ao turismo, contudo, não
estamos lamentando, mas, sim, constatan-do
a existência da interdisciplinaridade,
multidisciplinaridade e transdiciplinarida-de
própria do fenômeno turístico. O segun-do
motivo deve-se à audácia em querer
questionar a literatura existente e seus
principais paradigmas, proposta nada fácil
para o seleto grupo acadêmico que atua
nesse campo.
Nossa intenção é explicitar outro en-caminhamento
científico com o objetivo de
entender o fenômeno turístico e contribuir
para que o mesmo se fortifique como ciência
específica do saber humanístico do turístico
e consolide um arcabouço teórico metodoló-gico
capaz de instituir leis, regras e axio-mas
próprios. Com este fim, recorremos ao
suporte teórico do funcionalismo em espe-cial
na antropologia e do Materialismo his-tórico
e dialético no marxismo, que nos
permitiram elaborar as idéias contidas nes-te
trabalho, esperando contribuir, desta
forma, para uma discussão acadêmica.
Teses centrais
Como esclarecimento inicial, entende-mos
que a teoria antropológica e, a etnográ-fia
da conta em descrever as sociedades
tribais em diferentes estágios de sua evo-lução
material e intelectual, bem como
permite entender a dimensão das necessi-dades
biológicas do ser humano. É justa-mente
nesse campo que ousamos pensar o
fenômeno do turismo, não como algo defini-tivo
ou meramente biológico1, mas, sim,
como uma construção histórica que vem
sendo moldada segundo o desenvolvimento
das relações de produção.
De maneira a complementar nossos
apontamentos, utilizaremos o materialismo
histórico na perspectiva de demonstrar que
sua base teórica coloca historicidade na
visão etnográfica, permitindo o uso cuida-doso
e não conflitivo de epistemes diferen-tes.
Tal possibilidade depende exclusiva-mente
da capacidade do pesquisador no
trato de seu objeto de pesquisa e no con-hecimento
que o mesmo possui das diferen-tes
linhas teóricas.
Semelhante procedimento metodológico
foi articulado também por Karl Marx e
Friedrich Engels, que ficaram impressiona-dos
com o livro A Sociedade Primitiva do
antropólogo Lewis Henry Morgan, publica-do
em 1877. Marx estudou a literatura
existente sobre as sociedades “primitivas”,
uma vez que havia elaborado reflexões so-bre
seus escritos, em Formações Pré-capitalistas,
resultando em um resumo
crítico comentado da obra de Morgan. En-gels,
transforma-o em livro A origem da
Família, da Propriedade Privada e do Esta-do,
publicado em 1884, no qual destacamos
a seguinte parte:
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De acordo com a concepção materialista,
o fator decisivo na história é, em última
instância, a produção e a reprodução da
vida imediata. Mas essa produção e essa
reprodução são de dois tipos: de um lado, a
produção de meios de existência, de produ-tos
de alimentícios, habitação, e instrumen-tos
necessários para tudo isso; de outro
lado, a produção do homem mesmo, a con-tinuação
da espécie.
Tive que refazer toda a argumentação
econômica, que, se era suficiente para os
objetivos de Morgan, não bastava, em abso-luto,
para os meus (Engels, 1977: 2)
Na verdade, Engels fez uma leitura de-ntro
do Materialismo Histórico e dialético
do estudo academicamente sério de episte-me
funcionalista de Morgan, permitindo
demonstrar que um objeto pode ser lido de
várias linhas teóricas e todas dentro de seu
campo possuem qualidades e limites que
podem ser incorporados ao entendimento do
fenômeno.
Essa “centrifugação” possível no uso de
correntes teóricas opostas pelas quais op-tamos:
a etnografia e o materialismo histó-rico
para o estudo de um único objeto, pare-ce
desaconselhável teoricamente e prejudi-cial
à análise científica se não a entender-mos
dentro dos limites e respeitando os
momentos de insustentabilidade aproxima-tiva
das duas epistemes em situações con-cretas.
Por isso, objetivamos demonstrar
que as necessidades básicas estudadas pelo
antropólogo Bronislaw Malinowski em
“Uma teoria científica da cultura” são tam-bém
abordadas por Karl Marx em “A Ideo-logia
Alemã”, porém em dimensões e refe-renciais
teóricos diferentes.
O esforço acadêmico e teórico que reali-zamos
não é descabido e, sim, contribui
para o entendimento da realidade, dando-lhe
mais validade universal e aproximando-o
da verdade científica. Tal procedimento é
comum nos escritos de Florestan Fernandes
e o uso do ecletismo teórico enriquece seus
estudos. Em um texto sobre a contribuição
teórica às ciências sociais, o sociólogo e pes-quisador
Gabriel Cohn afirma:
Essa disposição para articular modali-dades
diversas de acesso à realidade social,
para mobilizar formulação metodológica e
esquemas teóricos diversos no interior da
mesma pesquisa, é uma maneira de dar
conta dessa tensão entre a inserção prática
angustiada, tensa – e, por que não dizer,
em muitos momentos contraditória no seu
mundo – e as exigências da consistência
interna, do acabamento, da integridade da
obra (Cohn, 1987: 53).
Por esse motivo, sentimo-nos preparados
para sustentar esse pequeno ecletismo e
demonstrar que a ciência depende não só
das epistemologias, mas também, em saber
usá-las de forma crítica e inteligente, como
fazia o cientista social Florestan Fernan-des.
Demonstrando que o fenômeno turísti-co
não pode ficar restrito ao monopólio de
uma única linha epistemológica, mas, sim,
com os cuidados necessários, pode-se pro-duzir
estudos baseados em diferentes con-ceitos
que aderem à explicação do objeto,
sem, contudo, minar a vertente teórica em
sua base estrutural.
Entendam os teóricos da academia que
não estamos propondo um ecletismo epis-teme
insustentável teoricamente, ao con-trário,
podemos utilizar conceitos de matri-zes
diferentes para poder entender um fato
específico e peculiar em estudos que, mui-tas
vezes, exigem esse ecletismo balanceado
como afirma Florestan.
Os estudos mais interessantes são aque-les
que sabem utilizar um instrumental
teórico livre para entender a realidade
humana em sua dimensão pluridimensio-nal,
servindo a uma ciência de aplicação
mais eficiente, pois a sociedade usa-se para
o entendimento do mundo.
A arte de recorrer, nas análises científi-cas,
a conceitos de epistemes diferentes
requer do pesquisador um domínio sobre as
diferentes teorias, bem como saber quando
e onde utilizá-los, pois aí reside a sua capa-cidade
de investigador. Diferentes conceitos
podem ser utilizados, desde que devida-mente
justificados e detectados seus limites
dentro do corpo do trabalho.
Assim, o embate epistemológico deve
ocorrer entre a produção de pesquisadores e
não no interior de um texto, e, se isso acon-tecer,
podemos ter certeza de que a confus-ão
conceitual existente no interior do tra-balho
em questão é por erro de seu autor
que possui uma formação teórico/filosófica
deficiente diante da teoria do conhecimen-to.
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Procedimentos
Para podermos entender o fenômeno do
turismo em sua dimensão teóri-co/
metodológica, com raras exceções pouco
se tem onde recorrer, uma vez que os estu-dos
existentes nesse campo são restritos, e
muitas vezes, rejeitados por parte da aca-demia.
Diante de tais constatações, parti-mos
da premissa de que necessitamos estu-dar
a construção histórica desses conceitos.
Em primeiro lugar, parece questionável que
o turismo ser entendido como produto do
capitalismo? Ou que seu desenvolvimento
decorra de fatores do aparecimento da alta
tecnologia como assim o quer Sergio Molina
com o conceito de “pós-turismo”, ou que seu
nascimento surgiu na Inglaterra pelo
Grand-tour, ou que foi colocado no trade
por Thomas Cook.
Questionamentos existem e fazem parte
da dinâmica de ser do fenômeno turístico,
que; por possuir uma forte vertente tecni-cista
e ainda a relativa facilidade de inserç-ão
no mercado profissional, bem como a
limitação numérica de pós - graduações
strito-senso existente no país, apresenta-se
no interior da academia de forma frágil.
Esta situação, nada agradável para o forta-lecimento
do turismo como ciência, interfe-re
no domínio e na compreensão do fenô-meno
que, por sua natureza integrativa e
universal, deve e necessita do apoio das
outras ciências para poder se firmar na
academia.
É nesse sentido que este trabalho vai ao
encontro de uma nova leitura do fenômeno
do turismo no difícil e ardiloso campo da
teoria do conhecimento. Cabe a nós respei-tar
toda e qualquer interpretação teórica e
a partir delas avançar no campo da ciência.
Começamos pelos ensinamentos da etno-logia
que busca realizar estudos descritivos
das sociedades humanas, raça, história das
culturas e das línguas, para nós de suma
importância para a compreensão do surgi-mento
das necessidades básicas. Como sur-gem?
Por que surgem? E qual sua função?
A etnologia como ciência serviu para que
a humanidade compreendesse sua essência
de aparecimento histórico, entendendo as
necessidades básicas do ser humano e as
resposta culturais que o mesmo deveria
dar. Como necessidade básica, Bronislaw
Malinowski consegue detectar a questão do
movimento, que, para a ciência do turismo,
aparece como um elemento fundamental a
fim de se explicar ontológicamente, abrindo
um campo inesgotável para pesquisas na
área.
Com isso, negamos que, na história da
humanidade, o homem tenha sido, por um
período relativamente grande, sedentário.
Com a expansão territorial, a necessidade
de sobrevivência, a troca de mercadorias; o
surgimento da luta do movimento operário
pela redução da jornada de trabalho do
capitalismo e a resposta cultural desta ne-cessidade
denomina-se atividade, que apa-rece
moldada sob diferentes conceitos, se-gundo
o estágio das relações de produção e
das características culturais de cada socie-dade.
Com isso, colocamos o movimento
como uma necessidade histórica básica cuja
resposta cultural correspondente é a ativi-dade
como detalhado por Malinowski:
(A) (B)
NECESSIDADES
BÁSICAS
RESPOSTAS
CULTURAIS
Metabolismo Aprovisionamento
Reprodução Parentesco
Confortos corporais Abrigo
Segurança Proteção
Movimento Atividades
Crescimento Treinamento
Saúde Higiene
(Malinowswki, 1970, p. 89 )
A importância desse estudo para a ciên-cia
do turismo é que a mesma pode ser per-cebida
como uma necessidade históri-ca/
biológica, que a coloca em outro patamar
a explicação teórica e que põe por terra toda
e qualquer teoria que insinue que o turismo
nasceu com o capitalismo2. O turismo nasce
como uma resposta cultural dada a uma
necessidade biológica, portanto faz parte da
referência histórica dos homens.
De acordo com a antropologia, o movi-mento
constitui uma atividade necessária
ao homem, pela qual ele consegue fazer a
coleta, caça e a pesca, o movimento físico e
geográfico potencializando a construção de
uma cultura. Assim, todos devem ter um
raio de ação, deixando suas marcas nos
produtos que colhem da natureza e nos
desenhos rupestres que espelham seu de-senvolvimento
evolutivo. Esta necessidade
pelo movimento atribui ao ser humano o
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ato de andar, correr e trabalhar, sendo que
o trabalho vai se constituir na categoria
máxima e explicativa do ser humano dentro
do materialismo histórico.
Porque o trabalho se refere a qualquer
ação humana que modifique o meio, assim
a resposta cultural à satisfação de uma
necessidade básica vai se conformar por
meio da história de diferentes maneiras
segundo o estágio cultural, político, econô-mico
e social de uma determinada socieda-de.
Nesse caso, o movimento como necessi-dade
básica se transforma em atividade
pela categoria trabalho que, dentro da epis-temologia
marxista, significa que a realida-de
é produto da ação do homem. Na leitura
de Karl Marx, a história é resultado da
materialidade, e o movimento configura-se
em uma resposta cultural, resultado da
práxis dialética entre a realidade objetiva e
a subjetividade dos homens; enquanto para
o funcionalismo do período da etnologia
biológica, o movimento é uma necessidade
biológica e não construída, mas, sim, dada.
Recuperando uma das referências de
Marx, o mesmo entende que a realidade
possui necessidades que os indivíduos têm
que satisfazer não só para sobreviver, mas
também para poder fazer história:
[...] primeiro pressuposto de toda
existência humana e, portanto, de toda a
história, a saber, que os homens devem
estar em condições de poder viver a fim de
<< fazer história>>. Mas para viver, é ne-cessário
antes de mais beber, comer, ter um
tecto onde se abrigar, vestir-se, etc. O pri-meiro
facto histórico é pois a produção dos
meios que permitem satisfazer essas neces-sidades,
a produção da própria vida mate-rial;
trata-se de um facto histórico, de uma
condição fundamental de toda a história,
que é necessário, tanto hoje como há mil-hares
de anos, executar dia a dia, hora a
hora, a fim de manter os homens vivos.
(Marx e Engels, 1976: 33)
Tanto a etnologia como o materialismo
histórico ajuda-nos a ter uma compreensão
do fenômeno turístico. O primeiro capta-o
como uma necessidade cultural, e o segun-do,
pelo materialismo histórico, entende-o
como produto de uma resposta cultural.
Essa integração tática episteme permite
entender a produção do fenômeno turístico.
No percurso da história
O tipo de interdependência, que nasce
da ordem biótica, nela incluindo as relações
dos organismos com o meio físico e biológico
em geral, repete-se igualmente no nível
psicossocial e cultural, em que se organiza
a vida humana (Fernandes, 1974: 46).
A arte da subsistência da raça humana e
sua capacidade racional vão determinar
para a história das civilizações o único
axioma infalível e permanente, aquele que
afirma: “nenhuma cultura viva é estática”.
(Herskovits, s/d: 289) Os seres humanos
foram os únicos que conseguiram dar conta
do problema da alimentação se aventuran-do
à caça, à pesca e à coleta, ampliando a
área geográfica na busca de regiões que
resolvessem sua subsistência.
O ato de viabilizar a existência física
permite-o galgar espaços maiores e os torna
independente para longas caminhadas, isto
é, um explorador irreverente. O ato de mo-vimento,
nesse período, exige atividades de
alto grau de esforço físico, com parcos re-cursos
técnicos. A escalada de montanhas e
todo tipo de acidente geográfico, bem como
o embate entre grupos e a luta com animais
selvagens tornam as viagens verdadeiras
aventuras:
[...] podemos afirmar que uma das carac-terísticas
desses roteiros é possuir em sua
essência a sedução do desconhecido, o ex-ótico
e o medo ao mesmo tempo da aventu-ra
e exploração. As condições de domínio
sobre as possíveis variáveis que poderiam
ocorrer eram quase sempre impossíveis de
serem controladas (Santos Filho, 2001: 75).
A mobilidade torna-se o elemento cen-tral
da vida pela luta da sobrevivência e tal
processo vai se construindo na história da
humanidade de diferentes formas, apare-cendo
o uso do tempo acoplado às ativida-des
de trabalho e não-trabalho. Nesse mo-mento,
o
homem tem uma única preocupação, a sub-sistência,
pois há uma necessidade biológi-ca
de se preservar e procriar a espécie e
manter o metabolismo. Portanto, sua vida
está devotada à luta para sobreviver em
comunidades coletivas que, pouco a pouco,
foram moldando hábitos sociais que leva-ram
à cultura do coletivismo.
O coletivismo aparecerá em um outro es-tágio
de sociabilidade, cuja a cooperação e o
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próprio conflito costuram uma cultura tri-bal
que espalha-se em diferentes estágios
de desenvolvimento material e social pelo
mundo. E, portanto, surgirão formas dife-rentes
do tempo de não-trabalho. Nesse
caso, comunidades darão ao tempo social
usos ritualescos, religiosos, recreativos e de
trabalho, pois há momentos que o trabalho
e o lazer se fundem numa única atividade,
segundo o desenvolvimento das relações de
produção.
Não seguiremos as cronologias históri-cas
existentes, porque elas possuem limites
que podem estar temporalmente equivoca-dos,
sendo assim, descreveremos as ativi-dades
que são feitas e ocupadas pelo tempo
de não-trabalho ao longo da história da
civilização.
Para não cair numa categorização de ba-se
estruturalista, à semelhança de Sergio
Molina e de Jafar Jafari, optamos em pen-sar
o fenômeno turístico dentro de uma
visão histórica, portanto nossas referências
correspondem ao desenvolvimento das re-lações
de produção, ou seja, decorrentes do
estágio da materialidade das comunidades.
Denominamos essas faces períodos his-tóricos
em que o processo econômico movi-menta
e determina a forma de ser da civili-zação,
ou seja, a seqüência dos modos de
produção vai determinar diferentes ativi-dades
de tempo social, na qual o trabalho e
lazer vão se configurar num único bloco de
atividades do cotidiano. Com o desenvolvi-mento
e mudança das relações de produção,
o trabalho e as possíveis atividades de lazer
vão se separando e tornando-se autônomas,
em razão da mercadoria para a troca.
Portanto, o turismo vai ser sinalizado
por diferentes significados, segundo a cul-tura
determinada pelo modo de produção,
assim sendo, entendemos que podemos
elaborar uma classificação, agora rica em
determinações históricas e não um simples
quadro heurístico, vazio de historicidade.
Neste caso, nosso ponto central de base
axiomática é a terra, uma vez que as relaç-ões
sociais vão se formar segundo à confi-guração
da propriedade da terra, co…m
isso, queremos nos afastar do perigo de
inventar classificações de cunho comteano
quando se trabalhar a questão trinaria ou
se propuser conceitos de configuração idea-lista
e metafísica, vazias de qualquer mate-rialidade
e recheadas de formatações de
cunho de censo-comum.
Por isso, atentamos em produzir uma
classificação com historicidade cuja totali-dade
seja produto do desenvolvimento das
relações de produção:
Comunidade Natural: é aquela comunidade
em que os indivíduos se sentem proprietá-rios
da terra e de sua realidade, o que im-pulsiona
a vida e a proposta comunitária,
pois são co - proprietários de uma igualdade
natural. A vida gira em torno de uma enti-dade
que se apresenta “[...] como um parti-cular
ager publicus” (Marx. 1971: 51).
É característica desse período o noma-dismo
e a vida pastoril, onde a apropriação
da terra é coletiva, meio e material de tra-balho,
bem como a base da vida é comuni-tária.
Os homens produzem as condições
objetivas de sobrevivência com referências
lúdicas e divinas. Assim se expressa Karl
Marx:
La apropiación real a través del proceso
de trabajo ocurre bajo estos supuestos, los
cuales no son ellos mismos producto del
trabajo, sino que aparecen como los supues-tos
naturales o divinos de este (Marx, 1971:
52).
Nesse período, qual denominamos co-munidade
natural, a propriedade da terra é
coletiva, correspondendo a produto divino,
isto é, um direito natural, um instrumento
de trabalho para cada individuo, a natureza
é dona de tudo e de todos. O lúdico adquire
traços de divindade e aparece de forma
ainda difusa na compreensão do trabalho e
da troca.
As atividades de trabalho e não-trabalho
(lazer) são únicas e apresentam-se no coti-diano
daquelas comunidades, estando en-trelaçadas
em todo seu cotidiano. Obvia-mente
as atividades de não-trabalho só
existem porque existiram a de trabalho e,
como desenvolvimento biológico, requer a
necessidade básica do movimento que, como
resposta cultural, propõe uma série de ati-vidades
que vão depender do estágio das
relações de produção da mesma sociedade.
É assim que a visão histórica materialista
entende o surgimento do turismo, como
uma construção histórica,
Os ritos retratados nas cavernas, as
marcas dos seus excrementos, restos de
ossos e utensílios (sambaquis) levam-nos a
entender a noção de movimento e as ativi-
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dades de lazer por eles produzidas, como a
dança, desenhos, caça, rituais e o cotidiano,
permitindo-nos compreender o movimento
como necessidade básico-cultural e sua
explicitação inerente a cada grupo social.
Por isso, os desenhos rupestres demons-tram,
no Brasil e em todo o planeta, retra-tos
de diferentes estágios civilizatórios da
raça humana.
Nesse período, que denominamos comu-nidade
natural, surge o homem, tratando-se
de um espaço temporal longo, formado
por estágios materialmente diferentes, e a
antropologia vai estudá-lo por inúmeras
classificações. Podemos entender as várias
atividades de lazer, a caça, a pesca, a plan-tação
e a coleta apresentam-se todo um
ritual de dança e orações (ladainhas) refe-rentes
àquela atividade, enfim a ritualizaç-ão
faz parte da sociabilidade das pessoas.
Nessa variação de desenvolvimento ma-terial
e social, vão surgir os jogos ligados
sacrifícios de animais e humanos. A luta
corporal ligada a atividades de espetáculo
vai ganhar força e sustentar vários períodos
civilizatórios e diferentes sistemas despóti-cos.
Os lazeres surgem como atividade liga-da
ao trabalho e a espetáculos de lutas e
sacrifícios, as grandes arenas de luta entre
gladiadores e animais divertem multidões e
conquista seguidores. O lazer tem um obje-tivo,
servir à manipulação das massas
apoiadas a entidades religiosas. Esse perío-do
contempla um largo espaço histórico,
quando matrizes culturais correspondem ao
desenvolvimento material diferenciado
ocorrido no continente Latino Americano.
Por isso, exploradores como Pedro Álvares
Cabral e Cristóvão Colombo apresentarão
comportamentos diferentes, pois contatam
povos com estágios civilizatórios desiguais,
portanto, com lazeres diferentes.
Grupos de colonos, punidos pelo reino
português e espanhol, instalam-se no Novo
Mundo e, com a bandeira da missão evan-gelizadora,
fundam cidades, dão vida a
santos e santificam imagens para a futura
troca por ouro, interferindo na vida local:
[...] participaram em rivalidades nativas
e jogaram umas tribos contra outras. Ba-talharam,
aterrorizaram, torturaram e
mataram nativos; deitaram-se com suas
mulheres, filhas e viúvas feitas pelos es-panhóis;
e levaram muitas almas pagãs à
salvação, na grande maioria das vezes com
a extinção simultânea dos respectivos cor-pos.
E sempre indagando o paradeiro do
ouro (Landes, 1998: 111).
Nessas sociedades, as atividades de la-zer,
por serem ritualistas, não são indepen-dentes
do trabalho, mas, sim, necessitam
existir para que o trabalho seja realizado
com sucesso, por isso uma prática social
existente, o trabalho e o lazer apresentam-se
como atividade única e inseparável à
qual chamamos trabalho natural ou tra-balho
de subsistência, cujo cotidiano é vol-tado
para a subsistência e o movimento se
explicita em atividades de luta pela sobre-vivência;
os lazeres apenas são percebidos
na atividade de trabalho. Mesmo que o jogo
de pelota apareça com nitidez na sociedade
Maya, sua disputa envolvia ritual antes e
depois do jogo e estavam associados dire-tamente
ao trabalho de sobrevivência.
O jogo de pelota constitui-se em uma
atividade que possuía um contorno sagrado
e cósmico, misturado, às vezes, ao sacrifício
de seus perdedores, correspondendo ao es-porte
nacional do povo Quiché.
76 Espelho da história: ...
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Devemos esclarecer que o período histó-rico
que classificamos como comunidade
natural se entende pela categoria de tra-balho
de subsistência e natural cuja carac-terística
de intemporalidade é o elemento
fundante desse “espaço” dado pela grandio-sidade
de tempo cronológico impossível de
ser medido, mas estimado. Vai além das
cronologias consagradas, porque apesar da
já sinalização da mercadoria dada pelo es-cambo
o continente Latino apresenta de-senvolvimentos
das relações de produção
específicos e individualizados, pois as divis-ões
étnicas da América Espanhola era um
perfeito bricoleur para os exploradores que
atuaram na sistemática da classificação
para o controle e o extermínio. Então, não
podemos nos ater a cronologias, mas, sim,
ao movimento da mercadoria. Neste sentido
trabalhamos a classificação histórica em
questão.
1. Sociedade Mercantil: é aquela em que
aparecem as cidades unidades adminis-trativas,
a ocupação da terra pelas gue-rras
com o avanço da mercadoria toma
posse do cotidiano das pessoas e há uma
expansão territorial em que o Capital se
alastra e começa a enfatizar e a produzir
o lucro e a exportação. O traço marcante
do referido período é a separação entre
trabalho e não-trabalho de forma acele-rada.
As classes sociais são diferencia-das
por lazeres que praticam; aos no-bres,
cabe a esgrima, os esportes de ca-valaria
e as festas do palácio; aos súdi-tos,
cabem as festas de cunho religioso e
cultural. Esse período vai do descobri-mento
e exploração da América até a
Revolução Industrial.
Inglaterra, no começo da revolução industrial.
Tal período apresenta-se rico as desco-bertas
científicas se multiplicam com o
objetivo de ampliar a acumulação de capi-tal,
com uma burguesia já estabelecida,
com poder político e econômico definido e
que dominava e aperfeiçoava uma tecno-logia
que vinha da Idade Média. Segundo
o professor de história e economia política
David S. Landes:
A Idade Média, como vimos, já estava
familiarizada com uma ampla variedade
de máquinas – para triturar milho ou
malte, moldar metais, tecer fio, pisoar
pano, lavar tecidos, acender fornalhas.
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PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 5(1). 2007 ISSN 1695-7121
Muitas dessas máquinas eram acionadas
por força motriz, tipicamente por noras ou
azenhas (rodas hidráulicas). Nos séculos
seguintes (1500- ), esses dispositivos pro-liferaram,
dado que os princípios da
mecânica eram largamente aplicáveis.
Nos têxteis, algumas das importantes
inovações foram o bastidor para malha, o
tear “holandês” ou tear “mecânico”, o tear
de trena; também as máquinas para tor-cer
fio de seda. (Landes, 1998: 211)
A exploração das minas de carvão e
matéria prima para a fabricação do ferro
e aço deu um avanço descomunal para a
criação de riquezas, alterou a qualidade
dos transportes: navios de casco de aço,
mais resistentes e leves, trilhos de aço,
mais duráveis, e a própria metalurgia,
que vão se constituir elementos determi-nantes
para a Revolução Industrial. As
condições de trabalho passam por diferen-tes
faces: da exploração brutal, como de-nuncia
Paul Lafargue, em “O Direito à
Preguiça”, até o aprendizado da organi-zação
da classe trabalhadora como classe,
que tem acesso ao “Manifesto Comunis-ta”.
O movimento em defesa da classe tra-balhadora
alcança as ruas e chega ao
Parlamento, o movimento socialista in-ternacional
ganha amplitude, e as obras
de Karl Marx e Engels fazem-se presentes
no meio intelectual. O tempo de trabalho
começa a ser planificado com direitos
sociais conquistados ou dado por interesse
em aumentar a produção e circulação da
mercadoria.
Os lazeres começam a ser comerciali-zados,
sejam no Gran Tour ou por Tho-mas
Cook e com o direito às férias, apesar
de estar marcado por lazeres e turismos
resultado de uma estratificação social e
econômica injusta e discriminatória. Os
ricos desfrutam das praias européias, e os
pobres, dos encontros familiares e cultos
religiosos.
2. Sociedade do Capital: é aquela em que
tudo é transformado em mercadoria
para ser consumida, a atividade de
trabalho separa-se completamente da
de lazer e turismo. Essa independên-cia
entre tempo de trabalho e não tra-balho
significa o rompimento do equi-líbrio
e da sustentabilidade que esta-va
contida na sociedade tribal, em que
a mercadoria é inexistente, pois o que
há é trabalho para satisfazer a sub-sistência,
e nesse caso, não ocorre a
separação entre trabalho e não- tra-balho.
Com a produção de excedente para a
troca e sua intensificação o capital inicia
um processo de expansão e acumulação
sem precedentes, essa fúria em privatizar
a vida das pessoas corresponde à necessi-dade
de aprofundar, cada vez mais, a
acumulação de capital e garantir a dita-dura
do mesmo. O mundo das corporações
determina e conduz o poder do capital que
atinge o capitalismo e o socialismo real,
sustentado por uma sociabilidade cons-truída
pelo fetichismo da mercadoria que
vende o irreal, torna o ilusório concreto e
o lúdico permeia o cotidiano das pessoas,
ocasionando uma crise de racionalidade
que vem acompanhada por um processo
de despolitização e negação da razão como
condutor do conhecimento.
Essa barbárie, segundo José Chasin
decorre da voracidade do capital que
utiliza de elementos para diminuir o tra-balho
vivo em relação ao trabalho morto,
assm:
É a alta tecnologia (micro-eletrônica,
automação, etc.) a contribuir de modo
determinante na criação da riqueza, re-duzindo
de forma drástica a participação
do trabalho vivo. Desta vez (arco com o
pleonasmo) os monopólios monopolizam
uma arma especial: um “escape relativo”
à lei do valor (Chasin, 1983: 14)
Com a diminuição do trabalho vivo,
ocorre uma virtual onda de desemprego
em massa, concentração de riqueza e con-seqüentemente
maior pobreza e miséria.
O povo sofre no âmbito da satisfação de
suas necessidades básicas, é nesse contex-to
que o Estado, de acordo com Karl
Marx, transforma-se no comitê da classe
dominante, desenvolvendo um processo
de fetichicismo por meio da emulação
veiculada de forma intensiva e subliminar
pelos meios de comunicação públicos e
particulares. Esse mercado industrial de
reserva é controlado pelo Estado na di-mensão
do seu assistencialismo clientelis-ta,
desenvolvendo a noção de igualdade
dos desiguais, por meio:
[...] ab absurdo, se destes viessem a
dispor, só transformariam o “sonho” em
78 Espelho da história: ...
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 5(1). 2007 ISSN 1695-7121
realidade, dado o estatuto do desenvolvi-mento
desigual, sob a forma de uma única
e restrita associação das personae do ca-pital,
ou seja, sob a forma de um monopó-lio
único, que não poderia ser outra coisa
do que o próprio estado. De modo que o
exercício rígido de uma ilação genérica,
equivalência lógica de uma ilusão de clas-se,
pode “levar” o capital à beira da felici-dade
máxima; mas, em concomitância
com o auge do delírio, o “sonho dourado”
se converte no “pior dos pesadelos”, à
medida que só pode vir à luz sob uma
encarnação que dissolve o capital privado
(o que não significa a dissolução do pró-prio
capital ) (Chasin, 1983: 13).
O irracionalismo afeta a sociedade e é
esse mesmo irracionalismo que atua nos
lazeres e turismo, estimulando o consumo
pelo irreal, ilusório, no mundo da fanta-sia,
tornando os indivíduos idiotizados, e
o censo comum passa a governar a vida de
cada um e a adrenalina é usada para res-saltar
a prática do inexistente na realida-de.
Esse é o motivo do “sucesso” dos Par-ques
Temáticos que atendem ao sentido
da necessidade da fuga metafísica do
cotidiano histórico.
Com a manipulação ideológica, os la-zeres
e o turismo passam a se constituir
num verdadeiro freio e ocultação da reali-dade
vista dentro da concepção histórica.
Como resposta surge a inocente idéia de
que a realidade necessita ser contada em
partes e não em sua totalidade.
O lazer e turismo são globalizados,
portanto devem seguir o padrão de uma
hospitalidade universal ditada pelas
grandes corporações, seja no campo do
transporte, gastronomia, hotelaria e dos
lazeres imposto pelos interesses das
grandes corporações. O lúdico é explorado
para manter, ao máximo, o sujeito desco-lado
da realidade política, econômica e
social; o turismo tem a função de desviar
as contradições da sociedade, portanto
funciona como elemento de exclusão so-cial,
alimentando a ideologia dominante e
fixando a falsa idéia de que o problema
não se encontra no sistema, mas, sim, no
interior das pessoas.
Assim, tal individualismo privilegia
como o turismo o Caminho de Composte-la,
os Parques Temáticos, os jogos eletrô-nicos,
o computador entre outros, estas
práticas induzem ao egoísmo individualis-ta
e ao consumo de literatura de auto-ajuda.
Conclusão
Nossa intenção foi construir histori-camente
uma categorização cuja express-ão
residisse na materialidade dialética da
história, acompanhando o desenvolvimen-to
dos Modos de Produção, buscando, com
isso, fugir das mediações fenomelógicas,
como assim estão construídas as maiorias
das propostas de estudo do fenômeno tu-rístico.
Se conseguirmos tal intento, o debate
no interior da academia confirmará. Um
objetivo alcançamos, despertar a leitura
crítica do fenômeno turístico e demons-trar
que existem outras epistemologias
explicativas do objeto. A leitura do turis-mo
feita pelo Materialismo histórico e
dialético permite entender o objeto em
sua totalidade e considera que o mesmo
se constitui em uma atividade que surge
anteriormente ao capitalismo.
Com referência a antropologia e seus
estudos etnológicos, os mesmos nos abrem
inéditos campos de pesquisas para o en-tendimento
do fenômeno turístico, permi-tindo
refleti-lo no conjunto de sua essen-cialidade
histórica, capaz de levantar
pertinentes questionamentos de ordem
episteme.
A vantagem desse entendimento é
permitir e compreender o objeto de forma
ontológica, cuja essencialidade não fica
vulgarizada pela rapidez dos dados empí-ricos
e pela baixa reflexão imediatista que
esse processo acaba alimentando. Com
isso, podemos criticar o privilégio que a
sociedade capitalista oferece aos dados
quantitativos e o desprezo parcimonioso
aos dados qualitativos. O saudosismo a
Adam Smith e a Ricardo está amplamen-te
discutida no texto de Karl Marx, O
Método da Economia Política.
Partindo do pressuposto de que todo
conceito é limitado, pois a realidade histó-rica
social é mais rica que sua expressão
literária, afirma-se que, conforme o de-senvolvimento
das relações de produção,
os conceitos vão aprimorando sua signifi-cação,
porém sem perder a sinalização de
uma categoria que se manifesta em sua
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completude até cair no desuso. Processo
este característico do materialismo histó-rico
e dialético, neste sentido Karl Marx
afirma:
[ Nota de Marx ] Os homens têm uma
história pelo facto de serem obrigados a
produzir a sua vida e de terem de o fazer
de um determinado modo: esta necessida-de
é uma conseqüência da sua organizaç-ão
física; o mesmo acontece com a sua
conciencia (Marx e Engels, 1976: 35)
Karl Marx, ao afirmar que a única
ciência que existe é a ciência da história,
está assumindo a base de seu método e se
diferenciando dos outros. Este caminhar
epistemológico demonstra que a história é
produto do homem em atividade de tra-balho,
e seu pensamento é produto da
relação dialética de sua práxis. Se assim
entendemos, é extremamente equivocado
afirmar que o turismo começa com o capi-talismo,
pois ele é produto de um processo
histórico que sinaliza a sua presença des-de
o aparecimento do homem. Obviamen-te
que sua efetivação conceitual também
decorre do mesmo processo, termos como
ritos, preguiça, ócio, lazer e turismo vão
surgindo com maior intensidade, confor-me
o estágio de desenvolvimento das re-lações
de produção.
Assim, a idéia desse texto foi aprofun-dar
a questão epistemológica e mostrar o
quanto a referida discussão se torna ne-cessária
para uma ciência do turismo que
ainda é marginalizada por parte da aca-demia
e mal entendida por algumas ciên-cias
que tentam manter o monopólio de
sua existência.
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1998 A riqueza e a pobreza das nações:
por que algumas são tão ricas e outras
tão pobres. Rio de Janeiro: Campus.
NOTAS
1 Consideramos a questão biológica um elemento
que só tem sentido ser compreendido fora dos
preconceitos deterministas, quando se acredita
que o ser humano é possuidor de necessidades
básicas que “Englobam regularidades que, entre-tanto,
são cheias de exceções”. (Beckner, s/d, p.
198. In: Filosofia da ciência. (org.) Sidney,
Morgenbesser. São Paulo: Cultrix. Além de en-tender
que o determinismo biológico se constitui
em um dedutivismo empirista que não permite a
visão histórica e traz consigo as chamadas “dife-renças”
raciais que foram, por muito tempo,
substrato de sustentação à historiografia mundial
e das classes dos países imperialistas. Nesse caso,
Karl Marx escreve uma passagem fundamental
em A Ideologia Alemã: “Apenas conhecemos uma
ciência, a da história. Esta pode ser examinada
sob dois aspectos; podemos dividi-la em história
da natureza e história dos homens. Porém estes
dois aspectos não são separáveis; enquanto existi-rem
homens, a sua história e a da natureza condi-cionar-
se-ão reciprocamente.” (Marx, 1976, p.
18). Segundo professor Stephen Jay Gould, o
biologismo, como teoria explicativa do ser huma-no,
vem passando por mudanças: “ Uma das
principais tendências da ciência e cultura do
século 20 tem sido o afastamento gradativo desse
determinismo biológico. Começamos a enxergar-nos
como um animal que aprende; acabamos por
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acreditar que as influências de classe e cultura
superam de longe as predisposições, mas fracas,
de nossa constituição genética.” (Gould,. 1987:
235).
2 Não negamos que o capitalismo tenha um efeito
extremamente massivo no desenvolvimento do
turismo, turismo de massa, turismo de elite,
Grand-tour, grandes navegações etc. Porém, o
mesmo vem acoplado a uma necessidade básica
que requer uma resposta cultural. Nesse sentido,
podemos afirmar, conforme Karl Marx, que uma
categoria mais simples expressa sempre uma
categoria mais complexa. Assim, o termo turismo
já estava sendo assinalado com a necessidade
básica movimento para posteriormente ir se con-figurando
em outras referências lingüísticas e
conceituais.
Recibido: 21 de febrero de 2006
Reenviado: 10 de octubre de 2006
Aceptado: 18 de noviembre de 2006
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