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© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121 Vol. 14 N.o 2. Págs. 527-541. 2016 www .pasosonline.org Resumo: Discute-se o uso de meios visuais para uma antropologia que estuda o turismo. O texto reflecte sobre a proliferação de meios e ferramentas de registo, edição e difusão de imagens visuais tecnologizadas e propõe-se a uma abordagem que considera condições de produção, os significados das imagens e suas diferentes recepções. A ‘era do digital’ é também discutida, nomeadamente no potencial transformador sobre recepção, produção e difusão, associado a novas formas de autoria, à velocidade de circulação dos conteúdos e à revisão das fronteiras entre real e irreal, documentário e ficção, ciência e arte. O pano de fundo é o de um mundo que, facilitando e estimulando o lazer, as mobilidades e a contemplação e consumo do diferente e do belo (paisagístico, patrimonial, monumental) não deixa de reproduzir um ‘divide’ imagético (digital); i.e. acessos desiguais às ferramentas de representação visual dos ‘outros’, de si mesmos e do mundo. Palabras-chave: Antropologia visual; Turismo; Cultura digital; Subjectividade. For a visual anthropology of tourism: the critical use of methodologies and visual materials Abstract: This article discusses the uses of visual means in an anthropology that studies tourism. The text reflects on the proliferation of media and recording, production and distribution tools of technologized visual images and proposes an approach that considers production conditions, the meanings of the images and their different receptions. The ‘digital age’ is also discussed, particularly its transformative potential of reception, production and dissemination, together with new forms of authorship, the velocity of contents circulation and the revision of the boundaries between real and unreal, documentary and fiction, science and art. The background for my argument is that of a world that, facilitating and stimulating leisure, mobilities and contemplation and consumption of the different and the beautiful (landscape, heritage, monumental) does not cease to produce a (digital) imagery ‘divide’; i.e. unequal accesses to visual representation tools of the ‘others’, of themselves and of the world. Keywords: Visual anthropology, Tourism, Digital culture, Subjectivity. Para uma antropologia visual do turismo: O uso crítico de metodologias e materiais visuais Humberto Martins* Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Portugal) Humberto Martins * CETRAD – Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento; E-mail: hmartins@utad.pt 1. Introdução: antropologia, turismo, viagens e as imagens O antropólogo é também e sempre um turista – alguém que se define profissionalmente a partir das rotas, trajectos e contactos realizados (Clifford 1997); alguém que viaja (por deslocação a lugares, através dos livros e das imagens de outros) à procura das diferenças, dos exóticos, de outras coisas e outros para conhecer1 e que, na verdade, muitas vezes se encontra com turistas (Sampaio 2013b; Silva 2003). O antropólogo visual é, seguindo este raciocínio, um turista com uma câmara de filmar ou de fotografar na mão2 - como referem Robinson e Picard (2009), a condição de ser turista parece implicar ter uma câmara que registe em imagens o que se vê e experiencia. A antropologia como projecto de (re)conhecimento da diversidade e da diferença cultural sempre teve em si um princípio turistificador traduzido nas ideias de viagem e de encontro com os outros associado ao trabalho de campo e ao quesito metodológico-epistemológico da contextualização do que se estuda – e que, de alguma forma, contribuiu e tem contribuído para produzir (como representação textual e visual) o resto do Mundo PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 528 Para uma antropologia visual do turismo (Pratt 1992)3. Nesta ‘empresa’, que é também de carácter político-público e privado-hedonista e que está indiscutivelmente ligada na sua origem à emergência de uma burguesia com recursos económicos nos ditos países ocidentais (Inglaterra, França e EUA) e aos projectos coloniais destes, as imagens visuais tecnologizadas (nos seus mais variados tipos e formatos) ajudaram a captar e capturar esses ‘novos objectos de desejo’. Os novos mundos que iam sendo descritos com base nas viagens transatlânticas com início no século XV, pelos navegadores, cartógrafos, geógrafos, cronistas, poetas, entre outros, precisavam de prova visual e de ratificação/evidência, que, na verdade, permitisse eliminar qualquer forma de suspeição associada aos delírios criativos de quem viajava4. A imagem servia precisamente este propósito duplo de imaginação e de produção imagética do outro (Griffiths 2002), de objectivação do descrito textual ou verbalmente e quanto mais ‘objectiva’ fosse (a imagem) melhor seria. Talvez, não por acaso, o uso de meios visuais tecnológicos sempre teve uma recepção muito positiva entre os antropólogos, que viam naqueles uma possibilidade de capturar e guardar (para outros e eles próprios confirmarem no futuro) elementos de cultura material, práticas, rituais e performances em desaparecimento. Era a altura do olhar ingénuo e da crença (câmara) cândida que julgava registar a verdade - assegurando a neutralidade e objectividades necessárias à boa prática científica. Os primeiros filmes com estatuto etnográfico reconhecido5, realizados por Alfred Cort Haddon em 1898 na famosa expedição da Universidade de Cambridge ao Estreito de Torres, são bons exemplos que se enquadram simultaneamente numa antropologia da urgência e do reconhecimento do outro e da diversidade cultural do Mundo – afinal, sentimentos e desejos reconhecíveis em turistas. Mais ainda porque, complementarmente a um deslumbramento relativamente ao exótico, nestes filmes pioneiros existiu um processo deliberado de reconstituição cultural de práticas e rituais já desaparecidos; também em relação a este aspecto identificamos semelhanças com o turismo – na senda do autêntico e, sobretudo, na reconstituição patrimonializante de certos aspectos da realidade. Num documentário recente (2011), Framing the Other, realizado por Ilja Kok e Willem Timmers, somos confrontados com o encontro entre uma mulher Mursi e uma turista holandesa. O filme, uma curta-metragem de 25 minutos, mostra-nos dois pontos de vista - o da visitante, mulher holandesa, e o da visitada, mulher Mursi, ao mesmo tempo que somos levados a reflectir sobre o carácter predatório dos ‘safaris turísticos’ de europeus em África. Num registo que vai cruzando reflexões das duas mulheres em relação a estes encontros, que, de alguma forma, ‘animalizam’ os ‘exóticos Mursi’, são os ‘brancos turistas europeus’ que acabam por ser (re)vistos à luz das suas práticas consumistas e voyeuristas sustentadas na mercadorização da experiência daqueles que contemplam no seu exotismo ou exotici-dade – afinal, tudo (mesmo os sorrisos ou o desejo das crianças por balões) parece ser comprável e ter um valor de mercado que pode ser transaccionado. No final, os Mursi (mulheres e crianças apenas) recebem dinheiro por se terem exibido – ou serem vistos – e fotografados por turistas holandeses, mas são estes últimos que, finalmente, estão enquadrados como o objecto de estudo antropológico do filme (o outro representado - framed)6. Neste caso, e ao contrário das exposições universais da segunda metade do século XIX que coincidem com o período antropométrico-evolucionista da antropologia, os indivíduos exóticos representativos de culturas distantes não são exibidos, de forma descontextualizada, em palanques nos museus de história natural de Paris, Nova Iorque ou Londres (Griffiths 2002) mas são os visitantes que se deslocam e contemplam in situ. Sem deixarem de estar descontextualizadas porque, na verdade, estão a realizar um acto performativo (como é referido, por exemplo pela mulher Mursi que fala para a câmara), as interacções e acções que vemos neste documentário são muito significativas por duas razões; em primeiro lugar, porque apesar de realizado in situ, estes safaris não deixam de ser e reforçar processos descontextualizadores (entre outras coisas, pela urgência e rapidez da presença, pela superficialidade e pela obsessão pelo registo imagético a todo o custo7); e isto permite-nos chegar ao segundo aspecto, que se prende com o trabalho de campo antropológico como metodologia de encontro e (re)conhecimento da diversidade cultural, e que, muito justamente, há já mais de um século (desde W.H.Rivers e, mais tarde, com Malinowski) tem vindo a ser defendido como quesito ético, político e epistemológico para nos achegarmos à compreensão dos ‘Outros’ ou do que (nos) é diferente mas inscrito em contexto(s), em situação(es), em circunstâncias, que, na verdade, restituem(nos) a todos à nossa integralidade (como humanos e como elementos de uma natureza partilhada interespécies bióticas e abióticas). Falamos aqui de uma questão crucial nos registos visuais na antropologia – como lidar com a pessoa, concreta, com as suas subjectividades sem a reduzir (apenas) a um exemplo de um qualquer colectivo (cultura) – e, seguramente, também o turista merece ser conhecido sem ser apenas mais um tipo (Sampaio 2013a) alguém com uma câmara de fotografar ou filmar ao pescoço (Robinson e Picard 2009) – nestas questões do encontro cultural entre outros todos são (somos) específicos8. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 529 O filme segue um argumento já anteriormente explorado no famoso Cannibal Tours de O’Rourke (1988), permitindo-nos ainda aceder a uma confissão intimista (em lágrimas) da turista e personagem principal – a mulher holandesa – que acaba por reconhecer o carácter explorador e o impacte ‘mone-tarista’ (destruidor ou transformador) dos safaris (e do turismo) sobre aqueles indivíduos, também como ela (e como nós) humanos. Nele sobressaem ainda quatro outros temas, também retratados no documentário Cannibal Tours e que vamos encontrar mais recentemente num outro filme, de produção colectiva (indígena), Capa de Índio (2010); temas que considero muito relevantes para o argumento no âmbito deste texto sobre ‘o uso crítico de meios e materiais visuais nos estudos antropológicos sobre o turismo’; são temas que situam questões fundamentais em termos de uma epistemologia do visual e que, na verdade, entroncam no que chamaria a responsabilidade histórica da disciplina no (re)conhecimento da interculturalidade não só como imperativo político e ético mas, sobretudo, como necessidade metodológico-epistemológica. Em primeiro lugar, o do uso de máquinas fotográficas e de outros aparatos tecnológicos de registo visual - o que nos permite ver a importância da visualidade na experiência turística da diferença e do exótico, se não como única dimensão sensorial activada uma que pelo menos é central, reforçando o ocularcentrismo que tem dominado as formas de conhecer e de representar no mundo ocidental (Jay 2003). Há como que uma obsessão em registar pelo filme ou pela fotografia – o que, na verdade, marca igualmente muitas das experiências turísticas (Robinson e Picard 2009). As câmaras intermedeiam as interacções entre turistas e não-turistas e, no caso de Framing the Other ou de Cannibal Tours, verificamos um visualismo extremo (esse que Judith Okely [2001] tanto critica9) - sem que pareçam existir outras formas de experiência sensorial do lugar e das pessoas. Contudo, e esta é uma segunda questão importante a considerar, o indígena não é só (mais) um ‘objecto passivo’ de representação – vemos negociação, e no caso de Capa de Índio, as pessoas locais parecem liderar as escolhas em termos de representação visual, assumindo um papel de guias turísticos com recomendações do que retractar10. Na verdade, os Mursi ou os Pataxó (pelo menos) em filme não aparecem como sujeitos ‘capturados11’ pela câmara. São apresentados na sua agencialidade, na sua capacidade de também ser turistas em casa (ou será mais antropólogos?) propondo-se a ver e a analisar os outros. Assumem, num certo sentido (em sentido pleno em Capa de Índio), uma função editorial importante, como que passando para o lado de cá da câmara. E os realizadores – e, na verdade estes filmes partem todos deste mesmo pressuposto – tornam o ‘outro antropológico’ os turistas (e todos os antropólogos directa e indirectamente), invertendo o clássico papel a que estavam ou têm estado sujeitos aqueles indivíduos – como um eterno ‘outro’. Há nestes três filmes como que um processo de libertação, de descongelamento (unfreeze) das suas imagens estáticas congeladas ao longo de dezenas de anos por várias representações criadas mais ou menos científicas12. Um terceiro aspecto tem que ver com o potencial de representação do filme, no que chamaria a desconstrução ou desessencialização da indigeneidade ou exoticidade daqueles sujeitos visitados; através das imagens e do argumento criado temos a possibilidade de assimilar comportamentos, reacções e sentimentos nessa base comum que é a da humanidade. Por exemplo, em Framing the Other vemos a ironia Mursi relativamente ao fascínio dos brancos pelo seu exotismo e a sua desconstrução do simbólico associado a determinados elementos de cultura material13. Também em Capa de Índio, as pessoas (reindigenizadas) são capazes de se afirmar na sua complexidade e subjectividade, mostrando-nos efectivamente a sua integração num tempo que é também o nosso e é o dos cartões de crédito e da internet – e que são também índios e vestem a sua capa para o turista ver. Finalmente, um quarto tema prende-se com o consumo e mercadorização de elementos de cultura material, dimensão crítica para entendermos certos tipos de turismo actual, mostrando as interacções e a diferença de posições, papéis e de experiências nos momentos do encontro e de negociação – diferenciais de poder – mas, ao mesmo tempo e em sequência ao afirmado relativamente ao ponto dois, vemos a inscrição dos indivíduos no mundo contemporâneo, numa economia de mercado e num tempo partilhado14. São, portanto, três documentários que nos mostram a riqueza e a utilidade que as abordagens visuais podem ter para os estudos críticos do turismo; em particular, assumindo o potencial de exploração háptica das formas de representação fílmica (Grasseni 2011; Herzfeld, 2011; Grimshaw 2005, Okely 2001) e, paralelamente, fazendo-nos aceder à dimensão corpórea (Farnell 2011) dos encontros entre as pessoas – da experiência humana – algo que nas interacções entre pessoas de diferentes sociedades são excelentes marcadores culturais, revelando os actos e eventos performativos dos mesmos. O registo visual, e neste caso particular o filme etnográfico (com um dos muitos materiais visuais disponíveis), tem a virtude de mostrar a complexidade do fenómeno turístico a partir de uma leitura antropológica da realidade. Nos casos referidos, o filme constitui uma representação da realidade (do turismo) a PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 530 Para uma antropologia visual do turismo partir de uma visão (interpretação) de um autor, que é passível de ser analisada nos seus actos de produção e recepção. Mas os materiais visuais sobre o turismo não se esgotam no filme etnográfico ou no documentário. Outros tipos de registo e metodologias existem que, não assegurando o que designaria como uma antropologicidade óbvia apriorística (pela intencionalidade explícita ou explicitada da sua produção), podem ser usados pelos investigadores nos estudos sobre o turismo. Neste texto falo, portanto, de materiais e metodologias visuais nos estudos sobre o turismo, das suas virtudes metodológicas e epistemológicas; i.e., do seu potencial heurístico para assegurarem diferentes e melhores representações, e interpretações de diferentes lugares, pessoas e experiências que, de alguma forma, remetem para um objecto de estudo que podemos identificar como sendo o do turismo. Mas importa ter em conta que a produção, divulgação e consumo de imagens visuais tecnologizadas ultrapassa a experiência e o espectro de acção directa da investigação e dos investigadores que trabalham sobre o turismo. Se num primeiro momento pensei propor um texto que simplesmente servisse como um manual de usos de meios e materiais visuais para o estudo do turismo, a reflexão crítica a que, inevitavelmente, me sujeitei ao longo da escrita do texto levou-me a ter que, de forma obrigatória, considerar outros aspectos de índoles epistémica, política e ética. De facto, se temos (cada vez mais, em maior quantidade) meios e materiais visuais para trabalhar temas e objectos de estudo relacionados com o turismo, a verdade é que uma reflexão epistemológica e ética torna-se imprescindível para situar estes usos, definindo limites de aplicabilidade e campos de pertinência que estão intimamente ligados à cientificidade das abordagens que desejamos - por oposição, neste caso, a usos mais próximos de formas de jornalismo sensacionalista ou de publicidade, que, melhor ou pior, não dos deixam realizar uma metodologia visual crítica (Rose 2012). Para esta autora, são três os critérios que a definem: 1) considerar as imagens com seriedade; 2) pensar sobre as condições sociais (da sua produção) e os efeitos dos objectos visuais; 3) considerar a forma como se olha e vê as imagens. É para aí que aponta o meu argumento em jeito de desafio a quem utiliza as imagens para estudar o turismo e é também aí que outros autores nos apontam o caminho dos estudos visuais do turismo (e.g. Sampaio 2013a; Pereiro 2012). 2. Das imagens disponíveis à produção de imagens pelo investigador Somos hoje, em diferentes momentos, processos e circunstâncias, agentes de uma experiência (cultural) visual alargada e amplificada – um ecossistema comunicacional (Ribeiro 2004), no qual assumimos papéis de produtores de imagens, que é extensível ao fenómeno do turismo (Robinson e Picard 2009). Vivemos num mundo constituído e estruturado por elementos de cultura visual com base material (não necessariamente de imagens mas de produções criativas humanas – na sua acepção ampla) e no qual, crescentemente, as pessoas se tornam agentes da sua vontade de ver e de serem vistas. Para Mirzoeff: “These strategies can be seen as part of the modern production of what I will here call the visual subject, a person who is both the agent of sight (regardless of biological ability to see) and the object of discourses of visuality. In many instances, the claim to visual subjectivity was part of a general claim to majoritarian status within Western nations for those like women, the enslaved and their free descendants, and people of alternative sexuality (…) the contradictory source of the resonance of ‘visuality’ as a keyword for visual culture as both a mode of representing imperial culture and a means of resisting it by means of reverse appropriation.” (2006: 54) Mirzoeff (1998) fala da globalização do visual ou numa nova dimensão da visualização das culturas – para referir que a experiência humana é hoje mais visual e visualizável do que nunca: desde a imagética na medicina, à imagem digital no cinema, ao advento da pós-fotografia (onde todos somos snaprs15) – ou seja, rotinizamos a captura e produção de imagens visuais através de tecnologias de visualização de baixo custo e fácil domínio técnico (Martins 2013; Campos 2011). Alguns autores referem-se mesmo a um visual turn – no qual se promove o fascínio pelas imagens (o poder das) – agora exponenciado pelas novas tecnologias (produção, difusão, recepção e manipulação). Sturken e Cartwright (2001) falam, neste sentido, de um fluxo global da cultura visual. É neste quadro explicativo mais vasto que devemos enquadrar uma antropologia visual do turismo porque este último, enquanto fenómeno multidimensional e multiagencial (Sampaio 2013a) passa efec-tivamente não só pela experiência directa, corpórea, material dos lugares e das actividades e sensações associadas mas, igualmente, pelas diferentes formas e possibilidades de representação (visual) das mesmas. As experiências turísticas, turistificantes e turistificadoras, entroncam na dupla possibilidade PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 531 do estar e experimentar sensações e consumos dos lugares mas, ao mesmo tempo, do ver e contemplar (a priori, durante e a posteriori) através das imagens não só feitas para os próprios mas também para os outros, com recurso a aplicações e meios de partilha e divulgação que hoje são relativamente acessíveis a um baixo custo (e.g. internet, facebook, instagram). Desta forma, abrindo o âmbito do texto, importa ter em conta diversos produtores destas imagens pela identificação de alguns tipos diferenciados não mutuamente exclusivos entre si: investigadores, turistas, artistas, residentes locais não-turistas, produtores institucionais e não institucionais, públicos e privados; mas também a diversidade de produtos (nos seus mais variados géneros): filme, vídeo, fotografia, gravura e outros formatos impressos (de grande e pequena dimensão) e novas formas e tecnologias de convergência com base no digital; e, finalmente, os canais e meios da sua divulgação-circulação (publicidade, televisão, plataformas, sites, etc.). No entanto, os temas da produção, divulgação e consumos de imagens tecnologizadas (de, no ou sobre) turismo encontram-se associados, entre outras, a questões de intencionalidade e de usos que têm que ser colocadas a diferentes níveis de análise e de escala. Por exemplo, desde uma decisão de escala micro, ao nível de um proprietário de turismo rural que produz um filme de divulgação da sua casa na aldeia16 a escalas macro que passam pela produção colectiva de um vídeo contra a ocupação, para efeitos de um projecto hoteleiro, de territórios considerados sagrados por um qualquer grupo humano – aliás, um tema sobre o qual muito tem sido produzido em termos de antropologia visual (Zoetll 2011; Ginsburg 2011). Ou seja, as imagens tecnologizadas produzem mensagens – discursos – que se disponibilizam à leitura (análise) por parte dos investigadores e que, aliás, muito têm interessado a uma antropologia do turismo (e.g. Pereiro 2012). Neste sentido, o investigador tem produtos (audiovisuais) produzidos por outros (que podem ter resultado de processos e ou objectivos de investigação anterior por parte de outros investigadores) disponíveis para serem analisadas na forma como e porque foram feitos e nos processos da sua circulação e recepção. Por outro lado, o investigador pode igualmente ser o produtor das imagens enquanto forma de representação do real e, desta forma, ele próprio torna-se um veiculador de mensagens – de um discurso sobre o mundo passível também de ser analisado por outros receptores do seu trabalho – incluindo novos investigadores. Esta é, portanto, a matéria da qual parto de forma a disponibilizar um conjunto de ferramentas de análise e de pesquisa a todos aqueles que estudam o turismo, em particular desde uma perspectiva antropológica. Desta forma, sugiro quatro perguntas, que, creio, ajudam o leitor a situar e seguir o argumento: 1 - Para que servem as imagens criadas no âmbito de objectivos relacionados com a produção, a divulgação e o consumo de objectos e produtos de turismo? 2 - Como podem ser lidas estas imagens? 3 Que tipos de imagens produzimos sobre o turismo nos estudos que levamos a efeito? 4 - Quem produz essas imagens? Tentarei responder a estas perguntas, que, em bom rigor, cruzam com a interrogação deixada por Sofia Sampaio (2013b: 179) em jeito de desafio para o uso de meios visuais neste campo – “como estudar o turismo hoje?”. A investigadora, que estuda o filme turístico (2013a) lança a questão no sentido de valorizar um tipo de abordagem que atente às experiências concretas, ao turista e às suas mobilidades intrínsecas para sublinhar a importância da etnografia (estudos locais) e de uma antropo-logia visual do turismo (expressão minha) – “requerendo soluções metodológicas inovadoras, capazes de combinar, por exemplo, a observação participante (de longa, média e curta duração) com inquéritos, entrevistas (muitas vezes recorrendo a estímulos visuais, tais como fotografias e vídeos domésticos, ou a objetos), diários de viagem e, mais recentemente, blogues e redes sociais” (Sampaio 2013b: 179-180). Na verdade, o que está em causa é não só a apologia do uso de meios visuais mas, sobretudo, a capacidade (semiótica) de (re)conhecer e interpretar os processos sociais e culturais (in)visíveis que estão por detrás da produção e consumo do turismo. E aqui importa também situar a crítica ao “tourist gaze” (expressão de John Urry 2002) enquanto um olhar distanciado e distanciador, incapaz de ver melhor as realidades que lhe proporcionam o prazer e o lazer (Idem.) É também aqui que situamos o conjunto de textos da obra editada por Robinson e Picard (2009) – no qual se esboça uma crítica cultural ao processo de fotografização extremo associado às experiências turísticas. Como referem os autores, devemos ter em atenção “the representational ‘surface’ power of the photograph and its role in shaping visions of the world, to the processes and performances which attend the doing of photography (ibid: 31). A representação visual produzida nestas experiências diz-nos menos em relação ao que se mostra do que em relação a quem as produz. “Tourist photography is foremost photography in ‘other’ places and shaped by the ways in which tourists behave in such places. Patterns of ordinary life and normative social/family relations are not left at home but brought into the tourist space” (idem). Apontamos aqui a um conceito fundamental nos estudos do visual – o de regime escópico (Metz 1977) – e que se prende igualmente com os modos de ver (Berger 1973). Ou seja, nem todos vemos tudo da mesma forma. Vemos na medida em que somos levados a ver de determinada forma por convenções socioculturais PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 532 Para uma antropologia visual do turismo mais genéricas e por processos de treino e especialização do modo de ver (Grasseni 2011; Berger 1973). Cada imagem tem incorporado um modo de ver. Contudo, antes, pretendo situar o argumento num quadro explicativo mais abrangente que nos obriga a ter em atenção várias questões de enquadramento. Garantir estas inscrições teórico-explicativas permite, como tal, estabelecer (e este é o objectivo) campos de pertinência, que são, simultaneamente, políticos, epistemológicos e metodológicos para quem estuda estes temas e objectos. As imagens são sempre discurso sobre o mundo – nunca são inócuas mas revelam interesses, intenções, modos de ver, culturas, que, muitas vezes, estão ‘invisíveis’. Naturalmente, obriga-nos a identificar algumas questões centrais no âmbito de uma antropologia do visual, e que, em bom rigor, traduzem as grandes linhas temáticas da disciplina. São objectos de reflexão que têm ocupado os antropólogos visuais, em particular no que designaria por uma epistemologia das representações sociais visuais. 3. Turismo e experiências (multiculturais) audiovisuais Em primeiro lugar, há que situar a importância do turismo e dos consumos, produções e divulgações (imagéticas) associadas, no mundo contemporâneo e na vida de muitas sociedades e indivíduos humanos. O turismo, e todos os fenómenos associados, constituem hoje uma indústria fortíssima – correspondendo igualmente a novas configurações da vida social do século XX (Sampaio 2013a). A intensificação das mobilidades, com o incremento das viagens low-cost, o investimento em estruturas de lazer e recreação situadas entre o mundo rural e o mundo urbano, entre o hemisfério sul e o hemisfério norte, entre as ‘metrópoles’ e as ‘colónias’ e a produção massificada à escala global de um mercado de produtores e consumidores do turismo são fenómenos que enquadram, facilitam e são facilitadas pelo que, num outro lugar, designo como a audiovisualização extrema das nossas experiências (Martins 2013). A obsessão pela produção de imagens decorrente de um acesso facilitado a equipamentos digitais de (relativo) baixo custo17, com maior portabilidade e sem grandes custos de formação associados em termos da sua produção, edição e circulação marcam, na verdade, os nossos tempos e a uma escala muito alargada e que passa pela própria necessidade da auto-representação em diferentes sociedades ditas ‘não-ocidentais’. Isto é, o domínio das técnicas de representação audiovisual estão acessíveis (e são desejáveis) por muitos ou por todos, o que nos leva a repensar, por um lado, toda uma teoria da imagem e da (auto)representação à luz de novas convenções, significações e intencionalidades18, ao mesmo tempo que vem redefinir os espaços das nossas socializações e convivialidades – o Mundo torna-se mais pequeno (à distância de um clique e de uma actualização feita através de um qualquer aparato tecnológico digital) e, ‘subitamente’ as fronteiras entre os espaços (intimo, privado, social e público) da experiência humana são alteradas profundamente. Aqui se reconhece a ideia de que, por via das possibilidades de comunicação móvel, o nosso ‘quarto’ torna-se o espaço público para interacções virtuais para os outros ‘em toda a parte’ ao mesmo tempo que se fecha às interacções face a face com, por exemplo, outros membros da família com os quais habitamos (Hills 2009). Um conjunto de condições que também ajudam a explicar outros fenómenos sociais relacionados com os novos media (social media) e nos quais se enquadram os conceitos de ‘me media’ (Bell 2009) ou de jornalismo de cidadania (Hills 2009). Finalmente, pergunta-se quem mostra? Como? Quando e para que efeitos? Temos, portanto, um quadro existencial marcado pela facilitação das viagens, da circulação de pessoas por vários lugares, ao qual estão associadas ‘necessidades’ ou, se quisermos, vontades de contemplação, espectadoria visual e multissensorial dos mesmos. A produção e o consumo do turismo são feitos também pela produção de imagens de lugares desejados, imaginados, ou, mesmo, inacessíveis19. A enorme produção de filmes, fotografias, vídeos promocionais faz parte desta indústria do turismo à escala global. A experiência resulta, muitas vezes, não de um contacto directo com o destino turístico mas de um acesso mediatizado – também não por acaso identificarmos o aparecimento de canais televisivos temáticos de viagens e turismo e de uma edição também expressiva de literatura de viagens com forte recurso a imagens fotográficas. Vivemos na era das culturas visuais digitais (Sturken e Cartwright 2001), um tempo marcado pela produção imagética tecnologizada a uma escala nunca vista e no qual a possibilidade de aceder visualmente a um local sem a experiência física do mesmo se torna realidade a cada dia que passa. Não é mais o original, o autêntico que (apenas) se quer e, por isso, o prazer da experiência passa por alternativas (menos autênticas, é certo) mas ainda assim compensatórias. Aqui situamos igualmente o que aquelas autoras referem como o fluxo global da cultura visual (idem) enfatizando três temas centrais – sinergia, globalização e convergência – que relacionam com o colapso das distâncias geográficas e das fronteiras (administrativas e políticas) nacionais, as comunicações PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 533 móveis sem fios e a produção, consumo e circulação das imagens entre culturas e fronteiras culturais. Um contexto que, obviamente, afecta ou influencia as condições de produção de ciência social no mundo contemporâneo – na medida em que há mais imagens visuais tecnologizadas para estudar (como se a cultura contemporânea pós-moderna estivesse apenas acessível através da suas dimensões visíveis e visualizáveis) e porque estas são veículos que favorecem a transmissão de mensagens – numa espécie de iconofilia generalizada que tem, aliás, o powerpoint como um dos seus exemplos referenciais. Mitchell fala de uma ‘picture theory’ para acentuar a insuficiência de um modelo de explicação textual (escrito) – World as a picture (2002). Um pressuposto que merece ser revisto, até porque o que é visível e é visto ‘esconde’ o invisível e o não visto, que, na verdade, contextualiza e justifica o que se vê, como se vê e o que é proposto ver (Mirzoeff 1998). Ou seja, importa proceder a uma análise crítica das imagens visuais tecnologizadas – uma antropologia visual do turismo que desconstrua, desde logo e em particular, a falácia primordial da objectividade/transparência das imagens. E aqui importa distinguir três conceitos cruciais: (i) visão como a capacidade (fisiológica) de ver, (ii) visualidade como a construção cultural dos modos de ver e (iii) sistemas visuais (ou regimes escópicos) como inscrição institucional (ideológica) dos processos de ver e criar objectos visuais (Rose 2012), fazendo reconhecer dois outros aspectos. Em primeiro lugar, que o autor (das imagens) é ele mesmo um produto de um sistema ou de uma cultura visual (Mitchell 2002), e o privilégio da visão no pensamento ocidental (Jay 1993); i.e. a importância da experiência visual – o papel do olho (Eye), que revela um eu (I) que conhece. 4. Antropologia Visual: algumas questões de enquadramento Entre muitos outros temas que têm sido tratados na história já longa de uma antropologia visual e do visual (Banks e Ruby 2011), saliento os seguintes, que me parecem críticos nos estudos sobre o turismo – (i) o (da análise) dos sistemas visuais e nos quais se inscrevem os modos de ver (e de olhar); (ii) o da objectividade das imagens, extensível ao das epistemologias tácteis e das formas hápticas de conhecimento; (iii) o da autoria e da (auto)representação; (iv) o das pessoas, seus corpos e suas subjectividades e, finalmente, (v) o do digital e o alargamento das ferramentas e potenciais de uso do visual, que se liga aos desenvolvimentos e inovações técnicas ao serviço das ciências sociais20. Começando pelo primeiro, devo referir que a análise dos sistemas visuais ou escópicos tem ocupado relativamente um espaço marginal no estudos em antropologia visual. Por diversas razões, mas sobretudo pela centralidade do tema do filme/documentário (Banks e Ruby 2011). No entanto, o pressuposto de que as culturas (sociedades, indivíduos humanos e não humanos e todos os seus elementos constitutivos) se disponibilizam visualmente a quem as estuda e, portanto, são sujeitos de apropriação visual transformáveis em produtos de representação como filmes, desenhos ou fotografias (Ball 1998) não pode deixar de ser pensado a partir de um outro: o da existência de visualidades competitivas (Mirzoeff 1998); i.e. que existem diferentes modos de ver (e de olhar) [Berger 1973] inscritos em diferentes regimes escópicos. Na verdade, o que está em causa é o estudo das formas visuais e sistemas visuais nos seus contextos culturais de produção (Banks 1998). E ao consideramos estes enquadramentos somos obrigados a ter em atenção paralelamente o que nos é proposto ver, o que nos é negado ver, o modo como somos educados a ver, o modo como são produzidos e mostrados (em enquadramentos discursivo-narrativos) os objectos (imagens) visuais. Baker (2002), por exemplo, mostra como a produção e o consumo de uma área protegida no Canadá é feita através de um repertório de informação visual e textual disponibilizado aos turistas e visitantes. No Parque Nacional de Algonquin as pessoas são levadas a ver (e sentir) partes do território enquanto outras são tornadas ‘invisíveis’ (idem). Mas também, como refere Cristina Grasseni (2011), pensando a partir do trabalho de Ingold, podemos pensar numa ecologia das inscrições visuais e no estudo da percepção e da cognição como participada e incorporada. Ou seja, a visão é ‘vista’ como prática situada tendo em atenção os constrangimentos e possibilidades dos ambientes sociais e culturais que estruturam a prática social. A autora, de facto, refere-se à ideia de aprender a ver e que fundamenta uma ‘skilled vision’ (idem). O tema da objectividade é central não só na discussão de formas de representação visual na antro-pologia mas em todas as formas de produção de conhecimento antropológico. E se é certo que quer a ideia do registo imagético como prova factual quer a da neutralidade sociocultural do mesmo já não são consideradas hoje em dia (Ball 1998), a verdade é que o registo imagético parece estar associado a uma garantia mínima de facticidade do visto21. Este é um tema muito importante a considerar no âmbito de uma antropologia visual dos estudos em turismo, em particular considerando a recepção/espectadoria e processo de produção. Muitos produtos visuais de divulgação de destinos turísticos ‘vendem’ realidades PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 534 Para uma antropologia visual do turismo imageticamente ‘retocadas’, ainda mais se tivermos em atenção que muitas ferramentas informáticas digitais permitem desindexicalizar as imagens de um sujeito ou objecto concreto; i.e., existem ferramentas que podem, no limite, produzir visualmente uma realidade que não existe de facto na sua materialidade ou num acesso experiencial de contacto directo físico. Esta é, aliás, uma das chaves para situarmos o universo imagético do digital e o tema da realidade virtual que marca muitas das nossas experiências quotidianas. Mas mesmo antes de considerarmos as implicações que a revolução digital veio trazer para o debate em torno da objectividade assegurada pelo registo imagético temos que ter em atenção as condições específicas (técnicas, sociais, autorais, de enquadramentos, de intencionalidades, estéticas, etc.) que marcam a produção de qualquer imagem. Ou seja, uma imagem tem sempre um autor; este, por sua vez, realiza escolhas; estas são definidas pelas formas de ver, mostrar, objectivos, tecnologias de produção, difusão e exibição existentes – estamos, portanto, a falar de sistemas visuais, que, acima de tudo, são reveladores da subjectividade dos autores. Mas o tema também tem de ser alargado a duas outras inscrições teórico-epistemológicas. Em primeiro lugar, à dos processos de espectadoria – quem vê filtra, recebe de acordo com quadros socio-culturais referenciais – modos de ver – incluindo onde e como se vê. Em segundo lugar, ao próprio ‘reflexive turn’ que muito marca as ciências sociais nas últimas décadas e que assinala o pressuposto de uma intersubjectividade (mutualidade) num processo de negociação permanente entre sujeitos que se conhecem. Isto é, quem regista através de imagens captura o que quem é filmado quer ou deixa que se registe – na ficção ou no documentário. Um terceiro tema que importa considerar tem como pano de fundo as questões de autoria/autoridade do investigador e as formas de representação e auto-representação. Um tema que, por um lado, posiciona o trabalho autoral do investigador, fazendo reconhecer o tema da (in)visibilidade da câmara e dos estilos de abordagem – ou seja, o pressuposto de que as câmaras, como a caneta, o bloco de notas e o investigador são actores sociais que intermedeiam as relações de investigação no terreno. Por outro, estão aqui inscritas questões de representação e, em particular, relacionadas com a possibilidade de auto-representações (Ginsburg 2011), multi-autorias (Wright 2012) e trabalhos colaborativos (Zoettl 2011). Quem fala por quem? Quando? Onde? Questões que, por exemplo, têm sido importantes nas formas de divulgação de turismo étnico e responsável (Pereiro 2015) e que cruzam com o próprio tema da representação /cinema indígena. Ginsburg (2011) fala de uma ‘native intelligence’ (também reflectida por Elizabeth Edwards, 2011) – associada à possibilidade de os ‘Outros’ clássicos da antropologia (Não- Ocidentais de sociedades de pequena escala) serem produtores e gestores da sua própria representação cultural (visual). O efeito de paralaxe cultural – a partir da noção da óptica – como se o que se vê tivesse mudado de posição porque o modo como se mostra é diferente e que, no limite, põe em causa representações visuais hegemónicas feitas. Edwards utiliza a noção de ‘soberania fotográfica’ (2011) para realçar o direito sobre a opção pelas formas de representação visual desejadas – que, como reparamos em filmes como Capa de Índio (2010) ou Cannibal Tours (1988), são questões muito valorizadas pelas pessoas que são vistas e fotografadas ou filmadas por turistas. Esta anotação permite-nos entrar no quarto tema – o das pessoas, seus corpos e subjectividades. A questão do corpo é crucial nesta nova fase da representação antropológica – de um corpo que é agencial que cria no mundo em interacção (Farnell 2011) e que não é apenas objecto (Ginsburg 2011) ou espectador da sua própria representação (Edwards 2011). O tema é muito explorado por Ginsburg (2011) e Edwards (2011) – mais em relação à fotografia. Esta última, neste artigo no qual traça a história da fotografia na antropologia, adverte para a necessidade de rever as considerações produzidas sobre as representações fotográficas etnográficas do final do século XIX e início do século XX, nas quais muitas pessoas apareceriam em pose, como ao mesmo tempo colocando em causa o realismo e reforçando a autoridade e a posição de poder do antropólogo. Em muitos casos, essas fotografias teriam sido negociadas entre fotógrafo e fotografado. Está também em causa a necessidade da desconstrução ou revisão de quaisquer tentames estereotipizantes que possam ser feitos sobre pessoas e que reduzam as suas imensas subjectividades e complexidades. Uma questão que tem especial relevo – se não devidamente considerada em termos epistemológicos, éticos e políticos – nos estudos do turismo. Finalmente, uma nota breve sobre o tema do digital e as suas consequências no uso e produção de meios visuais para destacar o potencial disruptivo (relativamente às formas convencionais de repre-sentação) associado ao uso de ferramentas que permitem criar formas de representação baseadas nos princípios da interactividade, não-linearidade, multi-camada e incompletude, que sugerem igualmente o trabalho em rede, on-line e multi-autoral e em actualização continuada de conteúdos e autores. Roderick Coover (2003)22 ou Terence Wright (2012)23, por exemplo, são dois antropólogos que têm vindo a trabalhar nestes formatos híbridos. Estamos perante um fluxo de produção de grande escala, associado à necessidade (quase obrigatoriedade) de mostrar (dar a ver) – não necessariamente e só, como referido, PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 535 em termos de uma descrição do que existe como realidade material fáctica mas igualmente através de mecanismos (tecnológicos e/ou narrativos) de simulacrum (Baudrillard), isto é de fabricação criativa de reais materiais inexistentes ou de reais modificados. Importa salientar que esta facilidade produtiva se coloca ao nível da própria autoria do investigador como em relação a todos os outros produtores de imagem que o investigador pode vir a analisar. 5. Usos de meios e materiais visuais nos estudos do turismo Chegados aqui, importa falar das diferentes ferramentas disponíveis – em termos metodológicos para fazer uma antropologia visual do turismo. Para tal, e seguindo a proposta de Gillian Rose (2012), convém identificarmos três sítios ou modalidades: (i) o da produção; (ii) o das imagens em si (iii) e o da recepção. O investigador em turismo pode simultaneamente trabalhar sobre as três modalidades ou escolher apenas uma. O que, aliás, é aconselhável no sentido em que a dispersão ou um certo uso ‘acessório’ das imagens poder conduzir a más abordagens. Reitero a ideia de que cada tipo de imagem tem uma história e uma epistemologia próprias (Martins 2013). Fotografia não é o mesmo do que trabalhar com vídeo nem tampouco com plataformas web. Como produtor/realizador ou como investigador/espectador crítico de imagens importa dominar ferramentas conceptuais e técnicas de representação e produção de produtos audiovisuais e, por isso, será aconselhável obter formações específicas24 ou desenvolver trabalho colaborativo com outros profissionais que dominam as ferramentas – inclusive fora das ciências sociais (realizadores de cinema, fotógrafos, engenheiros informático, por exemplo). Em termos de imagens, o investigador tem ao seu dispor dois tipos; ou produz as suas ou recorre àquelas produzidas por outros – em diferentes contextos e segundo diferentes propósitos - sendo que estas últimas podem ser produzidas ou encomendadas por diferentes indivíduos e instituições. As imagens servem diferentes propósitos (não mutuamente exclusivos entre si) – privados, públicos, íntimos, artísticos, comerciais, institucionais, científico-descritivos, etnográficos e antropoartísticos, entre muitos outros. Considerando os formatos, existem os mais óbvios como o filme, o vídeo e a fotografia, hoje praticamente só utilizados nos seus formatos digitais, mas também o desenho, a pintura ou a gravura. A sua exibição pode ser pensada, consoante os formatos, para diferentes sítios – físicos ou virtuais – festivais de filmes, televisão, websites, plataformas digitais, museus, centros interpretativos, galerias. Em termos de géneros e estruturas narrativas também existe uma variedade enorme. Filmes de personagens, filmes colaborativos, nos quais se inscreve o vídeo participativo (Zoettl 2011) ou a fotografia participativa25; os ensaios visuais fotográficos e audiovisuais e, cada vez mais, produtos ditos híbridos multimédia com base em alguns princípios identificados na secção anterior (nomeadamente interactividade, não-linearidade e multi-autoria)26. Websites e plataformas em constante actualização inscrevem-se também no âmbito destes tipos de materiais. Tal como referi anteriormente, a questão do digital está relacionada com formas alternativas de comunicar, com novas contextualizações e novas autorias. Os arquivos estão a ser no caso dos estudos de turismo muito utilizados (Robinson e Piccard 2009) e não só os institucionais; o uso de fotografias e filmes feitos em âmbito privado servem hoje muitos propósitos de investigação – para retractar historicamente lugares e os seus processos de transformação material e social ao mesmo tempo que têm servido em estudos que procuram activar memórias relativamente aos lugares. Num outro âmbito (Sampaio 2013a) o recurso aos filmes de ficção ou documentais feitos no passado são marcadores importantes para perceber vários aspectos relacionados com a produção ideológica dos lugares (idem). Provavelmente, um dos melhores exemplos pode estar em Las Hurdes – Tierra Sin Pan de Luis Buñuel e toda a crítica posterior de desconstrução/refabricação da imagem daquele lugar. Técnicas como a da foto-eliciação, que envolve o uso de fotografias ou vídeos de arquivo, ajudam igualmente a reactivar memórias ou, para questionar interpretações existentes com reinterpretação do passado, servindo o que Edwards (2001) descreve como um processo de recuperação da ‘soberania fotográfica’ de comunidades e indivíduos. Num outro plano temos os registos imagéticos pessoais, como os diários de viagens – que se podem confundir com os diários de campo – e que incluem, cada vez mais, imagens e sons e que são actualizados e difundidos através dos novos media (incluindo aqui aplicações informáticas). Websites, blogs, facebook, telemóveis são meios extraordinários para a comunicação visual – muitos deles, em denominado tempo real. Neste âmbito também podem ser inscritos os me media (jornalismo de cidadania) ou trabalhos que implicam a participação dos estudados na produção de imagens. Por exemplo, Paula Mota Santos (2012) levou a efeito um estudo no centro histórico e na Ribeira na cidade do Porto no qual pediu a moradores e turistas para fotografarem a cidade. O seu objectivo foi o de averiguar as diferentes PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 536 Para uma antropologia visual do turismo percepções e apreciações (ao nível multissensorial) produzidas de acordo com as diferentes experiências e conhecimentos dos lugares. Também Sarah Pink (2008) esteve envolvida num projecto similiar, Slow City, que envolveu a participação de pessoas locais através de uma técnica ‘video-tours’ que implica conhecer como as pessoas constroem e significam os lugares por onde passam e vivem (place-making). No seu trabalho, procurou conhecer outras valorizações dos lugares alternativas às facultadas pelos guias oficiais e mapas turísticos (outras formas de visualismo virtual e virtualizante produzidas sobre os lugares). Esta antropóloga visual tem desenvolvido projectos no âmbito do que podemos designar uma etnografia sensorial (sensorial ethnography)27, através dos quais procura aceder em espaços domésticos ao modo como as pessoas vivem o seu dia-a-dia. Técnicas como a do vídeo-tours ou a do vídeo-re-enactements são utilizadas para mostrar o que as pessoas fazem, sentem, experimentam mais do que propriamente para o registo de discursos e opiniões formais – em síntese, servindo para capturar o que se passa “without saying”. Finalmente, um breve apontamento para relembrar o carácter aplicado de muitos destes produtos no sentido em que muitos antropólogos visuais prestam assessoria em empresas privadas, museus, câmaras e outras entidades governamentais e não-governamentais. Ou seja, muitos destes trabalhos podem ser feitos no sentido da divulgação científica, por exemplo sobre património cultural, paisagens classificadas ou grupos humanos – o que significa dizer que algumas destas formas de representação são ditadas por outras convenções que não somente as académicas e portanto sujeitas a quesitos que podem escapar aos meramente científico-antropológicos - não obstante o cunho narrativo (analisável) que, seguramente qualquer realizador imprime. 6. Notas finais O propósito deste texto não é o de inquietar (ainda mais) quem queira utilizar meios e objectos visuais nos estudos (antropológicos) sobre o turismo. Tento, precisamente considerando as condições sociais e as experiências individuais no mundo contemporâneo, e que, em última instância, são o terreno no qual existem e são utilizados meios e objectos visuais, que o investigador fique atento ou mais desperto para a necessidade de proceder com cuidado redobrado no seu impulso pelo uso destes meios – e, como afirmei, existe uma forte (e até justificável) tentação para o fazer. Diria que não é só fazer filmes, tirar fotografias, produzir websites e plataformas digitais, por um lado, nem tampouco receber e ou tratar imagens disponíveis (produzidas por outros) de forma acrítica (Martins 2005 e 2011). O potencial de uso é enorme, sem dúvida, e as ferramentas estão aí, à distância de um clique. A este propósito, convém relembrar que os acessos facilitados à recepção e à produção de imagens multiplicam as autorias, as possibilidades de colaboração e partilha (Pink 2011; Hills 2009). Ao mesmo tempo, com o digital, e atendendo a que muitos têm acesso às tecnologias de convergência (Creeber e Martin 2009), é possível ampliar o potencial criativo e as escalas de representação da realidade social a um limite que não só põe em causa a indexicalidade (a um real material) daquelas como ajuda a produzir novas realidades. A era do simulacrum, de que fala Jean Baudrillard, e da reprodução mecânica (digital) das imagens, a que se referia Walter Benjamin, veio alterar o vínculo de fidelidade da representação imagética a um real visto ou existente em matéria. Como nos sugerem Mirzoeff (1998) e Rose (2012) vivemos numa era em que ver não significa necessariamente acreditar e na qual a cópia (ou a representação) pode ser mais valorizada do que o original – ou seja, na qual o real é constantemente (re)fabricado através das imagens tecnologizadas. Sean Cubitt (2009) propõe que olhemos à cultura visual digital através de noções como simulação, hiper-realismo e espectáculo. Para o autor, estas noções sugerem uma ruptura entre imagem e realidade (material), a valorização da qualidade das imagens que se podem substituir à realidade (pós-fotografia) e o declínio da narrativa (autoral) em favor do prazer visual puro e de uma espectadoria activa e co-criadora. Ainda assim, como refere Sarah Pink (2011), a aplicação, activismo, partilha e colaboração são virtudes de uma antropologia (visual) digital, o que permite uma redefinição das relações de poder tradicionais entre pesquisador e os seus objectos/sujeitos de estudo, facilitando novas formas de participação e comunicação antropológica – nomeadamente através da interactividade e não-linearidade dos media digitais (hipermédia) [ibid]. Está em causa uma dimensão epistemológica e política que se prende com a questão da autoria(dade) antropológica, ao mesmo tempo que pode facilitar rupturas com processos de estereotipização dos indivíduos e culturas; em suma, considerarmos que, num quadro de fluxos intensificados de produtores e produtos de imagens tecnologizadas, possam existir diferentes narrativas e discursos que contribuam para o efeito de paralaxe cultural de que fala Ginsburg (2011) e, assim, assegurarmos diferentes representações de agentes, escalas e perspectivas sobre os PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 537 mesmos fenómenos e realidades. No âmbito dos estudos sobre o turismo, asseguramos diversas e mesmo contraditórias leituras sobre os lugares, as pessoas, os encontros, os sentimentos, as experiências e, mesmo, sobre as fabricações ideológicas imagéticas de todos estes elementos. 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Abril 2016 ISSN 1695-7121 540 Para uma antropologia visual do turismo Onde estudar antropologia visual / aprender técnicas e ferramentas de produção e edição de imagem: Pós-Graduação Culturas Visuais Digitais (ISCTE) http://www.iscte-iul.pt/cursos/pos_graduacoes/12108/apresentacao.aspx Outra formação na FCSH (UNL) – Mestrado em Culturas Visuais http://www.unl.pt/guia/2014/fcsh/UNLGI_getCurso?curso=4286 Granada Centre for Visual Anthropology http://granadacentre.co.uk/ Centre for Visual Anthropology - Goldsmiths College http://www.gold.ac.uk/visual-anthropology/ Notas 1 Algo que, como referem Gupta e Ferguson (1997), é muito bem estabelecido por estratégias narrativas de entrada e saída que marcam a separação entre o trabalho de campo e o estar em casa - como se existisse uma hierarquia de pureza dos locais mais apropriados para o fazer – os mais exóticos, distantes e estranhos. 2 A afirmação inversa também seria verdadeira. O turista tem um pouco de antropólogo, tal como nos conta o ancião do filme Cannibal Tours (1988) “I think the tourists read about us in books, and come to see…” o seu modo de vida, se são ou não ‘civilizados’. Sem as ferramentas conceptuais, metodológicas e teóricas dos antropólogos profissionais não deixam, contudo, de produzir conhecimento sobre o que e quem observam – (n)uma certa epistemologia para-científica de encontros mais ou menos duradouros. A experiência turística encerra em si um processo de estranhamento relativamente aos nossos lugares-comuns – tarefa primeira (epistemológica) para uma boa antropologia. Talvez, como refere Cardeira da Silva, estejamos a falar de rivais identitários – os antropólogos e os turistas – no “monopólio do conhecimento global do mundo” (2003: 452). De facto, em Cannibal Tours, um turista alemão de máquina fotográfica ao peito assume um protagonismo de especialista do conhecimento da diversidade cultural global. 3 Há todo um campo inverso de análise de produção de imagens turísticas por agentes individuais e institucionais que tem merecido uma análise por parte de uma antropologia do turismo (v.g. Pereiro 2015 e 2012) e que nos mostram as oposições e os jogos de poder na fabricação de mundos desejados para turistas consumirem, que se opõem, em muitos casos, às realidades vividas por indivíduos e comunidades residentes. Todavia, este não é o escopo deste artigo. 4 A este propósito será justo lembrar todo o poder imaginativo mostrado por Luís Vaz de Camões nos Lusíadas (1572) que contam a descoberta do Caminho Marítimo para a Índia por Vasco da Gama. 5 Não esquecendo, obviamente, a etnograficidade dos filmes dos irmãos Lumière (1895). 6 O filme, aliás, estabelece muito bem o tema da atracção pelo exótico – partilhado por antropólogos e turistas. O assunto a que muito se tem aludido em termos de representação visual da diferença (por exemplo, Grimshaw 2001 ou Banks 1998) não pode ser negligenciado no âmbito das abordagens antropológicas. Só o exótico muito estranho é que merecedor de representação? ‘Only black is beautiful?’ E não correremos o risco de com estas representações exoticizar ainda mais as pessoas? 7 Voltarei a este ponto mais adiante mas para já importa reter uma ideia, que tenho defendido noutros lugares (Martins 2011 e 2005); o registo visual no trabalho de campo antropológico não pode ser feito com a ligeireza de quem tira fotografias na praia durante as férias. Pelo contrário, implica pesquisa prévia, preparação e conhecimento do terreno de estudo e das pessoas sem a presença inicial da câmara. 8 Oriente e Ocidente como categorias de conhecimento são heterogéneas e devem ser desconstruídas e vistas nas suas imensas diversidades. Ver, igualmente, Gupta e Ferguson (1997). 9 Ver igualmente Sampaio (2013a). 10 Algo que, por exemplo, constatei in loco em relação aos Caretos de Podence (Macedo de Cavaleiros, Portugal). 11 A palavra tem duplo sentido. A fotografia e o filme não só capturam num certo momento ou período e de uma determinada forma, como registo ‘factual’, pessoas, coisas, paisagens – indexicalidade da imagem – mas igualmente tornam cativos os sujeitos representados nos seus sentimentos, estados de alma, subjectividades, que podem, efectivamente, terem sido sugeridos e motivados por outras coisas, pessoas, razões que não estão ali ao alcance dessa facticidade capturada. 12 Remete-me também, mas num outro plano, para um filme de Bessie Morris, Harpoons and Heartaches (1998) sobre as relações amorosas entre turistas estrangeiras e os locais, jovens rapazes, nas ilhas gregas. O filme mostra esta ‘batalha de sexos’, desconstruindo imagens e representações construídas desde os dois lados da barricada. 13 São também excelentes reflectores sobre as propostas interpretativas que os antropólogos avançaram ao longo dos anos; em alguns casos, o filme apresenta um potencial libertador de indivíduos e comunidades silenciadas que apenas nos chegavam como ‘ilustração’ (muitas vezes não visualizável) de um processo de cientificação extrema do exótico. O filme Secrets of the Tribe (2010) de José Padilha é um excelente documento sobre este tema. 14 De facto, não vemos a surpresa com a reacção supostamente espontânea de Nanook, o Esquimó (1922) no filme de Robert Flaherty sobre a vida de uma família Inuit, que perante a ‘novidade’ de um vinil se apresta a mordê-lo. 15 De snapshots – instantâneo fotográfico. 16 Ver, a título de exemplo, http://www.youtube.com/watch?v=QGieriCaoMQ (acedido a 17-10-2014). Um filme de 4.30’ sobre um turismo de habitação na Galiza. 17 Nomeadamente no plano dos consumíveis e, em particular, do suporte (formato) de registo das imagens. Penso que é aqui que nos deveremos demorar. Esta proliferação de imagens alterou inclusive o âmbito dos estudos de culturas visuais, ou seja, amplificou os objectos sujeitos à apreciação e crítica a uma escala nunca vista e mesmo as formas de ver e analisar imagens (ver, por exemplo, Rose 2012 ou Sturken e Cartwright 2001). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 541 18 Será, seguramente, importante entender o papel dos ‘selfies’ nesta tendências actuais de representação (audio)visual massiva das nossas vidas – ao que temos que associar, também, o facebook e outras redes sociais de comunicação de banda larga digital. O pressuposto parece ser o da necessidade de auto-representação constante, numa espécie de actualização em progresso da imagem dos indivíduos, que assim asseguram ou parecem assegurar o controlo da sua representação visual (imagética). 19 Este é um tema muito debatido nos estudos antropológicos do turismo (e.g. Pereiro 2015 e 2012). 20 Elizabeth Edwards (2011) identifica na história da fotografia na prática antropológica três questões cruciais – evidência, poder e agência, que faz co-relacionar com períodos históricos: 1890-1970, meados de 1970-fins de 1990 e meados dos anos 90 até aos dias de hoje, respectivamente. A primeira remete para os temas da objectividade-neutralidade-indexicalidade das fotografias; a segunda para as práticas de representação a partir das suas inscrições sociais e políticas; e a terceira para a voz, agência e usos quotidianos culturalmente específicos e no qual localizamos o conceito de ‘soberania fotográfica’. 21 Grasseni fala de uma percepção uniforme perante o que está ‘à vista de toda a gente’. A presunção de que podemos criar representações espontâneas – cópias visuais do mundo (2011). 22 Ver o seu website pessoal no qual estão acessíveis para experiência visual interactiva amostras dos seus variados trabalhos (http://www.roderickcoover.com/). 23 Especialmente, como o projecto Interactive Village (entretanto, já interrompido). Para mais descrição deste projecto ler o artigo (Wright 2012). 24 Ver informação sobre alguns cursos de antropologia visual em Portugal e no Reino Unido no final do texto. Consultar ainda http://www.visualanthropology.net/ 25 Ver, por exemplo, o trabalho de Joana Roque de Pinho, com os Maasai no Quénia, relacionado com percepção de alterações climáticas e perspectivas (emic) face à conservação da biodiversidade. 26 Ver, por exemplo, o site da National Film Board of Canada - https://www.nfb.ca/interactive/ 27 Sarah Pink *Energy and Digital Living http://energyanddigitalliving.com/ Recibido: 06/04/2015 Reenviado: 07/08/2015 Aceptado: 08/08/2015 Sometido a evaluación por pares anónimos
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Título y subtítulo | Para uma antropologia visual do turismo: O uso crítico de metodologias e materiais visuais |
Autor principal | Martins, Humberto |
Entidad | Universidad de La Laguna. Instituto de Ciencias Políticas y Sociales |
Publicación fuente | Pasos: Revista de Turismo y Patrimonio Cultural |
Numeración | Volumen 14. Número 02 |
Sección | Artículos |
Tipo de documento | Artículo |
Lugar de publicación | El Sauzal, Tenerife |
Editorial | Universidad de La Laguna |
Fecha | Abril 2016 |
Páginas | pp. 0527-0541 |
Materias | Turismo ; Patrimonio cultural ; Publicaciones periódicas |
Enlaces relacionados | Enlace a la revista: http://www.pasosonline.org/es/ |
Copyright | http://biblioteca.ulpgc.es/avisomdc |
Formato digital | |
Tamaño de archivo | 176757 Bytes |
Texto | © PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121 Vol. 14 N.o 2. Págs. 527-541. 2016 www .pasosonline.org Resumo: Discute-se o uso de meios visuais para uma antropologia que estuda o turismo. O texto reflecte sobre a proliferação de meios e ferramentas de registo, edição e difusão de imagens visuais tecnologizadas e propõe-se a uma abordagem que considera condições de produção, os significados das imagens e suas diferentes recepções. A ‘era do digital’ é também discutida, nomeadamente no potencial transformador sobre recepção, produção e difusão, associado a novas formas de autoria, à velocidade de circulação dos conteúdos e à revisão das fronteiras entre real e irreal, documentário e ficção, ciência e arte. O pano de fundo é o de um mundo que, facilitando e estimulando o lazer, as mobilidades e a contemplação e consumo do diferente e do belo (paisagístico, patrimonial, monumental) não deixa de reproduzir um ‘divide’ imagético (digital); i.e. acessos desiguais às ferramentas de representação visual dos ‘outros’, de si mesmos e do mundo. Palabras-chave: Antropologia visual; Turismo; Cultura digital; Subjectividade. For a visual anthropology of tourism: the critical use of methodologies and visual materials Abstract: This article discusses the uses of visual means in an anthropology that studies tourism. The text reflects on the proliferation of media and recording, production and distribution tools of technologized visual images and proposes an approach that considers production conditions, the meanings of the images and their different receptions. The ‘digital age’ is also discussed, particularly its transformative potential of reception, production and dissemination, together with new forms of authorship, the velocity of contents circulation and the revision of the boundaries between real and unreal, documentary and fiction, science and art. The background for my argument is that of a world that, facilitating and stimulating leisure, mobilities and contemplation and consumption of the different and the beautiful (landscape, heritage, monumental) does not cease to produce a (digital) imagery ‘divide’; i.e. unequal accesses to visual representation tools of the ‘others’, of themselves and of the world. Keywords: Visual anthropology, Tourism, Digital culture, Subjectivity. Para uma antropologia visual do turismo: O uso crítico de metodologias e materiais visuais Humberto Martins* Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Portugal) Humberto Martins * CETRAD – Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento; E-mail: hmartins@utad.pt 1. Introdução: antropologia, turismo, viagens e as imagens O antropólogo é também e sempre um turista – alguém que se define profissionalmente a partir das rotas, trajectos e contactos realizados (Clifford 1997); alguém que viaja (por deslocação a lugares, através dos livros e das imagens de outros) à procura das diferenças, dos exóticos, de outras coisas e outros para conhecer1 e que, na verdade, muitas vezes se encontra com turistas (Sampaio 2013b; Silva 2003). O antropólogo visual é, seguindo este raciocínio, um turista com uma câmara de filmar ou de fotografar na mão2 - como referem Robinson e Picard (2009), a condição de ser turista parece implicar ter uma câmara que registe em imagens o que se vê e experiencia. A antropologia como projecto de (re)conhecimento da diversidade e da diferença cultural sempre teve em si um princípio turistificador traduzido nas ideias de viagem e de encontro com os outros associado ao trabalho de campo e ao quesito metodológico-epistemológico da contextualização do que se estuda – e que, de alguma forma, contribuiu e tem contribuído para produzir (como representação textual e visual) o resto do Mundo PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 528 Para uma antropologia visual do turismo (Pratt 1992)3. Nesta ‘empresa’, que é também de carácter político-público e privado-hedonista e que está indiscutivelmente ligada na sua origem à emergência de uma burguesia com recursos económicos nos ditos países ocidentais (Inglaterra, França e EUA) e aos projectos coloniais destes, as imagens visuais tecnologizadas (nos seus mais variados tipos e formatos) ajudaram a captar e capturar esses ‘novos objectos de desejo’. Os novos mundos que iam sendo descritos com base nas viagens transatlânticas com início no século XV, pelos navegadores, cartógrafos, geógrafos, cronistas, poetas, entre outros, precisavam de prova visual e de ratificação/evidência, que, na verdade, permitisse eliminar qualquer forma de suspeição associada aos delírios criativos de quem viajava4. A imagem servia precisamente este propósito duplo de imaginação e de produção imagética do outro (Griffiths 2002), de objectivação do descrito textual ou verbalmente e quanto mais ‘objectiva’ fosse (a imagem) melhor seria. Talvez, não por acaso, o uso de meios visuais tecnológicos sempre teve uma recepção muito positiva entre os antropólogos, que viam naqueles uma possibilidade de capturar e guardar (para outros e eles próprios confirmarem no futuro) elementos de cultura material, práticas, rituais e performances em desaparecimento. Era a altura do olhar ingénuo e da crença (câmara) cândida que julgava registar a verdade - assegurando a neutralidade e objectividades necessárias à boa prática científica. Os primeiros filmes com estatuto etnográfico reconhecido5, realizados por Alfred Cort Haddon em 1898 na famosa expedição da Universidade de Cambridge ao Estreito de Torres, são bons exemplos que se enquadram simultaneamente numa antropologia da urgência e do reconhecimento do outro e da diversidade cultural do Mundo – afinal, sentimentos e desejos reconhecíveis em turistas. Mais ainda porque, complementarmente a um deslumbramento relativamente ao exótico, nestes filmes pioneiros existiu um processo deliberado de reconstituição cultural de práticas e rituais já desaparecidos; também em relação a este aspecto identificamos semelhanças com o turismo – na senda do autêntico e, sobretudo, na reconstituição patrimonializante de certos aspectos da realidade. Num documentário recente (2011), Framing the Other, realizado por Ilja Kok e Willem Timmers, somos confrontados com o encontro entre uma mulher Mursi e uma turista holandesa. O filme, uma curta-metragem de 25 minutos, mostra-nos dois pontos de vista - o da visitante, mulher holandesa, e o da visitada, mulher Mursi, ao mesmo tempo que somos levados a reflectir sobre o carácter predatório dos ‘safaris turísticos’ de europeus em África. Num registo que vai cruzando reflexões das duas mulheres em relação a estes encontros, que, de alguma forma, ‘animalizam’ os ‘exóticos Mursi’, são os ‘brancos turistas europeus’ que acabam por ser (re)vistos à luz das suas práticas consumistas e voyeuristas sustentadas na mercadorização da experiência daqueles que contemplam no seu exotismo ou exotici-dade – afinal, tudo (mesmo os sorrisos ou o desejo das crianças por balões) parece ser comprável e ter um valor de mercado que pode ser transaccionado. No final, os Mursi (mulheres e crianças apenas) recebem dinheiro por se terem exibido – ou serem vistos – e fotografados por turistas holandeses, mas são estes últimos que, finalmente, estão enquadrados como o objecto de estudo antropológico do filme (o outro representado - framed)6. Neste caso, e ao contrário das exposições universais da segunda metade do século XIX que coincidem com o período antropométrico-evolucionista da antropologia, os indivíduos exóticos representativos de culturas distantes não são exibidos, de forma descontextualizada, em palanques nos museus de história natural de Paris, Nova Iorque ou Londres (Griffiths 2002) mas são os visitantes que se deslocam e contemplam in situ. Sem deixarem de estar descontextualizadas porque, na verdade, estão a realizar um acto performativo (como é referido, por exemplo pela mulher Mursi que fala para a câmara), as interacções e acções que vemos neste documentário são muito significativas por duas razões; em primeiro lugar, porque apesar de realizado in situ, estes safaris não deixam de ser e reforçar processos descontextualizadores (entre outras coisas, pela urgência e rapidez da presença, pela superficialidade e pela obsessão pelo registo imagético a todo o custo7); e isto permite-nos chegar ao segundo aspecto, que se prende com o trabalho de campo antropológico como metodologia de encontro e (re)conhecimento da diversidade cultural, e que, muito justamente, há já mais de um século (desde W.H.Rivers e, mais tarde, com Malinowski) tem vindo a ser defendido como quesito ético, político e epistemológico para nos achegarmos à compreensão dos ‘Outros’ ou do que (nos) é diferente mas inscrito em contexto(s), em situação(es), em circunstâncias, que, na verdade, restituem(nos) a todos à nossa integralidade (como humanos e como elementos de uma natureza partilhada interespécies bióticas e abióticas). Falamos aqui de uma questão crucial nos registos visuais na antropologia – como lidar com a pessoa, concreta, com as suas subjectividades sem a reduzir (apenas) a um exemplo de um qualquer colectivo (cultura) – e, seguramente, também o turista merece ser conhecido sem ser apenas mais um tipo (Sampaio 2013a) alguém com uma câmara de fotografar ou filmar ao pescoço (Robinson e Picard 2009) – nestas questões do encontro cultural entre outros todos são (somos) específicos8. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 529 O filme segue um argumento já anteriormente explorado no famoso Cannibal Tours de O’Rourke (1988), permitindo-nos ainda aceder a uma confissão intimista (em lágrimas) da turista e personagem principal – a mulher holandesa – que acaba por reconhecer o carácter explorador e o impacte ‘mone-tarista’ (destruidor ou transformador) dos safaris (e do turismo) sobre aqueles indivíduos, também como ela (e como nós) humanos. Nele sobressaem ainda quatro outros temas, também retratados no documentário Cannibal Tours e que vamos encontrar mais recentemente num outro filme, de produção colectiva (indígena), Capa de Índio (2010); temas que considero muito relevantes para o argumento no âmbito deste texto sobre ‘o uso crítico de meios e materiais visuais nos estudos antropológicos sobre o turismo’; são temas que situam questões fundamentais em termos de uma epistemologia do visual e que, na verdade, entroncam no que chamaria a responsabilidade histórica da disciplina no (re)conhecimento da interculturalidade não só como imperativo político e ético mas, sobretudo, como necessidade metodológico-epistemológica. Em primeiro lugar, o do uso de máquinas fotográficas e de outros aparatos tecnológicos de registo visual - o que nos permite ver a importância da visualidade na experiência turística da diferença e do exótico, se não como única dimensão sensorial activada uma que pelo menos é central, reforçando o ocularcentrismo que tem dominado as formas de conhecer e de representar no mundo ocidental (Jay 2003). Há como que uma obsessão em registar pelo filme ou pela fotografia – o que, na verdade, marca igualmente muitas das experiências turísticas (Robinson e Picard 2009). As câmaras intermedeiam as interacções entre turistas e não-turistas e, no caso de Framing the Other ou de Cannibal Tours, verificamos um visualismo extremo (esse que Judith Okely [2001] tanto critica9) - sem que pareçam existir outras formas de experiência sensorial do lugar e das pessoas. Contudo, e esta é uma segunda questão importante a considerar, o indígena não é só (mais) um ‘objecto passivo’ de representação – vemos negociação, e no caso de Capa de Índio, as pessoas locais parecem liderar as escolhas em termos de representação visual, assumindo um papel de guias turísticos com recomendações do que retractar10. Na verdade, os Mursi ou os Pataxó (pelo menos) em filme não aparecem como sujeitos ‘capturados11’ pela câmara. São apresentados na sua agencialidade, na sua capacidade de também ser turistas em casa (ou será mais antropólogos?) propondo-se a ver e a analisar os outros. Assumem, num certo sentido (em sentido pleno em Capa de Índio), uma função editorial importante, como que passando para o lado de cá da câmara. E os realizadores – e, na verdade estes filmes partem todos deste mesmo pressuposto – tornam o ‘outro antropológico’ os turistas (e todos os antropólogos directa e indirectamente), invertendo o clássico papel a que estavam ou têm estado sujeitos aqueles indivíduos – como um eterno ‘outro’. Há nestes três filmes como que um processo de libertação, de descongelamento (unfreeze) das suas imagens estáticas congeladas ao longo de dezenas de anos por várias representações criadas mais ou menos científicas12. Um terceiro aspecto tem que ver com o potencial de representação do filme, no que chamaria a desconstrução ou desessencialização da indigeneidade ou exoticidade daqueles sujeitos visitados; através das imagens e do argumento criado temos a possibilidade de assimilar comportamentos, reacções e sentimentos nessa base comum que é a da humanidade. Por exemplo, em Framing the Other vemos a ironia Mursi relativamente ao fascínio dos brancos pelo seu exotismo e a sua desconstrução do simbólico associado a determinados elementos de cultura material13. Também em Capa de Índio, as pessoas (reindigenizadas) são capazes de se afirmar na sua complexidade e subjectividade, mostrando-nos efectivamente a sua integração num tempo que é também o nosso e é o dos cartões de crédito e da internet – e que são também índios e vestem a sua capa para o turista ver. Finalmente, um quarto tema prende-se com o consumo e mercadorização de elementos de cultura material, dimensão crítica para entendermos certos tipos de turismo actual, mostrando as interacções e a diferença de posições, papéis e de experiências nos momentos do encontro e de negociação – diferenciais de poder – mas, ao mesmo tempo e em sequência ao afirmado relativamente ao ponto dois, vemos a inscrição dos indivíduos no mundo contemporâneo, numa economia de mercado e num tempo partilhado14. São, portanto, três documentários que nos mostram a riqueza e a utilidade que as abordagens visuais podem ter para os estudos críticos do turismo; em particular, assumindo o potencial de exploração háptica das formas de representação fílmica (Grasseni 2011; Herzfeld, 2011; Grimshaw 2005, Okely 2001) e, paralelamente, fazendo-nos aceder à dimensão corpórea (Farnell 2011) dos encontros entre as pessoas – da experiência humana – algo que nas interacções entre pessoas de diferentes sociedades são excelentes marcadores culturais, revelando os actos e eventos performativos dos mesmos. O registo visual, e neste caso particular o filme etnográfico (com um dos muitos materiais visuais disponíveis), tem a virtude de mostrar a complexidade do fenómeno turístico a partir de uma leitura antropológica da realidade. Nos casos referidos, o filme constitui uma representação da realidade (do turismo) a PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 530 Para uma antropologia visual do turismo partir de uma visão (interpretação) de um autor, que é passível de ser analisada nos seus actos de produção e recepção. Mas os materiais visuais sobre o turismo não se esgotam no filme etnográfico ou no documentário. Outros tipos de registo e metodologias existem que, não assegurando o que designaria como uma antropologicidade óbvia apriorística (pela intencionalidade explícita ou explicitada da sua produção), podem ser usados pelos investigadores nos estudos sobre o turismo. Neste texto falo, portanto, de materiais e metodologias visuais nos estudos sobre o turismo, das suas virtudes metodológicas e epistemológicas; i.e., do seu potencial heurístico para assegurarem diferentes e melhores representações, e interpretações de diferentes lugares, pessoas e experiências que, de alguma forma, remetem para um objecto de estudo que podemos identificar como sendo o do turismo. Mas importa ter em conta que a produção, divulgação e consumo de imagens visuais tecnologizadas ultrapassa a experiência e o espectro de acção directa da investigação e dos investigadores que trabalham sobre o turismo. Se num primeiro momento pensei propor um texto que simplesmente servisse como um manual de usos de meios e materiais visuais para o estudo do turismo, a reflexão crítica a que, inevitavelmente, me sujeitei ao longo da escrita do texto levou-me a ter que, de forma obrigatória, considerar outros aspectos de índoles epistémica, política e ética. De facto, se temos (cada vez mais, em maior quantidade) meios e materiais visuais para trabalhar temas e objectos de estudo relacionados com o turismo, a verdade é que uma reflexão epistemológica e ética torna-se imprescindível para situar estes usos, definindo limites de aplicabilidade e campos de pertinência que estão intimamente ligados à cientificidade das abordagens que desejamos - por oposição, neste caso, a usos mais próximos de formas de jornalismo sensacionalista ou de publicidade, que, melhor ou pior, não dos deixam realizar uma metodologia visual crítica (Rose 2012). Para esta autora, são três os critérios que a definem: 1) considerar as imagens com seriedade; 2) pensar sobre as condições sociais (da sua produção) e os efeitos dos objectos visuais; 3) considerar a forma como se olha e vê as imagens. É para aí que aponta o meu argumento em jeito de desafio a quem utiliza as imagens para estudar o turismo e é também aí que outros autores nos apontam o caminho dos estudos visuais do turismo (e.g. Sampaio 2013a; Pereiro 2012). 2. Das imagens disponíveis à produção de imagens pelo investigador Somos hoje, em diferentes momentos, processos e circunstâncias, agentes de uma experiência (cultural) visual alargada e amplificada – um ecossistema comunicacional (Ribeiro 2004), no qual assumimos papéis de produtores de imagens, que é extensível ao fenómeno do turismo (Robinson e Picard 2009). Vivemos num mundo constituído e estruturado por elementos de cultura visual com base material (não necessariamente de imagens mas de produções criativas humanas – na sua acepção ampla) e no qual, crescentemente, as pessoas se tornam agentes da sua vontade de ver e de serem vistas. Para Mirzoeff: “These strategies can be seen as part of the modern production of what I will here call the visual subject, a person who is both the agent of sight (regardless of biological ability to see) and the object of discourses of visuality. In many instances, the claim to visual subjectivity was part of a general claim to majoritarian status within Western nations for those like women, the enslaved and their free descendants, and people of alternative sexuality (…) the contradictory source of the resonance of ‘visuality’ as a keyword for visual culture as both a mode of representing imperial culture and a means of resisting it by means of reverse appropriation.” (2006: 54) Mirzoeff (1998) fala da globalização do visual ou numa nova dimensão da visualização das culturas – para referir que a experiência humana é hoje mais visual e visualizável do que nunca: desde a imagética na medicina, à imagem digital no cinema, ao advento da pós-fotografia (onde todos somos snaprs15) – ou seja, rotinizamos a captura e produção de imagens visuais através de tecnologias de visualização de baixo custo e fácil domínio técnico (Martins 2013; Campos 2011). Alguns autores referem-se mesmo a um visual turn – no qual se promove o fascínio pelas imagens (o poder das) – agora exponenciado pelas novas tecnologias (produção, difusão, recepção e manipulação). Sturken e Cartwright (2001) falam, neste sentido, de um fluxo global da cultura visual. É neste quadro explicativo mais vasto que devemos enquadrar uma antropologia visual do turismo porque este último, enquanto fenómeno multidimensional e multiagencial (Sampaio 2013a) passa efec-tivamente não só pela experiência directa, corpórea, material dos lugares e das actividades e sensações associadas mas, igualmente, pelas diferentes formas e possibilidades de representação (visual) das mesmas. As experiências turísticas, turistificantes e turistificadoras, entroncam na dupla possibilidade PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 531 do estar e experimentar sensações e consumos dos lugares mas, ao mesmo tempo, do ver e contemplar (a priori, durante e a posteriori) através das imagens não só feitas para os próprios mas também para os outros, com recurso a aplicações e meios de partilha e divulgação que hoje são relativamente acessíveis a um baixo custo (e.g. internet, facebook, instagram). Desta forma, abrindo o âmbito do texto, importa ter em conta diversos produtores destas imagens pela identificação de alguns tipos diferenciados não mutuamente exclusivos entre si: investigadores, turistas, artistas, residentes locais não-turistas, produtores institucionais e não institucionais, públicos e privados; mas também a diversidade de produtos (nos seus mais variados géneros): filme, vídeo, fotografia, gravura e outros formatos impressos (de grande e pequena dimensão) e novas formas e tecnologias de convergência com base no digital; e, finalmente, os canais e meios da sua divulgação-circulação (publicidade, televisão, plataformas, sites, etc.). No entanto, os temas da produção, divulgação e consumos de imagens tecnologizadas (de, no ou sobre) turismo encontram-se associados, entre outras, a questões de intencionalidade e de usos que têm que ser colocadas a diferentes níveis de análise e de escala. Por exemplo, desde uma decisão de escala micro, ao nível de um proprietário de turismo rural que produz um filme de divulgação da sua casa na aldeia16 a escalas macro que passam pela produção colectiva de um vídeo contra a ocupação, para efeitos de um projecto hoteleiro, de territórios considerados sagrados por um qualquer grupo humano – aliás, um tema sobre o qual muito tem sido produzido em termos de antropologia visual (Zoetll 2011; Ginsburg 2011). Ou seja, as imagens tecnologizadas produzem mensagens – discursos – que se disponibilizam à leitura (análise) por parte dos investigadores e que, aliás, muito têm interessado a uma antropologia do turismo (e.g. Pereiro 2012). Neste sentido, o investigador tem produtos (audiovisuais) produzidos por outros (que podem ter resultado de processos e ou objectivos de investigação anterior por parte de outros investigadores) disponíveis para serem analisadas na forma como e porque foram feitos e nos processos da sua circulação e recepção. Por outro lado, o investigador pode igualmente ser o produtor das imagens enquanto forma de representação do real e, desta forma, ele próprio torna-se um veiculador de mensagens – de um discurso sobre o mundo passível também de ser analisado por outros receptores do seu trabalho – incluindo novos investigadores. Esta é, portanto, a matéria da qual parto de forma a disponibilizar um conjunto de ferramentas de análise e de pesquisa a todos aqueles que estudam o turismo, em particular desde uma perspectiva antropológica. Desta forma, sugiro quatro perguntas, que, creio, ajudam o leitor a situar e seguir o argumento: 1 - Para que servem as imagens criadas no âmbito de objectivos relacionados com a produção, a divulgação e o consumo de objectos e produtos de turismo? 2 - Como podem ser lidas estas imagens? 3 Que tipos de imagens produzimos sobre o turismo nos estudos que levamos a efeito? 4 - Quem produz essas imagens? Tentarei responder a estas perguntas, que, em bom rigor, cruzam com a interrogação deixada por Sofia Sampaio (2013b: 179) em jeito de desafio para o uso de meios visuais neste campo – “como estudar o turismo hoje?”. A investigadora, que estuda o filme turístico (2013a) lança a questão no sentido de valorizar um tipo de abordagem que atente às experiências concretas, ao turista e às suas mobilidades intrínsecas para sublinhar a importância da etnografia (estudos locais) e de uma antropo-logia visual do turismo (expressão minha) – “requerendo soluções metodológicas inovadoras, capazes de combinar, por exemplo, a observação participante (de longa, média e curta duração) com inquéritos, entrevistas (muitas vezes recorrendo a estímulos visuais, tais como fotografias e vídeos domésticos, ou a objetos), diários de viagem e, mais recentemente, blogues e redes sociais” (Sampaio 2013b: 179-180). Na verdade, o que está em causa é não só a apologia do uso de meios visuais mas, sobretudo, a capacidade (semiótica) de (re)conhecer e interpretar os processos sociais e culturais (in)visíveis que estão por detrás da produção e consumo do turismo. E aqui importa também situar a crítica ao “tourist gaze” (expressão de John Urry 2002) enquanto um olhar distanciado e distanciador, incapaz de ver melhor as realidades que lhe proporcionam o prazer e o lazer (Idem.) É também aqui que situamos o conjunto de textos da obra editada por Robinson e Picard (2009) – no qual se esboça uma crítica cultural ao processo de fotografização extremo associado às experiências turísticas. Como referem os autores, devemos ter em atenção “the representational ‘surface’ power of the photograph and its role in shaping visions of the world, to the processes and performances which attend the doing of photography (ibid: 31). A representação visual produzida nestas experiências diz-nos menos em relação ao que se mostra do que em relação a quem as produz. “Tourist photography is foremost photography in ‘other’ places and shaped by the ways in which tourists behave in such places. Patterns of ordinary life and normative social/family relations are not left at home but brought into the tourist space” (idem). Apontamos aqui a um conceito fundamental nos estudos do visual – o de regime escópico (Metz 1977) – e que se prende igualmente com os modos de ver (Berger 1973). Ou seja, nem todos vemos tudo da mesma forma. Vemos na medida em que somos levados a ver de determinada forma por convenções socioculturais PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 532 Para uma antropologia visual do turismo mais genéricas e por processos de treino e especialização do modo de ver (Grasseni 2011; Berger 1973). Cada imagem tem incorporado um modo de ver. Contudo, antes, pretendo situar o argumento num quadro explicativo mais abrangente que nos obriga a ter em atenção várias questões de enquadramento. Garantir estas inscrições teórico-explicativas permite, como tal, estabelecer (e este é o objectivo) campos de pertinência, que são, simultaneamente, políticos, epistemológicos e metodológicos para quem estuda estes temas e objectos. As imagens são sempre discurso sobre o mundo – nunca são inócuas mas revelam interesses, intenções, modos de ver, culturas, que, muitas vezes, estão ‘invisíveis’. Naturalmente, obriga-nos a identificar algumas questões centrais no âmbito de uma antropologia do visual, e que, em bom rigor, traduzem as grandes linhas temáticas da disciplina. São objectos de reflexão que têm ocupado os antropólogos visuais, em particular no que designaria por uma epistemologia das representações sociais visuais. 3. Turismo e experiências (multiculturais) audiovisuais Em primeiro lugar, há que situar a importância do turismo e dos consumos, produções e divulgações (imagéticas) associadas, no mundo contemporâneo e na vida de muitas sociedades e indivíduos humanos. O turismo, e todos os fenómenos associados, constituem hoje uma indústria fortíssima – correspondendo igualmente a novas configurações da vida social do século XX (Sampaio 2013a). A intensificação das mobilidades, com o incremento das viagens low-cost, o investimento em estruturas de lazer e recreação situadas entre o mundo rural e o mundo urbano, entre o hemisfério sul e o hemisfério norte, entre as ‘metrópoles’ e as ‘colónias’ e a produção massificada à escala global de um mercado de produtores e consumidores do turismo são fenómenos que enquadram, facilitam e são facilitadas pelo que, num outro lugar, designo como a audiovisualização extrema das nossas experiências (Martins 2013). A obsessão pela produção de imagens decorrente de um acesso facilitado a equipamentos digitais de (relativo) baixo custo17, com maior portabilidade e sem grandes custos de formação associados em termos da sua produção, edição e circulação marcam, na verdade, os nossos tempos e a uma escala muito alargada e que passa pela própria necessidade da auto-representação em diferentes sociedades ditas ‘não-ocidentais’. Isto é, o domínio das técnicas de representação audiovisual estão acessíveis (e são desejáveis) por muitos ou por todos, o que nos leva a repensar, por um lado, toda uma teoria da imagem e da (auto)representação à luz de novas convenções, significações e intencionalidades18, ao mesmo tempo que vem redefinir os espaços das nossas socializações e convivialidades – o Mundo torna-se mais pequeno (à distância de um clique e de uma actualização feita através de um qualquer aparato tecnológico digital) e, ‘subitamente’ as fronteiras entre os espaços (intimo, privado, social e público) da experiência humana são alteradas profundamente. Aqui se reconhece a ideia de que, por via das possibilidades de comunicação móvel, o nosso ‘quarto’ torna-se o espaço público para interacções virtuais para os outros ‘em toda a parte’ ao mesmo tempo que se fecha às interacções face a face com, por exemplo, outros membros da família com os quais habitamos (Hills 2009). Um conjunto de condições que também ajudam a explicar outros fenómenos sociais relacionados com os novos media (social media) e nos quais se enquadram os conceitos de ‘me media’ (Bell 2009) ou de jornalismo de cidadania (Hills 2009). Finalmente, pergunta-se quem mostra? Como? Quando e para que efeitos? Temos, portanto, um quadro existencial marcado pela facilitação das viagens, da circulação de pessoas por vários lugares, ao qual estão associadas ‘necessidades’ ou, se quisermos, vontades de contemplação, espectadoria visual e multissensorial dos mesmos. A produção e o consumo do turismo são feitos também pela produção de imagens de lugares desejados, imaginados, ou, mesmo, inacessíveis19. A enorme produção de filmes, fotografias, vídeos promocionais faz parte desta indústria do turismo à escala global. A experiência resulta, muitas vezes, não de um contacto directo com o destino turístico mas de um acesso mediatizado – também não por acaso identificarmos o aparecimento de canais televisivos temáticos de viagens e turismo e de uma edição também expressiva de literatura de viagens com forte recurso a imagens fotográficas. Vivemos na era das culturas visuais digitais (Sturken e Cartwright 2001), um tempo marcado pela produção imagética tecnologizada a uma escala nunca vista e no qual a possibilidade de aceder visualmente a um local sem a experiência física do mesmo se torna realidade a cada dia que passa. Não é mais o original, o autêntico que (apenas) se quer e, por isso, o prazer da experiência passa por alternativas (menos autênticas, é certo) mas ainda assim compensatórias. Aqui situamos igualmente o que aquelas autoras referem como o fluxo global da cultura visual (idem) enfatizando três temas centrais – sinergia, globalização e convergência – que relacionam com o colapso das distâncias geográficas e das fronteiras (administrativas e políticas) nacionais, as comunicações PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 533 móveis sem fios e a produção, consumo e circulação das imagens entre culturas e fronteiras culturais. Um contexto que, obviamente, afecta ou influencia as condições de produção de ciência social no mundo contemporâneo – na medida em que há mais imagens visuais tecnologizadas para estudar (como se a cultura contemporânea pós-moderna estivesse apenas acessível através da suas dimensões visíveis e visualizáveis) e porque estas são veículos que favorecem a transmissão de mensagens – numa espécie de iconofilia generalizada que tem, aliás, o powerpoint como um dos seus exemplos referenciais. Mitchell fala de uma ‘picture theory’ para acentuar a insuficiência de um modelo de explicação textual (escrito) – World as a picture (2002). Um pressuposto que merece ser revisto, até porque o que é visível e é visto ‘esconde’ o invisível e o não visto, que, na verdade, contextualiza e justifica o que se vê, como se vê e o que é proposto ver (Mirzoeff 1998). Ou seja, importa proceder a uma análise crítica das imagens visuais tecnologizadas – uma antropologia visual do turismo que desconstrua, desde logo e em particular, a falácia primordial da objectividade/transparência das imagens. E aqui importa distinguir três conceitos cruciais: (i) visão como a capacidade (fisiológica) de ver, (ii) visualidade como a construção cultural dos modos de ver e (iii) sistemas visuais (ou regimes escópicos) como inscrição institucional (ideológica) dos processos de ver e criar objectos visuais (Rose 2012), fazendo reconhecer dois outros aspectos. Em primeiro lugar, que o autor (das imagens) é ele mesmo um produto de um sistema ou de uma cultura visual (Mitchell 2002), e o privilégio da visão no pensamento ocidental (Jay 1993); i.e. a importância da experiência visual – o papel do olho (Eye), que revela um eu (I) que conhece. 4. Antropologia Visual: algumas questões de enquadramento Entre muitos outros temas que têm sido tratados na história já longa de uma antropologia visual e do visual (Banks e Ruby 2011), saliento os seguintes, que me parecem críticos nos estudos sobre o turismo – (i) o (da análise) dos sistemas visuais e nos quais se inscrevem os modos de ver (e de olhar); (ii) o da objectividade das imagens, extensível ao das epistemologias tácteis e das formas hápticas de conhecimento; (iii) o da autoria e da (auto)representação; (iv) o das pessoas, seus corpos e suas subjectividades e, finalmente, (v) o do digital e o alargamento das ferramentas e potenciais de uso do visual, que se liga aos desenvolvimentos e inovações técnicas ao serviço das ciências sociais20. Começando pelo primeiro, devo referir que a análise dos sistemas visuais ou escópicos tem ocupado relativamente um espaço marginal no estudos em antropologia visual. Por diversas razões, mas sobretudo pela centralidade do tema do filme/documentário (Banks e Ruby 2011). No entanto, o pressuposto de que as culturas (sociedades, indivíduos humanos e não humanos e todos os seus elementos constitutivos) se disponibilizam visualmente a quem as estuda e, portanto, são sujeitos de apropriação visual transformáveis em produtos de representação como filmes, desenhos ou fotografias (Ball 1998) não pode deixar de ser pensado a partir de um outro: o da existência de visualidades competitivas (Mirzoeff 1998); i.e. que existem diferentes modos de ver (e de olhar) [Berger 1973] inscritos em diferentes regimes escópicos. Na verdade, o que está em causa é o estudo das formas visuais e sistemas visuais nos seus contextos culturais de produção (Banks 1998). E ao consideramos estes enquadramentos somos obrigados a ter em atenção paralelamente o que nos é proposto ver, o que nos é negado ver, o modo como somos educados a ver, o modo como são produzidos e mostrados (em enquadramentos discursivo-narrativos) os objectos (imagens) visuais. Baker (2002), por exemplo, mostra como a produção e o consumo de uma área protegida no Canadá é feita através de um repertório de informação visual e textual disponibilizado aos turistas e visitantes. No Parque Nacional de Algonquin as pessoas são levadas a ver (e sentir) partes do território enquanto outras são tornadas ‘invisíveis’ (idem). Mas também, como refere Cristina Grasseni (2011), pensando a partir do trabalho de Ingold, podemos pensar numa ecologia das inscrições visuais e no estudo da percepção e da cognição como participada e incorporada. Ou seja, a visão é ‘vista’ como prática situada tendo em atenção os constrangimentos e possibilidades dos ambientes sociais e culturais que estruturam a prática social. A autora, de facto, refere-se à ideia de aprender a ver e que fundamenta uma ‘skilled vision’ (idem). O tema da objectividade é central não só na discussão de formas de representação visual na antro-pologia mas em todas as formas de produção de conhecimento antropológico. E se é certo que quer a ideia do registo imagético como prova factual quer a da neutralidade sociocultural do mesmo já não são consideradas hoje em dia (Ball 1998), a verdade é que o registo imagético parece estar associado a uma garantia mínima de facticidade do visto21. Este é um tema muito importante a considerar no âmbito de uma antropologia visual dos estudos em turismo, em particular considerando a recepção/espectadoria e processo de produção. Muitos produtos visuais de divulgação de destinos turísticos ‘vendem’ realidades PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 534 Para uma antropologia visual do turismo imageticamente ‘retocadas’, ainda mais se tivermos em atenção que muitas ferramentas informáticas digitais permitem desindexicalizar as imagens de um sujeito ou objecto concreto; i.e., existem ferramentas que podem, no limite, produzir visualmente uma realidade que não existe de facto na sua materialidade ou num acesso experiencial de contacto directo físico. Esta é, aliás, uma das chaves para situarmos o universo imagético do digital e o tema da realidade virtual que marca muitas das nossas experiências quotidianas. Mas mesmo antes de considerarmos as implicações que a revolução digital veio trazer para o debate em torno da objectividade assegurada pelo registo imagético temos que ter em atenção as condições específicas (técnicas, sociais, autorais, de enquadramentos, de intencionalidades, estéticas, etc.) que marcam a produção de qualquer imagem. Ou seja, uma imagem tem sempre um autor; este, por sua vez, realiza escolhas; estas são definidas pelas formas de ver, mostrar, objectivos, tecnologias de produção, difusão e exibição existentes – estamos, portanto, a falar de sistemas visuais, que, acima de tudo, são reveladores da subjectividade dos autores. Mas o tema também tem de ser alargado a duas outras inscrições teórico-epistemológicas. Em primeiro lugar, à dos processos de espectadoria – quem vê filtra, recebe de acordo com quadros socio-culturais referenciais – modos de ver – incluindo onde e como se vê. Em segundo lugar, ao próprio ‘reflexive turn’ que muito marca as ciências sociais nas últimas décadas e que assinala o pressuposto de uma intersubjectividade (mutualidade) num processo de negociação permanente entre sujeitos que se conhecem. Isto é, quem regista através de imagens captura o que quem é filmado quer ou deixa que se registe – na ficção ou no documentário. Um terceiro tema que importa considerar tem como pano de fundo as questões de autoria/autoridade do investigador e as formas de representação e auto-representação. Um tema que, por um lado, posiciona o trabalho autoral do investigador, fazendo reconhecer o tema da (in)visibilidade da câmara e dos estilos de abordagem – ou seja, o pressuposto de que as câmaras, como a caneta, o bloco de notas e o investigador são actores sociais que intermedeiam as relações de investigação no terreno. Por outro, estão aqui inscritas questões de representação e, em particular, relacionadas com a possibilidade de auto-representações (Ginsburg 2011), multi-autorias (Wright 2012) e trabalhos colaborativos (Zoettl 2011). Quem fala por quem? Quando? Onde? Questões que, por exemplo, têm sido importantes nas formas de divulgação de turismo étnico e responsável (Pereiro 2015) e que cruzam com o próprio tema da representação /cinema indígena. Ginsburg (2011) fala de uma ‘native intelligence’ (também reflectida por Elizabeth Edwards, 2011) – associada à possibilidade de os ‘Outros’ clássicos da antropologia (Não- Ocidentais de sociedades de pequena escala) serem produtores e gestores da sua própria representação cultural (visual). O efeito de paralaxe cultural – a partir da noção da óptica – como se o que se vê tivesse mudado de posição porque o modo como se mostra é diferente e que, no limite, põe em causa representações visuais hegemónicas feitas. Edwards utiliza a noção de ‘soberania fotográfica’ (2011) para realçar o direito sobre a opção pelas formas de representação visual desejadas – que, como reparamos em filmes como Capa de Índio (2010) ou Cannibal Tours (1988), são questões muito valorizadas pelas pessoas que são vistas e fotografadas ou filmadas por turistas. Esta anotação permite-nos entrar no quarto tema – o das pessoas, seus corpos e subjectividades. A questão do corpo é crucial nesta nova fase da representação antropológica – de um corpo que é agencial que cria no mundo em interacção (Farnell 2011) e que não é apenas objecto (Ginsburg 2011) ou espectador da sua própria representação (Edwards 2011). O tema é muito explorado por Ginsburg (2011) e Edwards (2011) – mais em relação à fotografia. Esta última, neste artigo no qual traça a história da fotografia na antropologia, adverte para a necessidade de rever as considerações produzidas sobre as representações fotográficas etnográficas do final do século XIX e início do século XX, nas quais muitas pessoas apareceriam em pose, como ao mesmo tempo colocando em causa o realismo e reforçando a autoridade e a posição de poder do antropólogo. Em muitos casos, essas fotografias teriam sido negociadas entre fotógrafo e fotografado. Está também em causa a necessidade da desconstrução ou revisão de quaisquer tentames estereotipizantes que possam ser feitos sobre pessoas e que reduzam as suas imensas subjectividades e complexidades. Uma questão que tem especial relevo – se não devidamente considerada em termos epistemológicos, éticos e políticos – nos estudos do turismo. Finalmente, uma nota breve sobre o tema do digital e as suas consequências no uso e produção de meios visuais para destacar o potencial disruptivo (relativamente às formas convencionais de repre-sentação) associado ao uso de ferramentas que permitem criar formas de representação baseadas nos princípios da interactividade, não-linearidade, multi-camada e incompletude, que sugerem igualmente o trabalho em rede, on-line e multi-autoral e em actualização continuada de conteúdos e autores. Roderick Coover (2003)22 ou Terence Wright (2012)23, por exemplo, são dois antropólogos que têm vindo a trabalhar nestes formatos híbridos. Estamos perante um fluxo de produção de grande escala, associado à necessidade (quase obrigatoriedade) de mostrar (dar a ver) – não necessariamente e só, como referido, PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 535 em termos de uma descrição do que existe como realidade material fáctica mas igualmente através de mecanismos (tecnológicos e/ou narrativos) de simulacrum (Baudrillard), isto é de fabricação criativa de reais materiais inexistentes ou de reais modificados. Importa salientar que esta facilidade produtiva se coloca ao nível da própria autoria do investigador como em relação a todos os outros produtores de imagem que o investigador pode vir a analisar. 5. Usos de meios e materiais visuais nos estudos do turismo Chegados aqui, importa falar das diferentes ferramentas disponíveis – em termos metodológicos para fazer uma antropologia visual do turismo. Para tal, e seguindo a proposta de Gillian Rose (2012), convém identificarmos três sítios ou modalidades: (i) o da produção; (ii) o das imagens em si (iii) e o da recepção. O investigador em turismo pode simultaneamente trabalhar sobre as três modalidades ou escolher apenas uma. O que, aliás, é aconselhável no sentido em que a dispersão ou um certo uso ‘acessório’ das imagens poder conduzir a más abordagens. Reitero a ideia de que cada tipo de imagem tem uma história e uma epistemologia próprias (Martins 2013). Fotografia não é o mesmo do que trabalhar com vídeo nem tampouco com plataformas web. Como produtor/realizador ou como investigador/espectador crítico de imagens importa dominar ferramentas conceptuais e técnicas de representação e produção de produtos audiovisuais e, por isso, será aconselhável obter formações específicas24 ou desenvolver trabalho colaborativo com outros profissionais que dominam as ferramentas – inclusive fora das ciências sociais (realizadores de cinema, fotógrafos, engenheiros informático, por exemplo). Em termos de imagens, o investigador tem ao seu dispor dois tipos; ou produz as suas ou recorre àquelas produzidas por outros – em diferentes contextos e segundo diferentes propósitos - sendo que estas últimas podem ser produzidas ou encomendadas por diferentes indivíduos e instituições. As imagens servem diferentes propósitos (não mutuamente exclusivos entre si) – privados, públicos, íntimos, artísticos, comerciais, institucionais, científico-descritivos, etnográficos e antropoartísticos, entre muitos outros. Considerando os formatos, existem os mais óbvios como o filme, o vídeo e a fotografia, hoje praticamente só utilizados nos seus formatos digitais, mas também o desenho, a pintura ou a gravura. A sua exibição pode ser pensada, consoante os formatos, para diferentes sítios – físicos ou virtuais – festivais de filmes, televisão, websites, plataformas digitais, museus, centros interpretativos, galerias. Em termos de géneros e estruturas narrativas também existe uma variedade enorme. Filmes de personagens, filmes colaborativos, nos quais se inscreve o vídeo participativo (Zoettl 2011) ou a fotografia participativa25; os ensaios visuais fotográficos e audiovisuais e, cada vez mais, produtos ditos híbridos multimédia com base em alguns princípios identificados na secção anterior (nomeadamente interactividade, não-linearidade e multi-autoria)26. Websites e plataformas em constante actualização inscrevem-se também no âmbito destes tipos de materiais. Tal como referi anteriormente, a questão do digital está relacionada com formas alternativas de comunicar, com novas contextualizações e novas autorias. Os arquivos estão a ser no caso dos estudos de turismo muito utilizados (Robinson e Piccard 2009) e não só os institucionais; o uso de fotografias e filmes feitos em âmbito privado servem hoje muitos propósitos de investigação – para retractar historicamente lugares e os seus processos de transformação material e social ao mesmo tempo que têm servido em estudos que procuram activar memórias relativamente aos lugares. Num outro âmbito (Sampaio 2013a) o recurso aos filmes de ficção ou documentais feitos no passado são marcadores importantes para perceber vários aspectos relacionados com a produção ideológica dos lugares (idem). Provavelmente, um dos melhores exemplos pode estar em Las Hurdes – Tierra Sin Pan de Luis Buñuel e toda a crítica posterior de desconstrução/refabricação da imagem daquele lugar. Técnicas como a da foto-eliciação, que envolve o uso de fotografias ou vídeos de arquivo, ajudam igualmente a reactivar memórias ou, para questionar interpretações existentes com reinterpretação do passado, servindo o que Edwards (2001) descreve como um processo de recuperação da ‘soberania fotográfica’ de comunidades e indivíduos. Num outro plano temos os registos imagéticos pessoais, como os diários de viagens – que se podem confundir com os diários de campo – e que incluem, cada vez mais, imagens e sons e que são actualizados e difundidos através dos novos media (incluindo aqui aplicações informáticas). Websites, blogs, facebook, telemóveis são meios extraordinários para a comunicação visual – muitos deles, em denominado tempo real. Neste âmbito também podem ser inscritos os me media (jornalismo de cidadania) ou trabalhos que implicam a participação dos estudados na produção de imagens. Por exemplo, Paula Mota Santos (2012) levou a efeito um estudo no centro histórico e na Ribeira na cidade do Porto no qual pediu a moradores e turistas para fotografarem a cidade. O seu objectivo foi o de averiguar as diferentes PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 536 Para uma antropologia visual do turismo percepções e apreciações (ao nível multissensorial) produzidas de acordo com as diferentes experiências e conhecimentos dos lugares. Também Sarah Pink (2008) esteve envolvida num projecto similiar, Slow City, que envolveu a participação de pessoas locais através de uma técnica ‘video-tours’ que implica conhecer como as pessoas constroem e significam os lugares por onde passam e vivem (place-making). No seu trabalho, procurou conhecer outras valorizações dos lugares alternativas às facultadas pelos guias oficiais e mapas turísticos (outras formas de visualismo virtual e virtualizante produzidas sobre os lugares). Esta antropóloga visual tem desenvolvido projectos no âmbito do que podemos designar uma etnografia sensorial (sensorial ethnography)27, através dos quais procura aceder em espaços domésticos ao modo como as pessoas vivem o seu dia-a-dia. Técnicas como a do vídeo-tours ou a do vídeo-re-enactements são utilizadas para mostrar o que as pessoas fazem, sentem, experimentam mais do que propriamente para o registo de discursos e opiniões formais – em síntese, servindo para capturar o que se passa “without saying”. Finalmente, um breve apontamento para relembrar o carácter aplicado de muitos destes produtos no sentido em que muitos antropólogos visuais prestam assessoria em empresas privadas, museus, câmaras e outras entidades governamentais e não-governamentais. Ou seja, muitos destes trabalhos podem ser feitos no sentido da divulgação científica, por exemplo sobre património cultural, paisagens classificadas ou grupos humanos – o que significa dizer que algumas destas formas de representação são ditadas por outras convenções que não somente as académicas e portanto sujeitas a quesitos que podem escapar aos meramente científico-antropológicos - não obstante o cunho narrativo (analisável) que, seguramente qualquer realizador imprime. 6. Notas finais O propósito deste texto não é o de inquietar (ainda mais) quem queira utilizar meios e objectos visuais nos estudos (antropológicos) sobre o turismo. Tento, precisamente considerando as condições sociais e as experiências individuais no mundo contemporâneo, e que, em última instância, são o terreno no qual existem e são utilizados meios e objectos visuais, que o investigador fique atento ou mais desperto para a necessidade de proceder com cuidado redobrado no seu impulso pelo uso destes meios – e, como afirmei, existe uma forte (e até justificável) tentação para o fazer. Diria que não é só fazer filmes, tirar fotografias, produzir websites e plataformas digitais, por um lado, nem tampouco receber e ou tratar imagens disponíveis (produzidas por outros) de forma acrítica (Martins 2005 e 2011). O potencial de uso é enorme, sem dúvida, e as ferramentas estão aí, à distância de um clique. A este propósito, convém relembrar que os acessos facilitados à recepção e à produção de imagens multiplicam as autorias, as possibilidades de colaboração e partilha (Pink 2011; Hills 2009). Ao mesmo tempo, com o digital, e atendendo a que muitos têm acesso às tecnologias de convergência (Creeber e Martin 2009), é possível ampliar o potencial criativo e as escalas de representação da realidade social a um limite que não só põe em causa a indexicalidade (a um real material) daquelas como ajuda a produzir novas realidades. A era do simulacrum, de que fala Jean Baudrillard, e da reprodução mecânica (digital) das imagens, a que se referia Walter Benjamin, veio alterar o vínculo de fidelidade da representação imagética a um real visto ou existente em matéria. Como nos sugerem Mirzoeff (1998) e Rose (2012) vivemos numa era em que ver não significa necessariamente acreditar e na qual a cópia (ou a representação) pode ser mais valorizada do que o original – ou seja, na qual o real é constantemente (re)fabricado através das imagens tecnologizadas. Sean Cubitt (2009) propõe que olhemos à cultura visual digital através de noções como simulação, hiper-realismo e espectáculo. Para o autor, estas noções sugerem uma ruptura entre imagem e realidade (material), a valorização da qualidade das imagens que se podem substituir à realidade (pós-fotografia) e o declínio da narrativa (autoral) em favor do prazer visual puro e de uma espectadoria activa e co-criadora. Ainda assim, como refere Sarah Pink (2011), a aplicação, activismo, partilha e colaboração são virtudes de uma antropologia (visual) digital, o que permite uma redefinição das relações de poder tradicionais entre pesquisador e os seus objectos/sujeitos de estudo, facilitando novas formas de participação e comunicação antropológica – nomeadamente através da interactividade e não-linearidade dos media digitais (hipermédia) [ibid]. Está em causa uma dimensão epistemológica e política que se prende com a questão da autoria(dade) antropológica, ao mesmo tempo que pode facilitar rupturas com processos de estereotipização dos indivíduos e culturas; em suma, considerarmos que, num quadro de fluxos intensificados de produtores e produtos de imagens tecnologizadas, possam existir diferentes narrativas e discursos que contribuam para o efeito de paralaxe cultural de que fala Ginsburg (2011) e, assim, assegurarmos diferentes representações de agentes, escalas e perspectivas sobre os PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 537 mesmos fenómenos e realidades. No âmbito dos estudos sobre o turismo, asseguramos diversas e mesmo contraditórias leituras sobre os lugares, as pessoas, os encontros, os sentimentos, as experiências e, mesmo, sobre as fabricações ideológicas imagéticas de todos estes elementos. 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Abril 2016 ISSN 1695-7121 540 Para uma antropologia visual do turismo Onde estudar antropologia visual / aprender técnicas e ferramentas de produção e edição de imagem: Pós-Graduação Culturas Visuais Digitais (ISCTE) http://www.iscte-iul.pt/cursos/pos_graduacoes/12108/apresentacao.aspx Outra formação na FCSH (UNL) – Mestrado em Culturas Visuais http://www.unl.pt/guia/2014/fcsh/UNLGI_getCurso?curso=4286 Granada Centre for Visual Anthropology http://granadacentre.co.uk/ Centre for Visual Anthropology - Goldsmiths College http://www.gold.ac.uk/visual-anthropology/ Notas 1 Algo que, como referem Gupta e Ferguson (1997), é muito bem estabelecido por estratégias narrativas de entrada e saída que marcam a separação entre o trabalho de campo e o estar em casa - como se existisse uma hierarquia de pureza dos locais mais apropriados para o fazer – os mais exóticos, distantes e estranhos. 2 A afirmação inversa também seria verdadeira. O turista tem um pouco de antropólogo, tal como nos conta o ancião do filme Cannibal Tours (1988) “I think the tourists read about us in books, and come to see…” o seu modo de vida, se são ou não ‘civilizados’. Sem as ferramentas conceptuais, metodológicas e teóricas dos antropólogos profissionais não deixam, contudo, de produzir conhecimento sobre o que e quem observam – (n)uma certa epistemologia para-científica de encontros mais ou menos duradouros. A experiência turística encerra em si um processo de estranhamento relativamente aos nossos lugares-comuns – tarefa primeira (epistemológica) para uma boa antropologia. Talvez, como refere Cardeira da Silva, estejamos a falar de rivais identitários – os antropólogos e os turistas – no “monopólio do conhecimento global do mundo” (2003: 452). De facto, em Cannibal Tours, um turista alemão de máquina fotográfica ao peito assume um protagonismo de especialista do conhecimento da diversidade cultural global. 3 Há todo um campo inverso de análise de produção de imagens turísticas por agentes individuais e institucionais que tem merecido uma análise por parte de uma antropologia do turismo (v.g. Pereiro 2015 e 2012) e que nos mostram as oposições e os jogos de poder na fabricação de mundos desejados para turistas consumirem, que se opõem, em muitos casos, às realidades vividas por indivíduos e comunidades residentes. Todavia, este não é o escopo deste artigo. 4 A este propósito será justo lembrar todo o poder imaginativo mostrado por Luís Vaz de Camões nos Lusíadas (1572) que contam a descoberta do Caminho Marítimo para a Índia por Vasco da Gama. 5 Não esquecendo, obviamente, a etnograficidade dos filmes dos irmãos Lumière (1895). 6 O filme, aliás, estabelece muito bem o tema da atracção pelo exótico – partilhado por antropólogos e turistas. O assunto a que muito se tem aludido em termos de representação visual da diferença (por exemplo, Grimshaw 2001 ou Banks 1998) não pode ser negligenciado no âmbito das abordagens antropológicas. Só o exótico muito estranho é que merecedor de representação? ‘Only black is beautiful?’ E não correremos o risco de com estas representações exoticizar ainda mais as pessoas? 7 Voltarei a este ponto mais adiante mas para já importa reter uma ideia, que tenho defendido noutros lugares (Martins 2011 e 2005); o registo visual no trabalho de campo antropológico não pode ser feito com a ligeireza de quem tira fotografias na praia durante as férias. Pelo contrário, implica pesquisa prévia, preparação e conhecimento do terreno de estudo e das pessoas sem a presença inicial da câmara. 8 Oriente e Ocidente como categorias de conhecimento são heterogéneas e devem ser desconstruídas e vistas nas suas imensas diversidades. Ver, igualmente, Gupta e Ferguson (1997). 9 Ver igualmente Sampaio (2013a). 10 Algo que, por exemplo, constatei in loco em relação aos Caretos de Podence (Macedo de Cavaleiros, Portugal). 11 A palavra tem duplo sentido. A fotografia e o filme não só capturam num certo momento ou período e de uma determinada forma, como registo ‘factual’, pessoas, coisas, paisagens – indexicalidade da imagem – mas igualmente tornam cativos os sujeitos representados nos seus sentimentos, estados de alma, subjectividades, que podem, efectivamente, terem sido sugeridos e motivados por outras coisas, pessoas, razões que não estão ali ao alcance dessa facticidade capturada. 12 Remete-me também, mas num outro plano, para um filme de Bessie Morris, Harpoons and Heartaches (1998) sobre as relações amorosas entre turistas estrangeiras e os locais, jovens rapazes, nas ilhas gregas. O filme mostra esta ‘batalha de sexos’, desconstruindo imagens e representações construídas desde os dois lados da barricada. 13 São também excelentes reflectores sobre as propostas interpretativas que os antropólogos avançaram ao longo dos anos; em alguns casos, o filme apresenta um potencial libertador de indivíduos e comunidades silenciadas que apenas nos chegavam como ‘ilustração’ (muitas vezes não visualizável) de um processo de cientificação extrema do exótico. O filme Secrets of the Tribe (2010) de José Padilha é um excelente documento sobre este tema. 14 De facto, não vemos a surpresa com a reacção supostamente espontânea de Nanook, o Esquimó (1922) no filme de Robert Flaherty sobre a vida de uma família Inuit, que perante a ‘novidade’ de um vinil se apresta a mordê-lo. 15 De snapshots – instantâneo fotográfico. 16 Ver, a título de exemplo, http://www.youtube.com/watch?v=QGieriCaoMQ (acedido a 17-10-2014). Um filme de 4.30’ sobre um turismo de habitação na Galiza. 17 Nomeadamente no plano dos consumíveis e, em particular, do suporte (formato) de registo das imagens. Penso que é aqui que nos deveremos demorar. Esta proliferação de imagens alterou inclusive o âmbito dos estudos de culturas visuais, ou seja, amplificou os objectos sujeitos à apreciação e crítica a uma escala nunca vista e mesmo as formas de ver e analisar imagens (ver, por exemplo, Rose 2012 ou Sturken e Cartwright 2001). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 14 N° 2. Abril 2016 ISSN 1695-7121 Humberto Martins 541 18 Será, seguramente, importante entender o papel dos ‘selfies’ nesta tendências actuais de representação (audio)visual massiva das nossas vidas – ao que temos que associar, também, o facebook e outras redes sociais de comunicação de banda larga digital. O pressuposto parece ser o da necessidade de auto-representação constante, numa espécie de actualização em progresso da imagem dos indivíduos, que assim asseguram ou parecem assegurar o controlo da sua representação visual (imagética). 19 Este é um tema muito debatido nos estudos antropológicos do turismo (e.g. Pereiro 2015 e 2012). 20 Elizabeth Edwards (2011) identifica na história da fotografia na prática antropológica três questões cruciais – evidência, poder e agência, que faz co-relacionar com períodos históricos: 1890-1970, meados de 1970-fins de 1990 e meados dos anos 90 até aos dias de hoje, respectivamente. A primeira remete para os temas da objectividade-neutralidade-indexicalidade das fotografias; a segunda para as práticas de representação a partir das suas inscrições sociais e políticas; e a terceira para a voz, agência e usos quotidianos culturalmente específicos e no qual localizamos o conceito de ‘soberania fotográfica’. 21 Grasseni fala de uma percepção uniforme perante o que está ‘à vista de toda a gente’. A presunção de que podemos criar representações espontâneas – cópias visuais do mundo (2011). 22 Ver o seu website pessoal no qual estão acessíveis para experiência visual interactiva amostras dos seus variados trabalhos (http://www.roderickcoover.com/). 23 Especialmente, como o projecto Interactive Village (entretanto, já interrompido). Para mais descrição deste projecto ler o artigo (Wright 2012). 24 Ver informação sobre alguns cursos de antropologia visual em Portugal e no Reino Unido no final do texto. Consultar ainda http://www.visualanthropology.net/ 25 Ver, por exemplo, o trabalho de Joana Roque de Pinho, com os Maasai no Quénia, relacionado com percepção de alterações climáticas e perspectivas (emic) face à conservação da biodiversidade. 26 Ver, por exemplo, o site da National Film Board of Canada - https://www.nfb.ca/interactive/ 27 Sarah Pink *Energy and Digital Living http://energyanddigitalliving.com/ Recibido: 06/04/2015 Reenviado: 07/08/2015 Aceptado: 08/08/2015 Sometido a evaluación por pares anónimos |
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