© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Vol. 14 N.o 5. Págs. 1083-1091. 2016
www .pasosonline.org
Resumo: O presente artigo faz a proposição do conceito sujeito-trama, considerando a complexidade da
subjetividade contemporânea e suas implicações para o Turismo. Aborda a engrenagem de subjetivação
maquínica, nos processos de desterritorializações do turismo, em tempos de internacionalização, globalização
e de ressignificação das relações com os destinos turísticos e de produção de vida. Trata-se de abordagem
transdisciplinar, envolvendo as áreas do Turismo; da Subjetividade, neste caso, especialmente da Esquizoanálise;
e a Epistemologia da Ciência, com autores que remetem à complexidade sistêmica contemporânea. Resulta de
realização de pesquisas sobre subjetividade, comunicação e turismo, na Universidade de São Paulo (USP),
Universidade de Caxias do Sul (UCS) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O texto traz ainda
sinalizadores sobre práticas metodológicas de pesquisas, envolvendo os sujeitos-trama do turismo, em coerência
com o cenário de mutação da ciência. A composição de campo subjetivo caosmótico também é apresentada como
resultante de agenciamentos midiáticos-socioeconômicos-políticos e culturais.
Palavras-chave: Turismo; Subjetividade; Desterritorialização; Caosmose; Midiatização.
Plot subject of tourism: Thoughts about contemporary subjectivity and its implications for
tourism research
Abstract: This paper proposes a plot subject concept that considers the complexity of contemporary
subjectivity and its implications for tourism. It addresses the machinic subjectivation gear in the processes
of tourism deterritorializations in times of internationalization, globalization, and giving new meanings to
the relationships with tourist and life production destinations. It is a transdisciplinary approach involving
the fields of tourism; subjectivity, especially schizoanalysis in this case; and the epistemology of science,
according to authors that discuss the contemporary systemic complexity. It is the product of research
on subjectivity, communications, and touriso at São Paulo University, University of Caxias do Sul, and
University of Amazonas. The text also brings indicators about research methodology practices involving the
plot subjects of tourism consistent with science’s changing scene. The makeup of the chaosmotic subjective
field is also presented as a result of media-socioeconomic-political and cultural intermediations.
Keywords: Tourism; Subjectivity; Deterritorialization; Chaosmosis; Mediatization.
Sujeito-trama do turismo: Reflexões sobre
a subjetividade contemporânea e suas
implicações para a pesquisa do turismo
Maria Luiza Cardinale Baptista*
Universidade de Caxinas do Sul (Brasil)
Maria Luiza Cardinale Baptista
* Doutora em Ciências da Comunicação, pela ECA/USP. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Turismo
e Hospitalidade da UCS (BRASIL). Pesquisadora com apoio CNPq. Coordenadora do Amorcomtur! Grupo de Estudos e
Produção em Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese (CNPq-UCS) e integrante do Filocom (ECA/USP); e-mail:
malu@pazza.com.br
1. Introdução
Na perspectiva da mutação da Ciência, em sentido amplo, estão autores como Edgar Morin (1986,
1991, 1993, 1998, 2003, 2013), Humberto Maturana (1998), Fritjof Capra (1990, 1991, 1997), Roberto
Crema (1989) e Boaventura Sousa Santos (1988, 1989) entre outros, que direcionam as investigações
para a complexidade, para a compreensão das redes de cooperações e amorosidade da teia da vida, bem
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como os questionamentos aos pressupostos da Ciência Clássica. Além disso, meus estudos se valem de
autores clássicos de Teoria da Comunicação e do Turismo, mas é importante destacar que a abordagem
apresentada neste texto tem ênfase na Esquizoanálise, perspectiva teórica que possibilita compreender
os atravessamentos/agenciamentos inerentes aos processos de subjetivação na sociedade contemporânea,
a partir dos engendramentos maquínicos e fluxos incorporais a‑significantes.
Há, nessa perspectiva,
tanto o viés econômico e político, que ajuda a compreender como se desenvolvem e constroem as relações
econômicas e de poder, quanto o das Teorias da Significação e da Subjetividade. Dessa abordagem, a
referência principal é o autor Felix Guattari (1981, 1987, 1988, 1992, 1995), com suas produções em
parceira com Gilles Deleuze (1988) e Suely Ronik (1986). A vinculação à Rede Nacional de Grupos de
Pesquisa em Comunicação e ao Grupo de Estudos Filosóficos em Comunicação (Filocom), da ECA/
USP, também orienta a discussão para a noção de acontecimento comunicacional e turístico e as novas
proposições, em termos de operacionalização da produção investigativa, a partir dos estudos de Ciro
Marcondes Filho. (2007, 2010 2013).1
2. Em busca do sujeito‑trama
do turismo
Ao longo dos meus estudos, envolvendo as Teorias de Subjetividade, foi ficando cada vez mais clara
a diferença da noção de indivíduo, para a de sujeito. O termo indivíduo remete à ideia de unidade,
de um ser resultante da divisão do universo, do ‘tecido’ social, enquanto a noção de sujeito favorece à
compreensão dos entrelaçamentos, da complexa teia sistêmica em que esse sujeito está e que, ao mesmo
texto, constitui sendo ele próprio uma teia‑trama.
Assim, vale destacar que a proposição do conceito
sujeito‑trama
para o Turismo alinha‑se
aos meus estudos na área da Comunicação Social, em que cunhei
o conceito ‘comunicação‑trama’,
para representar a complexidade do processo comunicacional. Propus
a seguinte definição2: Comunicação é interação de sujeitos, através do fluxo de informações entre eles,
numa espécie de trama‑teia
complexa, composta tanto de elementos visíveis quanto invisíveis, corporais
e incorporais, significantes e a‑significantes,
podendo ser ou não mediada por dispositivos tecnológicos,
na constituição de algo como um campo de força de encontro de energias, decorrente dos universos de
referência de cada sujeito envolvido. Quer dizer, encontro de universos de sujeito, universos subjetivos
(Autor(a), 2000: 33‑34).
Penso que a concepção ainda é válida, como síntese do meu pensamento sobre o conceito de comu‑nicação,
e pode ser associada ao turismo, para retratar a composição de campos subjetivos também
nesta área. Com base em estudos da Esquizoanálise e de referencial relativo à Ciência Contemporânea,
proponho, mais recentemente, a abordagem a partir da compreensão do processo como algo mais denso,
intenso, avassalador, que eu penso chamar de ‘encontro de corpos’. Refiro‑me,
aqui, diretamente, à noção
de Corpos sem Órgãos, da Esquizoanálise, com a qual entrei em contato no livro de Guattari (1992)
intitulado Caosmose e, mais tarde, pude aprofundar a partir de outras leituras do autor e de pesquisas
com base nesse referencial. O conceito de “corpo sem órgãos” é proposto em O Anti‑Édipo
(GUATTARI;
DELEUZE, 1996). Interessante a síntese de Ovídio Abreu Filho (1998), comentando o conceito, a partir
de análise da sequência de livros de Guattari e Deleuze intitulada Mil Platôs. Pode‑se
dizer que não se
trata do corpo físico, mas do corpo como configuração existencial singular, de singularidade.
Nessa perspectiva do encontro de corpos (Corpos sem Órgãos), tanto na Comunicação quanto no
Turismo, parece interessante compreender a intensidade da desterritorialização, na contemporaneidade,
no encontro de universos existenciais, a partir do choque de singularizações subjetivas, agenciadas
por máquinas abstratas. O termo desterritorialização, também na mesma perspectiva teórica, implica
uma saída do território existencial, dessa configuração subjetiva, que pode ser tanto de um sujeito em
particular, quanto de um grupo de sujeitos ou de um lugar, mas, sempre, especialmente, de saída de uma
condição (território) conhecida, para uma desconhecida, implicando, então, o ‘salto no escuro’, a ousadia
de viajar, soltar‑se
e enfrentar o inesperado, as incertezas, o devir‑viagem.
Nesse sentido, Guattari
(1992: 162) afirma: “[...] não se poderá mais falar do sujeito em geral e de uma enunciação perfeitamente
individuada, mas de componentes parciais e heterogêneos de subjetividade e de Agenciamentos coletivos
de enunciação que implicam multiplicidades humanas”.
Tem‑se,
aqui, portanto, no que diz respeito ao Turismo, a associação de que o processo de deslocamento
implica em desterritorialização e que isso mobiliza o sujeito e toda uma ‘engrenagem subjetiva’, desafiando
os universos existenciais de referência e produzindo encontros com outros corpos subjetivos, nas suas
dimensões humanas e não humanas. As relações, já se tem bem claro na contemporaneidade, se dão no
entrelaçamento de seres, substâncias e matérias, das mais diferenciadas conformações, configurações.
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Nos processos interacionais, há universos complexos interagindo e entrelaçando‑se,
o que desafia a
compreensão e as ações práticas no mundo vivido.
Diante dessa percepção, evidencia‑se
a necessidade de conhecer os pressupostos da construção de
dispositivos afetivos interacionais, que são agenciados em processos de Turismo. Destaco, nesse sentido,
a importância de mobilização de elementos que constituem o que eu venho chamando de os substratos
inscriacionais de afetivação, que inscrevem, criam e acionam os afetos. Esses elementos são resultantes
da interação afetiva de sujeitos (corpos sem órgãos), no sentido de uma interação que ‘toque os seus
afetos’ e produza desterritorializações, de tal forma a fazer o sujeito desacomodar‑se
do si mesmo ou
dos territórios conhecidos, para empreender uma viagem na direção do Outro, ou seja, colocar‑se
em
trânsito dos universos de referência existenciais imanentes nas expressões territorializadas, para os
universos incorporais a‑significantes
de um devir lugar e um devir si mesmo.
Quando ocorre a desterritorialização no Turismo, o sujeito se inscreve, inscreve sua marca no processo,
trata‑se
da viagem que ‘ele’ fez (e não outra pessoa), ao mesmo tempo em que cria um novo lugar, pela sua
presença‑passagem
por ali, gerando fluxos significacionais que podem compor uma ‘pré‑visão’,
uma ‘pré‑disposiçao’
de outras pessoas para o lugar. Além disso, esse sujeito também aciona devires de significação
para o destino turístico que, em certo sentido, não será mais o mesmo, depois de sua passagem. Claro
que os sujeitos transitam e vivenciam os lugares, em entrelaçamento com muitos outros sujeitos e que
essa mutação, decorrente da passagem subjetiva, pode não ser percebida imediatamente, se pensarmos
a ‘cena‑passagem’
numa visão reducionista. Há o acionamento de micromutações subjetivas que vão
reconfigurando o lugar e o próprio sujeito, como as águas que gotejam nas pedras e as transformam, ao
longo do tempo. Assim, ocorre com o ‘encontro de corpos sem órgãos’, também nos platôs (termo usado,
aqui, no sentido de plano de intensidade contínua) no turismo.
O processo de desterritorialização desejante do turismo pode ser expresso e realizado de muitas
maneiras, mas, vale ressaltar, precisa ser afetivado, agenciado. O deslocamento, a desterritorialização,
depende do acionamento de afetivações. Desse modo, a produção do Turimo está relacionada diretamente
a processos de desterritorialização, o que implica, na Esquizoanálise, o agenciamento de máquinas
desejantes, de subjetividades maquínicas. Bem, aqui, de novo, um conceito que exige uma ‘parada’ para
reflexão, para não seguir viagem, neste texto, com uma leitura equivocada. Subjetividade maquínica,
maquinismos abstratos, máquinas desejantes são expressões que derivam dos estudos da Esquizoanálise
também e cuja compreensão expressa neste texto decorre, especialmente, dos estudos de Guattari,
Deleuze e Rolnik. Na matriz de sua compreensão, está a ideia de máquina, nessa perspectiva caosmótica
(de caos, osmose no cosmo), alinhada, por sua vez, aos pressupostos da Ciência Contemporânea.
Então, vamos adiante. A máquina aqui não é a máquina mecânica, mas um complexo engendramento
maquínico, formado não só pelo encadeamento de peças em mecanismos repetitivos, mas em engren‑dramentos
materiais, concretos e também abstratos. A máquina, não é uma coisa, mas um sistema de
produção. Como sistema de produção, ela engrendra novas realidades, devires existenciais de produtos,
serviços, seres. A matriz ‘sistema de produção’ relacionada a diversas instâncias do mundo da vida é que
nos interessa aqui. Um hotel, por exemplo, é uma máquina abstrata, um destino turístico, em sentido
amplo, também. Ambos, com suas configurações muitas e dispositivos de acionamento de seu sistema
de produção, formam uma configuração existencial, com a qual os sujeitos entram em contato em suas
viagens, em suas desterritorializações desejantes. Os sujeitos, por sua vez, também são constituídos
como uma trama existencial maquínica, porque também são sistemas de produção de vida, configuração
existencial única, como me referi anteriormente. Daí a noção de máquinas abstratas, de subjetividade
maquínica. Nesse momento, vale a explicação de Guattari apresentada no livro Cartografias do Desejo,
que publicou juntamente com Ronik (1986:320):
Máquina (maquínico): distinguimos aqui a máquina da mecânica. A mecânica é relativamente fechada sobre
si mesma: ela só mantém com o exterior relações perfeitamente codificadas. As máquinas, consideradas
em suas evoluções históricas, constituem, ao contrário, um phylum comparável ao das espécies vivas. Elas
engendram‑se
umas às outras, selecionam‑se,
eliminam‑se,
fazendo aparcer novas linhas de potencialidades.
As máquinas, no sentido lato (isto é, não só as máquinas técnicas, mas também as máquinas téoricas,
sociais, estéticas, etc.), nunca funcionam isoladamente, mas por agregação ou por agenciamento. Uma
máquina técnica, por exemplo, numa usina, está em interação com uma máquina social, uma máquina de
formação, uma máquina de pesquisa, uma máquina comercial, etc
Assim, a perspectiva esquizoanalítica considera o sujeito ‘em situação e em produção’, em sua
complexidade e múltiplos agenciamentos/atravessamentos, com uma subjetividade decorrente igual‑
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mente de processos de produção. Guattari fala de uma subjetividade maquínica, produzida através de
dispositivos múltiplos de subjetivação, dispositivos maquínicos agenciados em um contexto de ordem
capitalística. Neste contexto, os meios de comunicação agem como equipamentos coletivos de produção
de subjetividades, que interagem com outros dispositivos, compondo universos de referência significantes
e a‑significantes.
A Esquizoanálise considera uma lógica produtiva, de maquinismos abstratos e concretos, em que o
sujeito está atravessado/tranversalizado por múltiplos sistemas maquínicos que o constituem. Esses
sistemas são fatores/equipamentos coletivos de produção de subjetividade, assim como Guattari (1992)
define os meios sociotécnicos e, entre eles, os de Comunicação Social. As relações intersubjetivas e
interpersonológicas ocupam uma posição de destaque, mas há que se considerar também a existência
de múltiplas relações. “Sistemas de entidades abstratas (maquinismo abstrato), ladainhas musicais [...]
traços de rostidade que não pertencem propriamente às identificações humanas, traços de animalidade,
de paisageneidades, sistemas maquínicos, econômicos dos mais diversos”. (Guattari, 1987:169)
A subjetividade é produzida por instâncias individuais, coletivas e institucionais. Subjetividade
considerada sob o ângulo da sua produção, sem que isso signifique a retomada da dicotomia determinista
infraestrutura material versus superestrutura ideológica. “Os diferentes registros semióticos que
concorrem para engendrar a subjetividade não conservam relações hierárquicas obrigatórias, fixadas
de uma vez por todas”. (Guattari, 1990:3)
Nesse sentido, é possível pensar o sujeito‑trama
do turismo, como campo de forças. O encontro dessas
forças não é sistematizável hierarquicamente em eixos cartesianos, o que possibilitaria uma espécie
de decupagem das forças de composição para saber suas funções. Longe disso, compreender o sujeito
passa por enveredar‑se
por uma trama de atravessamentos, uma espécie de nó conflitual – campo de
forças, sem que exista um fio que possa representar o início da teia da vida desse ser. Todos os fios o
constituem na sua existência trama. O desafio é compreendê‑lo
na sua singularidade, na sua condição
de sujeito‑trama,
no seu emaranhado do ‘si mesmo’.
O sujeito contemporâneo do turismo é, então, resultante de uma trama subjetiva complexa em
constante processo de desterritorialização. Por isso, também o turismo é tão importante para o sujeito
e sua compreensão, assim como a perspectiva da produção subjetiva é significativa para compreen‑der
os processos do turismo, como desterritorialização desejante. Essa desterritorialização tem a
potência de gerar o acontecimento, em si, justamente porque o sujeito se desprega do ‘si mesmo’, das
amarras territorializadas dos maquinismos de subjetivação dos seus territórios existenciais. Para o
encontro‑acontecimento
turístico, há que se ‘pôr na estrada’, em direção ao Outro. Por isso mesmo, na
desterritorialização desejante do turismo, o sujeito se reinventa.
O agenciamento das máquinas abstratas passa, por sua vez, pelo engendramento de um complexo
sistema maquínico, constituído por múltiplos componentes, como vem sendo comentado neste texto.
Segundo Guattari, são:
–– componentes materiais e energéticos;
––componentes
semióticos diagramáticos e algorítmicos (planos, fórmulas, equações, cálculos que
participam da fabricação da máquina);
––componentes
sociais, relativos à pesquisa, à formação, à organização do trabalho, à ergonomia, à
circulação e à distribuição de bens e serviços produzidos...
––componentes
de órgão, de influxo, de humor do corpo humano;
––informações
e representações mentais individuais e coletivas;
––investimentos
de “máquinas desejantes” produzindo uma subjetividade adjacente a esses componentes;
––máquinas
abstratas se instaurando transversalmente aos níveis maquínicos materiais, cognitivos,
afetivos, sociais, anteriormente considerados.
Percebe‑se,
portanto, que a compreensão da trama subjetiva que se desterritorializa em processos
de turismo implica uma abordagem múltipla, sensível e dedicada, ao mesmo tempo que respeitosa e
‘amorosa’, sentido de ética da relação, de uma certa devoção para com o que se está estudando. Não é
possível simplificar ou simplesmente enumerar itens de uma estrutura mecânica que constituiriam
supostamente uma lista de características. É preciso avançar no sentido do aprofundamento da discussão,
compondo saberes e, ao mesmo tempo, narrativas que possam ir ‘contando’ os nossos encontros, no que
eu chamo de ‘viagens investigativas’, as nossas pesquisas. Por isso, a partir desse ponto, comento um
pouco alguns objetos empíricos que estão sendo estudados na Universidade de São Paulo.
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3. Trilhas sinalizadoras para a abordagem subjetiva do turismo
Sigo este texto, com a intenção de sinalizar algumas trilhas para a abordagem subjetiva do Turismo,
nas pesquisas. Compreendida a trama subjetiva em que estão os sujeitos, pode‑se
avançar para pensar
como investigar, como produzir pesquisa, envolvendo esses ‘sujeitos em movimento’, em sentido amplo.
Então, primeiro, vale refletir sobre o processo de desterritorialização desejante. Desterritorialização,
como já foi salientado, é sair do território. Para que isso aconteça, é preciso o acionamento dos afetos,
aspecto também já mencionado. Isso se faz com o acionamento do desejo, o que implica no agenciamento
de uma matriz de força mobilizadora, que também pode ser denominada de agenciamento de potência,
de potencialização. O sujeito só se põe em movimento se uma força geradora o impulsiona. Esta força
é constituída de feixes abstratos que constituem o desejo, em busca da experiência prazerosa da
potência do devir. O movimento, o deslocamento, a desterritorialização decorrem da ação dessa força
desejante. Existem, evidentemente, variações muitas nas substâncias e matérias que constituem essa
força, mas, ao final, ao se conseguir produzir a ‘viagem’, a desterritorialização, vive‑se
uma condição
de realização, de um estar em outra condição, em outro território. Em certo sentido, mesmo que seja
uma desterritorialização por motivos de trabalho ou, até, em função de uma situação mais dramática,
para acompanhar um funeral de alguém conhecido, o processo é, por si só, autopoiético, no sentido de
que põe em movimento engrenagens de mutação em nós. Tudo tende a se movimentar em nós também,
ao mesmo tempo em que nossa presença altera o ecossistema turístico dos destinos para os quais nos
direcionamos.
Então, ao pesquisar sujeitos do turismo, precisamos compreender que sua condição de turistas
ou apenas de sujeitos envolvidos com o ecossistema do turismo (como a comunidade que recebe os
turistas, por exemplo) decorre da dimensão trama que os constitui e da ação de forças mobilizadoras
desejantes que os desterritorializaram ou os fizeram encontrar com seres que viveram o processo
de desterritorialização. Trata‑se
de sujeitos que se deslocaram de seus territórios existenciais e se
reterritorializaram, circunstancialmente, por um período, o que os faz sujeitos‑passantes,
viajantes,
por natureza, em condições de reinventar a sua própria vida (já que estão distantes do ‘conforto’ de
seus territórios conhecidos), ao mesmo tempo em que transformam a paisagem por onde transitam.
Assim, a abordagem precisa ser também sensível e paciente, com disposição para encontrar o ‘Outro’,
na sua trama existencial e conhecer os vetores de força e as estruturas dissipativas que o impulsionaram
a produzir movimento desterritorializante. Nesse sentido, o pesquisador precisa também construir
‘estradas existenciais’ de aproximação com esses sujeitos, com suavidade e amorosidade, no sentido
dos meus estudos, como ética da relação. Trata‑se
de uma aproximação que exige paciência e silêncio,
serenidade para ir compondo um desenho metodológico, uma ‘trilha de caminhos’, para se aproximar e
entender as mobilizações. Isso não significa ‘uma’ técnica de coleta, mas, antes de tudo uma sensibilidade
para a constituição de uma trama de trilhas, no caminho da informação que apresenta e informa sobre
os jeitos, a alma, a matriz trama subjetiva do sujeito pesquisado, assim como as forças que o mobilizam
e o fazem produzir investimentos de desejantes, que o levam a se deslocar, a se desterritorializar.
São muitas as possibilidades de recursos para a constituição dessa trama de trilhas, para mim, orien‑tadas
na estratégia metodológica que proponho sob a denominação cartografia de saberes, apresentada
anteriormente na Revista XXXX (Autora, 2014). O pressuposto, para essa estratégia, é a ideia de que
a pesquisa, como investigação, é, também, na verdade, o investimento em uma direção de produção de
conhecimento, uma viagem, com o elemento de mutação constante, que é inerente a esse processo. Isso
significa que também se constitui, ela mesma, a pesquisa, na desterritorialização desejante do sujeito,
em direção a um destino outro, um devir destino do saber. Há, portanto, semelhanças nos processos
de desterritorialização e, nesse sentido, o próprio pesquisador é um ‘viajante do saber’. Assim, na
pesquisa que envolve a subjetividade do turismo, ele, o pesquisador, é o primeiro viajante, o primeiro
sujeito a ser investigado. Por isso, na cartografia, proponho uma primeira linha, uma primeira trilha
a ser investigada que se relaciona aos saberes pessoais, a partir dos quais se produz texto de resgate
de lembranças a respeito da temática, se registra pensamentos e sentimentos cotidianos no diário de
campo. Para encontrar com o outro, o sujeito pesquisado, é preciso conhecer o ‘um’, o sujeito que se põe
em campo da pesquisa. No cenário da mutação da ciência contemporânea, já se sabe que o sujeito que
pesquisa está presente como autor de um desenho inscriacional, como alguém que circunscreve o universo
dos fenômenos analisados e, com isso, também se faz presente no saber produzido – inscreve‑se,
cria e
aciona devires. Não há objetividade nesse processo, embora haja, isso sim, cuidado, cautela, critérios,
esmero na produção do desenho e na constituição constante de uma ética da produção do conhecimento.
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Para isso, é preciso também saber explicitar o ‘lugar de onde se fala’, de onde se parte para a viagem
investigativa, para o encontro com os destinos turísticos e os sujeitos desse destino.
Na segunda trilha da cartografia dos saberes, está o reconhecimento dos saberes teóricos, envolvidos no
ecossistema a ser encontrado, nas nuanças e nos processos que se engendram no que eu venho chamando
de ‘chão de fábrica’ ou ‘usina de saberes’ da pesquisa, ou o terreno de onde brotam, florescem os fenômenos
a serem analisados. Não é possível, nem recomendável viajar sozinho na pesquisa. Vamos em frente
com nossas idiossincrasias, com nossos traços e saberes pessoais, acumulados nas múltiplas situações
vividas, mas também precisamos nos aliar a parceiros intelectuais que já fizeram viagens semelhantes.
Estes são também sujeitos da pesquisa e, como trama subjetiva, precisam ser compreendidos. Autores e
linhas teóricas se entrelaçam como florestas herméticas, centenárias, constituídas ao longo dos tempos.
É preciso reconhecer as paisagens teóricas e os sujeitos dessas paisagens, bem como seus entrelaçamentos,
para saber quais são mais interessantes e nos afetam mais diretamente, no entrelaçamento sobre nossas
tramas subjetivas e nossas buscas. Recomendo, aqui um desenho, produzido a partir de um jogo, quase
singelo, que eu chamo de jogo dos balões. Se pesquisar é viajar na floresta, como eu tenho dito, o risco de
nos perdermos é sempre muito grande. Então, proponho que o pesquisador desenhe seis balões e escreva
nesses balões palavras importantes de sua pesquisa. Depois, sugiro que tente descartar três e entenda
que as palavras que sobram são as grandes trilhas investigativas e diferenciadoras da sua viagem, em
relação às viagens realizadas por outros pesquisadores, no grande campo (área) da pesquisa do qual
esse pesquisador parte. Para essas seis trilhas, mas especialmente para as três ‘finalistas’, é preciso ter
parceiros teóricos e compreendê‑los
na sua complexidade teórica existencial. Devemos pensar nesses
autores e nos seus pressupostos, como substrato existencial intelectual que levamos ‘na bagagem’.
O encontro com os sujeitos outros, da pesquisa, muitos seres com os quais nos deparamos ao longo
da viagem investigativa, começa a ser registrado na linha cartográfica que chamei ‘laboratório de
pesquisa’, ‘usina de saberes’, como campo de produção de aproximações com o fenômeno que está sendo
investigado. Assim, já sabemos de onde viemos (ou estamos empenhados nisso), reconhecemos a trama
das trilhas teóricas (e também estamos percorrendo essas trilhas cuidadosamente)... precisamos, então,
de uma aproximação intensa com o ecossistema turístico da investigação, a trama do acontecimento
que nos interessa. Nessa trama, é preciso reconhecer quem são os sujeitos que podemos encontrar para
conhecer e reconhecer nosso ‘objeto paixão‑pesquisa’,
para usar uma expressão que cunhei há 25 anos,
para denominar o envolvimento intenso do pesquisador com o fenômeno investigado.
Após esse reconhecimento, abrem‑se
as possibilidades de constituição da trama de dispositivos de
aproximação: escuta sensível, observação sistemática, diário de campo, entrevista, rodas de conversa, grupos
de discussão, atividades com fotografias, registros sonoros, de falas, de músicas, de sons do lugar, análise de
documentos e materiais, relacionados a esses sujeitos. Cada uma dessas trilhas envolve, antes de tudo, a tal
sensibilidade a que me referi, para saber que não se trata exatamente de uma ‘técnica de coleta’, unilateral,
mas de dispositivos de aproximação e entrelaçamento. O caminho, o processo, a brotação decorrente desse
entrelaçamento humano e entre seres que pulsam ou entre humanos e materialidades precisa sempre ser
cuidadoso, respeitoso, reconhecendo a complexidade desses campos subjetivos e, nesse sentido, a dimensão
grandiosa do exercício de relato, buscando apresentar os liames, a trama do entrelaçamento.
A escuta sensível é um pressuposto para a pesquisa com sujeitos‑trama.
É preciso sensibilidade e
disposição de escuta, em sentido amplo, captando os mais diversos sinais, provenientes desses sujeitos
e a respeito deles. Fundamental, nesse sentido, não pré‑julgar,
não tentar prever as informações. O pes‑quisador,
então, precisa se dispor ao encontro sensível, ‘de peito aberto’, para aceitar a aproximação com
o diferente, respeitando‑o
e investindo na convivência, que, no caso da pesquisa, permita o conhecimento
mútuo e intenso. Depois, também precisa transpor essa escuta sensível para uma narrativa também
cuidadosa, amorosa, ética, produzida com esmero, para oferecer o relato do conhecimento e, ao mesmo
tempo, bem tratar o receptor.
Sobre a observação sistemática, o pesquisador vai encontrar alguns referenciais bibliográficos que
explicam como deve ser realizada. Há, no entanto, discordâncias entre alguns autores. Basicamente,
há discussão sobre o planejamento ou não da observação. Numa perspectiva da ciência clássica, o
pesquisador deveria realizar a observação de maneira objetiva e seguindo um planejamento prévio. Na
visão contemporânea, a qual eu me vinculo, pode‑se
pensar em mais de um momento de observação.
Na fase que eu chamo de laboratório de pesquisa, momento preliminar da usina de saberes (antiga
coleta de dados, propriamente dita), o pesquisador observa o fenômeno, na sua existência espontânea,
sem ter definido rigidamente aspectos a serem observados. Vai a campo para ‘se lambuzar’ de realidade
e observar e sistematizar o que observou. Isso significa produzir registros sobre o que ‘brotou’, o que
emergiu do campo, o que veio à tona, nessa espécie de redemoinho, ou recursão organizacional, para
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lembrar Morin. Então, em síntese, em um primeiro momento, o pesquisador observa e registra, anota,
procurando observar o que se sobressai. A partir daí, pode eleger aspectos que se sobressaem para serem
analisados, em um segundo momento. Vale destacar, portanto, que o que vai ser analisado, efetivamente,
também brota do campo, do fenômeno em si, a partir de uma primeira observação.
O diário de campo é o ‘lugar’ de produção dos registros todos da cartografia, especialmente relativo
aos saberes pessoais e ao laboratório de pesquisa e produção da investigação no ‘campo’, propriamente
dito. Material fundamental do pesquisador, vai sendo composto, ao longo da viagem investigativa,
como um ‘diário de bordo’, em que o pesquisador vai escrevendo o que interessa registrar, como diário
de pesquisa. Trata‑se
de um recurso importante, que valoriza o caráter processual da investigação, já
que o pesquisador vai inscrevendo os acontecimentos, no momento (ou o mais próximo possível) em
que eles ocorrem. Isso possibilita valorizar a sequência de pensamentos, ideias, sensações do próprio
pesquisador e também a emergência de informações dos pesquisados, que ocorrem de forma aleatória,
de diversas maneiras, não apenas a partir dos recursos um pouco mais formais de pesquisa.
A entrevista é um recurso que precisa ser reconhecido e valorizado. Condição ímpar, em que
pesquisador e pesquisado ficam ‘entre‑vistas’,
frente a frente ou se predispõem mutuamente para uma
conversa. Fluxos de informações, com certo planejamento do pesquisador, mas com imensa abertura
para a adequação, conforme ocorre a interação. Há variações, conforme o planejamento, da entrevista
livre narrativa, em que existe uma temática e o pesquisador é convidado a falar a respeito, livremente,
à entrevista estruturada, com um roteiro sistematizado de questões, que são feitas para todos os
entrevistados, envolvidos na pesquisa. Há muitos referenciais que abordam a entrevista como recurso
metodológico, como possibilidade na pesquisa contemporânea, no viés qualitativo (Medina, Flick).
Ressalto o fato de que se trata de um encontro humano de corpos (sem órgãos), ou seja, universos de
referência existenciais diferentes. O pesquisador precisa, portanto, se preparar para isso, com o máximo
possível de informações prévias sobre o sujeito que vai ser entrevistado e, ao mesmo tempo, tem que ter
abertura para viver o inusitado. A entrevista é o recurso qualitativo de aproximação individual com o
pesquisado, numa sequência que começa com o questionário, seguido do formulário. No questionário,
o pesquisador oferece uma série de questões para serem respondidas diretamente pelo pesquisado. No
formulário, o pesquisador formula (ele fala) as questões e faz o registro das respostas (é o pesquisador
quem anota, quem registra). A entrevista, portanto, estreita os laços, aproxima pesquisador‑pesquisado.
Há outro bloco de recursos metodológicos de interação com sujeitos da pesquisa. Neste caso, de
aproximação com grupos de sujeitos. Na sequência, da pesquisa clássica para a contemporânea, de
maior para menor rigidez e tentativa de controle, tem‑se:
grupo focal, grupo de discussão, entrevista
em grupo (Flick, 2004) e rodas de conversa . Ressalto, aqui, especialmente, a produção de rodas de
conversa, como um encontro em círculo, espontâneo, que tem o mérito de produções não planejadas, de
fluxos significacionais, a conversa, o ‘verso com’, o instante partilhado, enquanto se elaborar discursos,
fluxos informacionais, de quereres dizer, de expressar o que queremos dizer, em meio a outros sujeitos.
As rodas de conversa têm a marca da espontaneidade e o mérito da emergência conteúdos de dimensões
mais sutis. O rumo da conversa muitas vezes, na maioria dos casos, surpreende os envolvidos e, para
os sujeitos mais atentos, constitui‑se
entrelaçamento de existências e de temáticas. A impressão que se
tem é que o próprio universo vai tecendo as informações, para que elas façam sentido no entrelaçamento
dos sujeitos envolvidos.
As atividades com fotografias são igualmente interessantes para a pesquisa envolvendo sujeitos‑trama
do turismo. Há muitas possibilidades, desde o registro feito pelo pesquisador, que fotografa os
sujeitos da pesquisa nos destinos turísticos ou com seus objetos de viagem, dependendo do objetivos da
pesquisa. De sujeito na foto, o pesquisado pode passar a ser autor da foto, registrando, ele mesmo, o que
o interessa nos destinos turísticos, nos ambientes pesquisados, o que possibilita informações sobre o
que o seu olhar valoriza, a ponto de selecionar, no enquadramento fotográfico, os focos de seu interesse,
do que o mobiliza, o afetiva, toca seus afetos. (Joly, 1996)
Igualmente, os registros sonoros, de falas, de músicas, de sons do lugar, dos sujeitos envolvidos são pistas
interessantes na composição cartográfica de informações dos sujeitos da pesquisa. Os sons são elementos
de comunicação relacionados diretamente à respiração e à pulsação do próprio corpo dos sujeitos e da
natureza que o rodeia. Assim, observar e registrar manifestações sonoras é interessante, como informação
sobre o que faz vibrar esses sujeitos e em que direção. Esses registros podem ser descritos no diário de
campo ou feitos com a ajuda de recursos tecnológicos como gravadores e, posteriormente, serem descritos
e analisados. Em alguns casos especiais, as canções ou sons podem ser entregues como apêndices ou
anexos da pesquisa, como dado complementar que informa ativamente sobre a pulsação dos pesquisados.
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1090 Sujeito-trama do turismo
A análise de documentos e materiais, relacionados a esses sujeitos, também se constitui em recurso
interessante para a viagem nessa trama de trilhas da pesquisa em turismo. Em todos os casos, a
opção pelos recursos depende da combinação entre os objetivos da pesquisa e os sujeitos selecionados.
Daí, nessa confluência, definem‑se
que documentos analisar e o que buscar nesses documentos (dados
pessoais, registros de viagens, etc). No caso dos materiais, as opções também são muitas, desde
impressos guardados de viagens, folders, ingressos de museus, teatros, parques, até objetos trazidos
das experiências turísticas realizadas ou, mesmo, coleções de guardados, que sinalizam a mobilização
desejante no sentido de viajar para determinados lugares turísticos.
4. Considerações finais
Sujeitos‑trama
caosmótica, em processos de desterritorialização, constituem desafios para compreender
o turismo na contemporaneidade. A complexidade da trama se faz de muitos fios, visíveis e invisíveis,
constituídos no ecossistema mais amplo de produção de vida, orientado pela lógica do Capitalismo
Mundial Integrado, de que nos falam os autores da Esquizoanálise, ou do capitalismo por espoliação,
para lembrar a enunciação de Harvey. São fluxos e fixos que constituem uma engrenagem maquínica,
de maquinismos concretos e abstratos que vão configurando os sujeitos na contemporaneidade. Esses
sujeitos, até mesmo por uma questão de sobrevivência, vão se desterritorializando em busca de novas
buscas e compondo novos territórios existenciais. Assim, mesclam, misturam‑se
constituindo novas
configurações existenciais de platôs de sujeitos, nos mais diversos destinos turísticos.
Essas configurações subjetivas caosmóticas contemporâneas desafiam os pesquisadores ao desenvol‑vimento
e às práticas metodológicas, envolvendo os sujeitos. Nesse sentido, o texto apresentou algumas
pistas, em termos de modos de aproximação e produção de conhecimento com sujeitos‑trama
de turismo.
Esses dispositivos partem da escuta sensível, passando pela observação sistemática, diário de campo,
entrevista, rodas de conversa, grupos de discussão, atividades com fotografias, registros sonoros, de falas,
de músicas, de sons do lugar, análise de documentos e materiais, relacionados a esses sujeitos. Em todos
os casos, são sinalizados cuidados e potenciais específicos, que convidam à reflexão e produção de uma
Ciência mais amorosa, pautada pela ética da relação e do cuidado com o Outro, o sujeito do turismo.
Todos os dispositivos apresentados são pensados como ações decorrentes da Cartografia dos Saberes,
nos seus quatro liames, nas suas quatro trilhas, que iniciam com a investigação do próprio sujeito
pesquisador. Assim, saberes pessoais, saberes teóricos, usina de saberes e brotações são trilhas em
que o sujeito pesquisador se embrenha, para a produção do conhecimento. Trilhas, a partir das quais o
sujeito pesquisador do turismo também encontra outros sujeitos, os autores, os turistas, a comunidade,
os produtores do turismo. Assim, tem‑se
a ideia de estar avançando na viagem investigativa e propondo
novas inscriações subjetivas amorosas e autopoiéticas na pesquisa em Turismo.
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Notas
1 Nem todas essas obras estão citadas diretamente, mas tenho claro que a produção do texto traz transversalidades
decorrentes da reflexão, a partir dos saberes compartilhados por esses autores. São imanências reflexivas inscritas no
texto. Por fidelidade aos parceiros teóricos, opto por mencioná‑los,
embora não me detenha em repetir suas palavras, já
que a produção inscrita aqui é um texto meu, produzido com base em uma costura de saberes e vivências, que resultam
nas minhas próprias proposições. Para a discussão apresentada neste artigo, estão mais visíveis – citados explicitamente
‑
autores cujas marcas são mais fortes.
2 O conceito está apresentado no artigo “Comunicação, amorosidade e autopoiese”, um dos textos‑síntese
dos pressupostos teóricos
com os quais trabalho, mas também está desenvolvido na minha tese de doutoramento, defendida na Universidade XXXX.
Recibido: 30/11/2015
Reenviado: 04/06/2016
Aceptado: 06/06/2016
Sometido a evaluación por pares anónimos