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© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121 Vol. 13 N.o 5. Págs. 1003-1017. 2015 www .pasosonline.org ** Mestre em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e bacharel em Turismo pela Universidade Federal da Paraíba; E‑mail: bernardogehrke@hotmail.com ** Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; E‑mail: duartismo@hotmail.com *** Mestre em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; E‑mail: marcelomilito@yahoo.com.br Resumo: O presente estudo tem por objetivo analisar de que forma a metodologia Photovoice, oriunda da antrop-ologia visual, pode ser utilizada na identificação de recursos turísticos endógenos, a partir da realização de um di-agnóstico focado no olhar e na perspectiva dos moradores locais de dois distritos situados no litoral norte do estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Para tal, as experiências vivenciadas pelos autores foram relatadas, evidenciando resultados que mostram que o Photovoice cumpriu o papel de identificação de potencialidades turísticas, assim como se mostrou uma ferramenta de valorização da cultura local, por meio do reconhecimento e apropriação das imagens captadas. Também se constatou que a metodologia contribui para o desenvolvimento, em moradores de pequenas localidades, de uma atitude proativa e empreendedora. Mostra‑se, portanto, como uma metodologia pertinente para a utilização em uma fase inicial do processo de desenvolvimento do turismo de base comunitária. Palavras‑chave: Metodologia Photovoice; turismo comunitário; antropologia visual; litoral norte rio‑grandense; recursos endógenos; empoderamento. Photovoice and identification of endogenous touristic resources in the coast of Rio Grande do Norte, Brazil Abstract: The present study aims to analyze how the Photovoice methodology, derived from visual anthropol-ogy, can be used to identify endogenous touristic resources, providing a diagnostic focused on the perspective of local residents in two districts located in north coast of the state of Rio Grande do Norte , Brazil . To do so, the applied experiences were reported by the authors, showing results that point that the Photovoice fulfill the role of identifying tourism potential, as well as can become a tool for enhancement of local culture, through recognition and ownership of the images captured. It was also found that the methodology contributes to the development of a proactive and entrepreneurial attitude in residents of small towns. It is considered as an ap-propriate methodology to use in an initial stage of the development of community‑based tourism. Keywords: Photovoice methodology; community Tourism; visual anthropology; Brazilian northeast coast; endogenous resources; empowerment. Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte‑Brasil Bernardo Meister Gehrke* José Duarte Barbosa Júnior** Marcelo Chiarelli Milito*** Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil) Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1. Introdução O turismo e a fotografia, desde longa data, estão intrinsecamente ligados. A concepção clássica do turista com uma câmera pendurada ao pescoço, apesar de ser uma caricatura clichê do turismo de massa, nos remete à importância que o registro pictórico desempenha nos diversos níveis do PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 1004 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil fenômeno turístico. Através do marketing o visitante em potencial experimenta, por meio do deslo-camento tempo‑espaço conduzido pela fotografia, as paisagens e cenários dos quais poderá usufruir, antecipando a viagem em si criando expectativas e imaginários. Os usuários das redes sociais, por meio do compartilhamento de fotografias de viagem, compartilham também experiências (Lo et al., 2011), construindo narrativas, atestando sua presença em lugares pitorescos, tornando público momentos de lazer e ócio, e auferindo do status conferido à visitação de paisagens, monumentos e padrões arquitetônicos universalmente reconhecidos. Consideramos então que o ser turista é, também e quase por necessidade, ser fotógrafo (Markwell, 1997). A fotografia sempre foi utilizada, nas ciências humanas e sociais, como ferramenta de pesquisa, e em formulações teórico‑metodológicas mais recentes, como forma de dar voz aos seus interlocutores (Canevacci, 2001). No turismo, contudo, este recurso, apesar de presente, se mostra ainda subutilizado, sendo o photo‑elicitation a técnica mais recorrente (Balomenou e Garrod, 2014). Nesse modelo, o pesquisador analisa fotografias feitas por ele mesmo ou por outros, acerca de determinados sujeitos de pesquisa. O problema é que a fotografia, como discurso montado e material subjetivo, só oferece a possibilidade da total compreensão do sujeito de pesquisa quando é ele próprio que relata sua visão de mundo a partir da fotografia, revelando o contexto de uma visão de mundo particular, impossível de ser produzida pelo pesquisador. Entram em cena então os métodos de fotografia participativa, ligados à antropologia visual, dos quais o Photovoice, aplicado na pesquisa da qual trata este artigo, faz parte. Figura 1. Localização dos municípios de Galinhos e Pedra Grande Fonte: Elaborado por Pamela Stevens, 2014. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1005 O presente artigo tem como objetivo analisar de que forma a metodologia Photovoice pode ser utilizada na identificação de recursos turísticos endógenos. Para tal, foi relatado o processo de aplicação da metodologia em duas pequenas comunidades do estado do Rio Grande do Norte, Galos e Acauã, localizadas respectivamente nos municípios de Galinhos e Pedra Grande, Brasil (Figura 1). As duas comunidades possuem potencial turístico, atestado tanto pela formação natural da região quanto pela riqueza de seu patrimônio cultural. Diante das várias dimensões que podem emergir da aplicação do Photovoice, focamos na identificação, a partir da produção fotográfica da própria comunidade, de recursos endógenos ou locais. A máquina fotográfica, por sua vez, dá voz e poder aos moradores, que produzem seus discursos fotográficos a partir de seus sentimentos e visões acerca daquilo que consideram importante e significativo, e portanto, oportuno de compartilhar com o “outro”, com o turista. Na primeira parte do artigo faremos considerações teóricas sobre a relação entre turismo e antropologia, assim como trataremos de métodos visuais, com ênfase na metodologia Photovoice, elucidando seu surgimento e aplicações. Em seguida serão apresentados os dois estudos de caso, cada qual com suas especificidades metodológicas, procedimentais e contextuais, seguidos de seus respectivos resultados. 2. Pensando a relação entre turismo e antropologia A Antropologia social estuda de longa data as sociedades ditas exóticas. Essa antropologia clássica empreendeu uma epistemologia da organização e estruturas sociais, bem como de diversas práticas que resultaram na formulação de um dos conceitos mais caros à disciplina, o de cultura. Nos últimos cinquenta anos, no entanto, dedica‑se não apenas ao estudo de sociedades indígenas e minorias, mas também das sociedades complexas, culturas urbanas e capitalistas (Velho, 1987). Dada a avançada divisão do trabalho nessas sociedades, é nesse contexto que se encontra o entrecruzamento interdisciplinar dos campos do saber, notadamente das ciências humanas, ciências sociais aplicadas, arquitetura, urbanismo e amplo espectro do saber. O estudioso da antropologia, para entrar em contato com o seu objeto de estudo, precisa se pôr em movimento: a investigação antropológica supõe deslocamento em direção ao outro, ao seu contexto e entorno, assim como a experimentação de sua cultura e realidade. Tem na viagem, então, processo de encontro e meio de desenvolver seu trabalho de campo, tão necessário ao labor antropológico (Malinowski, 1978). Compartilha com o turista, o viajante e o excursionista uma filiação comum, o ato de sair de um ambiente ao qual denomina como lar, com determinado intuito, e retornar com algo que tenha valor de experiência (Harkin, 1995). É de se estranhar então, por parte da antropologia, o distanciamento soberbo e a alcunha de frivolidade, associados ao fenômeno turístico, que perduram até hoje (Santana, 2009). O turismo não é uma disciplina (Panosso Netto, 2005), mas sim um campo de estudos ainda em processo de maturação, no qual abordagens provenientes de outras esferas do pensamento se integram na composição do entendimento desse novo fenômeno. O aumento dos deslocamentos humanos em massa, não desencadeados por fatores como fome ou guerras, e sim por prazer e ócio, algo até então inédito na história, fez com que diversas ciências se debruçassem sobre tal fenômeno, buscando explicação a partir de suas próprias teorias e métodos. A natureza do turismo como campo fértil de estudos, assim como a relevância que a atividade tomou na vida contemporânea, justificam o interesse científico e o caráter interdisciplinar do turismo, mas a falta de um corpo teórico e metodologia próprio, assim como outros fatores, restringem a mudança de status de campo de estudos para ciência (Tribe, 1997). O conhecimento em turismo não é coeso, mas sim segmentado e embaralhado, e uma das cartas dessa profusa diversidade teórico‑metodológica é justamente a antropologia. Apesar da relutância em considerar o turismo como um campo de estudos legítimo (Nash e Smith, 1991), a antropologia foi, paulatinamente, tentando compreender os deslocamentos motivados pelo lazer. O trabalho fundador do que se convencionou chamar de antropologia do turismo, Tourism, tradition and acculturation: weekendismo in a mexican village, foi publicado em 1963, por Theron Núnez. Impossível ignorar também Host and guest: the anthropology of Tourism, organizado por Valene Smith, que, ao apresentar estudos de doze antropólogos diferentes, assentou “o primeiro pilar que legitimaria o estudo do turismo como novo tópico disciplinar” (Santana, 2009: 19). Os primeiros temas desenvolvidos pela antropologia do turismo orbitavam o eixo do contato ou encontro entre hosts e guests, ou seja, as relações entre o turista viajante, geralmente oriundo dos países desenvolvidos, e a comunidade receptora, notadamente situada em países em desenvolvimento (Nash e Smith, 1991). Esse grande eixo temático se cristalizou e se ramificou, originando diversos outros temas PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 1006 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil de pesquisa. Atualmente, os estudos em antropologia do turismo costumam focar mais comumente em demandas como impactos do turismo, sobretudo os segmentos cultural e étnico, processos de aculturação, descaracterização de culturas e identidades locais, produtificação da cultura, o “encontro”, a viagem como ritual, autenticidade, entre outros (Pinto e Pereiro, 2010; Barreto, 2003). Em relação ao turismo, a antropologia pode ser de uma posição crítica ao colocar em questão o possível estranhamento ou exotização do outro em contexto de contato cultural. Ao relativizar o etnocentrismo de determinados grupos sociais (seja de contexto local ou global) os estudos antropológicos lançam importantes bases para políticas para a diversidade. Ao lidar diretamente com essas realidades o turismo assume uma grande responsabilidade, que é a de mediar o contato entre indivíduos de diferentes idiossincrasias. Não se trata apenas de “treinar” o guia para condução de turistas, mas de considerar uma problemática bem mais ampla, que inclui dentre outras coisas o planejamento de estratégias que garantam o êxito da experiência turística do visitante e, ao mesmo tempo, a resiliência do universo visitado. A despeito da insistente distância entre a antropologia e o turismo como objeto de estudo, a abordagem eclética e abrangente da disciplina, diferenciada das demais ciências que investigam o turismo (Smith, 1980), oferece um contraponto qualitativo muito pertinente, já que o viés economicista, que investiga os impactos do turismo na economia e seus desdobramentos, tem enorme força dentre os estudos do fenômeno. Analisando de um ponto de vista holístico, a antropologia, com suas ferramentas metodológicas e epistemológicas, parece se adaptar bem à complexidade e dinamicidade das transformações que marcam o turismo contemporâneo (Pinto e Pereiro, 2010). Percebe‑se então a importância do aporte que traz consigo a investigação antropológica, promovendo uma visão crítica e propositiva sobre uma atividade tão dominada por imperativos econômicos. 3. Métodos visuais: Photovoice e suas aplicações Imagens têm sido usadas há muito tempo em documentos e trabalhos acadêmicos através de foto-grafias, desenhos e mapas para ilustrar os textos. Recentemente nas ciências sociais o uso da imagem tem tido status mais significativo, ou seja, a imagem deixou de ser apenas um elemento ilustrativo para ser considerada também um texto (Feldman‑Bianco, 1998). Não é simplesmente uma captura do real de modo estritamente objetivo, mas um recurso comunicacional através do qual se transmite ideias em conjunto ao texto escrito. O uso de métodos visuais, numa tônica participativa, ultrapassa então o sentido de produzir simplesmente o conhecimento ao fornecer ferramentas interpretativas para os seus interlocutores. O método Photovoice vem nessa tônica. Ele foi desenvolvido a partir de três fontes: primeiro, a literatura teórica de educação para a autonomia, os estudos feministas e o documentário fotográfico. Em segundo lugar o esforço de fotógrafos e educadores participativos com o desafio da autoria documental e, em terceiro lugar, a experiência obtida por Wang e Burris (1994 e 1997) na pesquisa desenvolvida com mulheres camponesas de Yunnan, fronteira com Burma, Laos e Vietnam. A pesquisa partiu da premissa de que no trabalho de base comunitária a saúde reprodutiva das mulheres é inseparável do status social e econômico das mesmas. O programa dentro do qual o Photovoice ocorreu foi o Women’s Reproductive Health and Development, que tinha como objetivos melhorar as condições de saúde das mulheres e criar condições de disseminação dessa experiência. A pesquisa se deu em primeiro plano através de organização de grupos de lideranças locais, que dirigiriam questões emergidas das fotografias e discussões das interlocutoras num diálogo sobre saúde da mulher. Então o Photovoice, cujo primeiro nome foi Photonovella1, se originou como uma ferramenta para avaliar necessidades das mulheres de dois distritos rurais de uma província chinesa. Em linhas gerais os procedimentos metodológicos de Wang e Burris foram: a aplicação de um questionário aplicado a homens e mulheres nos dois distritos; formação de um grupo para investigar de que forma a saúde reprodutiva e as demandas em saúde eram percebidas pelas mulheres; formação de um grupo focal para entrevistar mulheres e homens de todas as idades, profissionais em saúde e representantes de governo; e a aplicação do Photovoice. Aqui nos interessa apenas o último recurso metodológico. Na forma como as pesquisadoras usaram o recurso, as pessoas fotografavam o espaço doméstico. Como uma ferramenta de avaliação de necessidades, o recurso forneceu um método criativo através do qual várias mulheres dos distritos puderam documentar as questões sobre saúde e comunicá‑las a gestores públicos, líderes comunitários e suas próprias comunidades. O Photovoice também foi uma forma de empoderamento através da participação. Ao documentar a vida cotidiana através de uma ferramenta educacional foi possível desenvolver seus conhecimentos individuais e coletivos sobre saúde PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1007 da mulher e sobre o empoderamento da mulher como forma de mobilizar a mudança social (Wang e Burris, 1994). Segundo as autoras, a proposta de um método visual como esse foi estimular um processo de participação que poderia ser analítico, proativo e empoderador. Após essa experiência, o recurso passou a ser utilizado por outras iniciativas em outros distritos. Para as pesquisadoras: Our project demonstrated, photo novella can be taught to a person who has little or no formal education, providing an opportunity to document creatively and to discuss the community’s problems, concerns, and hopes, and communicate them with policymakers (Wang e Burris, 1994: 179). Na palavra “Photovoice”, o termo “VOICE” é um acrônimo que significa Voicing Our Individual and Collective Experience (ou “expressando a nossa experiência individual e coletiva”) (Wang e Burris, 1997: 381). A metodologia consiste basicamente no estímulo da produção fotográfica acerca das problemáticas da vida cotidiana de quem está fotografando. Concomitantemente à produção fotográfica, os participantes são impelidos a relatar o conteúdo de suas fotografias, permitindo‑nos assim abordar visões de mundo e compreender motivações. O Photovoice, sobre o qual versa o presente texto, foi desenvolvido primeiro através de um projeto piloto no distrito de Galos, município de Galinhos, e adaptado no distrito de Acauã, município de Pedra Grande, áreas com potencial ou algum desenvolvimento turístico. O método foi escolhido por sua adaptabilidade a diferentes casos, tanto no que se refere à natureza do projeto, ou seja, de pesquisa ou de intervenção, quanto no contexto sociocultural onde é desenvolvido. Além da avaliação de necessidades, a metodologia serve também à identificação de recursos, capacidades e pontos fortes. Voltada ao turismo, pode ser percebida como uma ferramenta eficaz no levantamento do potencial turístico pela própria comunidade, na redescoberta do lugar onde vivem, trabalhando com categorias como identidade, orgulho e pertencimento, e estimulando atitudes proativas e empreendedoras. 4. Estudo de caso # 1: Galos‑Rio Grande do Norte‑Brasil 4.1. Primeiras palavras Os dados apresentados aqui foram coletados durante um projeto piloto em comunicação social, desenvolvido entre os meses de junho e agosto de 2013 em Galos, distrito do município de Galinhos, litoral do estado do Rio Grande do Norte – Brasil. O projeto consistiu numa série de oficinas de fotografia e diálogos que tiveram como objetivo estimular a produção fotográfica dos participantes através do método participativo Photovoice, expor os resultados da experiência numa mostra fotográfica e produzir cartões postais como forma de enriquecer a experiência cultural da localidade. Participaram do projeto cinco jovens na faixa de 11 a 13 anos, estudantes da rede municipal de ensino e moradores do Distrito de Galos. O projeto, que no início tinha apenas o nome “Photovoice” como referência à metodologia adotada, foi intitulado, por fim, “Pescar de outra maneira”, nome dado pelos participantes também à exposição final, como estava previsto nos objetivos. A primeira etapa consistiu em quatro encontros, onde foram realizadas oficinas de noções fundamentais de fotografia, uso de aparelhos celulares na produção de imagens e discussão do conteúdo das fotografias, tendo estas já sido impressas em papel fotográfico. Como resultado, foram produzidas fotografias com temáticas de parentesco, sociabilidade, cultura e meio ambiente. Na segunda etapa deu‑se prosseguimento ao relato fotográfico e à realização de uma oficina dirigida para a produção de imagens no distrito de Galos. Como resultado, foram produzidas fotografias que abarcam as paisagens do distrito, o trabalho da pesca e a sociabilidade. Concomitantemente a esta etapa, foram realizadas duas exposições no município, com forte adesão da população. 4.2. Contexto etnográfico O distrito de Galos é uma localidade do município de Galinhos, costa norte do estado brasileiro do Rio Grande do Norte. Sua população é de aproximadamente 400 habitantes. A principal atividade econômica é a pesca, embora alguns de seus habitantes tenham substituído a pesca artesanal pelo trabalho empregado em companhias estabelecidas no município e entorno, notadamente a indústria salineira, carcinicultura e os emergentes parques eólicos. O distrito é também um destino turístico procurado pela beleza de suas paisagens naturais de dunas, praias e rio, e pela característica cultural de vila de pescadores, ruas sem calçamento, e pela culinária. No entanto, a localização geográfica num PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 1008 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil istmo de dunas torna o lugar relativamente isolado e de acesso limitado, possuindo apenas dois acessos, via travessia de barco ou através de carros tracionados.Nesse espaço singular entre rio, dunas e o mar, jovens trafegam diariamente nos barcos alugados pela prefeitura municipal para as aulas do ensino médio na sede de Galinhos, ou para quem aceitou o desafio do ensino superior, para João Câmara ou Macau. Nesse esteio a projeção de emprego no mercado de trabalho para esses jovens é limitada, considerando esse meio de relativo isolamento e acesso escasso a transporte e comunicação. No contexto a partir do qual o projeto foi desenvolvido, a partir de uma perspectiva sociológica, foi diagnosticada uma baixa estima entre jovens e adultos, que imobiliza a ação dos mesmos no sentido da projeção e do planejamento de suas trajetórias profissionais. A fotografia foi o instrumento escolhido para o estabelecimento de um diálogo onde os interlocutores fossem os próprios autores de suas falas, ou seja, sem a tradicional e definitiva mediação de um ques-tionário e um intérprete. A fotografia também foi escolhida pelo acesso que os jovens tinham a telefones celulares com câmera, ainda que de baixa resolução, e pela capacidade que a captura de imagens tem de captar sentidos e de comunicá‑los. O trabalho de comunicação social ao qual o Photovoice está vinculado se deu através de uma con-sultoria requerida por parques eólicos em implantação no município de Galinhos/RN, que procuravam atender à condicionante ambiental para instalação de grandes estruturas onde haja a probabilidade de impactos ambientais e sociais. A consultoria ocorreu estando os parques eólicos já em avançado estágio de implantação, portanto o trabalho consistiu basicamente em manter um canal de comunicação entre o empreendimento e a comunidade. 4.3. Considerações metodológicas Projetos de intervenção sociocultural são de extrema importância para comunidades distantes dos grandes centros urbanos. No caso de Galos a distância é ainda mais acentuada pela sua localização, numa estreita faixa de dunas entreposta entre o rio e o mar. Dicotomicamente essa posição rendeu‑lhe alguma visibilidade turística na costa do estado do Rio Grande. A procura pelo lugar deve‑se, sobretudo, ao status de “praia paradisíaca”, anunciada por agências de turismo como “praia semi‑selvagem”, atraindo turistas de origens diversas. A dinâmica turística no distrito de Galos, no entanto, está limitada a passeios de barco no entorno da “ilha” e à pouco competitiva culinária local. A realização das oficinas Photovoice em Galos, a princípio, não objetivavam identificar recursos turísticos, mas manter de forma criativa um canal de comunicação, como já mencionado. O resultado das práticas fotográficas e dialógicas, no entanto, revelaram outros potenciais turísticos locais para além das práticas de sol e mar. O acesso a álbuns de família e monóculos antigos forneceram pistas sobre dinâmicas culturais presentes e passadas, algumas já desaparecidas ou reinventadas, que são de relevo para o capital cultural das comunidades e podem representar importante material na construção de uma oferta turística de base local. A experiência desenvolvida em Galos revelou ainda a importância do envolvimento de um maior número de participantes, ampliando também a faixa etária e o tempo de realização das oficinas. Não obstante, é de suma importância a participação do poder público, o diálogo com a iniciativa privada e a captação de recursos para uma perfeita execução do projeto e análise dos resultados. Nessa tônica, a utilização de recursos visuais em projetos de pesquisa e intervenção pode prover considerável auxílio na elaboração e avaliação de políticas públicas e implantação de grandes empreendimentos. 4.4. Descrição do processo Para a realização das oficinas de Photovoice e do projeto‑exposição “Pescar de outra maneira”, a equipe envolvida contou com a imprescindível mediação de uma pedagoga, moradora do local e componente da equipe. Como é de praxe na antropologia social, a participação do informante, que é muitas vezes também intérprete, é indispensável para o conhecimento dos costumes e da organização social. A ideia de um “informante” como na antropologia clássica não deve ser entendida como a de um “espião”, mas alguém que pode inserir o pesquisador no meio social com uma “segurança ontológica”, ou seja, que possa orientar quanto a suas indiscrições culturais, ocidentais, urbanas. Nesse sentido a componente foi responsável por convidar os participantes e explicar o projeto, de forma preliminar, aos seus pais. Todo o projeto foi desenvolvido em seis sessões, sendo a quinta uma oficina dirigida e a sexta para definir o título da exposição, “Pescar de outra maneira”. Todas as sessões ocorreram no distrito de Galos, em encontros sem periodicidade fixa devido às aulas dos jovens participantes, e também à dificuldade de acesso e comunicação em Galos. O primeiro encontro consistiu na apresentação dos participantes, PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1009 que, a princípio, demonstraram tanto curiosidade quanto timidez, esta última sendo dissipada nos encontros seguintes. Nesse primeiro encontro, o diálogo se deu em torno das possibilidades do uso da fotografia e de como a mesma está presente no nosso cotidiano. Assim foi identificado que os jovens faziam constante uso da fotografia através de telefones celulares, fotografando o cotidiano escolar e doméstico, notadamente a sociabilidade entre amigos da escola. Nesse encontro ficou firmado que os participantes trariam fotografias feitas pelos mesmos com seus celulares. No segundo encontro nos debruçamos sobre fotografias feitas pelos participantes e dialogamos a respeito de algumas técnicas fotográficas, como luz e sombra, tipos de câmeras e possibilidades fotográficas no uso do aparelho celular (Figura 2). Durante a terceira e a quarta sessão, encontros em que os participantes estavam já mais familiarizados e menos tímidos, o processo de voz, ou seja, de falar sobre as fotografias, teve maior avanço, já que foi criado um espaço de diálogo que valorizava a opinião criativa dos participantes. O quarto encontro ocorreu na beira da praia, sob uma barraca de palha. Tendo ocorrido propositalmente à tarde, pudemos demonstrar para os participantes como a luz do entardecer poderia tornar suas fotografias ainda mais bonitas realçadas pela própria beleza do local. Figura 2. Distrito de Galos, Galinhos/RN – Brasil Fonte: Exposição fotográfica “Pescar de outra maneira”/Projeto Photovoice. (Técnica empregada: exposição com celular simples) O quinto encontro da experiência consistiu em uma oficina dirigida realizada pelas ruas do distrito de Galos. É importante ressaltar que o distrito possui aproximadamente quatrocentas habitantes, que se distribuem em ruas de areia e conchas, caracterizando uma localidade com a idílica aparência e elementos reais de uma vila de pescadores. Assim, durante a quinta sessão, caminhamos entre as ruas, o rio e a praia, onde pudemos sugerir enquadramentos, direções e posições da câmera durante a captura das imagens (Figura 3). Nessa sessão utilizamos uma câmera digital Sony cyber shot, cujo uso foi alternado entre os participantes. Além da câmera Sony, os participantes utilizaram celulares e um tablet Samsung. O sexto encontro consistiu basicamente em um balanço de todas as nossas atividades e também uma reunião pré‑exposição. Nesse encontro, os jovens participantes demonstraram um misto de entusiasmo, pela ideia de uma exposição de suas fotografias, com um sentimento de descontentamento diante da finalização do projeto. Esse último dado foi para nós um dos indicadores do sucesso da experiência, ao demonstrar que os participantes reconheceram nela um meio de comunicação, expressão e sociabilidade. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 1010 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil Figura 3. Distrito de Galos, Galinhos/RN – Brasil Fonte: Exposição fotográfica “Pescar de outra maneira”/Projeto Photovoice. (Técnica empregada: exposição com câmera Sony cyber shot) 4.5. Resultados As oficinas de fotografia e voz realizadas através dos seis encontros culminaram em duas exposições realizadas respectivamente na localidade sede do município de Galinhos, em uma pousada, e na praça central Tancredo Neves, no distrito de Galos. Como resultado final das oficinas, planejamos um produto palpável que, de acordo com os critérios de simplicidade e significância, transmitisse a experiência vivenciada pelos autores/participantes do projeto para os visitantes das exposições. Nesse sentido elaboramos, a partir de uma seleção das fotografias feitas pelos jovens, uma espécie de cartão fotográfico, ao modelo de um cartão postal, mas em papel fotográfico. Os cartões tiveram forte adesão ao serem distribuídos nas duas sessões expositivas (Figura 4). Figura 4. Cartão Fotográfico. Distrito de Galos, Galinhos/RN – Brasil Fonte: Exposição fotográfica “Pescar de outra maneira”/Projeto Photovoice. (Técnica empregada: exposição com câmera Sony cyber shot). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1011 Em relação às exposições, a primeira ocorreu, como mencionado, na pousada na sede do município de Galinhos. A escolha se deveu à ideia que tínhamos em mente, mas ainda em incubação, de dar visibilidade aos recursos turísticos locais, já que a pousada recebe diariamente turistas de diferentes origens. Mesmo havendo uma circulação internacional no município, os contatos ficam muito limitados aos serviços prestados pelos residentes aos visitantes. A experiência realizada pelo projeto Photovoice/“Pescar de outra maneira”, através da primeira exposição na sede de Galinhos, proporcionou um contato de proximidade e interação dos jovens fotógrafos com os turistas (Figura 5) de várias partes do país e do exterior, que por sua vez levaram consigo cartões fotográficos disseminando a experiência e as imagens das belezas naturais e da cultura de Galinhos. Figura 5. Exposição Fotográfica “Pescar de outra maneira”. Galinhos/RN – Brasil Fonte: Barbosa Jr, 2013. A segunda exposição ocorreu no distrito de Galos. A exposição foi uma resposta à comunidade do projeto realizado por seus jovens residentes, bem como uma forma de somar ao seu capital cultural a experiência áudio‑imagética. Nesse sentido, tendo sido realizada no local de residência dos participantes, decidimos agregar outros elementos artísticos, como foi o caso da participação do grupo local de capoeira. A exposição no distrito de Galos teve a peculiaridade de ter sido projetada na praça, devido à ausência de uma estrutura que suportasse o modelo expositivo tradicional, o que possibilitou ampliar a adesão da comunidade à experiência. 4.6. Lições aprendidas/perspectivas O desenvolvimento do projeto demonstrou que existe uma fonte de recursos turísticos locais que vão além do tradicional turismo de sol e mar, e que podem ser perfeitamente alinhados. Os participantes do projeto, que a partir de então podem ser chamados de “jovens fotógrafos”, desenvolveram habilidades e competências relacionadas à captura de imagens para significar e resignificar o próprio local de moradia e a vida cotidiana. Obviamente existem resultados que sabemos ter alcançado, porém que não puderam ser medidos imediatamente após a realização do projeto. Esses resultados são, por exemplo, o desenvolvimento de habilidades cognitivo‑interpretativas que poderão ser sentidas pelos jovens fotógrafos PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 1012 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil ao longo dos meses e dos anos após a participação no projeto, onde os mesmos poderão comparar as visões de mundo antes e depois do Photovoice. Durante a realização do projeto também fomos percebendo que os jovens são, em sua maioria, filhos de pessoas que trabalham direta e indiretamente com o turismo e que uma perspectiva para experiências futuras seria a possibilidade de coadunar as atividades turísticas (guia, passeio de barco, venda de artesanato, etc.) à produção visual. Sentimos sobretudo que a utilização de métodos visuais possui um grande potencial prospectivo e interventivo que pode ser utilizado na identificação de recursos turísticos locais e ao mesmo tempo elevar a estima de populações ligeiramente vulneráveis, aumentar o capital cultural e estimular formas criativas de economia. 5. Estudo de caso # 2: Acauã‑Rio Grande do Norte‑Brasil 5.1. Primeiras palavras A oportunidade de aplicação da metodologia Photovoice, no distrito de Acauã, se deu a partir de nossa inserção na comunidade, ministrando o curso de Condutor Cultural Local, vinculado ao macroprograma federal Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), desenvolvido dentro da perspectiva de formação inicial e continuada, que ocorreu entre os meses de agosto e novembro de 2013. O objetivo do curso foi de preparar os moradores para a condução de visitantes, enfatizando os atrativos relacionados diretamente à cultura local. Contudo, com o desenvolvimento das aulas e a nossa percepção da escassez de atrativos culturais já formatados, sobreveio a questão que motivou a aplicação do Photovoice: que aspectos do patrimônio local são vistos como recursos turísticos endógenos pela própria comunidade? A ideia norteadora foi a de garantir autonomia aos alunos de decidir, usando para tal a fotografia, o que de mais precioso havia em Acauã, tentando captar o que desejavam mostrar ao “outro”, ao visitante. Baseamos essa convicção no argumento de que a comunidade local é a mais indicada para realizar tais apontamentos, já que possuem expertise e conhecimento que muitas vezes faltam aos indivíduos que vem de fora (WANG e BURRIS, 1997). Pretendemos fazer com que os educandos, como representantes da comunidade, fossem protagonistas da atividade, trabalhando assim conceitos como atitude proativa, empreendedorismo, valorização da própria cultura e autoestima. Vale ressaltar que a chegada de cursos Pronatec à região, voltados ao turismo, se deu a partir do cumprimento de condicionantes socioambientais, estabelecidas pelo órgão ambiental estadual, também para a instalação de parques eólicos na região. Neste sentido, foi requerido um plano de incentivo ao turismo que abrangesse as áreas sob a influência direta do empreendimento, plano esse que, em sua fase de execução e por meio de articulação entre o poder público municipal e terceiro setor, conseguiu captar a chegada de tais cursos a espaços rurais onde tal iniciativa era ainda inédita. 5.2. Contexto etnográfico Acauã, ou Cauã para os mais velhos, é um distrito da zona rural do município de Pedra Grande, localizado na porção nordeste do litoral potiguar. Os aproximadamente 500 habitantes possuem sua principal base econômica nas atividades tradicionais da pesca e da agricultura, assim como nos serviços, demandados sobretudo pela sede do município e pelos parques eólicos recentemente instalados na região, que trouxeram um caráter de dinamização econômica e empregabilidade, reduzindo‑se contudo a postos de trabalho com menor exigência de qualificação. A própria comunidade, até então relativamente isolada, já que o acesso se dá apenas por estradas de barro, se viu forçada ao encontro com pessoas vindas de fora, já que diversos serviços especializados, relativos à instalação e operação dos parques, necessitou de mão de obra de fora, inclusive de estrangeiros. O distrito, até alguns anos atrás, sofria com o problema de falta d´água. A região, apesar de se encontrar no litoral, possui uma especificidade natural muito interessante, que influencia de maneira direta o modo de vida e a cultura do distrito de Acauã. Paralela à linha da costa, há uma faixa de restinga, estreita, composta sobretudo por dunas, vegetadas ou não. Adentrando o continente, aparece diretamente o bioma caatinga, no qual, mesmo distando apenas cerca de dois quilômetros do mar, Acauã se encontra inserido2. Com isso, os índices pluviométricos são muito baixos, caracterizando um panorama de “sertão no litoral”. Durante muito tempo o abastecimento de água foi um grande problema, sanado apenas recentemente, com a instalação de cisternas em número suficiente para as necessidades dos moradores. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1013 De ascendência indígena, a população de Acauã conserva traços vivos da cultura popular, manifestada no dia a dia ou em eventos específicos. Os folguedos, festas litúrgicas e profanas, e diversos saber‑fazer ligados ao artesanato e a atividades tradicionais de trabalho, como a pesca e a agricultura, são exemplos da diversidade cultural local. O fato que aproximou minimamente Acauã de ser um local de interesse turístico tem uma dupla perspectiva, religiosa e histórica. Até 1974 existia nas cercanias do local, mais exatamente na Praia do Marco, um monumento ao qual os moradores se referiam como Santo Cruzeiro do Marco. Desconhecida a sua origem histórica, o monumento foi considerado pela população como um objeto sagrado, presente divino aos moradores da localidade, já que ostentava em sua face frontal a Cruz da Ordem de Cristo. A adoração foi tão intensa que pequenas lascas da pedra eram retiradas para o preparo de chá, que, ao que diziam, era milagroso. Ao mesmo tempo em que, por pia ingenuidade, os moradores depredavam o monumento, assim também o protegiam, já que, desconhecido pelos órgãos de patrimônio e registro histórico até meados do século XX, recaiu aos próprios habitantes a proteção do objeto contra as investidas da maré, intempéries e roubo. Finalmente conhecida a sua origem histórica, fato para o qual contribuiu o célebre estudioso norte rio‑grandense Câmara Cascudo (1965), o monumento foi retirado, não sem conflito com os moradores, do seu local de origem, e levado à Fortaleza dos Reis Magos, em Natal, capital do Rio Grande do Norte. O monumento serviu, de acordo com a história oficial, para marcar oficialmente a tomada da terra Brasilis pelos portugueses, através da expedição de Gaspar de Lemos, e foi chantado nas areias da praia do Marco no ano de 1501, servindo como padrão de posse. Contudo pesquisadores defendem uma outra versão do descobrimento do Brasil, que teria acontecido nas areias potiguares, onde originalmente foi plantado o objeto, e não em Porto Seguro, Bahia, como conta a história oficial (Pinto, 1998). Polêmicas à parte, fato é que o monumento, seja por seu valor histórico ou como objeto sagrado para a religiosidade popular, possui grande relevância para a região3. 5.3. Considerações metodológicas Como colocado anteriormente, o Photovoice foi aplicado em uma turma do curso de Condutor Cultural Local, composta por vinte e cinco moradores da comunidade, de ambos os sexos, cuja idade variou entre 17 e 39 anos. Após expor a metodologia aos alunos e esclarecer algumas dúvidas, introduzimos o objetivo da atividade: apresentar, através da fotografia, aquilo que consideravam valioso e interessante no lugar onde moravam, e que gostariam de compartilhar com um visitante. A temática das fotografias poderia ser livre, não importando a natureza do assunto abordado. Lembramos também aos participantes a importância de manter uma postura criativa, tentando perceber novas perspectivas e nuances nos cenários e locais já embotados pelo cotidiano. 5.4. Descrição do processo Em um primeiro momento, que durou dois encontros, explicamos o funcionamento básico de uma máquina fotográfica digital compacta, ou point‑and‑shoot. Nessas oficinas tratamos também de questões como enquadramento, luz, assunto, desenvolvendo as competências básicas pra a operação de um equipamento relativamente simples. A aplicação da metodologia durou aproximadamente cinquenta dias. Os alunos foram encorajados a usar seus próprios recursos fotográficos, hoje popularizados por meio de telefones celulares. Contudo teve maior utilização a máquina fotográfica disponibilizada para a turma, por conta da resolução e dos recursos acessíveis que oferecia. Utilizando o equipamento coletivo, cada aluno teve dois dias para fazer suas fotografias. Três fotografias foram previamente selecionadas por cada participante. Realizamos então um encontro para a apresentação das imagens e debate acerca das representações, assuntos e motivações contidos em cada uma. Depois que cada fotógrafo‑aluno apresentou seus resultados, foi feita uma enquete, e escolhida apenas uma foto por participante, de modo que a coleção das fotografias selecionadas abarcasse a multiplicidade de recursos endógenos presentes na região. Cada uma das 25 fotografias foi impressa em papel fotográfico em dois tamanhos diferentes, 10x15 e 20x30. Várias cópias do primeiro tamanho, menor, foram dadas a cada participante, que pôde assim presentear parentes e amigos com o resultado do próprio trabalho, compartilhando com outros algo de valor e que foi criado por si. As cópias de tamanho maior, em pôster, foram utilizadas para montar uma exposição fotográfica, apresentada a toda comunidade de Acauã durante o evento de encerramento do curso de Condutor Cultural Local. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 1014 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil 5.5. Resultados Os resultados da aplicação do Photovoice na comunidade de Acauã revelam recursos endógenos de diversos tipos. Nos assuntos presentes nas fotografias, foram identificadas categorias como paisagem, no sentido mais amplo da palavra, natureza, biodiversidade, atividades tradicionais de trabalho, cultura popular, artesanato, etnicidade, lazer, sociabilidade, religiosidade popular e patrimônio histórico. Apresentaremos dois exemplos de fotografia produzidas pelos participantes. A figura 6 mostra um pescador tratando a rede de pesca, preparando‑se para mais uma saída ao mar. Quando questionada sobre a razão da escolha do tema, a autora da imagem afirmou se tratar do próprio pai, que pesca artesanalmente desde criança, e que construiu sua família a partir dos proventos advindos dessa atividade. A pesca tradicional, que envolve o saber‑fazer do jangadeiro, suas embarcações, técnica de navegação, histórias e até mesmo a culinária, se coloca então como um forte recurso turístico da região, visto que os dois elementos envolvidos, cultura local e litoral, são reconhecidamente formadores de oferta turística, caso sejam preparados e arranjados como tal. Lembramos que recurso turístico, da forma como trabalha esse artigo, é algo que existe em si, de forma autônoma, mas que pode, diante de adaptações e preservando suas características identitárias, ser formatado como atrativo e incluído na cadeia produtiva do turismo. Figura 6. Pescador e pai da participante tratando a rede de pesca Fonte: Geise de Oliveira, 2013. Já a figura 7, segundo a sua autora, representa a réplica de um patrimônio histórico cuja origem é motivo de orgulho para os habitantes de Acauã: o Marco Quinhentista. Como já foi colocado, o monumento possui valor tanto para a história como para a cultura popular, e se coloca como um recurso de valor inestimável. A fotografia mostra somente a réplica, colocada no lugar da pedra original quando de sua retirada, em 1974. Corre a passos largos, contudo, um projeto que resgatará o monumento ao seu lugar de origem, restaurando‑o como objeto vivo e orgânico, dentro de seu contexto. Será construído, nas proximidades de Acauã, um memorial, que abrigará o Marco e acervo arqueológico prospectado na região, além de poder ser utilizado também como espaço multifunção, abrigando eventos e cursos. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1015 Figura 7. Réplica do Marco Quinhentista Fonte: Mariana Lino, 2013 A figura 8 mostra um tipo de lavor muito aproveitado pelo turismo, o artesanato. Quando indagada acerca das circunstâncias e motivações da fotografia, a autora no revelou que o homem trabalhando com os cipós é seu pai, que produz diversos tipos de cestos, muitos dos quais utilizados na própria pesca. A matéria prima é coletada na região, e a técnica de cestaria segue as instruções transmitidas, de forma oral, pela família. A fotografia evidencia também aspectos étnicos, já que Acauã tem na maioria de sua população descendência indígena. Figura 8. Artesão e pai da participante trabalhando com cestaria Fonte: Lindamar Alves, 2013. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 1016 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil Através de uma exposição fotográfica, montada junto ao evento de encerramento do curso Pronatec na comunidade, as fotos dos 25 participantes puderam ser visualizadas e apreciadas pelos moradores, que, curiosos, se viam nas figuras e se identificavam com os temas tratados. Segundo eles, era motivo de orgulho ter aparecido nas fotografias, já que eles se sentiam valorizados. O conjunto da produção dos alunos ficou exposta ainda durante dois meses, na associação dos moradores locais. 5.6. Lições aprendidas/perspectivas Pode‑se perceber, através dos relatos e posicionamento dos participantes, a utilidade do Photovoice como ferramenta participativa. O processo fez com que, na busca de um contexto significativo para registrar, redescobrissem sua própria localidade, criassem laços com pessoas com as quais normalmente não teriam contato mais próximo, e que se sentissem mais úteis, na medida em que puderam ver, em papel e apreciado coletivamente, o resultado do seu trabalho. É importante ressaltar também aspectos motivacionais. Quando se colocaram no papel do turista, os participantes puderam enxergar de maneira completamente nova aquilo que os rodeava. O que parecia trivial, visto através de um olhar descuidado, passou a ter novas características, o que se traduziu em valorização. A calmaria, tão menosprezada pelos jovens, poderia ser vista como paradisíaca por um viajante em busca de descanso. O silêncio, como um alívio para um turista urbano. A culinária de todo dia representaria um sabor completamente surpreendente a um estrangeiro. Além disso, as oficinas e discussões em grupo, além de apresentar as intenções de cada um no registro das imagens, trouxeram à tona uma diversidade de ideias acerca de como aproveitar tais recursos. Surgiram, entre outras, a ideia da criação de um museu comunitário; a ideia da restauração do grupo de dança; de realizar uma caminhada ecológica. Pudemos ver que o empoderamento, proporcionado pelo Photovoice, traz consigo também uma atitude proativa, empreendedora e inovativa. A metodologia pode ser então um primeiro passo, dentro de uma perspectiva mais ampla, para o fomento de um turismo comunitário ou de base local, que tenha na própria comunidade seu principal gestor, tomador de decisão e agente beneficiado. 6. Considerações Finais O presente estudo, através de duas situações reais vivenciadas pelos autores, cumpre com o objetivo de analisar uma metodologia, oriunda da antropologia e aplicada ao turismo, de levantamento de recursos a partir de uma percepção endógena do meio. Esse processo ocorreu de início com a aplicação no distrito de Galos/RN, ainda com um olhar voltado para a comunicação social em uma localidade essencialmente turística, posteriormente aplicado no distrito de Acauã/RN através de práticas similares e com foco prioritário no levantamento dos recursos turísticos de uma região ainda com pouca representatividade no setor. A experiência aponta a técnica do Photovoice como um instrumento de levantamento dos atrativos turísticos sinérgico à valorização da cultura local, consoante com a busca atual por um desenvolvimento dito como sustentável. Avanço que se distingue na validação e inovação do diagnóstico para desenvolvimento do turismo de base local em uma dada localidade, além de salientar a permeabilidade que a atividade turística possui, efetivando‑se como um campo teórico e empírico transdisciplinar. O presente estudo, por possuir um carácter exploratório com notas descritivas, carece de outros estudos similares que deem continuidade à aplicação desenvolvida. Para além de experiências similares em outras localidades, o próprio monitoramento e investigação dos desdobramentos dos projetos nas localidades aqui apresentadas também se mostra como pertinentes, pois a adaptação da metodologia ao estudo do fenômeno turístico é algo ainda incipiente. O Photovoice se coloca então, de maneira participativa, como um possível primeiro impulso para o estabelecimento do turismo comunitário. Contudo mostra limitações, pois não oferece perspectivas claras de trabalho dos recursos identificados, nem prevê medidas para a formatação de produtos diferenciados e sua inserção no mercado turístico. Bibliografía Balomenou, Nika e Garrod, Brian 2014. “Using volunteer‑employed photography to inform tourism planning decisions: A study of St David’s Peninsula, Wales”. Tourism Management, 44: 126‑139. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121 Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1017 Barreto, Margarita 2003. “O imprescindível aporte das ciências sociais para o planejamento e a compreensão do turismo”. Horizontes antropológicos, 20: 15‑29. Canevacci,Massimo 2001. Antropologia da comunicação social. Rio de Janeiro: DP&A. Cascudo, L. Câmara 1965. Dois ensaios de história. Natal: Imprensa Universitária do Rio Grande do Norte. Feldman‑Bianco, Bela 1998. “Introdução”. In: Desafios da imagem. Campinas: Papirus. Harkin, Michael 1995. “Modernist anthropology and Tourism of the authentic”. Annals of Tourism research, 22(3): 650‑670. Lo, Iris S.; McKercher, Bob; Lo, Ada; Cheung, Catherine; Law, Rob. 2011. “Tourism and online photography”. Tourism Management, 32(4): 725‑731. Malinowski, Bronislaw 1978. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural. Markwell, Kevin W. 1997. “Dimensions of photography in a nature‑based tour”. Annals of tourism research, 24(1): 131‑155. Nash, Dennison e Smith, Valene L. 1991. “Anthropology and Tourism”. Annals of Tourism research, 18(1): 12‑25. Panosso Netto, Alexandre 2005. Filosofia do turismo: teoria e epistemologia. São Paulo: Aleph. Pinto, Lenine 1998. Reinvenção do descobrimento: o litoral norte rio‑grandense, atração necessária às navegações exploradoras do Atlântico Sul e ponto de desembarque de Pedro Álvares Cabral. Natal: Econômico empresa jornalística. Pinto, Roque e Pereiro, Xerardo 2010. “Turismo e antropologia: contribuições para um debate plural”. Turismo e desenvolvimento, 13: 219‑226. Santana, Agustín 2009. Antropologia do turismo: analogias, encontros e relações. São Paulo: Aleph. Smith, Valene L. 1980. “Anthropology and Tourism: a Science‑industry evaluation”. Annals of Tourism research, 7(1): 13‑33. Tribe, John 1997. “The indiscipline of Tourism”. 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Acesso em: 29/mar 2014. 3 O monumento foi tombado pelo IPHAN (Instituto do patrimônio histórico e artístico nacional) no ano de 1962, sob a nomenclatura de Marco Quinhentista. É conhecido popularmente, também, como Santo Cruzeiro do Marco, Marco do Descobrimento ou Marco de Touros. Recibido: 19/05/2014 Reenviado: 16/12/2014 Aceptado: 13/1/2015 Sometido a evaluación por pares anónimos
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Calificación | |
Título y subtítulo | Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte‑Brasil |
Autor principal | Meister Gehrke, Bernardo ; Duarte Barbosa Júnior, José ; Chiarelli Milito, Marcelo |
Entidad | Universidad de La Laguna. Instituto de Ciencias Políticas y Sociales |
Publicación fuente | Pasos: Revista de Turismo y Patrimonio Cultural |
Numeración | Volumen 13. Número 5 |
Sección | Artículo |
Tipo de documento | Artículo |
Lugar de publicación | El Sauzal, Tenerife |
Editorial | Universidad de La Laguna |
Fecha | Octubre 2015 |
Páginas | pp. 1003-1017 |
Materias | Turismo ; Patrimonio cultural ; Publicaciones periódicas |
Enlaces relacionados | Enlace a la revista: http://www.pasosonline.org/es/ |
Copyright | http://biblioteca.ulpgc.es/avisomdc |
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Texto |
© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Vol. 13 N.o 5. Págs. 1003-1017. 2015
www .pasosonline.org
** Mestre em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e bacharel em Turismo pela Universidade Federal
da Paraíba; E‑mail:
bernardogehrke@hotmail.com
** Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e graduado em Ciências Sociais
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; E‑mail:
duartismo@hotmail.com
*** Mestre em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e bacharel em Turismo pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte; E‑mail:
marcelomilito@yahoo.com.br
Resumo: O presente estudo tem por objetivo analisar de que forma a metodologia Photovoice, oriunda da antrop-ologia
visual, pode ser utilizada na identificação de recursos turísticos endógenos, a partir da realização de um di-agnóstico
focado no olhar e na perspectiva dos moradores locais de dois distritos situados no litoral norte do estado
do Rio Grande do Norte, Brasil. Para tal, as experiências vivenciadas pelos autores foram relatadas, evidenciando
resultados que mostram que o Photovoice cumpriu o papel de identificação de potencialidades turísticas, assim
como se mostrou uma ferramenta de valorização da cultura local, por meio do reconhecimento e apropriação das
imagens captadas. Também se constatou que a metodologia contribui para o desenvolvimento, em moradores de
pequenas localidades, de uma atitude proativa e empreendedora. Mostra‑se,
portanto, como uma metodologia
pertinente para a utilização em uma fase inicial do processo de desenvolvimento do turismo de base comunitária.
Palavras‑chave:
Metodologia Photovoice; turismo comunitário; antropologia visual; litoral norte rio‑grandense;
recursos endógenos; empoderamento.
Photovoice and identification of endogenous touristic resources in the coast of Rio Grande do
Norte, Brazil
Abstract: The present study aims to analyze how the Photovoice methodology, derived from visual anthropol-ogy,
can be used to identify endogenous touristic resources, providing a diagnostic focused on the perspective
of local residents in two districts located in north coast of the state of Rio Grande do Norte , Brazil . To do so,
the applied experiences were reported by the authors, showing results that point that the Photovoice fulfill the
role of identifying tourism potential, as well as can become a tool for enhancement of local culture, through
recognition and ownership of the images captured. It was also found that the methodology contributes to the
development of a proactive and entrepreneurial attitude in residents of small towns. It is considered as an ap-propriate
methodology to use in an initial stage of the development of community‑based
tourism.
Keywords: Photovoice methodology; community Tourism; visual anthropology; Brazilian northeast coast;
endogenous resources; empowerment.
Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos
no litoral do Rio Grande do Norte‑Brasil
Bernardo Meister Gehrke* José Duarte Barbosa Júnior**
Marcelo Chiarelli Milito***
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil)
Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito
1. Introdução
O turismo e a fotografia, desde longa data, estão intrinsecamente ligados. A concepção clássica
do turista com uma câmera pendurada ao pescoço, apesar de ser uma caricatura clichê do turismo
de massa, nos remete à importância que o registro pictórico desempenha nos diversos níveis do
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
1004 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil
fenômeno turístico. Através do marketing o visitante em potencial experimenta, por meio do deslo-camento
tempo‑espaço
conduzido pela fotografia, as paisagens e cenários dos quais poderá usufruir,
antecipando a viagem em si criando expectativas e imaginários. Os usuários das redes sociais, por
meio do compartilhamento de fotografias de viagem, compartilham também experiências (Lo et
al., 2011), construindo narrativas, atestando sua presença em lugares pitorescos, tornando público
momentos de lazer e ócio, e auferindo do status conferido à visitação de paisagens, monumentos e
padrões arquitetônicos universalmente reconhecidos. Consideramos então que o ser turista é, também
e quase por necessidade, ser fotógrafo (Markwell, 1997).
A fotografia sempre foi utilizada, nas ciências humanas e sociais, como ferramenta de pesquisa, e
em formulações teórico‑metodológicas
mais recentes, como forma de dar voz aos seus interlocutores
(Canevacci, 2001). No turismo, contudo, este recurso, apesar de presente, se mostra ainda subutilizado,
sendo o photo‑elicitation
a técnica mais recorrente (Balomenou e Garrod, 2014). Nesse modelo, o
pesquisador analisa fotografias feitas por ele mesmo ou por outros, acerca de determinados sujeitos
de pesquisa. O problema é que a fotografia, como discurso montado e material subjetivo, só oferece
a possibilidade da total compreensão do sujeito de pesquisa quando é ele próprio que relata sua
visão de mundo a partir da fotografia, revelando o contexto de uma visão de mundo particular,
impossível de ser produzida pelo pesquisador. Entram em cena então os métodos de fotografia
participativa, ligados à antropologia visual, dos quais o Photovoice, aplicado na pesquisa da qual
trata este artigo, faz parte.
Figura 1. Localização dos municípios de Galinhos e Pedra Grande
Fonte: Elaborado por Pamela Stevens, 2014.
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1005
O presente artigo tem como objetivo analisar de que forma a metodologia Photovoice pode ser
utilizada na identificação de recursos turísticos endógenos. Para tal, foi relatado o processo de
aplicação da metodologia em duas pequenas comunidades do estado do Rio Grande do Norte, Galos
e Acauã, localizadas respectivamente nos municípios de Galinhos e Pedra Grande, Brasil (Figura 1).
As duas comunidades possuem potencial turístico, atestado tanto pela formação natural da região
quanto pela riqueza de seu patrimônio cultural. Diante das várias dimensões que podem emergir
da aplicação do Photovoice, focamos na identificação, a partir da produção fotográfica da própria
comunidade, de recursos endógenos ou locais. A máquina fotográfica, por sua vez, dá voz e poder
aos moradores, que produzem seus discursos fotográficos a partir de seus sentimentos e visões
acerca daquilo que consideram importante e significativo, e portanto, oportuno de compartilhar
com o “outro”, com o turista.
Na primeira parte do artigo faremos considerações teóricas sobre a relação entre turismo e antropologia,
assim como trataremos de métodos visuais, com ênfase na metodologia Photovoice, elucidando seu
surgimento e aplicações. Em seguida serão apresentados os dois estudos de caso, cada qual com suas
especificidades metodológicas, procedimentais e contextuais, seguidos de seus respectivos resultados.
2. Pensando a relação entre turismo e antropologia
A Antropologia social estuda de longa data as sociedades ditas exóticas. Essa antropologia clássica
empreendeu uma epistemologia da organização e estruturas sociais, bem como de diversas práticas
que resultaram na formulação de um dos conceitos mais caros à disciplina, o de cultura. Nos últimos
cinquenta anos, no entanto, dedica‑se
não apenas ao estudo de sociedades indígenas e minorias, mas
também das sociedades complexas, culturas urbanas e capitalistas (Velho, 1987). Dada a avançada divisão
do trabalho nessas sociedades, é nesse contexto que se encontra o entrecruzamento interdisciplinar dos
campos do saber, notadamente das ciências humanas, ciências sociais aplicadas, arquitetura, urbanismo
e amplo espectro do saber.
O estudioso da antropologia, para entrar em contato com o seu objeto de estudo, precisa se pôr em
movimento: a investigação antropológica supõe deslocamento em direção ao outro, ao seu contexto e
entorno, assim como a experimentação de sua cultura e realidade. Tem na viagem, então, processo de
encontro e meio de desenvolver seu trabalho de campo, tão necessário ao labor antropológico (Malinowski,
1978). Compartilha com o turista, o viajante e o excursionista uma filiação comum, o ato de sair de um
ambiente ao qual denomina como lar, com determinado intuito, e retornar com algo que tenha valor de
experiência (Harkin, 1995). É de se estranhar então, por parte da antropologia, o distanciamento soberbo
e a alcunha de frivolidade, associados ao fenômeno turístico, que perduram até hoje (Santana, 2009).
O turismo não é uma disciplina (Panosso Netto, 2005), mas sim um campo de estudos ainda em
processo de maturação, no qual abordagens provenientes de outras esferas do pensamento se integram
na composição do entendimento desse novo fenômeno. O aumento dos deslocamentos humanos em massa,
não desencadeados por fatores como fome ou guerras, e sim por prazer e ócio, algo até então inédito
na história, fez com que diversas ciências se debruçassem sobre tal fenômeno, buscando explicação a
partir de suas próprias teorias e métodos. A natureza do turismo como campo fértil de estudos, assim
como a relevância que a atividade tomou na vida contemporânea, justificam o interesse científico e
o caráter interdisciplinar do turismo, mas a falta de um corpo teórico e metodologia próprio, assim
como outros fatores, restringem a mudança de status de campo de estudos para ciência (Tribe, 1997).
O conhecimento em turismo não é coeso, mas sim segmentado e embaralhado, e uma das cartas dessa
profusa diversidade teórico‑metodológica
é justamente a antropologia.
Apesar da relutância em considerar o turismo como um campo de estudos legítimo (Nash e Smith,
1991), a antropologia foi, paulatinamente, tentando compreender os deslocamentos motivados pelo lazer.
O trabalho fundador do que se convencionou chamar de antropologia do turismo, Tourism, tradition and
acculturation: weekendismo in a mexican village, foi publicado em 1963, por Theron Núnez. Impossível
ignorar também Host and guest: the anthropology of Tourism, organizado por Valene Smith, que, ao
apresentar estudos de doze antropólogos diferentes, assentou “o primeiro pilar que legitimaria o estudo
do turismo como novo tópico disciplinar” (Santana, 2009: 19).
Os primeiros temas desenvolvidos pela antropologia do turismo orbitavam o eixo do contato ou
encontro entre hosts e guests, ou seja, as relações entre o turista viajante, geralmente oriundo dos países
desenvolvidos, e a comunidade receptora, notadamente situada em países em desenvolvimento (Nash e
Smith, 1991). Esse grande eixo temático se cristalizou e se ramificou, originando diversos outros temas
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
1006 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil
de pesquisa. Atualmente, os estudos em antropologia do turismo costumam focar mais comumente em
demandas como impactos do turismo, sobretudo os segmentos cultural e étnico, processos de aculturação,
descaracterização de culturas e identidades locais, produtificação da cultura, o “encontro”, a viagem
como ritual, autenticidade, entre outros (Pinto e Pereiro, 2010; Barreto, 2003).
Em relação ao turismo, a antropologia pode ser de uma posição crítica ao colocar em questão o possível
estranhamento ou exotização do outro em contexto de contato cultural. Ao relativizar o etnocentrismo de
determinados grupos sociais (seja de contexto local ou global) os estudos antropológicos lançam importantes
bases para políticas para a diversidade. Ao lidar diretamente com essas realidades o turismo assume
uma grande responsabilidade, que é a de mediar o contato entre indivíduos de diferentes idiossincrasias.
Não se trata apenas de “treinar” o guia para condução de turistas, mas de considerar uma problemática
bem mais ampla, que inclui dentre outras coisas o planejamento de estratégias que garantam o êxito
da experiência turística do visitante e, ao mesmo tempo, a resiliência do universo visitado.
A despeito da insistente distância entre a antropologia e o turismo como objeto de estudo, a abordagem
eclética e abrangente da disciplina, diferenciada das demais ciências que investigam o turismo (Smith,
1980), oferece um contraponto qualitativo muito pertinente, já que o viés economicista, que investiga
os impactos do turismo na economia e seus desdobramentos, tem enorme força dentre os estudos do
fenômeno. Analisando de um ponto de vista holístico, a antropologia, com suas ferramentas metodológicas
e epistemológicas, parece se adaptar bem à complexidade e dinamicidade das transformações que
marcam o turismo contemporâneo (Pinto e Pereiro, 2010). Percebe‑se
então a importância do aporte
que traz consigo a investigação antropológica, promovendo uma visão crítica e propositiva sobre uma
atividade tão dominada por imperativos econômicos.
3. Métodos visuais: Photovoice e suas aplicações
Imagens têm sido usadas há muito tempo em documentos e trabalhos acadêmicos através de foto-grafias,
desenhos e mapas para ilustrar os textos. Recentemente nas ciências sociais o uso da imagem
tem tido status mais significativo, ou seja, a imagem deixou de ser apenas um elemento ilustrativo para
ser considerada também um texto (Feldman‑Bianco,
1998). Não é simplesmente uma captura do real
de modo estritamente objetivo, mas um recurso comunicacional através do qual se transmite ideias
em conjunto ao texto escrito. O uso de métodos visuais, numa tônica participativa, ultrapassa então
o sentido de produzir simplesmente o conhecimento ao fornecer ferramentas interpretativas para os
seus interlocutores.
O método Photovoice vem nessa tônica. Ele foi desenvolvido a partir de três fontes: primeiro, a
literatura teórica de educação para a autonomia, os estudos feministas e o documentário fotográfico. Em
segundo lugar o esforço de fotógrafos e educadores participativos com o desafio da autoria documental
e, em terceiro lugar, a experiência obtida por Wang e Burris (1994 e 1997) na pesquisa desenvolvida
com mulheres camponesas de Yunnan, fronteira com Burma, Laos e Vietnam. A pesquisa partiu da
premissa de que no trabalho de base comunitária a saúde reprodutiva das mulheres é inseparável do
status social e econômico das mesmas. O programa dentro do qual o Photovoice ocorreu foi o Women’s
Reproductive Health and Development, que tinha como objetivos melhorar as condições de saúde das
mulheres e criar condições de disseminação dessa experiência. A pesquisa se deu em primeiro plano
através de organização de grupos de lideranças locais, que dirigiriam questões emergidas das fotografias
e discussões das interlocutoras num diálogo sobre saúde da mulher. Então o Photovoice, cujo primeiro
nome foi Photonovella1, se originou como uma ferramenta para avaliar necessidades das mulheres de
dois distritos rurais de uma província chinesa.
Em linhas gerais os procedimentos metodológicos de Wang e Burris foram: a aplicação de um
questionário aplicado a homens e mulheres nos dois distritos; formação de um grupo para investigar
de que forma a saúde reprodutiva e as demandas em saúde eram percebidas pelas mulheres; formação
de um grupo focal para entrevistar mulheres e homens de todas as idades, profissionais em saúde e
representantes de governo; e a aplicação do Photovoice. Aqui nos interessa apenas o último recurso
metodológico. Na forma como as pesquisadoras usaram o recurso, as pessoas fotografavam o espaço
doméstico. Como uma ferramenta de avaliação de necessidades, o recurso forneceu um método criativo
através do qual várias mulheres dos distritos puderam documentar as questões sobre saúde e comunicá‑las
a gestores públicos, líderes comunitários e suas próprias comunidades. O Photovoice também foi
uma forma de empoderamento através da participação. Ao documentar a vida cotidiana através de uma
ferramenta educacional foi possível desenvolver seus conhecimentos individuais e coletivos sobre saúde
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1007
da mulher e sobre o empoderamento da mulher como forma de mobilizar a mudança social (Wang e
Burris, 1994). Segundo as autoras, a proposta de um método visual como esse foi estimular um processo
de participação que poderia ser analítico, proativo e empoderador. Após essa experiência, o recurso
passou a ser utilizado por outras iniciativas em outros distritos. Para as pesquisadoras:
Our project demonstrated, photo novella can be taught to a person who has little or no formal education,
providing an opportunity to document creatively and to discuss the community’s problems, concerns, and
hopes, and communicate them with policymakers (Wang e Burris, 1994: 179).
Na palavra “Photovoice”, o termo “VOICE” é um acrônimo que significa Voicing Our Individual and
Collective Experience (ou “expressando a nossa experiência individual e coletiva”) (Wang e Burris, 1997:
381). A metodologia consiste basicamente no estímulo da produção fotográfica acerca das problemáticas
da vida cotidiana de quem está fotografando. Concomitantemente à produção fotográfica, os participantes
são impelidos a relatar o conteúdo de suas fotografias, permitindo‑nos
assim abordar visões de mundo
e compreender motivações.
O Photovoice, sobre o qual versa o presente texto, foi desenvolvido primeiro através de um projeto
piloto no distrito de Galos, município de Galinhos, e adaptado no distrito de Acauã, município de Pedra
Grande, áreas com potencial ou algum desenvolvimento turístico. O método foi escolhido por sua
adaptabilidade a diferentes casos, tanto no que se refere à natureza do projeto, ou seja, de pesquisa ou de
intervenção, quanto no contexto sociocultural onde é desenvolvido. Além da avaliação de necessidades, a
metodologia serve também à identificação de recursos, capacidades e pontos fortes. Voltada ao turismo,
pode ser percebida como uma ferramenta eficaz no levantamento do potencial turístico pela própria
comunidade, na redescoberta do lugar onde vivem, trabalhando com categorias como identidade, orgulho
e pertencimento, e estimulando atitudes proativas e empreendedoras.
4. Estudo de caso # 1: Galos‑Rio
Grande do Norte‑Brasil
4.1. Primeiras palavras
Os dados apresentados aqui foram coletados durante um projeto piloto em comunicação social,
desenvolvido entre os meses de junho e agosto de 2013 em Galos, distrito do município de Galinhos,
litoral do estado do Rio Grande do Norte – Brasil. O projeto consistiu numa série de oficinas de fotografia
e diálogos que tiveram como objetivo estimular a produção fotográfica dos participantes através do
método participativo Photovoice, expor os resultados da experiência numa mostra fotográfica e produzir
cartões postais como forma de enriquecer a experiência cultural da localidade. Participaram do projeto
cinco jovens na faixa de 11 a 13 anos, estudantes da rede municipal de ensino e moradores do Distrito
de Galos. O projeto, que no início tinha apenas o nome “Photovoice” como referência à metodologia
adotada, foi intitulado, por fim, “Pescar de outra maneira”, nome dado pelos participantes também à
exposição final, como estava previsto nos objetivos.
A primeira etapa consistiu em quatro encontros, onde foram realizadas oficinas de noções fundamentais
de fotografia, uso de aparelhos celulares na produção de imagens e discussão do conteúdo das fotografias,
tendo estas já sido impressas em papel fotográfico. Como resultado, foram produzidas fotografias com
temáticas de parentesco, sociabilidade, cultura e meio ambiente.
Na segunda etapa deu‑se
prosseguimento ao relato fotográfico e à realização de uma oficina dirigida
para a produção de imagens no distrito de Galos. Como resultado, foram produzidas fotografias que
abarcam as paisagens do distrito, o trabalho da pesca e a sociabilidade. Concomitantemente a esta
etapa, foram realizadas duas exposições no município, com forte adesão da população.
4.2. Contexto etnográfico
O distrito de Galos é uma localidade do município de Galinhos, costa norte do estado brasileiro do
Rio Grande do Norte. Sua população é de aproximadamente 400 habitantes. A principal atividade
econômica é a pesca, embora alguns de seus habitantes tenham substituído a pesca artesanal pelo
trabalho empregado em companhias estabelecidas no município e entorno, notadamente a indústria
salineira, carcinicultura e os emergentes parques eólicos. O distrito é também um destino turístico
procurado pela beleza de suas paisagens naturais de dunas, praias e rio, e pela característica cultural
de vila de pescadores, ruas sem calçamento, e pela culinária. No entanto, a localização geográfica num
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
1008 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil
istmo de dunas torna o lugar relativamente isolado e de acesso limitado, possuindo apenas dois acessos,
via travessia de barco ou através de carros tracionados.Nesse espaço singular entre rio, dunas e o mar,
jovens trafegam diariamente nos barcos alugados pela prefeitura municipal para as aulas do ensino
médio na sede de Galinhos, ou para quem aceitou o desafio do ensino superior, para João Câmara
ou Macau. Nesse esteio a projeção de emprego no mercado de trabalho para esses jovens é limitada,
considerando esse meio de relativo isolamento e acesso escasso a transporte e comunicação. No contexto
a partir do qual o projeto foi desenvolvido, a partir de uma perspectiva sociológica, foi diagnosticada
uma baixa estima entre jovens e adultos, que imobiliza a ação dos mesmos no sentido da projeção e do
planejamento de suas trajetórias profissionais.
A fotografia foi o instrumento escolhido para o estabelecimento de um diálogo onde os interlocutores
fossem os próprios autores de suas falas, ou seja, sem a tradicional e definitiva mediação de um ques-tionário
e um intérprete. A fotografia também foi escolhida pelo acesso que os jovens tinham a telefones
celulares com câmera, ainda que de baixa resolução, e pela capacidade que a captura de imagens tem
de captar sentidos e de comunicá‑los.
O trabalho de comunicação social ao qual o Photovoice está vinculado se deu através de uma con-sultoria
requerida por parques eólicos em implantação no município de Galinhos/RN, que procuravam
atender à condicionante ambiental para instalação de grandes estruturas onde haja a probabilidade de
impactos ambientais e sociais. A consultoria ocorreu estando os parques eólicos já em avançado estágio
de implantação, portanto o trabalho consistiu basicamente em manter um canal de comunicação entre
o empreendimento e a comunidade.
4.3. Considerações metodológicas
Projetos de intervenção sociocultural são de extrema importância para comunidades distantes dos
grandes centros urbanos. No caso de Galos a distância é ainda mais acentuada pela sua localização,
numa estreita faixa de dunas entreposta entre o rio e o mar. Dicotomicamente essa posição rendeu‑lhe
alguma visibilidade turística na costa do estado do Rio Grande. A procura pelo lugar deve‑se,
sobretudo,
ao status de “praia paradisíaca”, anunciada por agências de turismo como “praia semi‑selvagem”,
atraindo turistas de origens diversas.
A dinâmica turística no distrito de Galos, no entanto, está limitada a passeios de barco no entorno da
“ilha” e à pouco competitiva culinária local. A realização das oficinas Photovoice em Galos, a princípio,
não objetivavam identificar recursos turísticos, mas manter de forma criativa um canal de comunicação,
como já mencionado. O resultado das práticas fotográficas e dialógicas, no entanto, revelaram outros
potenciais turísticos locais para além das práticas de sol e mar. O acesso a álbuns de família e monóculos
antigos forneceram pistas sobre dinâmicas culturais presentes e passadas, algumas já desaparecidas ou
reinventadas, que são de relevo para o capital cultural das comunidades e podem representar importante
material na construção de uma oferta turística de base local.
A experiência desenvolvida em Galos revelou ainda a importância do envolvimento de um maior
número de participantes, ampliando também a faixa etária e o tempo de realização das oficinas. Não
obstante, é de suma importância a participação do poder público, o diálogo com a iniciativa privada e
a captação de recursos para uma perfeita execução do projeto e análise dos resultados. Nessa tônica, a
utilização de recursos visuais em projetos de pesquisa e intervenção pode prover considerável auxílio
na elaboração e avaliação de políticas públicas e implantação de grandes empreendimentos.
4.4. Descrição do processo
Para a realização das oficinas de Photovoice e do projeto‑exposição
“Pescar de outra maneira”, a equipe
envolvida contou com a imprescindível mediação de uma pedagoga, moradora do local e componente
da equipe. Como é de praxe na antropologia social, a participação do informante, que é muitas vezes
também intérprete, é indispensável para o conhecimento dos costumes e da organização social. A ideia
de um “informante” como na antropologia clássica não deve ser entendida como a de um “espião”, mas
alguém que pode inserir o pesquisador no meio social com uma “segurança ontológica”, ou seja, que
possa orientar quanto a suas indiscrições culturais, ocidentais, urbanas. Nesse sentido a componente
foi responsável por convidar os participantes e explicar o projeto, de forma preliminar, aos seus pais.
Todo o projeto foi desenvolvido em seis sessões, sendo a quinta uma oficina dirigida e a sexta para
definir o título da exposição, “Pescar de outra maneira”. Todas as sessões ocorreram no distrito de Galos,
em encontros sem periodicidade fixa devido às aulas dos jovens participantes, e também à dificuldade
de acesso e comunicação em Galos. O primeiro encontro consistiu na apresentação dos participantes,
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1009
que, a princípio, demonstraram tanto curiosidade quanto timidez, esta última sendo dissipada nos
encontros seguintes. Nesse primeiro encontro, o diálogo se deu em torno das possibilidades do uso da
fotografia e de como a mesma está presente no nosso cotidiano. Assim foi identificado que os jovens
faziam constante uso da fotografia através de telefones celulares, fotografando o cotidiano escolar e
doméstico, notadamente a sociabilidade entre amigos da escola. Nesse encontro ficou firmado que os
participantes trariam fotografias feitas pelos mesmos com seus celulares.
No segundo encontro nos debruçamos sobre fotografias feitas pelos participantes e dialogamos
a respeito de algumas técnicas fotográficas, como luz e sombra, tipos de câmeras e possibilidades
fotográficas no uso do aparelho celular (Figura 2). Durante a terceira e a quarta sessão, encontros em
que os participantes estavam já mais familiarizados e menos tímidos, o processo de voz, ou seja, de
falar sobre as fotografias, teve maior avanço, já que foi criado um espaço de diálogo que valorizava a
opinião criativa dos participantes. O quarto encontro ocorreu na beira da praia, sob uma barraca de
palha. Tendo ocorrido propositalmente à tarde, pudemos demonstrar para os participantes como a luz
do entardecer poderia tornar suas fotografias ainda mais bonitas realçadas pela própria beleza do local.
Figura 2. Distrito de Galos, Galinhos/RN – Brasil
Fonte: Exposição fotográfica “Pescar de outra maneira”/Projeto Photovoice. (Técnica empregada: exposição com celular simples)
O quinto encontro da experiência consistiu em uma oficina dirigida realizada pelas ruas do distrito
de Galos. É importante ressaltar que o distrito possui aproximadamente quatrocentas habitantes,
que se distribuem em ruas de areia e conchas, caracterizando uma localidade com a idílica aparência
e elementos reais de uma vila de pescadores. Assim, durante a quinta sessão, caminhamos entre as
ruas, o rio e a praia, onde pudemos sugerir enquadramentos, direções e posições da câmera durante
a captura das imagens (Figura 3). Nessa sessão utilizamos uma câmera digital Sony cyber shot, cujo
uso foi alternado entre os participantes. Além da câmera Sony, os participantes utilizaram celulares
e um tablet Samsung.
O sexto encontro consistiu basicamente em um balanço de todas as nossas atividades e também uma
reunião pré‑exposição.
Nesse encontro, os jovens participantes demonstraram um misto de entusiasmo,
pela ideia de uma exposição de suas fotografias, com um sentimento de descontentamento diante da
finalização do projeto. Esse último dado foi para nós um dos indicadores do sucesso da experiência, ao
demonstrar que os participantes reconheceram nela um meio de comunicação, expressão e sociabilidade.
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
1010 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil
Figura 3. Distrito de Galos, Galinhos/RN – Brasil
Fonte: Exposição fotográfica “Pescar de outra maneira”/Projeto Photovoice. (Técnica empregada: exposição com câmera Sony cyber shot)
4.5. Resultados
As oficinas de fotografia e voz realizadas através dos seis encontros culminaram em duas exposições
realizadas respectivamente na localidade sede do município de Galinhos, em uma pousada, e na
praça central Tancredo Neves, no distrito de Galos. Como resultado final das oficinas, planejamos
um produto palpável que, de acordo com os critérios de simplicidade e significância, transmitisse a
experiência vivenciada pelos autores/participantes do projeto para os visitantes das exposições. Nesse
sentido elaboramos, a partir de uma seleção das fotografias feitas pelos jovens, uma espécie de cartão
fotográfico, ao modelo de um cartão postal, mas em papel fotográfico. Os cartões tiveram forte adesão
ao serem distribuídos nas duas sessões expositivas (Figura 4).
Figura 4. Cartão Fotográfico. Distrito de Galos, Galinhos/RN – Brasil
Fonte: Exposição fotográfica “Pescar de outra maneira”/Projeto Photovoice. (Técnica empregada: exposição com câmera Sony cyber shot).
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
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Em relação às exposições, a primeira ocorreu, como mencionado, na pousada na sede do município
de Galinhos. A escolha se deveu à ideia que tínhamos em mente, mas ainda em incubação, de dar
visibilidade aos recursos turísticos locais, já que a pousada recebe diariamente turistas de diferentes
origens. Mesmo havendo uma circulação internacional no município, os contatos ficam muito limitados aos
serviços prestados pelos residentes aos visitantes. A experiência realizada pelo projeto Photovoice/“Pescar
de outra maneira”, através da primeira exposição na sede de Galinhos, proporcionou um contato de
proximidade e interação dos jovens fotógrafos com os turistas (Figura 5) de várias partes do país e do
exterior, que por sua vez levaram consigo cartões fotográficos disseminando a experiência e as imagens
das belezas naturais e da cultura de Galinhos.
Figura 5. Exposição Fotográfica “Pescar de outra maneira”. Galinhos/RN – Brasil
Fonte: Barbosa Jr, 2013.
A segunda exposição ocorreu no distrito de Galos. A exposição foi uma resposta à comunidade do
projeto realizado por seus jovens residentes, bem como uma forma de somar ao seu capital cultural a
experiência áudio‑imagética.
Nesse sentido, tendo sido realizada no local de residência dos participantes,
decidimos agregar outros elementos artísticos, como foi o caso da participação do grupo local de capoeira.
A exposição no distrito de Galos teve a peculiaridade de ter sido projetada na praça, devido à ausência
de uma estrutura que suportasse o modelo expositivo tradicional, o que possibilitou ampliar a adesão
da comunidade à experiência.
4.6. Lições aprendidas/perspectivas
O desenvolvimento do projeto demonstrou que existe uma fonte de recursos turísticos locais que vão
além do tradicional turismo de sol e mar, e que podem ser perfeitamente alinhados. Os participantes do
projeto, que a partir de então podem ser chamados de “jovens fotógrafos”, desenvolveram habilidades
e competências relacionadas à captura de imagens para significar e resignificar o próprio local de
moradia e a vida cotidiana. Obviamente existem resultados que sabemos ter alcançado, porém que não
puderam ser medidos imediatamente após a realização do projeto. Esses resultados são, por exemplo, o
desenvolvimento de habilidades cognitivo‑interpretativas
que poderão ser sentidas pelos jovens fotógrafos
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
1012 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil
ao longo dos meses e dos anos após a participação no projeto, onde os mesmos poderão comparar as
visões de mundo antes e depois do Photovoice.
Durante a realização do projeto também fomos percebendo que os jovens são, em sua maioria, filhos
de pessoas que trabalham direta e indiretamente com o turismo e que uma perspectiva para experiências
futuras seria a possibilidade de coadunar as atividades turísticas (guia, passeio de barco, venda de
artesanato, etc.) à produção visual. Sentimos sobretudo que a utilização de métodos visuais possui um
grande potencial prospectivo e interventivo que pode ser utilizado na identificação de recursos turísticos
locais e ao mesmo tempo elevar a estima de populações ligeiramente vulneráveis, aumentar o capital
cultural e estimular formas criativas de economia.
5. Estudo de caso # 2: Acauã‑Rio
Grande do Norte‑Brasil
5.1. Primeiras palavras
A oportunidade de aplicação da metodologia Photovoice, no distrito de Acauã, se deu a partir de nossa
inserção na comunidade, ministrando o curso de Condutor Cultural Local, vinculado ao macroprograma
federal Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), desenvolvido dentro
da perspectiva de formação inicial e continuada, que ocorreu entre os meses de agosto e novembro
de 2013. O objetivo do curso foi de preparar os moradores para a condução de visitantes, enfatizando
os atrativos relacionados diretamente à cultura local. Contudo, com o desenvolvimento das aulas e a
nossa percepção da escassez de atrativos culturais já formatados, sobreveio a questão que motivou a
aplicação do Photovoice: que aspectos do patrimônio local são vistos como recursos turísticos endógenos
pela própria comunidade?
A ideia norteadora foi a de garantir autonomia aos alunos de decidir, usando para tal a fotografia, o
que de mais precioso havia em Acauã, tentando captar o que desejavam mostrar ao “outro”, ao visitante.
Baseamos essa convicção no argumento de que a comunidade local é a mais indicada para realizar tais
apontamentos, já que possuem expertise e conhecimento que muitas vezes faltam aos indivíduos que
vem de fora (WANG e BURRIS, 1997). Pretendemos fazer com que os educandos, como representantes
da comunidade, fossem protagonistas da atividade, trabalhando assim conceitos como atitude proativa,
empreendedorismo, valorização da própria cultura e autoestima.
Vale ressaltar que a chegada de cursos Pronatec à região, voltados ao turismo, se deu a partir do
cumprimento de condicionantes socioambientais, estabelecidas pelo órgão ambiental estadual, também
para a instalação de parques eólicos na região. Neste sentido, foi requerido um plano de incentivo ao
turismo que abrangesse as áreas sob a influência direta do empreendimento, plano esse que, em sua
fase de execução e por meio de articulação entre o poder público municipal e terceiro setor, conseguiu
captar a chegada de tais cursos a espaços rurais onde tal iniciativa era ainda inédita.
5.2. Contexto etnográfico
Acauã, ou Cauã para os mais velhos, é um distrito da zona rural do município de Pedra Grande,
localizado na porção nordeste do litoral potiguar. Os aproximadamente 500 habitantes possuem sua
principal base econômica nas atividades tradicionais da pesca e da agricultura, assim como nos serviços,
demandados sobretudo pela sede do município e pelos parques eólicos recentemente instalados na região,
que trouxeram um caráter de dinamização econômica e empregabilidade, reduzindo‑se
contudo a postos
de trabalho com menor exigência de qualificação. A própria comunidade, até então relativamente isolada,
já que o acesso se dá apenas por estradas de barro, se viu forçada ao encontro com pessoas vindas de
fora, já que diversos serviços especializados, relativos à instalação e operação dos parques, necessitou
de mão de obra de fora, inclusive de estrangeiros.
O distrito, até alguns anos atrás, sofria com o problema de falta d´água. A região, apesar de se
encontrar no litoral, possui uma especificidade natural muito interessante, que influencia de maneira
direta o modo de vida e a cultura do distrito de Acauã. Paralela à linha da costa, há uma faixa de
restinga, estreita, composta sobretudo por dunas, vegetadas ou não. Adentrando o continente, aparece
diretamente o bioma caatinga, no qual, mesmo distando apenas cerca de dois quilômetros do mar,
Acauã se encontra inserido2. Com isso, os índices pluviométricos são muito baixos, caracterizando
um panorama de “sertão no litoral”. Durante muito tempo o abastecimento de água foi um grande
problema, sanado apenas recentemente, com a instalação de cisternas em número suficiente para as
necessidades dos moradores.
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 (5). 2015 ISSN 1695-7121
Bernardo Meister Gehrke, José Duarte Barbosa Júnior, Marcelo Chiarelli Milito 1013
De ascendência indígena, a população de Acauã conserva traços vivos da cultura popular, manifestada
no dia a dia ou em eventos específicos. Os folguedos, festas litúrgicas e profanas, e diversos saber‑fazer
ligados ao artesanato e a atividades tradicionais de trabalho, como a pesca e a agricultura, são exemplos
da diversidade cultural local.
O fato que aproximou minimamente Acauã de ser um local de interesse turístico tem uma dupla
perspectiva, religiosa e histórica. Até 1974 existia nas cercanias do local, mais exatamente na
Praia do Marco, um monumento ao qual os moradores se referiam como Santo Cruzeiro do Marco.
Desconhecida a sua origem histórica, o monumento foi considerado pela população como um objeto
sagrado, presente divino aos moradores da localidade, já que ostentava em sua face frontal a Cruz
da Ordem de Cristo. A adoração foi tão intensa que pequenas lascas da pedra eram retiradas para o
preparo de chá, que, ao que diziam, era milagroso. Ao mesmo tempo em que, por pia ingenuidade, os
moradores depredavam o monumento, assim também o protegiam, já que, desconhecido pelos órgãos
de patrimônio e registro histórico até meados do século XX, recaiu aos próprios habitantes a proteção
do objeto contra as investidas da maré, intempéries e roubo.
Finalmente conhecida a sua origem histórica, fato para o qual contribuiu o célebre estudioso norte
rio‑grandense
Câmara Cascudo (1965), o monumento foi retirado, não sem conflito com os moradores, do
seu local de origem, e levado à Fortaleza dos Reis Magos, em Natal, capital do Rio Grande do Norte. O
monumento serviu, de acordo com a história oficial, para marcar oficialmente a tomada da terra Brasilis
pelos portugueses, através da expedição de Gaspar de Lemos, e foi chantado nas areias da praia do Marco
no ano de 1501, servindo como padrão de posse. Contudo pesquisadores defendem uma outra versão do
descobrimento do Brasil, que teria acontecido nas areias potiguares, onde originalmente foi plantado o
objeto, e não em Porto Seguro, Bahia, como conta a história oficial (Pinto, 1998). Polêmicas à parte, fato
é que o monumento, seja por seu valor histórico ou como objeto sagrado para a religiosidade popular,
possui grande relevância para a região3.
5.3. Considerações metodológicas
Como colocado anteriormente, o Photovoice foi aplicado em uma turma do curso de Condutor Cultural
Local, composta por vinte e cinco moradores da comunidade, de ambos os sexos, cuja idade variou entre
17 e 39 anos. Após expor a metodologia aos alunos e esclarecer algumas dúvidas, introduzimos o objetivo
da atividade: apresentar, através da fotografia, aquilo que consideravam valioso e interessante no lugar
onde moravam, e que gostariam de compartilhar com um visitante. A temática das fotografias poderia
ser livre, não importando a natureza do assunto abordado. Lembramos também aos participantes a
importância de manter uma postura criativa, tentando perceber novas perspectivas e nuances nos
cenários e locais já embotados pelo cotidiano.
5.4. Descrição do processo
Em um primeiro momento, que durou dois encontros, explicamos o funcionamento básico de uma
máquina fotográfica digital compacta, ou point‑and‑shoot.
Nessas oficinas tratamos também de questões
como enquadramento, luz, assunto, desenvolvendo as competências básicas pra a operação de um
equipamento relativamente simples.
A aplicação da metodologia durou aproximadamente cinquenta dias. Os alunos foram encorajados
a usar seus próprios recursos fotográficos, hoje popularizados por meio de telefones celulares. Contudo
teve maior utilização a máquina fotográfica disponibilizada para a turma, por conta da resolução e
dos recursos acessíveis que oferecia. Utilizando o equipamento coletivo, cada aluno teve dois dias para
fazer suas fotografias.
Três fotografias foram previamente selecionadas por cada participante. Realizamos então um encontro
para a apresentação das imagens e debate acerca das representações, assuntos e motivações contidos
em cada uma. Depois que cada fotógrafo‑aluno
apresentou seus resultados, foi feita uma enquete, e
escolhida apenas uma foto por participante, de modo que a coleção das fotografias selecionadas abarcasse
a multiplicidade de recursos endógenos presentes na região.
Cada uma das 25 fotografias foi impressa em papel fotográfico em dois tamanhos diferentes, 10x15
e 20x30. Várias cópias do primeiro tamanho, menor, foram dadas a cada participante, que pôde assim
presentear parentes e amigos com o resultado do próprio trabalho, compartilhando com outros algo de
valor e que foi criado por si. As cópias de tamanho maior, em pôster, foram utilizadas para montar uma
exposição fotográfica, apresentada a toda comunidade de Acauã durante o evento de encerramento do
curso de Condutor Cultural Local.
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1014 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil
5.5. Resultados
Os resultados da aplicação do Photovoice na comunidade de Acauã revelam recursos endógenos
de diversos tipos. Nos assuntos presentes nas fotografias, foram identificadas categorias como
paisagem, no sentido mais amplo da palavra, natureza, biodiversidade, atividades tradicionais
de trabalho, cultura popular, artesanato, etnicidade, lazer, sociabilidade, religiosidade popular e
patrimônio histórico.
Apresentaremos dois exemplos de fotografia produzidas pelos participantes. A figura 6 mostra um
pescador tratando a rede de pesca, preparando‑se
para mais uma saída ao mar. Quando questionada
sobre a razão da escolha do tema, a autora da imagem afirmou se tratar do próprio pai, que pesca
artesanalmente desde criança, e que construiu sua família a partir dos proventos advindos dessa
atividade. A pesca tradicional, que envolve o saber‑fazer
do jangadeiro, suas embarcações, técnica de
navegação, histórias e até mesmo a culinária, se coloca então como um forte recurso turístico da região,
visto que os dois elementos envolvidos, cultura local e litoral, são reconhecidamente formadores de
oferta turística, caso sejam preparados e arranjados como tal. Lembramos que recurso turístico, da
forma como trabalha esse artigo, é algo que existe em si, de forma autônoma, mas que pode, diante de
adaptações e preservando suas características identitárias, ser formatado como atrativo e incluído na
cadeia produtiva do turismo.
Figura 6. Pescador e pai da participante tratando a rede de pesca
Fonte: Geise de Oliveira, 2013.
Já a figura 7, segundo a sua autora, representa a réplica de um patrimônio histórico cuja origem
é motivo de orgulho para os habitantes de Acauã: o Marco Quinhentista. Como já foi colocado, o
monumento possui valor tanto para a história como para a cultura popular, e se coloca como um
recurso de valor inestimável. A fotografia mostra somente a réplica, colocada no lugar da pedra
original quando de sua retirada, em 1974. Corre a passos largos, contudo, um projeto que resgatará
o monumento ao seu lugar de origem, restaurando‑o
como objeto vivo e orgânico, dentro de seu
contexto. Será construído, nas proximidades de Acauã, um memorial, que abrigará o Marco e acervo
arqueológico prospectado na região, além de poder ser utilizado também como espaço multifunção,
abrigando eventos e cursos.
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Figura 7. Réplica do Marco Quinhentista
Fonte: Mariana Lino, 2013
A figura 8 mostra um tipo de lavor muito aproveitado pelo turismo, o artesanato. Quando indagada
acerca das circunstâncias e motivações da fotografia, a autora no revelou que o homem trabalhando
com os cipós é seu pai, que produz diversos tipos de cestos, muitos dos quais utilizados na própria pesca.
A matéria prima é coletada na região, e a técnica de cestaria segue as instruções transmitidas, de forma
oral, pela família. A fotografia evidencia também aspectos étnicos, já que Acauã tem na maioria de sua
população descendência indígena.
Figura 8. Artesão e pai da participante trabalhando com cestaria
Fonte: Lindamar Alves, 2013.
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1016 Photovoice e identificação de recursos turísticos endógenos no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil
Através de uma exposição fotográfica, montada junto ao evento de encerramento do curso Pronatec
na comunidade, as fotos dos 25 participantes puderam ser visualizadas e apreciadas pelos moradores,
que, curiosos, se viam nas figuras e se identificavam com os temas tratados. Segundo eles, era motivo
de orgulho ter aparecido nas fotografias, já que eles se sentiam valorizados. O conjunto da produção
dos alunos ficou exposta ainda durante dois meses, na associação dos moradores locais.
5.6. Lições aprendidas/perspectivas
Pode‑se
perceber, através dos relatos e posicionamento dos participantes, a utilidade do Photovoice
como ferramenta participativa. O processo fez com que, na busca de um contexto significativo para
registrar, redescobrissem sua própria localidade, criassem laços com pessoas com as quais normalmente
não teriam contato mais próximo, e que se sentissem mais úteis, na medida em que puderam ver, em
papel e apreciado coletivamente, o resultado do seu trabalho.
É importante ressaltar também aspectos motivacionais. Quando se colocaram no papel do turista, os
participantes puderam enxergar de maneira completamente nova aquilo que os rodeava. O que parecia
trivial, visto através de um olhar descuidado, passou a ter novas características, o que se traduziu em
valorização. A calmaria, tão menosprezada pelos jovens, poderia ser vista como paradisíaca por um
viajante em busca de descanso. O silêncio, como um alívio para um turista urbano. A culinária de todo
dia representaria um sabor completamente surpreendente a um estrangeiro.
Além disso, as oficinas e discussões em grupo, além de apresentar as intenções de cada um no registro
das imagens, trouxeram à tona uma diversidade de ideias acerca de como aproveitar tais recursos.
Surgiram, entre outras, a ideia da criação de um museu comunitário; a ideia da restauração do grupo
de dança; de realizar uma caminhada ecológica. Pudemos ver que o empoderamento, proporcionado
pelo Photovoice, traz consigo também uma atitude proativa, empreendedora e inovativa. A metodologia
pode ser então um primeiro passo, dentro de uma perspectiva mais ampla, para o fomento de um
turismo comunitário ou de base local, que tenha na própria comunidade seu principal gestor, tomador
de decisão e agente beneficiado.
6. Considerações Finais
O presente estudo, através de duas situações reais vivenciadas pelos autores, cumpre com o objetivo de
analisar uma metodologia, oriunda da antropologia e aplicada ao turismo, de levantamento de recursos
a partir de uma percepção endógena do meio. Esse processo ocorreu de início com a aplicação no distrito
de Galos/RN, ainda com um olhar voltado para a comunicação social em uma localidade essencialmente
turística, posteriormente aplicado no distrito de Acauã/RN através de práticas similares e com foco
prioritário no levantamento dos recursos turísticos de uma região ainda com pouca representatividade
no setor.
A experiência aponta a técnica do Photovoice como um instrumento de levantamento dos atrativos
turísticos sinérgico à valorização da cultura local, consoante com a busca atual por um desenvolvimento dito
como sustentável. Avanço que se distingue na validação e inovação do diagnóstico para desenvolvimento
do turismo de base local em uma dada localidade, além de salientar a permeabilidade que a atividade
turística possui, efetivando‑se
como um campo teórico e empírico transdisciplinar.
O presente estudo, por possuir um carácter exploratório com notas descritivas, carece de outros
estudos similares que deem continuidade à aplicação desenvolvida. Para além de experiências similares
em outras localidades, o próprio monitoramento e investigação dos desdobramentos dos projetos nas
localidades aqui apresentadas também se mostra como pertinentes, pois a adaptação da metodologia
ao estudo do fenômeno turístico é algo ainda incipiente. O Photovoice se coloca então, de maneira
participativa, como um possível primeiro impulso para o estabelecimento do turismo comunitário.
Contudo mostra limitações, pois não oferece perspectivas claras de trabalho dos recursos identificados,
nem prevê medidas para a formatação de produtos diferenciados e sua inserção no mercado turístico.
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Notas
1 A metodologia, em um primeiro momento, foi chamada de Photonovella. Contudo o mesmo termo é comumente utilizado
para designar o processo de narração de estórias, ensino de línguas ou alfabetização através do uso de imagem ou fotografia.
Diante da grande diferença, o método de fotografia participativa de Wang e Burris foi rebatizado de Photovoice.
2 Disponível em: |
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