© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Vol. 13 N.o 2. Special Issue Págs. 425-434. 2015
www .pasosonline.org
O estudo dos sistemas turísticos e a antropologia.
Madeira: um estudo de caso
Filipa Fernandes*
Universidade de Lisboa (Portugal)
Filipa Fernandes
Resumo: Este artigo visa o estudo dos sistemas turísticos e o papel activo da antropologia na construção de uma
abordagem e leitura críticas. Centrar‑se‑á
num estudo de caso insular (a ilha da Madeira) alicerçado numa etno-grafia
do sector turístico regional, em particular do lado da oferta, e com a tónica na observação nos promotores/
produtores de serviços relacionados com o produto ‘passeios a pé nas levadas’.
Palavras‑chave:
Antropologia, turismo, sistema turístico, oferta, ilha da Madeira, Portugal, passeios a pé
Study of tourism systems and anthropology. Madeira: a case study
Abstract: This article aims to study the tourism systems and the active role of anthropology in building a criti-cal
approach. It will focus on a case study developed in Madeira Island (Portugal) grounded in a ethnography of
regional tourism sector, in particular, on the supply side, focused on the observation in the promoters/producers
of services related to the product “levadas.
Keywords: Anthropology, tourism, tourism system, supply of tourism, Madeira Island, Portugal, walking/
trekking
* Doutorada em Turismo pela Universidade de Évora. Professora Auxiliar no Instituto Superior de Ciências Sociais e
Políticas da Universidade de Lisboa; E‑mail:
filipafernandes1@gmail.com
1. Introdução
Sendo complexos, dinâmicos e flexíveis, os sistemas turísticos são pautados por um jogo entre o
networking de actores diversos pertencentes tanto ao sector público como ao sector privado.
Na ilha da Madeira a oferta do turismo desenvolve‑se
por intermédio da combinação de políticas,
planos e acções visando a promoção dos vários produtos existentes no mercado, operadas por
estruturas diversificadas. A oferta reparte‑se,
por um lado, pelo sector público, que envolve as
estruturas governamentais regionais e as autarquias locais. E, por outro, pelo sector privado, que
envolve as empresas de animação turística, as unidades hoteleiras, e os intermediários (agências
de viagens e turismo).
Perfilhando as leituras de Mathieson e Wall (1982), Santana (1997) e Hall (2008), este artigo
pretende examinar as conexões existentes entre os vários actores do sistema turístico regional, apre-sentando
para tal um estudo etnográfico do sector turístico regional, em particular do lado da oferta,
focando a observação nos promotores/produtores de serviços relacionados com o produto ‘passeios a
pé nas levadas’ e na sua oferta. Evidenciar‑se‑ão
as técnicas utilizadas bem como alguns resultados
obtidos, os quais servirão para realçar o papel crítico e activo da antropologia para o entendimento
a ‘antropologização’ do turismo.
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121
426 O estudo dos sistemas turísticos e a antropologia. Madeira: um estudo de caso
2. O estudo dos sistemas turísticos e a antropologia
Como é que a antropologia poderá estudar um sistema turístico? Quais os contributos para esta
análise? O interesse da antropologia pelo turismo não é novo. De entre os vários aspectos abordados
contam‑se
o estudo dos elementos primários do turismo, ou seja, aqueles sobre os quais têm incidido
o conjunto dos trabalhos desenvolvidos. Temos então a procura de viagens (o conjunto dos factores
económicos, políticos, sociais e culturais proporcionadores das viagens); os intermediários do turismo
(fornecedores de viagens: hotéis, transportes, agentes de viagens); e as influências do destino (ligações
históricas, acessibilidade, estabilidade política e económica), as quais conduzem a um conjunto de
impactos e relações diversificadas (Burns 1999).
A multidisciplinaridade caracterizadora dos trabalhos efectivados acerca do turismo, da actividades
turística e dos seus múltiplos actores, permite uma leitura sob a lente antropológica através da qual,
para além da metodologia que a caracteriza – pesquisa etnográfica, dará contributos acerca “das relações
recíprocas inerentes a cada grupo e das diferentes estratégias de decisão dos actores” (Santana, 1997:16).
Acresce a isto o facto de o turismo ser um campo social que inclui muitas interacções, que vão mais
além do binário ‘hosts’ e ‘guests’. No interior da zona de contacto turística encontram‑se
para além de
vários grupos de turistas, guias locais, trabalhadores dos restaurantes, hotéis, lojas, e outros serviços,
vendedores ambulantes, representantes de ONG, investigadores, os residentes com ligação directa ou
indirecta à indústria turística, e ainda, outras partes interessadas como os poderes locais/regionais,
agências de viagens, etc. (Leite e Graburn, 2009:47‑48).
O conceito de indústria turística reúne um conjunto de redes sectoriais interligadas, que permitem
oferecer serviços pelos produtores/promotores, os quais incluem: os transportes, os hotéis e outras
formas de alojamento turístico e as atracções e facilidades destinadas a atrair turistas. A venda destes
serviços assume diferentes formas: directamente ao consumidor, por intermédio de agentes de viagens
ou operadores turísticos (Holloway 1994).
A articulação dos destinos e produtos implica o seu posicionamento dentro de um sistema que
reúne os actores envolvidos nestes processos de gestão (os seus papéis e competências), de marketing
dos recursos e produtos locais, e ainda, nas estratégias promocionais e acções. Neste sentido, o
sistema pode ser compreendido como “um grupo de actores ligados por relações mútuas com regras
específicas, onde a acção de cada actor influencia a dos restantes, para que os objectivos comuns
sejam definidos e alcançados de forma coordenada” (Manente e Minghetti 2006:230). Este sistema
abrange actores pertencentes ao sector público e ao sector privado, os quais assumem diferentes
responsabilidades, papéis e competências perante o destino. Se um qualquer produto do destino
concerta bens e serviços produzidos pelo mercado, juntamente com os recursos endógenos locais,
então o sector público tem aqui uma importância essencial na preservação destes bens e atracções,
já que estes são vitais para as actividades turísticas. Portanto, o sector público é, na sua actuação,
um agente de desenvolvimento, criador de condições para ultrapassar obstáculos à cooperação
e networking. O sector privado, por seu turno, contribui para a preservação do destino e seu
desenvolvimento, ou seja, é um agente de mercado, que combina a procura e a oferta e a produção
dos produtos turísticos (Mantente e Minghetti 2006).
O sistema turístico pode ser retratado como um “modelo conceptual de um processo formado por
um conjunto de elementos ordenados segundo as suas funções, localização espacial, interligados
racionalmente por princípios e regras de mercado, que mantêm por seu turno, relações de intercâmbio
com outros sistemas de diferente categoria” (Santana 1997:53). Neste sentido afigurar‑se‑á
um sistema
turístico que é interdependente, aberto, flexível e dinâmico, adaptável às condições do meio (físico,
sociocultural e económico) (Santana 1997). Este conceito aplica‑se
à interdependência de elementos
que no seu conjunto compõem os destinos turísticos (Laws 1995).
3. Metodologia
Adoptando a visão recente dos estudos sobre o turismo (Ateljevic et al 2007, Franklin 2007,
Hollinshead 2004, Phillimore e Goodson 2004a, Tribe 2004), direccionada para uma multiplicidade
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de técnicas de pesquisa e de abordagens teórico‑conceptuais,
neste artigo utiliza‑se
uma combinação
de metodologias (metodologia qualitativa e a metodologia quantitativa) permitindo deste modo uma
visão mais profunda dos factos. A conjunção de diferentes técnicas de pesquisa (Phillimore e Goodson
2004b) patente neste texto é reveladora da interdisciplinaridade que compõe os estudos do turismo. A
pesquisa empírica compreendeu, por um lado, a metodologia qualitativa, destacando‑se
as técnicas da
observação participante e as entrevistas semi‑estruturadas,
ou seja, as técnicas comummente usadas
na pesquisa qualitativa. Ambas mostraram‑se
úteis para a análise do sistema turístico regional, na
compreensão do funcionamento enquadrado na mercantilização e consumo do produto turístico em
apreço. No total foram realizadas 25 entrevistas semi‑estruturadas,
distribuídas por vários actores
sociais situados na esfera do sector público e privado, inclusos no sistema turístico madeirense. E,
por outro, a pesquisa quantitativa, materializada na aplicação de um questionário, o qual serviu
para apurar as opiniões dos agentes hoteleiros madeirenses sobre a sua percepção do turismo em
relação às levadas/passeios a pé. Assim sendo, o questionário foi aplicado entre Agosto e Novembro
de 2009 às unidades hoteleiras regionais, tentando abarcar o máximo de tipologias existentes. A
base de amostragem constituiu‑se
por 254 hotéis presentes na listagem fornecida pela Direcção
Regional de Turismo (DRT). Os resultados finais apuraram 117 questionários válidos. Os dados foram
posteriormente tratados em SPSS e serão apresentados em frequências simples.
4. Estudo de caso
“Tourism is a composite phenomenon which incorporates the diversity
of variables and relationships to be found in the tourist travel process”
Mathieson e Wall (1982:14).
O turismo é a maior indústria à escala mundial e, naturalmente é crítico para o crescimento das zonas
periféricas, rurais, alpinas e insulares, com dificuldades no desenvolvimento de indústrias alternativas.
Neste sentido, a análise do turismo de uma qualquer região terá de observar as tendências do lado da
oferta e da procura (Costa e Buhalis 2006a), visando avaliar o quadro conceptual inerente. Assim sendo,
procurarei mostrar uma visão etnográfica do sector turístico regional, em particular do lado da oferta,
tal como foi mencionado anteriormente, pondo a tónica na observação nos promotores/produtores de
serviços relacionados com o produto ‘levada e vereda’ e na oferta deste produto.
As levadas e as veredas da Ilha da Madeira são de acordo com o Plano de Ordenamento Turístico
da Região Autónoma da Madeira (POT), um produto emergente e, como tal, os turistas consumidores
deste produto não fazem parte do tradicional turismo de massas; ao invés, posicionam‑se
em novos
segmentos de turismo como o turismo de natureza, o ecoturismo, e até mesmo, o turismo de aventura
tendo a natureza como atracção turística.
4.1. Estruturas envolvidas no turismo na Região Autónoma da Madeira (RAM)
Na RAM, a oferta do turismo desenvolve‑se
por intermédio da combinação de políticas, planos e acções
visando a promoção dos vários produtos existentes no mercado, operadas por estruturas diversificadas.
No caso em análise, a oferta desdobra‑se,
por um lado, pelo sector público, que envolve as estruturas
governamentais regionais, desde a Secretaria Regional do Turismo e Transportes (SRTT), a Secretaria
Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais (SRARN) e as autarquias locais. E, por outro, pelo sector
privado, que envolve as empresas de animação turística, as unidades hoteleiras, e os intermediários
(agências de viagens e turismo), como revela a figura seguinte. Para o presente artigo analisar‑se‑ão
apenas as unidades hoteleiras e as empresas de animação turística e a sua oferta concernente ao produto
turístico em análise.
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Figura 1 ‑
Estruturas envolvidas na organização do produto ‘levadas e veredas’/passeios a pé
Fonte: Fernandes (2013)
4.1.1. As unidades hoteleiras
As unidades hoteleiras regionais fazem parte da indústria turística local, sendo igualmente produtoras
de serviços, nomeadamente as actividades desportivas e de animação, entre outras.
Na figura 02 estão retratadas as unidades hoteleiras distribuídas por categoria, contabilizadas no
questionário. Grande parte das respostas (74,4%) é proveniente dos hotéis de 4 estrelas (42), hotéis de
5 estrelas (14), estalagens (12), hotéis de 3 estrelas (10), e pensões (9).
Concernente aos serviços de lazer prestados pelas unidades hoteleiras em análise, 73,5% hotéis
possuem piscina, 58,1% tem spa/ginásio/sauna, 87,2% possui/disponibiliza o acesso à internet, e ainda,
(25,6% possui facilidades externas, como por exemplo, excursões, rent‑a‑car,
autocarro, etc. Mas, para
além destes serviços de lazer disponíveis, há um conjunto de iniciativas ou actividades de animação
patentes nas unidades hoteleiras, a saber, o entretenimento (17,1%), excursões (5,1%), jogos (2,6%), entre
outros. Curiosamente, e ainda, a propósito das iniciativas ou actividades de lazer/animação organizados
para o cliente, 10,3% hotéis situa as levadas/ passeios a pé entre estas actividades.
Sabendo que os passeios a pé constituem uma das actividades desenvolvidas por algumas unidades
hoteleiras e surgindo a necessidade de saber algumas informações relativamente à sua organização, foi
integrado no questionário um conjunto de questões acerca deste assunto. Assim sendo, e no que diz respeito
à organização dos passeios a pé na Ilha da Madeira, apenas 24,8% unidades hoteleiras responderam
afirmativamente. Destes, 9,4% são hoteis de 4 estrelas, 5,1% são de 5 estrelas, 2,6% são estalagens e,
ainda, 2,6% pertencem à categoria hotel ‑
apartamento. É de realçar ainda a este propósito que nenhum
estabelecimento do Turismo em Espaço Rural contemplado nesta amostra organiza passeios a pé.
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Figura 2 ‑
Dsitribuição das unidades hoteleiras regionais por categoria
Fonte: elaboração própria.
Relativamente à frequência dos passeios a pé nas levadas e nas veredas organizados pelas unidades
hoteleiras regionais, verifica‑se
que 9,40% dos passeios ocorrem entre 1 a 3 vezes por semana, e 11,97%
ocorre mais de 4 vezes semanais.
O contacto com a natureza (4,3%), a condição física/idade do cliente (2,6%), a proximidade (1,7%) e
a curta duração dos mesmos (2,6%) estão entre os critérios mais indicados na escolha destes passeios.
Entre os percursos mais escolhidos quando organizados os passeios a pé nas levadas e veredas
constam: Levada do Rabaçal e das 25 fontes (13,7%), Levada do Caldeirão Verde (7,7%), Vereda Pico
Areeiro/Pico Ruivo (7,7%), Levada Ribeiro Frio/Portela (7,7%), a Vereda da Ponta de São Lourenço
(4,3%), e a Levada Maroços/Caniçal (2,6%).
Vimos acima que 24,8% das unidades hoteleiras afirmaram organizar passeios a pé nas levadas
e veredas. Deste modo impera a necessidade de perceber como é que os mesmos são organizados. Os
resultados do questionário revelam que na classificação dos passeios a pé, 53% dos respondentes afirmaram
que esta é uma actividade efectuada de forma autónoma. Por outro lado, 75,2% responderam ainda
que esta também é uma actividade efectuada num quadro de prestação de serviços/passeio organizado.
Em suma, e como expresso na tabela seguinte, 32,5% dos inquiridos consideram estes passeios como
sendo uma actividade efectuada de forma autónoma e ainda, uma actividade efectuada num quadro de
prestação de serviços. Deste modo, evidenciam‑se
aqui um conjunto de relações entre diversos elementos
do sistema turístico expressas nos valores obtidos os quais se materializam no quotidiano aquando da
aquisição dos passeios a pé por parte dos turistas,
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430 O estudo dos sistemas turísticos e a antropologia. Madeira: um estudo de caso
Tabela 1 ‑
Classificação dos passeios a pé nas levadas e/ou veredas
Actividade efectuada num quadro de prestação de serviços/
passeio organizado Total
Actividade
efectuada
de forma
autónoma
NS/NR Sim Não
NS/NR
N 5 0 0 5
% 4,3% 0% 0% 4,3%
Sim
N 2 38 22 62
% 1,7% 32,5% 18,8% 53,0%
Não
N 0 50 0 50
% 0% 42,7% 0% 42,7%
Total
N 7 88 22 117
% 6,0% 75,2% 18,8% 100,0%
Fonte: elaboração própria.
Ainda a propósito da organização dos passeios a pé, 77,8% dos inquiridos afirmaram que são as agências
de viagens quem o realiza, enquanto 30,8% referiram que esta tarefa cabe exclusivamente às empresas
de animação turística. De destacar ainda que 22,2% dos inquiridos afirmaram que a organização dos
passeios a pé nas levadas e veredas é uma tarefa realizada quer pelas agências de viagens quer pelas
empresas de animação turística.
Tabela 2 ‑
Organização dos passeios a pé
Empresas de animação turística
Total
NS/NR Sim Não
Agências de
viagens
NS/NR
N 13 0 0 13
% 11,1% 0% 0% 11,1%
Sim
N 1 26 64 91
% 0,9% 22,2% 54,7% 77,8%
Não
N 0 10 3 13
% 0% 8,5% 2,6% 11,1%
Total
N 14 36 67 117
% 12,0% 30,8% 57,3% 100,0%
Fonte: elaboração própria.
As brochuras/panfletos dos operadores turísticos, das agências de viagens e das empresas de
animação turística constituem ferramentas de marketing de extrema importância, decisivas na
compra, sendo ainda um dos principais meios de informação sobre o produto. Neste sentido, inquiriu‑se
acerca do tipo de informação disponível sobre os passeios nas levadas e veredas usada para captar os
clientes das unidades hoteleiras. A tabela seguinte (nº03) revela que 85,5% dos inquiridos declararam
utilizar as brochuras e panfletos, enquanto apenas 23,9% utilizam a internet. Apenas 18,8% utilizam
publicações próprias.
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Tabela 03 ‑
Tipo de informação sobre as levadas e veredas
utilizadas na captação de clientes
Tipo de informação utiliza para captar os clientes %
Brochuras e panfletos 85,5%
Internet 23,9%
Publicações próprias 18,8%
Outros 20,5%
Fonte: elaboração própria.
4.1.2. As empresas de animação turística
Existe na Ilha da Madeira um conjunto de empresas de animação turística, especializadas na orga-nização
de actividades lúdicas, culturais, desportivas ou de lazer, em vários espaços, nomeadamente,
em ambiente citadino, no mar, na serra e no ar, e ainda, no aluguer de equipamento apropriado para
estas actividades. As actividades organizadas são diversas como por exemplo, os passeios a pé, BTT,
mergulho, passeios de barco, canyoning, pesca desportiva, parasailing, surf, windsurf, observação de
aves, etc. Neste conjunto foram assinaladas empresas versadas quase exclusivamente nos passeios a pé.
Do website de uma das empresas consultadas regista‑se
o seguinte:
“A Nature Meetings foi a primeira empresa na Madeira a proporcionar actividades de ‘passeios pela ilha’.
Criámos experiências de caminhadas excepcionais para indivíduos bem como para grupos, de todos os
graus de experiência. Somos uma empresa de ‘passeios em levada’ fundada em Junho de 2000” (http://www.
walkingmadeira.com/pt/node/383, 16 de Junho de 2010).
A maioria das empresas apresenta duas opções diárias (passeios de meio‑dia
e de dia inteiro),
representando assim uma oferta variada, adequada às necessidades dos turistas. Verifica‑se
igualmente
alguma semelhança nos programas apresentados (ver tabela nº 4) havendo poucas diferenças entre as
empresas contactadas.
Tabela 4 ‑
Oferta dos percursos pedestres por empresa de animação turística1
2ªF 3ªF 4ªF 5ªF 6ªF Sábado Domingo
MBS
Ponta
de São
Lourenço
Rabaçal: 25
fontes
Em
terras da
Boaventura
Pico Areeiro Caldeirão
Verde
Lombo do
Mouro/
Encumeada
Calvário/
Cabo Girão
ME a)
1. Rabaçal
2. Prazeres/
Lombo dos
marinheiros
1. Ribeiro
Frio/Portela
2. Pico
Areeiro/
Achada do
Teixeira
1. Lagos
2. Rabaçal:
25 fontes
3. Cabo
Girão/
Quinta
Grande
1. Caldeirão
Verde
2. Vales São
Jorge
1. Pico
Areeiro/
Achada do
Teixeira
2. Ponta
de São
Lourenço
3. Boca
Corrida/
Encumeada
Referta/
Castelejo
NM
1. Levada
dos Maroços
2. Levada
do Caniçal
1. Vale
Paraíso
2. Rabaçal
Ribeiro
Frio/Portela
1. Levada
do Castelejo
2. Caldeirão
Verde
Rabaçal: 25
fontes
1. Pico
Areeiro/Pico
Ruivo
2. Levada
do Norte
Levada do
Castelejo
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432 O estudo dos sistemas turísticos e a antropologia. Madeira: um estudo de caso
2ªF 3ªF 4ªF 5ªF 6ªF Sábado Domingo
Ad.K Referta Caldeirão
verde ‑
Pico Areeiro Rabaçal: 25
fontes
Levada do
Rei _
TA
1. Camacha/
Santo
2. Levada
Nova Ponta
do Sol
1. Rabaçal:
25 fontes
2. Penha d’
Águia
1. Ribeiro
Frio /
Portela
2. Pico
Areeiro /
Pico Ruivo
1. Caldeirão
Verde
2. Palheiro
Ferreiro /
Monte
1. Pico
Areeiro/Pico
Ruivo
2. Parque
Ecológico
Funchal
1. Rabaçal:
25 fontes
2. Rabaças
1.Machico/
Boca do
Risco/Porto
da Cruz
2. Ribeiro
Frio/Portela
BN b)
KK
Ponta
de São
Lourenço
Ribeiro Frio
/ Portela
Caldeirão
Verde
1. Pico do
Areeiro /
Achada do
Teixeira
2. Rabaçal:
25 Fontes
Caldeirão
Verde ‑
‑
Fonte: elaboração própria.
a) Na época alta, realizam alguns passeios à segunda‑feira
apenas para alguns clientes ou consoante
pedidos específicos. Integrei um deles ao Fonte do Bispo/Galhano/Ribeira da Janela.
b) Efectuam programas específicos de meio‑dia
(Vereda da Ponta de São Lourenço, Vereda dos
Balcões) e de dia inteiro (Achada do Teixeira/Pico Ruivo/Achada do Teixeira, Encumeada/Lombo
Mouro/Folhadal/Encumeada) por marcação.
Relativo a esta matéria o responsável de uma das empresas referiu: “Rabaçal, Pico do Areeiro, Ribeiro
Frio e pouco mais. Nós lançamos aqui algumas dessas levadas, claro que os outros todos começaram a
fazer o mesmo, inclusivamente até lhe posso dizer que nós começamos a fazer o Rabaçal ao sábado, e o
que é que aconteceu? Começamos a ter muita gente, e começaram a aparecer outras empresas a quererem
fazer o mesmo serviço que nós, a única forma de eles conseguirem fazer o mesmo serviço que nós era
colocar ali no nosso dia, quando eles telefonavam para nós e nós tínhamos muita gente, mandavam para
eles, então toda a gente manteve o sábado depois, mas fomos nós que começamos a fazer isto ao sábado.
Portanto na nossa altura, a gente ia ao Rabaçal quando começamos havia umas 50 ou 100 pessoas, se
for lá agora, estão umas 5000” (TA, Funchal, 05 de Junho de 2009). Por outro lado, a oferta excessiva
de alguns percursos como o Rabaçal conduz ao excesso de procura, ultrapassando a capacidade de carga
do local. Por este motivo, uma das empresas aposta noutro dia da semana que não o habitual de forma
a evitá‑lo.
Outra evidência é que a maioria dos percursos oferecidos são Percursos Recomendados (PR)
pelo Governo Regional.
Os operadores turísticos têm de um papel distinto no sistema turístico. Compram elementos diferen-ciados
ao nível do transporte, alojamento e outros serviços, combinando‑os
seguidamente num pacote que
pode ser vendido directa ou indirectamente aos consumidores (Holloway 1994). Integrando a cadeia de
distribuição dos serviços turísticos, vendem produtos para a indústria turística (Page 2009). No caso em
análise, o produto passeios a pé nas levadas e veredas é vendido por um conjunto de operadores turísticos
nacionais e internacionais. As agências de viagens assistem o cliente na aquisição dos programas de
passeios a pé na região, principalmente organizados pelas empresas de animação turística.
Registando esta informação, e sabendo que a oferta em torno deste produto não se esgotava nas
empresas anteriormente indicadas, procuraram‑se
mais informações com o propósito de se perceber
quais as agências de viagens e operadores turísticos que vendiam as levadas e veredas. Averiguou‑se
a
existência de ‘programas’ semelhantes aos oferecidos por algumas empresas de animação turística. A
fundamentação reside no facto de algumas empresas de animação turística venderem os seus programas
através de intermediários, como sejam os operadores e as agências de viagem, conforme descrito no
depoimento seguinte: “nós vendemos maioritariamente através de intermediários, digamos que 90% das
vendas que nós fazemos, são feitas através de intermediários, portanto, agentes de viagens ou operadores
turísticos, com quem nós trabalhamos. [Os] hotéis também, portarias [Recepções], mas maioritariamente
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operadores turísticos. Hotéis também trabalhamos, claro. Nós trabalhamos com toda a gente, mas o
grosso do negócio é de operadores turísticos, e isto tem que ser programado com muita antecedência”
(TA, Funchal, 05 de Junho de 2009).
Para completar a análise em curso efectivou‑se
uma análise na internet com o objectivo de aferir
a existência de pacotes turísticos/experiências que tivessem como objecto de interesse os passeios nas
levadas. Os resultados revelam alguma variedade de experiências/pacotes turísticos disponíveis no
mercado regional, nacional, internacional. Em primeiro lugar verifica‑se
uma repetição dos percursos
‘mais turísticos’ pela maioria dos OT/AV. Outro aspecto a realçar compreende os pacotes turísticos de 5
a 8 dias, os quais incluem um conjunto de percursos pedestres, alguns dos quais fora do circuito regional
dos percursos recomendados. Esta oferta tem sido criticada no seio do sistema turístico por alguns
actores associados a empresas de animação turística, pelo facto de os programas serem organizados
exteriormente com recurso a guias de montanha estrangeiros, que por vezes desconhecem o estado actual
do terreno, causando algum descontentamento, e realçando‑se
o problema relativo à segurança. Noutros
casos, os programas são organizados no país de origem mas com recurso a guias de montanha locais.
O conceito de ‘walking holidays’ está presente nalguns pacotes turísticos como por exemplo, os
apresentados por Sherpa Walking Holidays, Rotas do Vento, Exodus, Intertours, Adventure Company,
Headwater, High Point Holidays e EuroHike. Uma análise aos itinerários revela que apenas o EuroHike
contempla um percurso pedestre na costa sudoeste da Madeira, os restantes limitam os percursos
pedestres à zona centro‑este
da ilha. Uma vez mais e à semelhança do que acontece relativamente
à oferta de experiências nas levadas pelas empresas de animação turística, os percursos pedestres
repetem‑se.
A maioria concentra‑se
dentro do circuito regional de percursos recomendados.
5. Reflexões finais
O sistema turístico regional foi etnografado permitindo, deste modo, analisar a oferta turística. Foram
examinadas as estruturas envolvidas no turismo na RAM, em concreto o sector privado.
Desde finais da década de 2000 que os passeios a pé nas levadas/veredas têm vindo a constituir‑se
como um produto, o que veio reforçar a atractividade do destino. Exemplo disso é o número de empresas
que incluem nos seus programas a venda do produto bem como o aumento do número de percursos
recomendados oficiais. Acresce a isto o facto de grande parte das unidades hoteleiras regionais recorrerem
a estes serviços para complementar a oferta existente, evidenciando‑se
deste modo as redes de relações
existentes no sistema turístico regional. No lado da procura regista‑se
um aumento do número de
consumidores deste produto (Fernandes, 2013).
A obtenção dos resultados permite reforçar o papel crítico e activo da antropologia para o entendimento
a ‘antropologização’ do turismo. A pesquisa etnográfica encetada permitiu identificar um conjunto de
relações que afectam os vários agentes do sistema com implicação directa ou indirecta nas estratégias
de decisão dos turistas.
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Notas
1 Apenas figuram nesta tabela os dados referentes às empresas de animação turística contactadas no
decurso do trabalho de campo e que responderam à solicitação da autora.
Recibido: 02/06/2014
Reenviado: 23/10/2014
Aceptado: 04/11/2014
Sometido a evaluación por pares anónimos