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© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121 Vol. 13 N.o 2. Special Issue Págs. 359-373. 2015 www .pasosonline.org Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização de grupos tradicionais. O caso dos Maracatu de Pernambuco, Brasil Carla Borba* UFPE(Brasil) Margarita Barretto* Universidad Federal de Santa Catarina (Brasil) Carla Borba, Margarita Barretto Resumo: O presente artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo analisar as políticas públicas de cultura e turismo em relação aos produtores de cultura, buscando entender os efeitos das primeiras nos grupos tradicionais, focando no caso dos maracatus de Pernambuco. Tratou‑se de uma pesquisa etnográfica e documental, com entrevistas aos líderes dos maracatus, agentes culturais e agentes turísticos, assim como análise dos documentos referentes às políticas públicas do estado. Foi possível constatar o direcionamento das políticas públicas para a valorização dos maracatus como produtos culturais e o rebatimento desta ação na revalorização dos maracatus como elementos da cultura local, assim como no empoderamento dos líderes, permitindo sua par-ticipação ativa e criadora dentro dos mecanimos do mercado, com a consequente valorização econômica. A pesquisa limita‑se aos grupos pernambucanos poranto os resultados não podem ser generalizados; no entanto acenam com a possibilidade de que este processo possa ser encontrado em referência a outros grupos tradicionais no Brasil, onde este tipo de estudo não tem antecedentes. Palavras‑chave: turismo cultural, políticas públicas, folguedos, maracatus, Pernambuco‑ Brasil Public policies for culture and tourism and its influence in the professionalization of traditional performers. Case study with Maracatus at Pernambuco, Brazil Abstract: The article is an outcome of a field research aiming to analyze public policies in tourism and culture and its influence in cultural agents, focussing in traditional performers, in particular Maracatus at Pernambu-co State, Brazil. It was an ethnographical and documental research, where interviews with maracatu leaders were held, as well as with cultural brokers and travel agents; also public policies documents were analyzed. It was possible to confirm the existence of public policies oriented to enhance the value of maracatus as cultural products and the following recognition of maracatus as valuable local culture producers, the empowering of maracatu leaders, and their insertion in market economy. The research is limited to performers in Pernam-buco, so no generalizations are meant, even it is possible to hypothesize that similar processes are taking place with other tradicional performers in Brazil, where this research has not been made before. Keywords: cultural tourism, public policies, traditional performances, maracatus, Pernambuco‑Brazil * Doctora en Antropologia por la UFPE. Pofesora de turismo. Centro de Ciencias Sociales Aplicadas UFPE; E‑mail: carla‑borba@ uol.com.br ** Doctora en Educación por la UNICAMP. Profesora de Turismo. Centro de Ciencias Sociales Aplicadas. FURB; E‑mail: barretto.margarita@gmail.com PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 360 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização 1. O turismo cultural na contemporaneidade O turismo contemporâneo tem frequentemente buscado como seu principal apelo a distinção do destino mediante atrativos culturais retomando, nas últimas décads do século XX, sob outras formas, a relação entre cultura e turismo que remonta ao século XVII. Desde a década de 1950, o mercado turístico cresceu de forma acelerada, principalmente associado a oferta de sol e praia; os números do turismo em todo o mundo atingiram cifras de grande relevância, tanto no aspecto econômico quanto no de movimento de pessoas, e a partir da década de 1980 o segmento do turismo cultural ressurge como possível alternativa de promover experiências turísticas, entre outras coisas ‑mas não exclusivamente‑ pela forte discussão acadêmica sobre os impactos negativos do turismo massivo, aliado a um certo desgaste da oferta anterior. Assim, a busca de um turismo mais brando, reaviva o interesse do mercado por questões como história, tradições, museus, patrimônio, entre outros1. O final do século XX marca a busca por um turista mais seletivo, que procura experiências e produtos segmentados, personalizados. Ademais, este momento é marcado por preocupações socioambientais, de caráter global, baseados no conceito de sustentabilidade (Santana, 2009). Sob essa ótica, o conceito do turismo cultural teria como principal premissa a minimização de efeitos negativos nos núcleos receptores e uma demanda mais sensível a conhecer e respeitar modos de vida distintos, além de poder ser oferecida durante todo o ano, reduzindo a sazonalidade, verdadeiro problema nos destinos de sol e mar. Simultaneamente, a partir da década de 1980, há um crescimento do setor cultural nunca visto antes, sendo o turismo um aliado promissor de desenvolvimento econômico do mesmo. O cultural registra entre 1980 e 1998 um crescimento quatro vezes acima do da maioria dos setores econômicos2 (Tolila, 2007:35). Começa a configurar‑se um padrão mercadológico favorável para os dois setores, o que aumenta o interesse da cultura em se apropriar do turismo e vice‑versa. Para o turismo, capitalizar a cultura significa oferecer ao turista uma opção diferenciada, uma vez que no contexto da globalização a cultura passa a ser um elemento que singulariza os lugares. Como afirma Craik (1997:113): “A cultura do turismo vem sendo modificada em resposta a mudanças ocorridas na área da cultura. Isto inclui interesses de comercialização da cultura e de produtos culturais, os investimentos recentes na indústria cultural, os investimentos governamentais em capitalizar a cultura, o aumento do consumo cultural das pessoas e oportunidades e aumento da produção cultural”. Sendo assim, sustentar a cultura através do turismo passa a ser uma prática que tem na Europa uma série de casos emblemáticos, principalmente no que se refere ao patrimônio material. Como exemplo, as visitações a castelos na Inglaterra, que viabilizam economicamente a permanência das famílias proprietárias sustentando parte dos custos com as taxas pagas pelos turístas (Barretto, 2007). O turismo vem sendo, a partir de então, além de uma alternativa econômica, uma instância que valoriza o legado propiciando a revitalização e renovação do interesse dos próprios residentes sobre seu patrimônio. Ao mesmo tempo, o consumo cultural de produtos e serviços introduz um novo modelo de gestão, no qual os equipamentos culturais, como por exemplo os museus, são geridos como unidades de negócio, com técnicas e estratégias de gestão de visitantes, metas preestabelecidas, controle de visitantes, vendas de reproduções (Icom, 2004; Borghi, Mariotti y Safarzadeh, 2011) Do ponto de vista do mercado, esse cenário favorece a proliferação de pacotes turísticos com toques de “cultura”, que selam a imagem de destinos através de ícones culturais distintivos. Apesar da lógica menos massiva na qual o conceito do turismo cultural de início foi projetado, na atualidade aquele desenvolvido principalmente dentro das grandes áreas urbanas das capitais em todo o mundo, faz parte dos circuitos de massa e é oferecido sob a ótica do mercado em grande escala. Como afirma Santana (1998:40), “grande parte do patrimônio turístico corresponde à imagem pré‑configurada dos consumidores, construída através dos estereótipos que lhes são oferecidos desde o destino e bem induzidos pelos meios de comunicação de massa”. O que se tem não é uma demanda e uma oferta diferenciada, mas um produto cultural sendo consumido da mesma forma que o turismo de massa, isto é, com alto grau de superficialidade, mais que nada confirmando idéias preconcebidas. Ao longo dos anos diversas definições de turismo cultural foram elaboradas. Smith (1989:4‑5) define como turismo cultural a experiência de visitação a locais pitorescos, com vestígios da vida antiga, de cultura colonial, diferenciando‑o do turismo histórico e étnico. No Brasil o Ministério do Turismo tem por definição de turismo cultural “Atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 361 significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura” (MTUR, 2005:13). Essa definição alerta para a possibilidade de segmentações que compõem o todo do conceito de turismo cultural3 deslocamentos motivados por religião, visitas místicas e esotéricas, visita a grupos étnicos, atrativos cívicos e gastronomia, além da tradicional visita ao patrimônio histórico e aos folguedos populares, festas locais e regionais, bem como todo tipo de manifestação da cultura. Craik (1997:121) compreende turismo cultural como visitas personalizadas em contextos culturais particulares com o objetivo de aprender sobre pessoas, estilos de vida, legado e artes, de modo que as informações representem de forma genuína os contextos históricos e culturais. Ryan (2002:953) entende o turismo cultural como uma convergência de comercialização, reestruturação da produção cultural, investimento do governo na cultura, mais treinamento na produção e aumento do consumo cultural pelas pessoas. Para McKercher (2002:30), o turista cultural é “aquele que visita atrações culturais, galerias de artes, museus, sítios históricos, apresentações, festivais, ou participa de uma ampla gama de atividades a qualquer momento durante sua viagem, independentemente da principal razão da viagem”. Do ponto de vista do mercado, conhecer o turista cultural significa diversificar a oferta de acordo com o nível de profundidade cultural que o consumidor deseja ao buscar determinado destino. McKercher (2002) classificou os turistas culturais em cinco tipos a partir das diferentes experiências e interesses na cultura: turista cultural por intenção, turista cultural a passeio, turista cultural casual, turista cultural por acidente e turista cultural espontâneo.4 Santana (2009:129) divide o turista cultural em dois tipos. O primeiro, que representa a minoria, é aquele que realmente consome um turismo numa escala micro, valorizando a natureza e a cultura local (classificado como turismo responsável ou alternativo). O segundo é o um consumidor decorrente dos “pacotes culturais”, que o autor denomina de cliente indireto. Ele visita ambientes culturais simplesmente porque muitos atrativos culturais já compõem o sistema turístico, por isso, esse turista, embora não seja o mais desejado, é o que mais visita o patrimônio em escala global; é aquele que se satisfaz com uma contemplação superficial dos monumentos, uma “visita express”5 e com a compra de “suvenires culturais”, além das fotos como comprovação de que “esteve lá”. Nesse sentido, o interesse do mercado, assim como do poder público em investir no turismo cultural deve‑se ao pressuposto de que o turista cultural traz mais benefícios e deixa mais renda do que o turista de massa. O chamado pós‑turista (Boissevain, 1996; Pretes, 1995) seria um cliente de gosto sofisticado, em busca de experiências novas e profundas, com uma maior quantidade de dinheiro para gastar. Para esse turista, não interessam somente os espaços que tenham o sol e a praia; também deseja conhecer a cultura e a natureza dos lugares visitados. Apesar de esse turista ser até hoje desejado e citado como “mais seleto”, vai sendo ofuscado no mercado pelos produtos de turismo de massa que incluem dois grandes “pacotes”, o meio ambiente físico (natureza) e o meio ambiente cultural (patrimônio) (Santana, 2009, p. 118) visando agradar a “maioria”, abrangendo assim aquele indivíduo que faz turismo de massa trocando apenas o cenário; em lugar de olhar para o mar, olha para um monumento, porém com a mesma superficialidade, que Ryan (2002) o identifica como um turista genérico, apenas curioso em conhecer algo que aos seus olhos parece exótico. Todo deslocamento territorial gera algum enriquecimento cultural, o que implica que todo turismo é, de alguma forma, cultural, por ser um produto do fazer humano (Barretto, 2007). Também existe uma cultura do turismo, formas culturais produzidas pela própria atividade, como é o caso do que se vê em áreas de resorts, aeroportos, hotéis, que pode ser apresentado como uma terceira cultura (Eriksen apud Lagunas 2007:18). Os contatos turista‑turista e turistas‑funcionários de um resort são considerados culturais, uma vez que há uma troca de experiências. No entanto, argumenta Lagunas que “o sentido de aquisição de cultura não pode ser assim reduzido”. As opções de entretenimento e lazer ligadas ao turismo de sol e mar, o investimento da publicidade em ambientes de resorts e cruzeiros marítimos e a lógica da viagem baseada na relação custo‑benefício oferecem ao turista a cultura em sentido estrito como algo complementar. Resumindo, em primeira análise, a versão pós‑moderna do turismo cultural passa a ser mais uma rubrica que resume um segmento com potencial de mercado e apresenta os mesmos riscos de danos ambientais e às populações, visto que os pacotes são comercializados nos mesmos moldes e através dos mesmos canais de distribuição6 do turismo de massa. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 362 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização 2. Turismo Cultural em Pernambuco No estado de Pernambuco, nordeste do Brasil, as políticas públicas de turismo seguiram um caminho similar ao do mercado, estimulando a utilização da cultura como produto turístico, havendo um caso emblemático: os grupos de maracatu. O maracatu é um folguedo popular tradicional, de origem afro‑brasileira, que cogita‑se estar relacio-nada aos Reis do Congo e que consiste em percussão e movimentos, com muito dinamismo e colorido, e, originariamente, com aspectos rituais7. Várias pesquisas foram realizadas a respeito destes grupos e suas performances, especialmente no campo da história, da sociologia e da antropologia, com foco geralmente nos aspectos rituais e em suas transformações históricas, o que não interessa explorar neste trabalho. Segundo a definição de Guerra‑Peixe (1980), existem duas categorias de maracatus encontradas em Pernambuco, o nação ou baque virado e o orquestra, baque solto ou maracatu rural.8 Cercados de uma história que envolve uma série de rejeições pela própria sociedade pernambucana, principalmente por sua origem afrorreligiosa, os maracatus entram no contexto do turismo a partir da sua valorização no cenário cultural, ocorrendo a aproximação entre maracatus e turismo muito antes de uma formalização de ações mediadas pela política pública. Tal folguedo era inicialmente apresentado no Carnaval e até a década de 1980 somente dois grupos, o Porto Rico e o Elefante apresentavam‑se ao longo do ano. Inclusive durante os carnavais os grupos eram malvistos, até vaiados, como atesta depoimento recolhido por Lima (2005:89) “Recordo de um desfile do maracatu Nação Elefante, em 1991, de que participei como batuqueiro, no qual grande parte do público presente às arquibancadas nos vaiava e pedia que nos retirássemos para que fossem iniciadas as apresentações das escolas de samba. Também me lembro do número diminuto de desfilantes dos maracatus nos anos 1980, o que contrasta com os grandiosos desfiles dos grandes maracatus‑nação existentes atualmente. [...]o público não dava tanta atenção para esta modalidade da “cultura pernambucana”. Também não percebia que nessa época já se desenhava um quadro favorável ao fortalecimento desses maracatus, ainda que de modo muito tímido”. Depois passaram a apresentar‑se em passarelas com arquibancadas, o que deu início ao processo de espetacularização e, na segunda metade da década de 1980, é perceptível uma popularização motivada por um período de efervescência cultural. Compositores e artistas conhecidos começam a utilizar imagens e ritmos dos maracatus, a poduzir clipes e realizar shows vestidos de caboclo de lança, consagrando esta figura na mídia. Caboclo de Lanza Fonte: Omin, 2011 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 363 É através de uma ação política entre governo e produtores culturais que se institucionaliza a participação e o apoio aos grupos de maracatus; há uma decisão de colocar o maracatu como símbolo de Permambuco, “Cadoca resolveu colocar o maracatu como símbolo de Pernambuco e Jonatan, do Ministério da Cultura, foi quem, junto com Cadoca, fomentou esse trabalho de Mestre Salustiano9 [...], me chamaram para fazer um encontro dos maracatus de Nazaré [...]é uma construção social” (entrevista concedida por Afonso, produtor cultural em fevereiro de 2009). Os produtores culturais que buscaram no turismo uma forma de viabilizar ações integradas para difundir de potencializar a cultura popular procuraram o poder público, que gerou recursos, embora descontinuados. “O maracatu foi estruturado num trabalho de política cultural mesmo. Houve uma articulação de nós produtores com os maracatus, em que a gente procurou o vice‑presidente, ministro, secretário de Cultura, secretário da Prefeitura do Recife,[...], todos eles geraram recursos, [...] fizeram o financiamento e no segundo momento a divulgação, que foi superimportante. Mas não houve uma continuidade, [...] num período de oito anos, mais ou menos” (entrevista concedida por Afonso, produtor cultural – fevereiro de 2009). Estabelecer exatamente o momento e as razões do entrelaçamento entre turismo e maracatus é tarefa difícil, cabendo apenas destacar algumas correlações. Quadro 1: Fatores motivadores da relação entre governo e grupos de maracatus Maracatus Governo Efervescência cultural – musical Investimentos em eventos culturais e turísticos Apresentação em palcos junto com artistas famosos Apropriação da cultura como produto turístico Valorização da mídia Escolha de um ícone cultural: caboclo de lança no material publicitário de turismo Valorização da cultura popular Início de uma venda agregada que soma cultura ao tradicional sol e mar Recebimento de cachês Pago de cachês Fonte: Borba, C., 2010 Esse investimento governamental favoreceu não somente os maracatus, mas também outras manifestações de cultura popular, como a ciranda e o coco (Vicente, 2008). A efervescência cultural tem desdobramentos que chegam às ruas através de ensaios de grupos de maracatus no Bairro do Recife, com uma forte participação de residentes locais de vários segmentos das classes média e universitária. Os maracatus começam a funcionar o ano todo não apenas pelo turismo mas também pela valorização de ritmos afro brasileiros por artistas internacionais como Paul Simon (que inclusive em 1990 viaja ao vizinho estado da Bahia para gravar com o grupo afro Olodum, projetando‑o em nível mundial)10. A partir daí, os maracatus passam a ocupar espaço além do período de Carnaval, o que possibilitou um novo olhar da elite, com foco muito mais no espetáculo do que na sua conotação afrorreligiosa. A musicalidade, o ritmo e as cores contribuíram para uma aceitação mais aberta e menos preconceituosa, passando a criar um traço identitário associado ao conceito de cultura pernambucana. No caso de Pernambuco, sempre houve interesse por parte do turismo em divulgar sua potencialidade cultural, tendo como exemplo outros investimentos públicos feitos em décadas anteriores para a inserção da ciranda, forró, entre outros ritmos, na programação dos turistas. De fato, o que muda a partir desse início de relação com os grupos de maracatus é a valorização e o espaço de mídia ocupado pelo caboclo de lança, como ícone da cultura. Há um esforço do poder público em criar uma identidade entre governo e maracatus, de forma que essa representação do Estado vai além dos turistas e é reforçada também entre os residentes. Para a cidade de Recife a ênfase no potencial cultural11 (gastronomia, museus, teatros e patrimônio histórico), foi, na época, ainda maior, uma vez que o cartão‑postal do turismo – a Praia de Boa Viagem – passou a ser alvo de imagem negativa pelo aparecimento de tubarões12. Em 1994, dentro de um projeto de revitalização do centro, a secretaria de cultura de Recife organizou o primeiro encontro de maracatu rural. Embora esse trabalho do governo tenha sido mais voltado para PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 364 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização a questão promocional, especula‑se que o interesse da classe média em aceitar os grupos de maracatus está muito atrelado ao movimento musical manguebeat13, que possibilitou a participação dos maracatus nos palcos, influenciando assim também o consumo da classe média14 (Vicente, 2005). Embora haja uma série de registros de apresentações oficiais no carnaval desde a década de 1930, a descrição de como era e para qual público ocorriam sinaliza a importância secundária que as apre-sentações populares sempre tiveram. O início da década de 1990 representou uma nova fase de convites para desfiles fora do período do Carnaval, como, por exemplo, a abertura do Recifolia,15 o que aproximou os grupos de maracatus de um público novo – apreciadores de espetáculos culturais, turistas e residentes locais que dificilmente frequentariam as apresentações nos terreiros. Inicia‑se a partir de então um movimento, apoiado pela sociedade, de valorização dos maracatus, o que envolveu a Prefeitura do Recife e outras prefeituras municipais. Está evidente nessa fase o interesse político em apoiar uma manifestação que ganhara na mídia uma grande magnitude nos últimos anos. As décadas sombrias com risco de desaparecimento são substituídas pela proliferação de grupos de maracatus, com o intuito de darem conta de todas as apresentações que apareciam. Os grupos entram na economia de mercado, passam a negociar cachês, e surge a necessidade de se organizarem para “vender o seu produto”. Os espaços de apresentação passam a ser os mais variados, incluindo shoppings, casamentos, aniver-sários, formaturas, e os cachês recebidos passam a complementar a renda das atividades tradicionais dos brincantes. Paralelamente aos movimentos culturais de valorização da “pernambucanidade”, a mídia positiva aumentava o interesse público em investir na manifestação popular como parte integrante do produto turístico oferecido. Estes investimentos, no entanto, são mínimos ao lado dos investimentos que o estado faz em infraestrutura para o turismo. Limita‑se à promoção de apresentações pagas com cachês e à confecção de material publicitário de turismo divulgando o maracatu. A década de 1990, em nível mundial, está marcada por uma valorização de produtos turísticos mais segmentados e maior interesse da demanda internacional pela cultura. Em termos de políticas públicas de turismo, Pernambuco oficializou, através de documento, a macroestratégia de turismo, cujas diretrizes apontavam para uma valorização da cultura, destacando a interiorização do turismo, a promoção de destinos longe da orla marítima. Assim, foi proposta uma série de ações de investimento cultural, principalmente com a promoção de eventos (ligados ou não ao ciclo festivo do Estado).16 O patrocínio público às manifestações de maracatu abre espaço para que mais grupos sejam formados e se apresentem como aptos para ocupar a cena artística e turística. Dessa forma, além dos grupos de maracatus artísticos, maracatus‑nação (tradicionais e outros que ressurgiram), maracatus rurais, surgem os grupos de percussão,17 que com sua similaridade buscam ocupar o mesmo espaço social. A possibilidade de gerar recursos motivou a formalização da Associação18 dos Maracatus Rurais, com o objetivo de organizar os grupos e defender os interesses de classe. A transformação das apresentações em espetáculo passa a ser um negócio rentável e os produtores culturais passam a trabalhar a fim de viabilizar os grupos para o mercado musical. Por outro lado, o governo, e o trade, estão cada vez mais firmes na intenção de oferecer um produto cultural como alternativa turística, e os grupos de maracatus configuranm‑se como a opção mais viável naquele momento. Adaptar‑se ao patrocínio do governo também significava, para os grupos, buscar o tipo de espetáculo que o setor de turismo acreditava ser o ideal para o seu público. Sendo assim, o objetivo das apresentações era valorizar as danças populares a partir do enfoque artístico, além de, conforme destacou em entrevista o líder do Maracatu Nação Pernambuco, tirar o maracatu da armadura de estar ligado só ao Carnaval e torná‑lo o um espetáculo para o ano inteiro. Para esse início de apresentação artística, o governo exerceu papel fundamental, inclusive motivando a formação de grupos de maracatus artísticos (ou seja, sem ligações religiosas), passando a ser o principal cliente de compra das apresentações para representar Pernambuco em vários estados e países. A partir daí, muitos grupos “tradicionais” passaram a adotar critérios que lhes possibilitariam ocupar o mesmo espaço, de forma que uma nova preocupação estética passa a fazer parte das apresentações. Sendo assim, o investimento em roupas, o colorido das lantejoulas assim como a adequação do tempo de apresentação e a diversificação de danças apresentadas, passaram a ser aspectos importantes para a inclusão dos grupos no mercado cultural e turístico. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 365 A intervenção do setor público e o discurso de investimento no turismo cultural são coadjuvantes com outros fatores, tais como a capacidade de articulação com artistas e instituições, a entrada no mercado da produção cultural, a gravação de CDs, a negociação de cachês. Neste momento há uma decisão política de utilizar o maracatu como símbolo da cultura no material publicitário de turismo: “A gente precisava ter um ícone da nossa cultura para fazer divulgação de nosso potencial e elegemos o maracatu [...]para resgatar um pouquinho da nossa cultura, deixar de vender o sol e mar e utilizar o elemento cultural” (entrevista de um gestor público – concedida em fevereiro de 2009). Aliar a imagem do maracatu ao turismo é uma forma de significar uma série de sentimentos fun-damentais para o turismo, tais como alegria, exotismo, tradição, natureza, encanto; o maracatu deixa de ser apenas um tema regional, para ser alvo de atenção do órgão nacional de promoção de turismo. “Um belo dia eu estou lá no terceiro Carnaval quando alguém chega e diz que a Embratur19 mandou fazer outro filme sobre o maracatu. Então um dos encontros de maracatu deu cinco, seis, sete, oito chamadas no Brasil todo em cima do maracatu rural, contando a história, como surgiu, como que era, como começou com cortador de cana” (entrevista de um gestor público – concedida em abril de 2009). Simultaneamente ao interesse do turismo pela cultura, os meios de comunicação passam a exaltar o exotismo do vestuário, aliado às cores e ao próprio ritmo, como parte da “tradição” e “memória” da cultura pernambucana. O turismo vai procurar retratar, na imagem dos maracatus, uma ligação com o passado e apresentar uma “tradição” que, num cenário de globalização, ganha força pelo aspecto da singularidade. Os grupos de percussão entram em cena com interesse de cativar espectadores a partir da musicalidade, porém são vistos como uma ameaça para os maracatus‑nação, uma vez que buscam ocupar o mesmo espaço em termos de espetáculo. Para os espectadores, não há diferença, uma vez que a toada passa a ser mais importante do que a evolução da manifestação cultural em si.20 Diante desse contexto e do interesse público de valorização da cultura através da imagem dos maracatus, toda uma rede se forma Seus membros passam a ser stakeholders dentro de um mercado com interesses diretos e indiretos na cultura e no turismo. Os stakeholders (Sautter e Leisen, 1999:316), são pessoas ou entidades membros de um grupo determinado que, por razões de interesse, frequentemente exercem determinados papéis; nesse caso são os grupos com interesses diretos nas ações culturais mediadas pela Secretaria de Turismo. Gráfico 2: Stakeholders em Pernambuco Fonte: Borba, C., 2010 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 366 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização A mediação do Estado vai repercutir diretamente nos grupos de maracatus, que entram em cena como principais protagonistas na integração turismo e cultura; os maracatus vão ter uma relação de mercado com o trade turístico em que surgem contratações feitas por hotéis, agências de receptivo, eventos, o que durante um bom tempo ocorrera com a mediação dos produtores culturais. 3. Os maracatus e o trade A relação dos maracatus com o trade turístico é semelhante à que ocorre com o governo. Sob a ótica dos empresários, cabe aos grupos de manifestações culturais criar produtos para serem oferecidos aos turistas.dentro de um padrão de mercado exigido pelos mesmos. Para o trade, atingir o padrão do turista significa oferecer um produto de qualidade, criativo, colorido, alegre, o que não necessariamente representa um produto original ou tradicional. Diante disso, nos setores envolvidos há uma tensão entre a noção do que deve ou não ser comercializado. Para os representantes do trade turístico, resulta incompreensível “essa mania que eles têm de não querer se vender. Eles acham que o ato de se comercializar é um ato de desagregação, é um ato em que você perde a originalidade. Eu acho que isso é burrice [...], está entendendo? Em todo o canto do mundo você tem que mostrar o que você tem de especial (...). Eu não acho que você, ao se mostrar, se desvirtua. Eu acho que você pode se mostrar e passar a vida toda sendo maracatu” (entrevista concedida por um gestor do trade turístico – março de 2009). Na relação com os hotéis a prática de apresentações culturais programadas vai ocorrer de forma semanal em resorts do litoral e nos hotéis da capital em função de eventos e congressos. Isso se dá principalmente com grupos artísticos que apresentam vários ritmos, de modo que possa ocorrer um “passeio” por todos os ritmos locais. No caso das agências de viagens receptivas, apesar de haver interesse em oferecer produtos turístico‑culturais, isto é, espetáculos e visitas culturais, há uma preocupação em oferecer produtos que possam ser consumidos pelos clientes dentro de uma relação custo‑benefício. Dessa forma, o padrão da excursão para o maior número de pessoas prevalece, o que faz com que os pacotes oferecidos recebam uma padronização que resume a visita a um olhar panorâmico da janela do ônibus ou de forma bastante rápida, com tempo de parada para a fotografia. Um percentual pequeno e mais autônomo vai fugir desse padrão e procurar o “mercado paralelo” em busca de opções menos “turísticas”, para ter contato com a cultura em meio aos seus moradores. É dessa forma que alguns chegarão aos terreiros para ensaios de maracatus, visitarão museus, conhecerão centros culturais, não motivados pelos produtos turísticos oficialmente oferecidos nas agências ou mesmo pelo Estado. O que mercado turístico conhece dos maracatus é algo muito pontual dentro dos espaços do turismo. No entanto, os maracatus criam e recriam suas práticas diariamente, independentemente do viés turístico. Nos terreiros, estudantes e pesquisadores estrangeiros iniciam um relacionamento direto com os líderes de maracatus, após o qual eles participam e vivenciam o cotidiano do grupo. “Eu tenho um pessoal da Alemanha que traz o povo deles para aqui. Tem Scott, que é americano e todo ano vem com 30 pessoas, e a gente faz turismo aqui, não é? Eu faço almoço, faço a janta, só não fazem dormir, porque eu não tenho espaço para dormir, mas a comida dá para eu me virar e fazer” (entrevista concedida com líder de maracatu – março 2009). Essa prática ocorre de forma independente (contato turista‑líder maracatu) e se constitui fora do roteiro turístico‑cultural que pode ser encontrado nas agências de turismo receptivas. Por outro lado, este trade vislumbra certos aspectos do turismo cultural. Por exemplo, reclama da inexistência de uma casa de espetáculos para o turista conhecer as danças típicas tal qual as casas de tango na cidade de Buenos Aires (Argentina).21 As grandes críticas feitas pelos próprios líderes de maracatus sobre a diferença entre um maracatu autêntico e artístico não são levadas em consideração no momento de contratação. Diante de tantos grupos de origem tradicional ou artísticos, importa para a apresentação turística saber sua real origem? PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 367 Qual diferença faz para o turista? Qual o significado da dança naquele momento para os brincantes? Para o contratante, o que ele pretende motivar com essas apresentações? O discurso do trade em torno da valorização do turismo cultural como produto diferenciado no Estado é bem disseminado entre todos os segmentos – restaurantes, agências, hotéis –, embora limitado à visão comercial em torno da cultura. 4. Os maracatus e os órgãos oficiais de cultura e turismo No caso específico dos maracatus, há uma relação consolidada entre Estado (leia‑se órgão de turismo e órgão de cultura). A Setur‑PE (Secretaria de Turismo de Pernambuco) solicita os grupos quando necessita das apresentações e a Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco) faz o agendamento de grupos culturais de forma a atender aos interesses de ambos. São solicitadas apresentações em serviços receptivos turísticos (aeroportos e porto), ou em eventos de outra natureza, mediante pagamento de cachês. Além de solicitar a apresentação das manifestações culturais à Fundarpe, a Setur‑PE pode agir de forma autônoma se houver necessidade “extra” e patrocinar apresentações. De uma forma ou de outra, a relação com os artistas é praticamente nula, resumida a um contato informal, muitas vezes pelo telefone, em que, sem mais. se agenda a data da apresentação e a forma de pagamento. Apesar de o discurso valorizar a cultura, o que se compreende como tal é a cultura do ponto de vista do que interessa ao turismo. “Oferecer o que tem de melhor, a arte, a música, as danças e a gastronomia”, discurso frequente no turismo que significa operacionalizar a cultura para o seu consumo. Ao mesmo tempo que o olhar do turismo se direciona a alguns elementos da cultura, a Fundarpe vem construindo nos últimos anos uma política pública estadual, com ampla participação de produtores, artistas e interessados na cultura, e o turismo surge como um dos meios de viabilizar a mesma, embora não o único. Os líderes de maracatus, interessados em participar nas duas secretarias (Fundarpe e Setur), possuem duas alternativas para oferecerem os seus “serviços”. De início a relação com o governo se dava através dos produtores culturais, que tiveram um papel importante na organização e formalização de muitos grupos. No entanto, alguns líderes passaram a atuar de forma autônoma, principalmente com relação aos contratos com o governo, o que passou a dificultar a aprovação de projetos22. No atual contexto, a cultura e o turismo assumem discursos distintos, e os principais interessados nesta relação – os líderes dos maracatus – são hoje em dia verdadeiros negociantes do seu produto. Diante de um governo que valoriza o popular, a Fundarpe vai assumir, por opção e ideário político, um papel de indutor e principal responsável pelo desenvolvimento da cultura: “O poder público do Estado de Pernambuco pela primeira vez começou a dizer que é papel, sim, do poder público garantir uma política pública cultural. [...] garantir igualdade de oportunidade de disputas através de editais, [...] prioridades para alguns segmentos excluídos, ela tem que contribuir para que o modelo de desenvolvimento seja um modelo de desenvolvimento sustentável, porque ele é poder público, ele é mediador das relações sociais[...]” (entrevista de um gestor público – concedida em maio de 2009). O processo não é isento de tensões. A preocupação do setor de turismo em não apresentar algo pouco produzido ou de má qualidade em nome da cultura é muitas vezes alvo de crítica, o que é interpretado na área cultural como desejo ‑por parte do primeiro‑ de “maquiagem” do real. 5. Considerações Finais Apesar de acreditar que a cultura é o diferencial, “é o plus que Pernambuco tem para promover como um grande destino turístico no Brasil”,23 a relação do turismo com os grupos de maracatus reduz‑se às fotos impressas, à imagem do caboclo de lança, providenciadas via agência de publicidade. As atividades estampadas nas fotos no desembarque do aeroporto, na chegada do turista, somente serão acessíveis durante sua permanência na cidade caso haja alguma apresentação programada ou se o turista ficar hospedado em algum resort que tenha uma programação autônoma de apresentações culturais. Apesar de os maracatus terem ensaios em suas sedes e até mesmo alguns ensaios abertos promovidos em espaços como Mercado Eufrásio Barbosa24 (Olinda) e Rua da Moeda (Recife), este circuito PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 368 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização não faz parte do que é oferecido aos clientes pelas agências. Percebe‑se que, embora se deseje fortalecer o turismo cultural, faltam ações práticas para viabilizar a consolidação deste segmento. Pelas agências de turismo, principais distribuidores do sistema turístico local e que, como regra, trabalham dentro de um modelo massivo, dificilmente esse turista chegará a algum desses dois pontos. Embora o governo pareça satisfazer anseios do trade (que cobra um espaço/local para apresentação das manifestações populares) e dos grupos de maracatus que buscam apresentações como meio de sustento, os turistas, pressumidamente os principais interessados em ter acesso às apresentações culturais, precisam se satisfazer com pequenas exibições enquanto pegam a bagagem na sala de embarque25 ou em coincidir sua estada com um período de festividade específica em que apresentações de maracatus tenham sido predeterminadas pelas áreas de turismo e cultura. A política de cachês limita as possibilidades de apresentação para turistas, ao mesmo tempo que traz para as secretarias a ilusão de promover o turismo cultural através das mesmas. Está claro o interesse da iniciativa privada em gerar negócio, mas não parece transparente ainda o fundamento das ações pontuais da iniciativa pública. O pagamento dos cachês não evoluiu em mais de uma década para uma política mais definida para o setor. Enquanto as ações culturais buscam valorizar as manifestações populares e, dessa forma, procuram espaços para que estas recebam cachês artísticos, há uma tensão quando o turismo quer desenvolver algo para o turista ver, não sendo levado em consideração o grau de superficialidade. O reconhecimento do potencial do turismo cultural existe, porém os interessados da cadeia produtiva têm olhares distintos: enquanto a Fundarpe valoriza a cultura do ponto de vista mais amplo, simbólico, a Setur‑PE reflete a ótica do trade turístico, que enxerga a cultura como negócio. “O turismo, ele entra para somar, a partir do momento que nós temos uma cultura forte, como um grande diferencial como tantos outros produtos que nós temos no Recife e em outras cidades Eu acho que isso é o grande diferencial. E o turismo, sim, aproveitando todas essas manifestações culturais da nossa cidade, [...] fazendo com que as pessoas venham aqui encontrar essa diferença” (entrevista de um gestor público – concedida em fevereiro de 2009). Sob a ótica do trade, não se cogita a possibilidade de que o turismo cultural possa ser realizado em pequenos grupos, pessoas com interesses específicos que possam ir a alguns locais que tenham condições de recebimento de turistas. Alguns espaços têm horários e programações preestabelecidas; no entanto, são muito mais frequentados por residentes locais. É o caso da Casa da Rabeca, onde está abrigado o Maracatu Piaba de Ouro, que recebe semanalmente uma grande quantidade de residentes interessados em ritmos populares. Nessa direção, a Secretaria Municipal de Turismo do Recife desenvolve, através do programa Turismo na Comunidade,26 melhorias para disponibilizar alguns locais com características culturais que são potenciais atrativos para visitação in loco. Esses espaços tendem a possibilitar uma relação de experiência cultural entre turistas e residentes mais espontânea, uma vez que os primeiros teriam chance de dividir o mesmo espaço, o que não ocorre nas apresentações. A Secretaria de Turismo porém, talvez influenciada pelo próprio trade turístico, não vislumbra algumas dessas possibilidades como alternativas reais para o contato entre turista e manifestações populares. Inserir‑se na esfera do turismo ampliou o processo de visibilidade dos maracatus, que tornaram‑se ícones turísticos do estado, tendo sua imagem reconhecida no panorama nacional e internacional em função de uma opção das políticas públicas que direcionaram as ações para o turismo cultural. As apresentações para turistas, encontram seu lugar na dinâmica do mercado. Para os grupos de maracatus, trata‑se de uma fonte de renda; para os turistas, um entretenimento; para o trade, uma forma de oferecer “cultura”; para o estado, uma forma barata de atender demandas. Pensando pela ótica do encontro visitante‑visitado, à luz da antropologia, pode‑se considerar essa relação como produtora apenas de contatos rápidos e superficiais, típicos de shows. O espetáculo vai, no máximo, em alguns momentos, permitir convidar o turista a participar de uma dança, quando trocará poucas ou nenhuma palavra com o artista e logo em seguida o grupo se despede. Do ponto de vista do discurso da aculturação, tão presente na antropologia na década década de 1980, não há indícios de que este processo esteja acontecendo entre os maracatus. Eles fazem parte de uma arena turística, como no caso dos índios pataxó pesquisados por Grünewald (2002), que se deslocam de sua aldeia para colher os benefícios econômicos da relação com os turistas e mantêm internamente PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 369 seus rituais na sociedade à qual pertencem, ou como os Balinenses estudados por Mckean(1989) que retiram, das suas danças apresentadas em público, os elementos rituais. No caso dos maracatus, há uma clara separação entre o sagrado e o profano. As práticas religiosas dos grupos tradicionais não foram esquecidas; os maracatus passaram a manter os seus rituais em sua rotina diária dentro da sua comunidade, separando‑os do espetáculo. Sendo assim, principalmente os líderes dos maracatus tradicionais buscam ressaltar a importância de manter as oferendas, apesar de parecer uma relação pessoal do brincante com os santos. A manutenção da religião tem sentido de distinção até mesmo entre tipos de maracatus nação e rural. No entanto, para os brincantes, não há uma incompatibilidade entre o sagrado e as apresentações remuneradas ao longo do ano. Percebe‑se que há um orgulho por serem valorizados e admirados como artistas e, portanto, merecedores do cachê, visto que ser artista também é uma profissão. Além disso, a exposição ao público atinge em graus diferentes a relação dos brincantes com os seus santos e há um claro entendimento de que a apresentação artística não passa de um espetáculo “para turista ver”. Manter‑se diante desse novo contexto significa desenvolver novas habilidades, como saber empre-sariar o próprio grupo, frequentar reuniões e buscar formas de viabilizar economicamente o máximo de apresentações para o grupo: “A gente (os líderes de maracatus) se encontra muito pelas repartições públicas catando alguma coisa. Aí às vezes a gente se encontra numa reunião, e dali se tornou uma amizade, mas existe sempre um respeito um com o outro, porque até o formato deles é diferente do nosso, não existe concorrência, porque é diferente, até o nosso lado religioso é diferente do deles. Nós somos da jurema, eles são dos orixás, assim, não tem como haver uma rivalidade. Você nunca ouviu falar que um baque solto brigou com um baque virado, isso nunca vai acontecer, porque esse respeito é mútuo” (líder de maracatu – entrevista concedida em maio de 2009). Em primeira análise, entrar no cenário dos cachês significa para os grupos de maracatus buscar atingir os níveis de formalização para que os grupos encontrem condições de competir no contexto empresarial: projetos culturais, apresentações individuais, seleções para participarem de receptivos, apresentações em hotéis, etc. Embora todos os grupos busquem outras apresentações patrocinadas pela iniciativa privada, o governo ainda é o seu maior cliente, uma vez que a cultura popular não tem um apelo capaz de sensibilizar a iniciativa privada. Para além das ações culturais mediadas pelo governo do Estado, o ano de 2004 passou a ser um marco importante com os chamados pontos de cultura. Esses constituem uma ação prioritária dentro do programa Cultura Viva, em que mediante uma parceria entre o Ministério de Cultura e a sociedade civil são firmados convênios e através de editais públicos são selecionados pontos de cultura que vão desenvolver suas atividades em benefício da comunidade. A partir do momento em que um local se transforma em ponto de cultura, ele fica responsável por articular e impulsionar as ações que já existem nas comunidades.27 O programa do Ministério da Cultura (MinC) veio ampliar o leque de uma ação que garantiria com maior efetividade o desenvolvimento dos grupos de maracatus em comparação com a política de cachês da Setur‑PE (ou mesmo da Fundarpe). O primeiro edital federal contemplou os grupos de maracatus Estrela de Ouro (município de Aliança) e Piaba de Ouro (município de Olinda). Embora não seja foco da pesquisa analisar os pontos fortes e os pontos fracos, esse programa amplia possibilidades de desenvolvimento numa perspectiva mais empreendedora do que a ação do turismo, visto que os grupos apresentam projetos e recebem recursos para desenvolverem suas habilidades em treinamentos, gravações de DVDs, cursos para a comunidade, etc. Ações culturais dessa natureza possibilitam o fortalecimento e a autonomia para os grupos, além de uma interlocução promovida pelo próprio programa. De fato, ao longo desses anos, esta parece ter sido a única alternativa pública que surge paralela à busca dos grupos de inserir‑se no calendário de eventos e assim garantir os seus cachês. Como evidenciado nas entrevistas, há nos grupos de maracatus já inseridos no programa um orgulho em ser ponto de cultura e a possibilidade de conseguir desenvolver ações concretas com foco principalmente na própria comunidade onde o maracatu se encontra inserido. Apesar das críticas existentes com relação aos pontos de cultura, para os maracatus contemplados essa atuação torna‑se muito mais concreta do que as constantes visitas a repartições públicas, desconectadas e dependentes da boa intenção do governo. Sendo assim, o caminho de elaborar projetos e investir na PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 370 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização sua sede passa a ampliar as possibilidades e a permitir uma certa independência de alguns grupos com relação às gestões municipais e estadual. Com isso conseguiram inclusão social e digital, entre outros benefícios. Para os grupos populares que já estavam formalizados, participar dos editais era muito mais uma tarefa de aliar‑se a produtores culturais, que vão exercer um papel importante de organização e intermediação desses grupos para que eles se habilitem (roupas, adereços, tipos de apresentações, organização empresarial, obtenção de CNPJ28) ao modelo do mercado cultural. A prática, ao longo dos anos, tem permitido aos próprios líderes agenciar os seus grupos e investir em aprimorar cores, som, expressão corporal, tradição, singularidade, resgate, luta, história, adaptação dos aspectos simbólicos, de forma que o folguedo permaneça a ocupar um lugar de destaque ao longo das décadas. A permanência dos maracatus como manifestação cultural transforma todos os atores sociais em “clientes em potencial” para o “negócio maracatu”. Entrar no circuito de mídia local, nacional e internacional possibilita aos grupos de maracatus adaptarem suas apresentações‑espetáculo dentro do que faz sucesso entre os espectadores: ritmo musical, lutas entre caboclos, envolvimento do público, valorização da tradição, inclusão da mulher, além de investimento na elaboração de roupas coloridas, que impactam a apresentação por causa do colorido. Essa re formatação dos maracatus faz parte do modelo que o mercado passa a exigir e que os grupos passam a assumir conscientes de entrarem em cena sob o conceito artístico da manifestação cultural. “O que ocorre é uma desritualização do maracatu e uma transformação de ritual em música. É difícil explicar isso em poucas palavras, mas, tentando resumir, se nos anos 60 e nos anos 70 era difícil, era inconcebível criar um maracatu, isso explica o fato de existirem cinco grupos, seis grupos, sete grupos no máximo. Na atualidade a fundação de maracatus é quase que um por ano; atualmente nós temos 28 maracatus nação. Então sua transformação em produto é concomitante a esse crescimento dos interesses da indústria e do turismo local, que se apoia em uma suposta cultura pernambucana para poder transformar o turismo em algo atraente” (entrevista de um líder de maracatu – concedida em março de 2009). Paralelamente e de forma mais sistemática, o caboclo de lança vai figurar em todos os catálogos publicitários de turismo tanto no setor público quanto no privado. Dessa forma, a figura do maracatu torna‑se emblemática, embora o seu significado seja confuso, assim como a sua representação para os turistas, o que é assunto para outra investigação. Bibliografia Barretto, Margarita 2007 Cultura e turismo: Discussões contemporâneas. Campinas, SP: Papirus. Boissevain, Jeremy 1996 Coping with tourists. European Reactions to Mass Tourism. EUA: Berghahn Books. 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Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 371 McKean, Philip F. 1989 “Towards a Theoretical Analysis of Tourism:Economic Dualism and Cultural Involution in Bali.” In: Smith, Valene Hosts and Guests. The anthropology of tourism. Philadelphia:University of Pennsylvania Press. MTUR_Ministério do Turismo 2005 Segmentação do turismo. Marcos Conceituais. Brasília Ryan, C. 2002 “Tourism and Cultural Proximity: Examples from New Zealand”. Annals of Tourism Research (29), 952‑971. Santana, Agustín 2009 Antropologia do turismo. Analogias, encontros e relações. São Paulo: Aleph. Santana, Agusrtín 1998 Patrimonio cultural y turismo: reflexiones y dudas de un anfitrión” Revista Ciencia y Mar, 6, 37‑41. Smith, Valene 1989 Hosts and guests: the anthropology of tourism. 2 ed. USA: University of Pennsylvania Press. Tolila, Paul 2007 Cultura e economia: problemas, hipóteses, pistas. São Paulo: Iluminuras/Itaú Cultural. 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Com base em pesquisa, Silberberg revela que somente 5% dos residentes e 15% dos turistas eram considerados altamente motivados pela cultura. Na esteira do discurso da mudança de foco da demanda, Boissevain (1996) diz que não somente o sol e a praia se tornam atrativos, mas também a cultura, a natureza e a vida rural passam a ser objetos de desejo do turista pós‑moderno. Nesse caso, estudos apresentados em seu livro Coping with tourists referem‑se aos diferentes graus de turistas cultural. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 372 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização 2 Ressalvando setores como as indústrias culturais (livro, cinema e música), que movimentam cifras e têm um esquema distributivo em nível mundial bem delineado. 3 O termo turismo cultural é compreendido como um entre vários segmentos oferecidos no mercado, no entanto, Cravidão (2004) considera essa utilização um pleonasmo, uma vez que o turismo é naturalmente cultural, pois envolve paisagens, patrimônio e lugares. De fato, na atualidade, o turismo tornou‑se símbolo da sociedade do bem‑estar. 4 1‑ O turista cultural por intenção é aquele que tem como razão principal na escolha do destino uma experiência cultural profunda; 2‑ o turista cultural a passeio é aquele que tem como principal interesse a cultura do outro, porém de forma mais superficial e divertida; 3‑ o turista cultural casual é aquele que observa o que existe em termos de cultura, mas isso não foi decisivo na escolha do destino, pois ele tem um interesse superficial pela cultura; 4‑ o turista cultural por acidente é aquele que não escolheu um destino por razão da cultura, mas que poderá participar de forma superficial em alguma atividade cultural no destino; 5‑ o turista cultural espontâneo é aquele cuja decisão pela viagem não foi influenciada pela questão cultural, mas quando chegou ao país teve uma experiência profunda com os atrativos culturais encontrados. 5 Segura (2007) narra a experiência do que é oferecido nos pacotes turísticos em Teotihuacán, no México, e tudo o que deixa de ser aproveitado no local, visto que a excursão permanece um número de horas predeterminado no local. 6 Grandes operadoras de turismo que são intermediários do produto em todo o mundo, diretamente ao cliente ou através das agências de viagens. 7 https://www.youtube.com/watch?v=3MZB_ccvUqQ 8 Para mais detalhes sobre definições e origem dos maracatus, ver LIMA, Ivaldo Marciano de França. Maracatus e maracatuzeiros: desconstruindo certezas, batendo afayas e fazendo histórias. Recife, 1930‑1945. Recife: Bagaço, 2008. 9 Carismático artista popular proveniente da Zona da Mata que impulsa a valorização do maracatu rural Piaba de Ouro criado em 1977 10 Album Rhythm of the Saints, especialmente a música “The obvious child” 11 Assim como no turismo de eventos e nas viagens de negócios. 12 Conforme relatório de 31/12/2012 do Instituto Oceanário de Pernambuco, do Departamento Pesca e Aquicultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco, de 1992 a 2012 houve 56 ataques de tubarão no local. Este departamento realiza desde então um grande trabalho de educação ambiental aos banhistas. Relatório disponível em http://www.portaisgoverno.pe.gov.br/c/document_library/ get_file?uuid=0fab503c‑d5b8‑48e3‑8587‑0d4ce336e368& groupId=124015. Acessado em 17/05/2014. 13 movimento musical que surgiu no Recife na década de 90 que mistura ritmos regionais, como o maracatu, rock, hip hop e música eletrônica. 14 A partir dos anos 90, com o movimento manguebeat, os maracatus de baque solto, ditos rurais, passaram a subir aos palcos. A exposição no palco ao lado de artistas famosos influenciou a mudança do cenário dos grupos de maracatu, que muitas vezes eram considerados manifestações inferiores, até mesmo discriminadasFoi necessário, no entanto,um grande trabalho de organização e de formalização dos grupos que possibilitasse a exposição dos maracatus e até mesmo o recebimento de cachês. 15 Carnaval fora de época que ocorreu durante vários anos na Avenida Boa Viagem com ênfase em trio elétricos e bandas de axé. 16 Carnaval, Semana Santa, São João, Natal. 17 Esses são bastante criticados por valorizarem o toque em si e terem como atrativo principal o ritmo, fora de qualquer contexto do maracatu em si. 18 A Associação dos Maracatus Rurais, criada pelo Mestre Salustiano na década de 80, começou com 12 grupos. Após quase 20 anos de existência, possui 105 grupos participantes. O nível de formalização e seus avanços são narrados em entrevista: “O maracatu era o nome do dono, por exemplo, maracatu de seu Antônio, era o Maracatu Leão de Ouro de Seu Antônio. Mas não tinha o CNPJ e aí a associação foi tendo cuidado com isso e até hoje vem crescendo. Todos os anos a gente vem associando maracatus novos. E ninguém é melhor que ninguém, todo mundo lá tem direitos iguais. Se chegar R$ 1,00, é para dividir para todos, e se chegarem R$ 1.000.000,00, divide em partes iguais, não tem maracatu grande e maracatu pequeno. Com isso foram se criando oficinas de qualificação, porque os caras já sabiam bordar, mas tinham uma certa dificuldade, e às vezes tinha caboclo velho que tinha deixado de bordar e voltou a bordar. Aí com isso também vai se economizando dinheiro, porque você deixa de pagar a um artesão e você mesmo era o artesão. A associação foi criada dessa forma, ela foi criada com ideia de unir, depois criou a ideia de se organizar com documentações, conscientização e qualificação PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 373 dos próprios fogazões. Essa é a ideia da associação” (entrevista concedida por um integrante do Maracatu Piaba de Ouro em maio de 2009). 19 Instituto Brasileiro de Turismo (antes Empresa Brasileira de Turismo) encarregado da promoção turística vinculado ao Ministério. 20 Há semelhança é tal que segundo o mestre de maracatu o que vai diferenciar esse grupo de percussão do maracatu nação é sua ligação com o terreiro, mas por uma questão de inserir‑se socialmente no espaço muitos dirão que tem essa ligação, mesmo não sendo verdade. 21 Cecconi (2009) reforça os resultados negativos produzidos por estas casas de espetáculo em Buenos Aires, tanto em relação aos trabalhos gerados para os artistas quanto pela artificialidade envolvida nas apresentações para os turistas . 22 Desde que elaborar projetos para serem apresentados a órgãos públicos requer um conhecimento específico. 23 Entrevista de um gestor público – concedida em março de 2009). 24 No caso de Olinda, há um espaço cedido pelo município para que os grupos realizem apresentações no local. 25 Esta ação é bastante questionada, uma vez que o turista, quando chega, tem pressa em sair do aeroporto e não quer parar e observar a apresentação. Além disso, o maracatu passa a ser uma manifestação que faz bastante barulho, muitas vezes parecendo uma grande agitação, e não uma forma receptiva de receber os turistas. 26 O programa tem como objetivo estruturar determinados locais de grande potencial turístico e valor cultural da comunidade para torná‑los mais aptos a receber visitantes. Além da requalificação dos espaços, a Secretaria de Turismo do Recife promove capacitação e treinamento voltados para o turismo. A definição dos espaços se dá a partir de uma análise dos espaços e das solicitações da própria comunidade sob a supervisão da Fundação Gilberto Freyre. Para a primeira etapa do programa, oito espaços foram contemplados: Arlindo dos Oito Baixos, Terreiro de Pai Adão, Espaço Cultural da Moeda, Bar da Geralda, Clube Bela Vista, Restaurante da Mira, Clube Madeira do Rosarinho, Clube das Pás. 27 Após a seleção via edital, o ponto de cultura recebe a quantia de R$ 185 mil, divididos em cinco parcelas semestrais, para investir conforme o projeto apresentado. Parte da primeira parcela, no valor mínimo de R$ 20 mil, é utilizada para aquisição de equipamento multimídia em software livre (os programas serão oferecidos pela coordenação), composto por microcomputador, miniestúdio para gravar CD, câmera digital, ilha de edição e o que for importante para o ponto de cultura. Fonte: http://www.cultura.gov.br/cultura_viva/?page_id=31. Acesso em 25 de agosto de 2009. 28 Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, que é a inscrição para fins impositivos. Recibido: 22/05/2014 Aceptado: 03/12/2014 Sometido a evaluación por pares anónimos
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Calificación | |
Título y subtítulo | Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização de grupos tradicionais. O caso dos Maracatu de Pernambuco, Brasil |
Autor principal | Borba, Carla ; Barretto, Margarita |
Publicación fuente | Pasos. Revista de turismo y patrimonio cultural |
Numeración | Volumen 13. Número 2 |
Sección | Artículos |
Tipo de documento | Artículo |
Lugar de publicación | El Sauzal, Tenerife |
Editorial | Universidad de La Laguna |
Fecha | 2015-02 |
Páginas | p. 359-374 |
Materias | Turismo ; Patrimonio cultural ; Publicaciones periódicas |
Enlaces relacionados | Página web: http://todopatrimonio.com/revistas/101-pasos-revista-de-turismo-y-patrimonio-cultural |
Copyright | http://biblioteca.ulpgc.es/avisomdc |
Formato digital | |
Tamaño de archivo | 294755 Bytes |
Texto | © PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121 Vol. 13 N.o 2. Special Issue Págs. 359-373. 2015 www .pasosonline.org Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização de grupos tradicionais. O caso dos Maracatu de Pernambuco, Brasil Carla Borba* UFPE(Brasil) Margarita Barretto* Universidad Federal de Santa Catarina (Brasil) Carla Borba, Margarita Barretto Resumo: O presente artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo analisar as políticas públicas de cultura e turismo em relação aos produtores de cultura, buscando entender os efeitos das primeiras nos grupos tradicionais, focando no caso dos maracatus de Pernambuco. Tratou‑se de uma pesquisa etnográfica e documental, com entrevistas aos líderes dos maracatus, agentes culturais e agentes turísticos, assim como análise dos documentos referentes às políticas públicas do estado. Foi possível constatar o direcionamento das políticas públicas para a valorização dos maracatus como produtos culturais e o rebatimento desta ação na revalorização dos maracatus como elementos da cultura local, assim como no empoderamento dos líderes, permitindo sua par-ticipação ativa e criadora dentro dos mecanimos do mercado, com a consequente valorização econômica. A pesquisa limita‑se aos grupos pernambucanos poranto os resultados não podem ser generalizados; no entanto acenam com a possibilidade de que este processo possa ser encontrado em referência a outros grupos tradicionais no Brasil, onde este tipo de estudo não tem antecedentes. Palavras‑chave: turismo cultural, políticas públicas, folguedos, maracatus, Pernambuco‑ Brasil Public policies for culture and tourism and its influence in the professionalization of traditional performers. Case study with Maracatus at Pernambuco, Brazil Abstract: The article is an outcome of a field research aiming to analyze public policies in tourism and culture and its influence in cultural agents, focussing in traditional performers, in particular Maracatus at Pernambu-co State, Brazil. It was an ethnographical and documental research, where interviews with maracatu leaders were held, as well as with cultural brokers and travel agents; also public policies documents were analyzed. It was possible to confirm the existence of public policies oriented to enhance the value of maracatus as cultural products and the following recognition of maracatus as valuable local culture producers, the empowering of maracatu leaders, and their insertion in market economy. The research is limited to performers in Pernam-buco, so no generalizations are meant, even it is possible to hypothesize that similar processes are taking place with other tradicional performers in Brazil, where this research has not been made before. Keywords: cultural tourism, public policies, traditional performances, maracatus, Pernambuco‑Brazil * Doctora en Antropologia por la UFPE. Pofesora de turismo. Centro de Ciencias Sociales Aplicadas UFPE; E‑mail: carla‑borba@ uol.com.br ** Doctora en Educación por la UNICAMP. Profesora de Turismo. Centro de Ciencias Sociales Aplicadas. FURB; E‑mail: barretto.margarita@gmail.com PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 360 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização 1. O turismo cultural na contemporaneidade O turismo contemporâneo tem frequentemente buscado como seu principal apelo a distinção do destino mediante atrativos culturais retomando, nas últimas décads do século XX, sob outras formas, a relação entre cultura e turismo que remonta ao século XVII. Desde a década de 1950, o mercado turístico cresceu de forma acelerada, principalmente associado a oferta de sol e praia; os números do turismo em todo o mundo atingiram cifras de grande relevância, tanto no aspecto econômico quanto no de movimento de pessoas, e a partir da década de 1980 o segmento do turismo cultural ressurge como possível alternativa de promover experiências turísticas, entre outras coisas ‑mas não exclusivamente‑ pela forte discussão acadêmica sobre os impactos negativos do turismo massivo, aliado a um certo desgaste da oferta anterior. Assim, a busca de um turismo mais brando, reaviva o interesse do mercado por questões como história, tradições, museus, patrimônio, entre outros1. O final do século XX marca a busca por um turista mais seletivo, que procura experiências e produtos segmentados, personalizados. Ademais, este momento é marcado por preocupações socioambientais, de caráter global, baseados no conceito de sustentabilidade (Santana, 2009). Sob essa ótica, o conceito do turismo cultural teria como principal premissa a minimização de efeitos negativos nos núcleos receptores e uma demanda mais sensível a conhecer e respeitar modos de vida distintos, além de poder ser oferecida durante todo o ano, reduzindo a sazonalidade, verdadeiro problema nos destinos de sol e mar. Simultaneamente, a partir da década de 1980, há um crescimento do setor cultural nunca visto antes, sendo o turismo um aliado promissor de desenvolvimento econômico do mesmo. O cultural registra entre 1980 e 1998 um crescimento quatro vezes acima do da maioria dos setores econômicos2 (Tolila, 2007:35). Começa a configurar‑se um padrão mercadológico favorável para os dois setores, o que aumenta o interesse da cultura em se apropriar do turismo e vice‑versa. Para o turismo, capitalizar a cultura significa oferecer ao turista uma opção diferenciada, uma vez que no contexto da globalização a cultura passa a ser um elemento que singulariza os lugares. Como afirma Craik (1997:113): “A cultura do turismo vem sendo modificada em resposta a mudanças ocorridas na área da cultura. Isto inclui interesses de comercialização da cultura e de produtos culturais, os investimentos recentes na indústria cultural, os investimentos governamentais em capitalizar a cultura, o aumento do consumo cultural das pessoas e oportunidades e aumento da produção cultural”. Sendo assim, sustentar a cultura através do turismo passa a ser uma prática que tem na Europa uma série de casos emblemáticos, principalmente no que se refere ao patrimônio material. Como exemplo, as visitações a castelos na Inglaterra, que viabilizam economicamente a permanência das famílias proprietárias sustentando parte dos custos com as taxas pagas pelos turístas (Barretto, 2007). O turismo vem sendo, a partir de então, além de uma alternativa econômica, uma instância que valoriza o legado propiciando a revitalização e renovação do interesse dos próprios residentes sobre seu patrimônio. Ao mesmo tempo, o consumo cultural de produtos e serviços introduz um novo modelo de gestão, no qual os equipamentos culturais, como por exemplo os museus, são geridos como unidades de negócio, com técnicas e estratégias de gestão de visitantes, metas preestabelecidas, controle de visitantes, vendas de reproduções (Icom, 2004; Borghi, Mariotti y Safarzadeh, 2011) Do ponto de vista do mercado, esse cenário favorece a proliferação de pacotes turísticos com toques de “cultura”, que selam a imagem de destinos através de ícones culturais distintivos. Apesar da lógica menos massiva na qual o conceito do turismo cultural de início foi projetado, na atualidade aquele desenvolvido principalmente dentro das grandes áreas urbanas das capitais em todo o mundo, faz parte dos circuitos de massa e é oferecido sob a ótica do mercado em grande escala. Como afirma Santana (1998:40), “grande parte do patrimônio turístico corresponde à imagem pré‑configurada dos consumidores, construída através dos estereótipos que lhes são oferecidos desde o destino e bem induzidos pelos meios de comunicação de massa”. O que se tem não é uma demanda e uma oferta diferenciada, mas um produto cultural sendo consumido da mesma forma que o turismo de massa, isto é, com alto grau de superficialidade, mais que nada confirmando idéias preconcebidas. Ao longo dos anos diversas definições de turismo cultural foram elaboradas. Smith (1989:4‑5) define como turismo cultural a experiência de visitação a locais pitorescos, com vestígios da vida antiga, de cultura colonial, diferenciando‑o do turismo histórico e étnico. No Brasil o Ministério do Turismo tem por definição de turismo cultural “Atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 361 significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura” (MTUR, 2005:13). Essa definição alerta para a possibilidade de segmentações que compõem o todo do conceito de turismo cultural3 deslocamentos motivados por religião, visitas místicas e esotéricas, visita a grupos étnicos, atrativos cívicos e gastronomia, além da tradicional visita ao patrimônio histórico e aos folguedos populares, festas locais e regionais, bem como todo tipo de manifestação da cultura. Craik (1997:121) compreende turismo cultural como visitas personalizadas em contextos culturais particulares com o objetivo de aprender sobre pessoas, estilos de vida, legado e artes, de modo que as informações representem de forma genuína os contextos históricos e culturais. Ryan (2002:953) entende o turismo cultural como uma convergência de comercialização, reestruturação da produção cultural, investimento do governo na cultura, mais treinamento na produção e aumento do consumo cultural pelas pessoas. Para McKercher (2002:30), o turista cultural é “aquele que visita atrações culturais, galerias de artes, museus, sítios históricos, apresentações, festivais, ou participa de uma ampla gama de atividades a qualquer momento durante sua viagem, independentemente da principal razão da viagem”. Do ponto de vista do mercado, conhecer o turista cultural significa diversificar a oferta de acordo com o nível de profundidade cultural que o consumidor deseja ao buscar determinado destino. McKercher (2002) classificou os turistas culturais em cinco tipos a partir das diferentes experiências e interesses na cultura: turista cultural por intenção, turista cultural a passeio, turista cultural casual, turista cultural por acidente e turista cultural espontâneo.4 Santana (2009:129) divide o turista cultural em dois tipos. O primeiro, que representa a minoria, é aquele que realmente consome um turismo numa escala micro, valorizando a natureza e a cultura local (classificado como turismo responsável ou alternativo). O segundo é o um consumidor decorrente dos “pacotes culturais”, que o autor denomina de cliente indireto. Ele visita ambientes culturais simplesmente porque muitos atrativos culturais já compõem o sistema turístico, por isso, esse turista, embora não seja o mais desejado, é o que mais visita o patrimônio em escala global; é aquele que se satisfaz com uma contemplação superficial dos monumentos, uma “visita express”5 e com a compra de “suvenires culturais”, além das fotos como comprovação de que “esteve lá”. Nesse sentido, o interesse do mercado, assim como do poder público em investir no turismo cultural deve‑se ao pressuposto de que o turista cultural traz mais benefícios e deixa mais renda do que o turista de massa. O chamado pós‑turista (Boissevain, 1996; Pretes, 1995) seria um cliente de gosto sofisticado, em busca de experiências novas e profundas, com uma maior quantidade de dinheiro para gastar. Para esse turista, não interessam somente os espaços que tenham o sol e a praia; também deseja conhecer a cultura e a natureza dos lugares visitados. Apesar de esse turista ser até hoje desejado e citado como “mais seleto”, vai sendo ofuscado no mercado pelos produtos de turismo de massa que incluem dois grandes “pacotes”, o meio ambiente físico (natureza) e o meio ambiente cultural (patrimônio) (Santana, 2009, p. 118) visando agradar a “maioria”, abrangendo assim aquele indivíduo que faz turismo de massa trocando apenas o cenário; em lugar de olhar para o mar, olha para um monumento, porém com a mesma superficialidade, que Ryan (2002) o identifica como um turista genérico, apenas curioso em conhecer algo que aos seus olhos parece exótico. Todo deslocamento territorial gera algum enriquecimento cultural, o que implica que todo turismo é, de alguma forma, cultural, por ser um produto do fazer humano (Barretto, 2007). Também existe uma cultura do turismo, formas culturais produzidas pela própria atividade, como é o caso do que se vê em áreas de resorts, aeroportos, hotéis, que pode ser apresentado como uma terceira cultura (Eriksen apud Lagunas 2007:18). Os contatos turista‑turista e turistas‑funcionários de um resort são considerados culturais, uma vez que há uma troca de experiências. No entanto, argumenta Lagunas que “o sentido de aquisição de cultura não pode ser assim reduzido”. As opções de entretenimento e lazer ligadas ao turismo de sol e mar, o investimento da publicidade em ambientes de resorts e cruzeiros marítimos e a lógica da viagem baseada na relação custo‑benefício oferecem ao turista a cultura em sentido estrito como algo complementar. Resumindo, em primeira análise, a versão pós‑moderna do turismo cultural passa a ser mais uma rubrica que resume um segmento com potencial de mercado e apresenta os mesmos riscos de danos ambientais e às populações, visto que os pacotes são comercializados nos mesmos moldes e através dos mesmos canais de distribuição6 do turismo de massa. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 362 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização 2. Turismo Cultural em Pernambuco No estado de Pernambuco, nordeste do Brasil, as políticas públicas de turismo seguiram um caminho similar ao do mercado, estimulando a utilização da cultura como produto turístico, havendo um caso emblemático: os grupos de maracatu. O maracatu é um folguedo popular tradicional, de origem afro‑brasileira, que cogita‑se estar relacio-nada aos Reis do Congo e que consiste em percussão e movimentos, com muito dinamismo e colorido, e, originariamente, com aspectos rituais7. Várias pesquisas foram realizadas a respeito destes grupos e suas performances, especialmente no campo da história, da sociologia e da antropologia, com foco geralmente nos aspectos rituais e em suas transformações históricas, o que não interessa explorar neste trabalho. Segundo a definição de Guerra‑Peixe (1980), existem duas categorias de maracatus encontradas em Pernambuco, o nação ou baque virado e o orquestra, baque solto ou maracatu rural.8 Cercados de uma história que envolve uma série de rejeições pela própria sociedade pernambucana, principalmente por sua origem afrorreligiosa, os maracatus entram no contexto do turismo a partir da sua valorização no cenário cultural, ocorrendo a aproximação entre maracatus e turismo muito antes de uma formalização de ações mediadas pela política pública. Tal folguedo era inicialmente apresentado no Carnaval e até a década de 1980 somente dois grupos, o Porto Rico e o Elefante apresentavam‑se ao longo do ano. Inclusive durante os carnavais os grupos eram malvistos, até vaiados, como atesta depoimento recolhido por Lima (2005:89) “Recordo de um desfile do maracatu Nação Elefante, em 1991, de que participei como batuqueiro, no qual grande parte do público presente às arquibancadas nos vaiava e pedia que nos retirássemos para que fossem iniciadas as apresentações das escolas de samba. Também me lembro do número diminuto de desfilantes dos maracatus nos anos 1980, o que contrasta com os grandiosos desfiles dos grandes maracatus‑nação existentes atualmente. [...]o público não dava tanta atenção para esta modalidade da “cultura pernambucana”. Também não percebia que nessa época já se desenhava um quadro favorável ao fortalecimento desses maracatus, ainda que de modo muito tímido”. Depois passaram a apresentar‑se em passarelas com arquibancadas, o que deu início ao processo de espetacularização e, na segunda metade da década de 1980, é perceptível uma popularização motivada por um período de efervescência cultural. Compositores e artistas conhecidos começam a utilizar imagens e ritmos dos maracatus, a poduzir clipes e realizar shows vestidos de caboclo de lança, consagrando esta figura na mídia. Caboclo de Lanza Fonte: Omin, 2011 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 363 É através de uma ação política entre governo e produtores culturais que se institucionaliza a participação e o apoio aos grupos de maracatus; há uma decisão de colocar o maracatu como símbolo de Permambuco, “Cadoca resolveu colocar o maracatu como símbolo de Pernambuco e Jonatan, do Ministério da Cultura, foi quem, junto com Cadoca, fomentou esse trabalho de Mestre Salustiano9 [...], me chamaram para fazer um encontro dos maracatus de Nazaré [...]é uma construção social” (entrevista concedida por Afonso, produtor cultural em fevereiro de 2009). Os produtores culturais que buscaram no turismo uma forma de viabilizar ações integradas para difundir de potencializar a cultura popular procuraram o poder público, que gerou recursos, embora descontinuados. “O maracatu foi estruturado num trabalho de política cultural mesmo. Houve uma articulação de nós produtores com os maracatus, em que a gente procurou o vice‑presidente, ministro, secretário de Cultura, secretário da Prefeitura do Recife,[...], todos eles geraram recursos, [...] fizeram o financiamento e no segundo momento a divulgação, que foi superimportante. Mas não houve uma continuidade, [...] num período de oito anos, mais ou menos” (entrevista concedida por Afonso, produtor cultural – fevereiro de 2009). Estabelecer exatamente o momento e as razões do entrelaçamento entre turismo e maracatus é tarefa difícil, cabendo apenas destacar algumas correlações. Quadro 1: Fatores motivadores da relação entre governo e grupos de maracatus Maracatus Governo Efervescência cultural – musical Investimentos em eventos culturais e turísticos Apresentação em palcos junto com artistas famosos Apropriação da cultura como produto turístico Valorização da mídia Escolha de um ícone cultural: caboclo de lança no material publicitário de turismo Valorização da cultura popular Início de uma venda agregada que soma cultura ao tradicional sol e mar Recebimento de cachês Pago de cachês Fonte: Borba, C., 2010 Esse investimento governamental favoreceu não somente os maracatus, mas também outras manifestações de cultura popular, como a ciranda e o coco (Vicente, 2008). A efervescência cultural tem desdobramentos que chegam às ruas através de ensaios de grupos de maracatus no Bairro do Recife, com uma forte participação de residentes locais de vários segmentos das classes média e universitária. Os maracatus começam a funcionar o ano todo não apenas pelo turismo mas também pela valorização de ritmos afro brasileiros por artistas internacionais como Paul Simon (que inclusive em 1990 viaja ao vizinho estado da Bahia para gravar com o grupo afro Olodum, projetando‑o em nível mundial)10. A partir daí, os maracatus passam a ocupar espaço além do período de Carnaval, o que possibilitou um novo olhar da elite, com foco muito mais no espetáculo do que na sua conotação afrorreligiosa. A musicalidade, o ritmo e as cores contribuíram para uma aceitação mais aberta e menos preconceituosa, passando a criar um traço identitário associado ao conceito de cultura pernambucana. No caso de Pernambuco, sempre houve interesse por parte do turismo em divulgar sua potencialidade cultural, tendo como exemplo outros investimentos públicos feitos em décadas anteriores para a inserção da ciranda, forró, entre outros ritmos, na programação dos turistas. De fato, o que muda a partir desse início de relação com os grupos de maracatus é a valorização e o espaço de mídia ocupado pelo caboclo de lança, como ícone da cultura. Há um esforço do poder público em criar uma identidade entre governo e maracatus, de forma que essa representação do Estado vai além dos turistas e é reforçada também entre os residentes. Para a cidade de Recife a ênfase no potencial cultural11 (gastronomia, museus, teatros e patrimônio histórico), foi, na época, ainda maior, uma vez que o cartão‑postal do turismo – a Praia de Boa Viagem – passou a ser alvo de imagem negativa pelo aparecimento de tubarões12. Em 1994, dentro de um projeto de revitalização do centro, a secretaria de cultura de Recife organizou o primeiro encontro de maracatu rural. Embora esse trabalho do governo tenha sido mais voltado para PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 364 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização a questão promocional, especula‑se que o interesse da classe média em aceitar os grupos de maracatus está muito atrelado ao movimento musical manguebeat13, que possibilitou a participação dos maracatus nos palcos, influenciando assim também o consumo da classe média14 (Vicente, 2005). Embora haja uma série de registros de apresentações oficiais no carnaval desde a década de 1930, a descrição de como era e para qual público ocorriam sinaliza a importância secundária que as apre-sentações populares sempre tiveram. O início da década de 1990 representou uma nova fase de convites para desfiles fora do período do Carnaval, como, por exemplo, a abertura do Recifolia,15 o que aproximou os grupos de maracatus de um público novo – apreciadores de espetáculos culturais, turistas e residentes locais que dificilmente frequentariam as apresentações nos terreiros. Inicia‑se a partir de então um movimento, apoiado pela sociedade, de valorização dos maracatus, o que envolveu a Prefeitura do Recife e outras prefeituras municipais. Está evidente nessa fase o interesse político em apoiar uma manifestação que ganhara na mídia uma grande magnitude nos últimos anos. As décadas sombrias com risco de desaparecimento são substituídas pela proliferação de grupos de maracatus, com o intuito de darem conta de todas as apresentações que apareciam. Os grupos entram na economia de mercado, passam a negociar cachês, e surge a necessidade de se organizarem para “vender o seu produto”. Os espaços de apresentação passam a ser os mais variados, incluindo shoppings, casamentos, aniver-sários, formaturas, e os cachês recebidos passam a complementar a renda das atividades tradicionais dos brincantes. Paralelamente aos movimentos culturais de valorização da “pernambucanidade”, a mídia positiva aumentava o interesse público em investir na manifestação popular como parte integrante do produto turístico oferecido. Estes investimentos, no entanto, são mínimos ao lado dos investimentos que o estado faz em infraestrutura para o turismo. Limita‑se à promoção de apresentações pagas com cachês e à confecção de material publicitário de turismo divulgando o maracatu. A década de 1990, em nível mundial, está marcada por uma valorização de produtos turísticos mais segmentados e maior interesse da demanda internacional pela cultura. Em termos de políticas públicas de turismo, Pernambuco oficializou, através de documento, a macroestratégia de turismo, cujas diretrizes apontavam para uma valorização da cultura, destacando a interiorização do turismo, a promoção de destinos longe da orla marítima. Assim, foi proposta uma série de ações de investimento cultural, principalmente com a promoção de eventos (ligados ou não ao ciclo festivo do Estado).16 O patrocínio público às manifestações de maracatu abre espaço para que mais grupos sejam formados e se apresentem como aptos para ocupar a cena artística e turística. Dessa forma, além dos grupos de maracatus artísticos, maracatus‑nação (tradicionais e outros que ressurgiram), maracatus rurais, surgem os grupos de percussão,17 que com sua similaridade buscam ocupar o mesmo espaço social. A possibilidade de gerar recursos motivou a formalização da Associação18 dos Maracatus Rurais, com o objetivo de organizar os grupos e defender os interesses de classe. A transformação das apresentações em espetáculo passa a ser um negócio rentável e os produtores culturais passam a trabalhar a fim de viabilizar os grupos para o mercado musical. Por outro lado, o governo, e o trade, estão cada vez mais firmes na intenção de oferecer um produto cultural como alternativa turística, e os grupos de maracatus configuranm‑se como a opção mais viável naquele momento. Adaptar‑se ao patrocínio do governo também significava, para os grupos, buscar o tipo de espetáculo que o setor de turismo acreditava ser o ideal para o seu público. Sendo assim, o objetivo das apresentações era valorizar as danças populares a partir do enfoque artístico, além de, conforme destacou em entrevista o líder do Maracatu Nação Pernambuco, tirar o maracatu da armadura de estar ligado só ao Carnaval e torná‑lo o um espetáculo para o ano inteiro. Para esse início de apresentação artística, o governo exerceu papel fundamental, inclusive motivando a formação de grupos de maracatus artísticos (ou seja, sem ligações religiosas), passando a ser o principal cliente de compra das apresentações para representar Pernambuco em vários estados e países. A partir daí, muitos grupos “tradicionais” passaram a adotar critérios que lhes possibilitariam ocupar o mesmo espaço, de forma que uma nova preocupação estética passa a fazer parte das apresentações. Sendo assim, o investimento em roupas, o colorido das lantejoulas assim como a adequação do tempo de apresentação e a diversificação de danças apresentadas, passaram a ser aspectos importantes para a inclusão dos grupos no mercado cultural e turístico. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 365 A intervenção do setor público e o discurso de investimento no turismo cultural são coadjuvantes com outros fatores, tais como a capacidade de articulação com artistas e instituições, a entrada no mercado da produção cultural, a gravação de CDs, a negociação de cachês. Neste momento há uma decisão política de utilizar o maracatu como símbolo da cultura no material publicitário de turismo: “A gente precisava ter um ícone da nossa cultura para fazer divulgação de nosso potencial e elegemos o maracatu [...]para resgatar um pouquinho da nossa cultura, deixar de vender o sol e mar e utilizar o elemento cultural” (entrevista de um gestor público – concedida em fevereiro de 2009). Aliar a imagem do maracatu ao turismo é uma forma de significar uma série de sentimentos fun-damentais para o turismo, tais como alegria, exotismo, tradição, natureza, encanto; o maracatu deixa de ser apenas um tema regional, para ser alvo de atenção do órgão nacional de promoção de turismo. “Um belo dia eu estou lá no terceiro Carnaval quando alguém chega e diz que a Embratur19 mandou fazer outro filme sobre o maracatu. Então um dos encontros de maracatu deu cinco, seis, sete, oito chamadas no Brasil todo em cima do maracatu rural, contando a história, como surgiu, como que era, como começou com cortador de cana” (entrevista de um gestor público – concedida em abril de 2009). Simultaneamente ao interesse do turismo pela cultura, os meios de comunicação passam a exaltar o exotismo do vestuário, aliado às cores e ao próprio ritmo, como parte da “tradição” e “memória” da cultura pernambucana. O turismo vai procurar retratar, na imagem dos maracatus, uma ligação com o passado e apresentar uma “tradição” que, num cenário de globalização, ganha força pelo aspecto da singularidade. Os grupos de percussão entram em cena com interesse de cativar espectadores a partir da musicalidade, porém são vistos como uma ameaça para os maracatus‑nação, uma vez que buscam ocupar o mesmo espaço em termos de espetáculo. Para os espectadores, não há diferença, uma vez que a toada passa a ser mais importante do que a evolução da manifestação cultural em si.20 Diante desse contexto e do interesse público de valorização da cultura através da imagem dos maracatus, toda uma rede se forma Seus membros passam a ser stakeholders dentro de um mercado com interesses diretos e indiretos na cultura e no turismo. Os stakeholders (Sautter e Leisen, 1999:316), são pessoas ou entidades membros de um grupo determinado que, por razões de interesse, frequentemente exercem determinados papéis; nesse caso são os grupos com interesses diretos nas ações culturais mediadas pela Secretaria de Turismo. Gráfico 2: Stakeholders em Pernambuco Fonte: Borba, C., 2010 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 366 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização A mediação do Estado vai repercutir diretamente nos grupos de maracatus, que entram em cena como principais protagonistas na integração turismo e cultura; os maracatus vão ter uma relação de mercado com o trade turístico em que surgem contratações feitas por hotéis, agências de receptivo, eventos, o que durante um bom tempo ocorrera com a mediação dos produtores culturais. 3. Os maracatus e o trade A relação dos maracatus com o trade turístico é semelhante à que ocorre com o governo. Sob a ótica dos empresários, cabe aos grupos de manifestações culturais criar produtos para serem oferecidos aos turistas.dentro de um padrão de mercado exigido pelos mesmos. Para o trade, atingir o padrão do turista significa oferecer um produto de qualidade, criativo, colorido, alegre, o que não necessariamente representa um produto original ou tradicional. Diante disso, nos setores envolvidos há uma tensão entre a noção do que deve ou não ser comercializado. Para os representantes do trade turístico, resulta incompreensível “essa mania que eles têm de não querer se vender. Eles acham que o ato de se comercializar é um ato de desagregação, é um ato em que você perde a originalidade. Eu acho que isso é burrice [...], está entendendo? Em todo o canto do mundo você tem que mostrar o que você tem de especial (...). Eu não acho que você, ao se mostrar, se desvirtua. Eu acho que você pode se mostrar e passar a vida toda sendo maracatu” (entrevista concedida por um gestor do trade turístico – março de 2009). Na relação com os hotéis a prática de apresentações culturais programadas vai ocorrer de forma semanal em resorts do litoral e nos hotéis da capital em função de eventos e congressos. Isso se dá principalmente com grupos artísticos que apresentam vários ritmos, de modo que possa ocorrer um “passeio” por todos os ritmos locais. No caso das agências de viagens receptivas, apesar de haver interesse em oferecer produtos turístico‑culturais, isto é, espetáculos e visitas culturais, há uma preocupação em oferecer produtos que possam ser consumidos pelos clientes dentro de uma relação custo‑benefício. Dessa forma, o padrão da excursão para o maior número de pessoas prevalece, o que faz com que os pacotes oferecidos recebam uma padronização que resume a visita a um olhar panorâmico da janela do ônibus ou de forma bastante rápida, com tempo de parada para a fotografia. Um percentual pequeno e mais autônomo vai fugir desse padrão e procurar o “mercado paralelo” em busca de opções menos “turísticas”, para ter contato com a cultura em meio aos seus moradores. É dessa forma que alguns chegarão aos terreiros para ensaios de maracatus, visitarão museus, conhecerão centros culturais, não motivados pelos produtos turísticos oficialmente oferecidos nas agências ou mesmo pelo Estado. O que mercado turístico conhece dos maracatus é algo muito pontual dentro dos espaços do turismo. No entanto, os maracatus criam e recriam suas práticas diariamente, independentemente do viés turístico. Nos terreiros, estudantes e pesquisadores estrangeiros iniciam um relacionamento direto com os líderes de maracatus, após o qual eles participam e vivenciam o cotidiano do grupo. “Eu tenho um pessoal da Alemanha que traz o povo deles para aqui. Tem Scott, que é americano e todo ano vem com 30 pessoas, e a gente faz turismo aqui, não é? Eu faço almoço, faço a janta, só não fazem dormir, porque eu não tenho espaço para dormir, mas a comida dá para eu me virar e fazer” (entrevista concedida com líder de maracatu – março 2009). Essa prática ocorre de forma independente (contato turista‑líder maracatu) e se constitui fora do roteiro turístico‑cultural que pode ser encontrado nas agências de turismo receptivas. Por outro lado, este trade vislumbra certos aspectos do turismo cultural. Por exemplo, reclama da inexistência de uma casa de espetáculos para o turista conhecer as danças típicas tal qual as casas de tango na cidade de Buenos Aires (Argentina).21 As grandes críticas feitas pelos próprios líderes de maracatus sobre a diferença entre um maracatu autêntico e artístico não são levadas em consideração no momento de contratação. Diante de tantos grupos de origem tradicional ou artísticos, importa para a apresentação turística saber sua real origem? PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 367 Qual diferença faz para o turista? Qual o significado da dança naquele momento para os brincantes? Para o contratante, o que ele pretende motivar com essas apresentações? O discurso do trade em torno da valorização do turismo cultural como produto diferenciado no Estado é bem disseminado entre todos os segmentos – restaurantes, agências, hotéis –, embora limitado à visão comercial em torno da cultura. 4. Os maracatus e os órgãos oficiais de cultura e turismo No caso específico dos maracatus, há uma relação consolidada entre Estado (leia‑se órgão de turismo e órgão de cultura). A Setur‑PE (Secretaria de Turismo de Pernambuco) solicita os grupos quando necessita das apresentações e a Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco) faz o agendamento de grupos culturais de forma a atender aos interesses de ambos. São solicitadas apresentações em serviços receptivos turísticos (aeroportos e porto), ou em eventos de outra natureza, mediante pagamento de cachês. Além de solicitar a apresentação das manifestações culturais à Fundarpe, a Setur‑PE pode agir de forma autônoma se houver necessidade “extra” e patrocinar apresentações. De uma forma ou de outra, a relação com os artistas é praticamente nula, resumida a um contato informal, muitas vezes pelo telefone, em que, sem mais. se agenda a data da apresentação e a forma de pagamento. Apesar de o discurso valorizar a cultura, o que se compreende como tal é a cultura do ponto de vista do que interessa ao turismo. “Oferecer o que tem de melhor, a arte, a música, as danças e a gastronomia”, discurso frequente no turismo que significa operacionalizar a cultura para o seu consumo. Ao mesmo tempo que o olhar do turismo se direciona a alguns elementos da cultura, a Fundarpe vem construindo nos últimos anos uma política pública estadual, com ampla participação de produtores, artistas e interessados na cultura, e o turismo surge como um dos meios de viabilizar a mesma, embora não o único. Os líderes de maracatus, interessados em participar nas duas secretarias (Fundarpe e Setur), possuem duas alternativas para oferecerem os seus “serviços”. De início a relação com o governo se dava através dos produtores culturais, que tiveram um papel importante na organização e formalização de muitos grupos. No entanto, alguns líderes passaram a atuar de forma autônoma, principalmente com relação aos contratos com o governo, o que passou a dificultar a aprovação de projetos22. No atual contexto, a cultura e o turismo assumem discursos distintos, e os principais interessados nesta relação – os líderes dos maracatus – são hoje em dia verdadeiros negociantes do seu produto. Diante de um governo que valoriza o popular, a Fundarpe vai assumir, por opção e ideário político, um papel de indutor e principal responsável pelo desenvolvimento da cultura: “O poder público do Estado de Pernambuco pela primeira vez começou a dizer que é papel, sim, do poder público garantir uma política pública cultural. [...] garantir igualdade de oportunidade de disputas através de editais, [...] prioridades para alguns segmentos excluídos, ela tem que contribuir para que o modelo de desenvolvimento seja um modelo de desenvolvimento sustentável, porque ele é poder público, ele é mediador das relações sociais[...]” (entrevista de um gestor público – concedida em maio de 2009). O processo não é isento de tensões. A preocupação do setor de turismo em não apresentar algo pouco produzido ou de má qualidade em nome da cultura é muitas vezes alvo de crítica, o que é interpretado na área cultural como desejo ‑por parte do primeiro‑ de “maquiagem” do real. 5. Considerações Finais Apesar de acreditar que a cultura é o diferencial, “é o plus que Pernambuco tem para promover como um grande destino turístico no Brasil”,23 a relação do turismo com os grupos de maracatus reduz‑se às fotos impressas, à imagem do caboclo de lança, providenciadas via agência de publicidade. As atividades estampadas nas fotos no desembarque do aeroporto, na chegada do turista, somente serão acessíveis durante sua permanência na cidade caso haja alguma apresentação programada ou se o turista ficar hospedado em algum resort que tenha uma programação autônoma de apresentações culturais. Apesar de os maracatus terem ensaios em suas sedes e até mesmo alguns ensaios abertos promovidos em espaços como Mercado Eufrásio Barbosa24 (Olinda) e Rua da Moeda (Recife), este circuito PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 368 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização não faz parte do que é oferecido aos clientes pelas agências. Percebe‑se que, embora se deseje fortalecer o turismo cultural, faltam ações práticas para viabilizar a consolidação deste segmento. Pelas agências de turismo, principais distribuidores do sistema turístico local e que, como regra, trabalham dentro de um modelo massivo, dificilmente esse turista chegará a algum desses dois pontos. Embora o governo pareça satisfazer anseios do trade (que cobra um espaço/local para apresentação das manifestações populares) e dos grupos de maracatus que buscam apresentações como meio de sustento, os turistas, pressumidamente os principais interessados em ter acesso às apresentações culturais, precisam se satisfazer com pequenas exibições enquanto pegam a bagagem na sala de embarque25 ou em coincidir sua estada com um período de festividade específica em que apresentações de maracatus tenham sido predeterminadas pelas áreas de turismo e cultura. A política de cachês limita as possibilidades de apresentação para turistas, ao mesmo tempo que traz para as secretarias a ilusão de promover o turismo cultural através das mesmas. Está claro o interesse da iniciativa privada em gerar negócio, mas não parece transparente ainda o fundamento das ações pontuais da iniciativa pública. O pagamento dos cachês não evoluiu em mais de uma década para uma política mais definida para o setor. Enquanto as ações culturais buscam valorizar as manifestações populares e, dessa forma, procuram espaços para que estas recebam cachês artísticos, há uma tensão quando o turismo quer desenvolver algo para o turista ver, não sendo levado em consideração o grau de superficialidade. O reconhecimento do potencial do turismo cultural existe, porém os interessados da cadeia produtiva têm olhares distintos: enquanto a Fundarpe valoriza a cultura do ponto de vista mais amplo, simbólico, a Setur‑PE reflete a ótica do trade turístico, que enxerga a cultura como negócio. “O turismo, ele entra para somar, a partir do momento que nós temos uma cultura forte, como um grande diferencial como tantos outros produtos que nós temos no Recife e em outras cidades Eu acho que isso é o grande diferencial. E o turismo, sim, aproveitando todas essas manifestações culturais da nossa cidade, [...] fazendo com que as pessoas venham aqui encontrar essa diferença” (entrevista de um gestor público – concedida em fevereiro de 2009). Sob a ótica do trade, não se cogita a possibilidade de que o turismo cultural possa ser realizado em pequenos grupos, pessoas com interesses específicos que possam ir a alguns locais que tenham condições de recebimento de turistas. Alguns espaços têm horários e programações preestabelecidas; no entanto, são muito mais frequentados por residentes locais. É o caso da Casa da Rabeca, onde está abrigado o Maracatu Piaba de Ouro, que recebe semanalmente uma grande quantidade de residentes interessados em ritmos populares. Nessa direção, a Secretaria Municipal de Turismo do Recife desenvolve, através do programa Turismo na Comunidade,26 melhorias para disponibilizar alguns locais com características culturais que são potenciais atrativos para visitação in loco. Esses espaços tendem a possibilitar uma relação de experiência cultural entre turistas e residentes mais espontânea, uma vez que os primeiros teriam chance de dividir o mesmo espaço, o que não ocorre nas apresentações. A Secretaria de Turismo porém, talvez influenciada pelo próprio trade turístico, não vislumbra algumas dessas possibilidades como alternativas reais para o contato entre turista e manifestações populares. Inserir‑se na esfera do turismo ampliou o processo de visibilidade dos maracatus, que tornaram‑se ícones turísticos do estado, tendo sua imagem reconhecida no panorama nacional e internacional em função de uma opção das políticas públicas que direcionaram as ações para o turismo cultural. As apresentações para turistas, encontram seu lugar na dinâmica do mercado. Para os grupos de maracatus, trata‑se de uma fonte de renda; para os turistas, um entretenimento; para o trade, uma forma de oferecer “cultura”; para o estado, uma forma barata de atender demandas. Pensando pela ótica do encontro visitante‑visitado, à luz da antropologia, pode‑se considerar essa relação como produtora apenas de contatos rápidos e superficiais, típicos de shows. O espetáculo vai, no máximo, em alguns momentos, permitir convidar o turista a participar de uma dança, quando trocará poucas ou nenhuma palavra com o artista e logo em seguida o grupo se despede. Do ponto de vista do discurso da aculturação, tão presente na antropologia na década década de 1980, não há indícios de que este processo esteja acontecendo entre os maracatus. Eles fazem parte de uma arena turística, como no caso dos índios pataxó pesquisados por Grünewald (2002), que se deslocam de sua aldeia para colher os benefícios econômicos da relação com os turistas e mantêm internamente PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 369 seus rituais na sociedade à qual pertencem, ou como os Balinenses estudados por Mckean(1989) que retiram, das suas danças apresentadas em público, os elementos rituais. No caso dos maracatus, há uma clara separação entre o sagrado e o profano. As práticas religiosas dos grupos tradicionais não foram esquecidas; os maracatus passaram a manter os seus rituais em sua rotina diária dentro da sua comunidade, separando‑os do espetáculo. Sendo assim, principalmente os líderes dos maracatus tradicionais buscam ressaltar a importância de manter as oferendas, apesar de parecer uma relação pessoal do brincante com os santos. A manutenção da religião tem sentido de distinção até mesmo entre tipos de maracatus nação e rural. No entanto, para os brincantes, não há uma incompatibilidade entre o sagrado e as apresentações remuneradas ao longo do ano. Percebe‑se que há um orgulho por serem valorizados e admirados como artistas e, portanto, merecedores do cachê, visto que ser artista também é uma profissão. Além disso, a exposição ao público atinge em graus diferentes a relação dos brincantes com os seus santos e há um claro entendimento de que a apresentação artística não passa de um espetáculo “para turista ver”. Manter‑se diante desse novo contexto significa desenvolver novas habilidades, como saber empre-sariar o próprio grupo, frequentar reuniões e buscar formas de viabilizar economicamente o máximo de apresentações para o grupo: “A gente (os líderes de maracatus) se encontra muito pelas repartições públicas catando alguma coisa. Aí às vezes a gente se encontra numa reunião, e dali se tornou uma amizade, mas existe sempre um respeito um com o outro, porque até o formato deles é diferente do nosso, não existe concorrência, porque é diferente, até o nosso lado religioso é diferente do deles. Nós somos da jurema, eles são dos orixás, assim, não tem como haver uma rivalidade. Você nunca ouviu falar que um baque solto brigou com um baque virado, isso nunca vai acontecer, porque esse respeito é mútuo” (líder de maracatu – entrevista concedida em maio de 2009). Em primeira análise, entrar no cenário dos cachês significa para os grupos de maracatus buscar atingir os níveis de formalização para que os grupos encontrem condições de competir no contexto empresarial: projetos culturais, apresentações individuais, seleções para participarem de receptivos, apresentações em hotéis, etc. Embora todos os grupos busquem outras apresentações patrocinadas pela iniciativa privada, o governo ainda é o seu maior cliente, uma vez que a cultura popular não tem um apelo capaz de sensibilizar a iniciativa privada. Para além das ações culturais mediadas pelo governo do Estado, o ano de 2004 passou a ser um marco importante com os chamados pontos de cultura. Esses constituem uma ação prioritária dentro do programa Cultura Viva, em que mediante uma parceria entre o Ministério de Cultura e a sociedade civil são firmados convênios e através de editais públicos são selecionados pontos de cultura que vão desenvolver suas atividades em benefício da comunidade. A partir do momento em que um local se transforma em ponto de cultura, ele fica responsável por articular e impulsionar as ações que já existem nas comunidades.27 O programa do Ministério da Cultura (MinC) veio ampliar o leque de uma ação que garantiria com maior efetividade o desenvolvimento dos grupos de maracatus em comparação com a política de cachês da Setur‑PE (ou mesmo da Fundarpe). O primeiro edital federal contemplou os grupos de maracatus Estrela de Ouro (município de Aliança) e Piaba de Ouro (município de Olinda). Embora não seja foco da pesquisa analisar os pontos fortes e os pontos fracos, esse programa amplia possibilidades de desenvolvimento numa perspectiva mais empreendedora do que a ação do turismo, visto que os grupos apresentam projetos e recebem recursos para desenvolverem suas habilidades em treinamentos, gravações de DVDs, cursos para a comunidade, etc. Ações culturais dessa natureza possibilitam o fortalecimento e a autonomia para os grupos, além de uma interlocução promovida pelo próprio programa. De fato, ao longo desses anos, esta parece ter sido a única alternativa pública que surge paralela à busca dos grupos de inserir‑se no calendário de eventos e assim garantir os seus cachês. Como evidenciado nas entrevistas, há nos grupos de maracatus já inseridos no programa um orgulho em ser ponto de cultura e a possibilidade de conseguir desenvolver ações concretas com foco principalmente na própria comunidade onde o maracatu se encontra inserido. Apesar das críticas existentes com relação aos pontos de cultura, para os maracatus contemplados essa atuação torna‑se muito mais concreta do que as constantes visitas a repartições públicas, desconectadas e dependentes da boa intenção do governo. Sendo assim, o caminho de elaborar projetos e investir na PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 370 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização sua sede passa a ampliar as possibilidades e a permitir uma certa independência de alguns grupos com relação às gestões municipais e estadual. Com isso conseguiram inclusão social e digital, entre outros benefícios. Para os grupos populares que já estavam formalizados, participar dos editais era muito mais uma tarefa de aliar‑se a produtores culturais, que vão exercer um papel importante de organização e intermediação desses grupos para que eles se habilitem (roupas, adereços, tipos de apresentações, organização empresarial, obtenção de CNPJ28) ao modelo do mercado cultural. A prática, ao longo dos anos, tem permitido aos próprios líderes agenciar os seus grupos e investir em aprimorar cores, som, expressão corporal, tradição, singularidade, resgate, luta, história, adaptação dos aspectos simbólicos, de forma que o folguedo permaneça a ocupar um lugar de destaque ao longo das décadas. A permanência dos maracatus como manifestação cultural transforma todos os atores sociais em “clientes em potencial” para o “negócio maracatu”. Entrar no circuito de mídia local, nacional e internacional possibilita aos grupos de maracatus adaptarem suas apresentações‑espetáculo dentro do que faz sucesso entre os espectadores: ritmo musical, lutas entre caboclos, envolvimento do público, valorização da tradição, inclusão da mulher, além de investimento na elaboração de roupas coloridas, que impactam a apresentação por causa do colorido. Essa re formatação dos maracatus faz parte do modelo que o mercado passa a exigir e que os grupos passam a assumir conscientes de entrarem em cena sob o conceito artístico da manifestação cultural. “O que ocorre é uma desritualização do maracatu e uma transformação de ritual em música. É difícil explicar isso em poucas palavras, mas, tentando resumir, se nos anos 60 e nos anos 70 era difícil, era inconcebível criar um maracatu, isso explica o fato de existirem cinco grupos, seis grupos, sete grupos no máximo. Na atualidade a fundação de maracatus é quase que um por ano; atualmente nós temos 28 maracatus nação. Então sua transformação em produto é concomitante a esse crescimento dos interesses da indústria e do turismo local, que se apoia em uma suposta cultura pernambucana para poder transformar o turismo em algo atraente” (entrevista de um líder de maracatu – concedida em março de 2009). Paralelamente e de forma mais sistemática, o caboclo de lança vai figurar em todos os catálogos publicitários de turismo tanto no setor público quanto no privado. Dessa forma, a figura do maracatu torna‑se emblemática, embora o seu significado seja confuso, assim como a sua representação para os turistas, o que é assunto para outra investigação. Bibliografia Barretto, Margarita 2007 Cultura e turismo: Discussões contemporâneas. Campinas, SP: Papirus. Boissevain, Jeremy 1996 Coping with tourists. European Reactions to Mass Tourism. EUA: Berghahn Books. 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Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 371 McKean, Philip F. 1989 “Towards a Theoretical Analysis of Tourism:Economic Dualism and Cultural Involution in Bali.” In: Smith, Valene Hosts and Guests. The anthropology of tourism. Philadelphia:University of Pennsylvania Press. MTUR_Ministério do Turismo 2005 Segmentação do turismo. Marcos Conceituais. Brasília Ryan, C. 2002 “Tourism and Cultural Proximity: Examples from New Zealand”. Annals of Tourism Research (29), 952‑971. Santana, Agustín 2009 Antropologia do turismo. Analogias, encontros e relações. São Paulo: Aleph. Santana, Agusrtín 1998 Patrimonio cultural y turismo: reflexiones y dudas de un anfitrión” Revista Ciencia y Mar, 6, 37‑41. Smith, Valene 1989 Hosts and guests: the anthropology of tourism. 2 ed. USA: University of Pennsylvania Press. Tolila, Paul 2007 Cultura e economia: problemas, hipóteses, pistas. São Paulo: Iluminuras/Itaú Cultural. 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Plano Estratégico de Turismo de Pernambuco – Pernambuco para o mundo ‑ http://www2.setur.pe.gov. br/web/setur Acesso: 01/02/2009. Plano Nacional de Cultura – http://www.cultura.gov.br/site/categoria/politicas/plano‑nacional‑de‑cultura/ Acesso em: 10/03/2009. Plano Nacional de Turismo – uma viagem de inclusão social. http://www.turismo.gov.br/turismo/o_mi-nisterio/ plano_nacional/ Política Cultural – FUNDARPE ‑ http://www.fundarpe.pe.gov.br/politicacultural.php Acesso em: 01/02/2009. Secretaria de Turismo de Pernambuco. Relatório de Atividades 2008. UNESCO. Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224POR.pdf. Acesso em: fev. 2008. Notas 1 Embora esse discurso exista até os dias atuais, Craik (1997:120) adverte que somente uma minoria dos turistas podem ser considerados verdadeiros turistas culturais, enquanto a maioria é “culture proof”. Com base em pesquisa, Silberberg revela que somente 5% dos residentes e 15% dos turistas eram considerados altamente motivados pela cultura. Na esteira do discurso da mudança de foco da demanda, Boissevain (1996) diz que não somente o sol e a praia se tornam atrativos, mas também a cultura, a natureza e a vida rural passam a ser objetos de desejo do turista pós‑moderno. Nesse caso, estudos apresentados em seu livro Coping with tourists referem‑se aos diferentes graus de turistas cultural. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 372 Políticas públicas de cultura e turismo, e sua influência na profissionalização 2 Ressalvando setores como as indústrias culturais (livro, cinema e música), que movimentam cifras e têm um esquema distributivo em nível mundial bem delineado. 3 O termo turismo cultural é compreendido como um entre vários segmentos oferecidos no mercado, no entanto, Cravidão (2004) considera essa utilização um pleonasmo, uma vez que o turismo é naturalmente cultural, pois envolve paisagens, patrimônio e lugares. De fato, na atualidade, o turismo tornou‑se símbolo da sociedade do bem‑estar. 4 1‑ O turista cultural por intenção é aquele que tem como razão principal na escolha do destino uma experiência cultural profunda; 2‑ o turista cultural a passeio é aquele que tem como principal interesse a cultura do outro, porém de forma mais superficial e divertida; 3‑ o turista cultural casual é aquele que observa o que existe em termos de cultura, mas isso não foi decisivo na escolha do destino, pois ele tem um interesse superficial pela cultura; 4‑ o turista cultural por acidente é aquele que não escolheu um destino por razão da cultura, mas que poderá participar de forma superficial em alguma atividade cultural no destino; 5‑ o turista cultural espontâneo é aquele cuja decisão pela viagem não foi influenciada pela questão cultural, mas quando chegou ao país teve uma experiência profunda com os atrativos culturais encontrados. 5 Segura (2007) narra a experiência do que é oferecido nos pacotes turísticos em Teotihuacán, no México, e tudo o que deixa de ser aproveitado no local, visto que a excursão permanece um número de horas predeterminado no local. 6 Grandes operadoras de turismo que são intermediários do produto em todo o mundo, diretamente ao cliente ou através das agências de viagens. 7 https://www.youtube.com/watch?v=3MZB_ccvUqQ 8 Para mais detalhes sobre definições e origem dos maracatus, ver LIMA, Ivaldo Marciano de França. Maracatus e maracatuzeiros: desconstruindo certezas, batendo afayas e fazendo histórias. Recife, 1930‑1945. Recife: Bagaço, 2008. 9 Carismático artista popular proveniente da Zona da Mata que impulsa a valorização do maracatu rural Piaba de Ouro criado em 1977 10 Album Rhythm of the Saints, especialmente a música “The obvious child” 11 Assim como no turismo de eventos e nas viagens de negócios. 12 Conforme relatório de 31/12/2012 do Instituto Oceanário de Pernambuco, do Departamento Pesca e Aquicultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco, de 1992 a 2012 houve 56 ataques de tubarão no local. Este departamento realiza desde então um grande trabalho de educação ambiental aos banhistas. Relatório disponível em http://www.portaisgoverno.pe.gov.br/c/document_library/ get_file?uuid=0fab503c‑d5b8‑48e3‑8587‑0d4ce336e368& groupId=124015. Acessado em 17/05/2014. 13 movimento musical que surgiu no Recife na década de 90 que mistura ritmos regionais, como o maracatu, rock, hip hop e música eletrônica. 14 A partir dos anos 90, com o movimento manguebeat, os maracatus de baque solto, ditos rurais, passaram a subir aos palcos. A exposição no palco ao lado de artistas famosos influenciou a mudança do cenário dos grupos de maracatu, que muitas vezes eram considerados manifestações inferiores, até mesmo discriminadasFoi necessário, no entanto,um grande trabalho de organização e de formalização dos grupos que possibilitasse a exposição dos maracatus e até mesmo o recebimento de cachês. 15 Carnaval fora de época que ocorreu durante vários anos na Avenida Boa Viagem com ênfase em trio elétricos e bandas de axé. 16 Carnaval, Semana Santa, São João, Natal. 17 Esses são bastante criticados por valorizarem o toque em si e terem como atrativo principal o ritmo, fora de qualquer contexto do maracatu em si. 18 A Associação dos Maracatus Rurais, criada pelo Mestre Salustiano na década de 80, começou com 12 grupos. Após quase 20 anos de existência, possui 105 grupos participantes. O nível de formalização e seus avanços são narrados em entrevista: “O maracatu era o nome do dono, por exemplo, maracatu de seu Antônio, era o Maracatu Leão de Ouro de Seu Antônio. Mas não tinha o CNPJ e aí a associação foi tendo cuidado com isso e até hoje vem crescendo. Todos os anos a gente vem associando maracatus novos. E ninguém é melhor que ninguém, todo mundo lá tem direitos iguais. Se chegar R$ 1,00, é para dividir para todos, e se chegarem R$ 1.000.000,00, divide em partes iguais, não tem maracatu grande e maracatu pequeno. Com isso foram se criando oficinas de qualificação, porque os caras já sabiam bordar, mas tinham uma certa dificuldade, e às vezes tinha caboclo velho que tinha deixado de bordar e voltou a bordar. Aí com isso também vai se economizando dinheiro, porque você deixa de pagar a um artesão e você mesmo era o artesão. A associação foi criada dessa forma, ela foi criada com ideia de unir, depois criou a ideia de se organizar com documentações, conscientização e qualificação PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 13 N° 2. Special Issue. Febrero 2015 ISSN 1695-7121 Carla Borba, Margarita Barretto 373 dos próprios fogazões. Essa é a ideia da associação” (entrevista concedida por um integrante do Maracatu Piaba de Ouro em maio de 2009). 19 Instituto Brasileiro de Turismo (antes Empresa Brasileira de Turismo) encarregado da promoção turística vinculado ao Ministério. 20 Há semelhança é tal que segundo o mestre de maracatu o que vai diferenciar esse grupo de percussão do maracatu nação é sua ligação com o terreiro, mas por uma questão de inserir‑se socialmente no espaço muitos dirão que tem essa ligação, mesmo não sendo verdade. 21 Cecconi (2009) reforça os resultados negativos produzidos por estas casas de espetáculo em Buenos Aires, tanto em relação aos trabalhos gerados para os artistas quanto pela artificialidade envolvida nas apresentações para os turistas . 22 Desde que elaborar projetos para serem apresentados a órgãos públicos requer um conhecimento específico. 23 Entrevista de um gestor público – concedida em março de 2009). 24 No caso de Olinda, há um espaço cedido pelo município para que os grupos realizem apresentações no local. 25 Esta ação é bastante questionada, uma vez que o turista, quando chega, tem pressa em sair do aeroporto e não quer parar e observar a apresentação. Além disso, o maracatu passa a ser uma manifestação que faz bastante barulho, muitas vezes parecendo uma grande agitação, e não uma forma receptiva de receber os turistas. 26 O programa tem como objetivo estruturar determinados locais de grande potencial turístico e valor cultural da comunidade para torná‑los mais aptos a receber visitantes. Além da requalificação dos espaços, a Secretaria de Turismo do Recife promove capacitação e treinamento voltados para o turismo. A definição dos espaços se dá a partir de uma análise dos espaços e das solicitações da própria comunidade sob a supervisão da Fundação Gilberto Freyre. Para a primeira etapa do programa, oito espaços foram contemplados: Arlindo dos Oito Baixos, Terreiro de Pai Adão, Espaço Cultural da Moeda, Bar da Geralda, Clube Bela Vista, Restaurante da Mira, Clube Madeira do Rosarinho, Clube das Pás. 27 Após a seleção via edital, o ponto de cultura recebe a quantia de R$ 185 mil, divididos em cinco parcelas semestrais, para investir conforme o projeto apresentado. Parte da primeira parcela, no valor mínimo de R$ 20 mil, é utilizada para aquisição de equipamento multimídia em software livre (os programas serão oferecidos pela coordenação), composto por microcomputador, miniestúdio para gravar CD, câmera digital, ilha de edição e o que for importante para o ponto de cultura. Fonte: http://www.cultura.gov.br/cultura_viva/?page_id=31. Acesso em 25 de agosto de 2009. 28 Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, que é a inscrição para fins impositivos. Recibido: 22/05/2014 Aceptado: 03/12/2014 Sometido a evaluación por pares anónimos |
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