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www.pasosonline.org Vol. 9 Nº 4 págs. 647-659. 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: desafi os e perspectivas Manuela de Oliveira Botrel i Priscila Gomes de Araújo ii José Roberto Pereira iii Universidade Federal de Lavras (Brasil) i Mestranda do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras. E-mail: ma-nuelabotrel@ yahoo.com.br ii Mestranda do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras. E-mail: priscila2210@yahoo.com.br iii Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília e professor do Programa de Pós-Graduação em Adminis-tração da Universidade Federal de Lavras. E-mail: jrobpereira25@yahoo.com.br Resumo: O objetivo deste ensaio teórico é analisar a gestão dos bens culturais no Brasil a partir da formação da esfera pública e da política federal de preservação do patrimônio histórico e artístico. Procura-se responder a questão: quais os desafi os e as perspectivas da gestão social dos bens cul-turais no Brasil? A esfera pública sob a ótica habermasiana compreende uma rede adequada para a comunicação de conteúdos e formação de opiniões. Os resultados mostram que a gestão social apresenta melhores perspectivas para a gestão de bens culturais, pois inclui a sociedade, estimula a participação dos cidadãos na preservação e legitima as representações culturais da sociedade. Po-rém, apresenta como desafi o a superação do elitistismo na preservação de bens culturais no Brasil. Palavras-chave: Gestão social; Esfera pública; Políticas públicas; Patrimônio histórico; Bens cul-turais. Title: Social management of cultural heritage in Brazil: challenges and perspectives Abstract: The aim of this essay is to investigate the cultural heritage management in Brazil from the formation of the public sphere and the federal policy of artistic and historical heritage preservation. We’ve tried to answer which are the challenges and perspectives of the social management of cultural heritage in Brazil. The public sphere from the perspective of Habermas is understood as an appropria-te network for the communication of contents and trend setting. The outcomes show that the social management exhibits better perspectives to the cultural heritage management, because it includes the community, stimulates the citizen’s participation in the conservation and legitimates the community cultural representations. However, the challenge is the elite status overcoming in the cultural heritage preservation in Brazil. Keywords: Social management; Public sphere; Public policies; Historic heritage; Cultural heritage. © PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121 648 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 Introdução A gestão de bens culturais no Brasil é um tema ainda pouco estudado na academia e carente de uma políti-ca pública embasada na diversidade social e na preser-vação, construção e reconstrução de espaços públicos. No entanto, nos últimos anos, tem ganhado espaço nas pesquisas produzidas por uma gama de profi ssionais, como antropólogos, sociólogos, historiadores, arquitetos, economistas, administradores, dentre outros, funda-mentando- se como temática multidisciplinar e relevan-te para a busca da identidade nacional e emancipação social. Os bens culturais são historicamente associados à noção do sagrado, de uma memória a ser preservada e cristalizada. O sagrado faz parte do indizível da expe-riência humana e deve permanecer assim, intocável ou inalterado. Todavia, nas últimas décadas, no Brasil, a concepção de bens culturais vem se transformando na direção de um bem público que fundamenta a identi-dade de uma sociedade, que faz parte do cotidiano das pessoas e da esfera pública. Essa concepção de bens culturais como elemento for-mador da identidade nacional no Brasil está respaldada e legitimada na Carta Constitucional de 1988, especi-fi camente no artigo 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valori-zação e a difusão das manifestações culturais.” (Bra-sil, 1988). No artigo 216 desta Constituição consta sua abrangência e formas de preservação: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados indivi-dualmente ou em conjunto, portadores de referên-cia à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. (...) O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural bra-sileiro, por meio de inventários, registros, vigilân-cia, tombamento e desapropriação, e de outras for-mas de acautelamento e preservação (Brasil, 1988). Além disso, os estudos de Fonseca (1997; 2001; 2003) sustentam essa nova concepção ao revelar que as prá-ticas de preservação do patrimônio histórico e dos bens culturais são responsáveis, em parte, pela construção da identidade nacional e pela consolidação dos estados-nação. Foi a idéia de nação que veio garantir o estatuto ideo-lógico (do patrimônio), e foi o Estado nacional que veio assegurar, através de práticas específi cas, a sua preservação (...). A noção de patrimônio se inseriu no projeto mais amplo de construção de uma identidade nacional, e passou a servir ao processo de consolidação dos estados-nação modernos (Fonseca, 1997: 54-59). Uma das práticas sociais que colabora para conso-lidação dessa concepção de bens culturais é o turismo cultural. O grande fl uxo de turistas nacionais e interna-cionais em cidades brasileiras que possuem acervo his-tórico e cultural, como no caso do Barroco nas cidades de Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei e Tiradentes, desperta a população local e a sociedade brasileira para os valores culturais que formam nossa identidade. As-sim, os bens culturais e o patrimônio histórico passaram a fazer parte das preocupações cotidianas da população como “coisa pública” ou “negócios públicos”. Os interes-ses públicos em torno dos bens culturais foram fortaleci-dos com a formação de espaços públicos de participação da sociedade e de investimentos do Estado no aparelha-mento das atividades turísticas. No entanto, a formação de uma “esfera pública”, na acepção literal de Habermas, em torno dos bens cul-turais no Brasil, ainda é incipiente. Habermas (2003) considera a esfera pública como uma das categorias so-ciológicas centrais para entender, sistematicamente, a nossa própria sociedade. Esse autor estudou a formação da esfera pública burguesa como uma instância mante-nedora dos próprios interesses, mas que se transformou ao longo da história em uma instância mantenedora dos interesses de toda a sociedade. No âmbito histórico de desenvolvimento da esfera pública, destaca-se o Estado como “poder público” pela tarefa que assume de promo-ver o bem público, o bem comum a todos os cidadãos. Todavia, a concepção de esfera pública almejada por Ha-bermas (2003) diz respeito a um espaço público onde a ação comunicativa pode favorecer uma consciência cole-tiva capaz de possibilitar uma existência solidária, não coercitiva, libertadora e igualitária entre os homens. Nesse contexto de análise, destacam-se dois aspec-tos importantes. Por um lado, a formação de uma esfera pública voltada para a preservação dos bens culturais com base na organização da sociedade civil e na parti-cipação social constitui um desafi o para a gestão social desses recursos. Por outro lado, as políticas públicas de preservação do patrimônio histórico e cultural têm sido a forma adotada pelo Estado de administrar os bens cul-turais no Brasil, o que pode contribuir ou prejudicar a formação da esfera pública necessária para a gestão so-cial dos bens culturais. Tendo em vista essas considerações iniciais, procurar-se- á, neste ensaio teórico, responder à questão: quais os PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 649 desafi os e as perspectivas da gestão social dos bens cul-turais no Brasil? Para responder a essa questão, torna-se necessário defi nir o que são bens culturais, analisar a formação da esfera pública voltada para a preservação de bens culturais e a política de preservação do patri-mônio histórico e artístico cultural no Brasil. Por últi-mo, analisam-se os desafi os e as perspectivas da gestão social dos bens culturais como meio de efetivar a esfera pública e garantir o cumprimento legal de preservar o patrimônio histórico e cultural no Brasil. O que são bens culturais? A defi nição de bens culturais perpassa pela abordagem antropológica de cultura. Como esclarece Bosi (1992), o termo cultura, na sua forma mais subs-tantiva, tanto se aplica ás labutas do solo, da agricul-tura, como a qualquer trabalho feito pelo ser humano desde sua infância. No campo antropológico e social, o signifi cado de cultura mais geral não mudou no deco-rrer dos séculos, signifi cando “o conjunto de práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a repro-dução de um estado de coexistência social” (Bosi, 1992: 16). Choay (2001) descreve a importância dos bens cultu-rais a partir dos signifi cados de “patrimônio”. Segundo a autora, o termo “patrimônio” está relacionado às es-truturas familiares, econômicas e jurídicas de uma so-ciedade estável, enraizada no espaço e no tempo. Esse termo foi requalifi cado por diversos adjetivos (genético, natural, histórico, cultural, etc.) que fi zeram dele um conceito nômade, que segue hoje uma trajetória retum-bante e que repercute nas sociedades. Sinteticamente, o termo designa um bem destinado ao usufruto de co-munidades que se ampliaram por meio da acumulação contínua de uma gama de objetos e práticas que se con-sagraram por seu passado. Zanirato e Ribeiro (2006) analisam que a preser-vação das produções de caráter cultural e patrimonial foi extremamente restrita ao longo da história. Em cer-tos momentos da trajetória humana, somente as obras de arte eram consideradas dotadas de valor, sendo pas-síveis de preservação. Objetos e bens de uso utilitário, sobretudo aqueles oriundos das chamadas classes sub-alternas se perderam, em especial, o material de uso cotidiano encontrado nas escavações arqueológicas dos séculos XVIII e XIX. A lógica que presidia as escavações era a da busca de objetos de interesse artístico que apre-sentavam interesses utilitaristas de mercado. Os vestí-gios que não contemplavam tais interesses não foram conservados. Na contemporaneidade, a concepção de bens culturais superou o interesse utilitarista, valorizando a preservação dos bens culturais produzidos por qualquer classe ou etnia, ou em qualquer espaço, como relevan-te herança e legado de uma sociedade ou nação. Des-sa forma, os bens culturais são considerados como um conjunto de patrimônios materiais ou imateriais de con-siderável signifi cado para a coletividade e para a me-mória social. Os signifi cados, a delimitação e relevância atual de bens ou patrimônios culturais são analisados, historicamente, por diversos autores, como Magalhães (1997), Fonseca (1997), Lemos (2006) e Funari e Pele-grini (2009). Magalhães (1997) ressalta que o conceito de bens culturais engloba diversos bens: os de valor histórico – essencialmente voltados para o passado; os de expres-são individual – obras que constituem o acervo artístico, como a música, o teatro, a literatura, entre outros; e os do fazer popular – que estão inseridos na dinâmica da vida cotidiana. De acordo com esse autor, o bem cultural tem um conceito abrangente, envolvendo elementos de várias naturezas e signifi cados da vida em sociedade, que perpassam o bem material e o imaterial, o intan-gível. Dentre os bens culturais materiais encontram-se os núcleos urbanos, as grandes edifi cações, igrejas e san-tuários, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens indi-viduais, como os móveis de determinada época, acervos arqueológicos, museológicos, documentais, bibliográfi - cos, arquivísticos, videográfi cos, fotográfi cos e cinema-tográfi cos. Já os bens culturais imateriais, categoria de relevância identitária e cultural, abrangem as represen-tações, celebrações, expressões, conhecimentos, fazeres e técnicas. Essa categoria, recentemente preservada no Brasil, opõe-se ao chamado patrimônio edifi cado, de pedra e cal, denominação dada por Gonçalves (1996), visando aos aspectos da vida social e cultural que não foram contemplados pelas concepções mais tradicionais de patrimônio. Dentre os patrimônios imateriais, pode-se destacar a literatura, a música, o folclore, a linguagem e os cos-tumes de um povo ou sociedade. Essa nova categoria, o partimônio imaterial, como o próprio Instituto do Patri-mônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) conside-ra, é transmitido de geração em geração e constan-temente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimen-to de identidade e continuidade, contribuindo as-sim para promover o respeito à diversidade cul- 650 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 tural e à criatividade humana (IPHAN, 2009). Em termos internacionais, a UNESCO (United Na-tions Educational, Scientifi c and Cultural Organiza-tion), órgão da ONU criado em novembro de 1946, é a entidade responsável pela discussão e orientação das políticas dos bens culturais. Esse órgão busca promover o respeito à diversidade cultural, ao direito à cultura, inaugurando o diálogo intercultural e um novo olhar so-bre a preservação do patrimônio cultural no mundo. Na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, realizada pela UNESCO em 2003, o patrimô-nio cultural imaterial é defi nido como: práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, ar-tefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns ca-sos, os indivíduos reconhecem como parte integran-te de seu patrimônio cultural (UNESCO, 2003: 02). A UNESCO, ao defi nir no ano de 2003 o patrimônio imaterial como objeto de instrumento normativo multi-lateral no campo da cultura, infl uenciou políticas e prá-ticas de preservação desse patrimônio em vários países no mundo. Com a contemplação do patrimônio imaterial a gama de bens culturais protegidos estava completa. Enfi m, as múltiplas paisagens, arquiteturas, tra-dições, gastronomias, expressões de arte, documentos e sítios arqueológicos passaram ser reconhecidos e valori-zados pelas comunidades e organismos governamentais na esfera local, estadual, nacional ou internacional na sua totalidade. No Brasil, o IPHAN é o órgão que atua em parceria com os estados da federação e governos municipais, formando-se uma rede interorganizacional (um espaço público estatal) voltada para a preservação do patrimônio histórico e cultural. Dessa forma, tanto o espaço público estatal quanto as várias representações populares da cultura reforçam os possíveis espaços intersubjetivos, comunicativos, nos quais as pessoas expressam seus valores por meio do entendimento mútuo. Nesse sentido, pode-se considerar a existência de uma esfera pública em torno da preser-vação dos bens culturais no Brasil? Vamos desenvolver a resposta a essa questão a seguir. A esfera pública habermasiana Para Habermas (2003: 17), a esfera pública é “um princípio organizacional de nosso ordenamento político” e se formou com base nas mudanças sociais, econômi-cas, políticas e culturais ao longo da história. Habermas (2003) faz referências às duas tradições para demons-trar a origem da “esfera pública”: a grega, para a qual a esfera pública é o espaço de discussão da polis - base de democracia ateniense; e a romana, para designar as atribuições do senado e do império e os assuntos e bens da res publica. Os gregos viam a “esfera pública” como um espaço de liberdade, onde podiam por meio dela ex-pressar seus pensamentos e vontades e, assim, dar con-tinuidade aos seus anseios. Para eles “só à luz da esfera pública é que aquilo que é consegue aparecer, tudo se torna visível a todos” (Habermas, 1997: 16). Para Habermas (2003), a “esfera pública” foi o espaço em que a sociedade burguesa utilizou para se desenvol-ver, apesar de muito antes desse período já se falar em “público”, daquilo que não é “privado”. Ao analisar as mudanças culturais na história da sociedade européia, Habermas (2003: 56) considera que o concerto, o teatro e os museus institucionalizaram o julgamento leigo sobre a arte, ou seja, “a discussão torna-se um meio de sua apropriação”, ao que chamou de “crítica de arte como conservação”. Nos séculos XVII e XVIII, cafés e salões surgem como sendo espaços utilizados por ingleses, franceses e ale-mães para a discussão livre de assuntos de interesse coletivo, onde conversavam igualmente, como sujeitos livres e autônomos. Esses espaços foram utilizados para substituir a representatividade pública das cortes por instituições de “esfera pública” burguesa, onde pes-soas privadas discutiam assuntos de interesse coletivo. Eram nesses espaços que emergiam, também, a crítica literária, locais nos quais a literatura tinha de se legi-timar, em que a intelectualidade se encontrava com a aristocracia (Habermas, 2003). Porém, esses salões e cafés eram frequentados por um público restrito, uma elite. Nesse sentido, Habermas (2003) afi rma que não se deve crer que a concepção de público que implica a igualdade do simplesmente “meramente humano” tenha sido efetivada com os salões, cafés e associações, mas com eles foi institucionalizada enquanto idéia e, dessa forma, colocada como rei-vindicação, no entanto efi caz (Habermas, 2003: 52). Pode-se assim, caracterizar a “esfera pública” como sendo o espaço onde o público pode se representar so-cialmente. Seria o espaço do domínio daquilo que se pode falar sem reservas, uma arena pública e lócus de discussão e interação social. A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, to-madas de posição e opiniões, nela os fl uxos comu- PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 651 passa a mudar seu sentido ao ser empregada como uma discussão crítica na esfera pública, como uma opinião verdadeira, superando a antítese “opinion” e “critique”. No sentido de esclarecer o signifi cado original do termo “opinion publique”, Habermas (2003) recorre a Rosseau e explica que o referido termo expressa a idéia de ci-dadãos reunidos em praça pública para aclamação, mas não expressa a idéia de argumentação pública de um público esclarecido. Além disso, ao buscar em Jeremy Benthan outro sentido de opinião pública, Habermas (2003, p. 123) encontra o sentido da “publicidade”: “a publicidade das negociações parlamentares assegura uma ‘supervisão do público’, cuja capacidade de crítica é tida por comprovada (...)”. Nesse sentido, a opinião pú-blica equivale a um poderoso tribunal. Contudo, Habermas (2003: 128) considera que a idéia de esfera pública burguesa atingiu sua confi guração teórica amadurecida com o princípio da publicidade de Kant, que diz respeito ao “princípio único que garante o acordo da política com a moral”. Mais à frente, Haber-mas (2003) relaciona o público pensante dos “homens” como “cidadãos” que procuram entender das questões da “res publica”. No entanto, ressalta que todos os homens de uma sociedade deveriam desejar a situação em que a política e a moral fossem coincidentes, ou seja, não bas-ta apenas a existência de uma constituição legal, mas o desejo de todos em sua aplicação. E o poder político é o ponto de partida para isso e para a formação de um Estado de Direito. Assim, fundamentado em Kant, Ha-bermas (2003: 134) considera que a publicidade garan-te, racionalmente, benefícios públicos, citando o slogan de Mandeville: “private voices, public benefi ts”. Sendo assim, analisa que o progresso da legalidade depende diretamente de um progresso da moralidade pública. Para Wilson Gomes (2006), o conceito habermasiano de “esfera pública” se remete a uma condição de vida so-cial, na qual as pessoas podem discutir sobre suas idéias próprias de forma aberta, acessível e opondo-se àquilo que é ocluso e fechado. A “esfera pública” é caracteriza-da então como sendo palco para discussões, debates e questões sociais que são explicitados por indivíduos ou coletividades, minorias ou maiorias, atores ou especta-dores. Em sociedades complexas, a esfera pública forma uma estrutura intermediária entre o sistema político, de um lado, e os setores privados do mundo da vida e sis-temas de ação especializados em termos de funções, de outro lado. Ela representa uma rede super-com-plexa que se ramifi ca especialmente num cem nú-mero de arenas internacionais, nacionais, regionais, comunais e subculturais, que se sobrepõem umas às nicacionais são fi ltrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixa-das em temas específi cos (Habermas, 1997: 92). A esfera pública burguesa é típica das sociedades de-mocráticas, especialmente, daquelas de caráter liberal e foi tratada por Habermas (2003) como uma categoria sociológica e histórica. Esse autor constata que a Ingla-terra foi o primeiro país onde a esfera pública funcionou politicamente (século XVIII). O início dessa esfera públi-ca está relacionado aos comentários e críticas às medi-das ou decisões da Coroa e de deliberações do Parlamen-to pela imprensa da época (1722). Vários fatos históricos ocorridos na Inglaterra são apresentados por Habermas (2003) como argumentos que sustentam a formação da esfera pública, tais como: a participação de uma parte da população como espaço público de conscientização política chamado de sense of the people, the common voice, the general cry ofl the people e the public spirit; formação de um público politizado e frequente ao lon-go dos séculos 18 e 19 denominado de public meetings; formação do espaço public opinion constituído por meio de discussões públicas fundamentadas em informações consistentes; direito ao voto da classe média alta; recon-hecimento da opinião pública politizada na França pela Constituição de 1791; dentre outros. Habermas (2003: 99) argumenta que a emancipação da sociedade burguesa enquanto esfera privada ocorre apenas quando “(...) a esfera pública política pode che-gar a se desenvolver plenamente no Estado de Direito burguês”. Isso ocorre nas sociedades européias à medida que os direitos civis e políticos são conquistados, tais como: liberdade de opinião e de expressão; liberdade de imprensa; liberdade de reunião e de associação; liber-dade individual; direito eleitoral e de voto igualitário; inviolabilidade da residência; igualdade perante a lei; garantia da propriedade privada. Outro aspecto explorado historicamente por Haber-mas (2003) para explicar os signifi cados de esfera públi-ca diz respeito à “publicidade”. Este termo é analisado pelo autor, iniciando-se com a distinção entre “opinion” e “critique”. Por um lado, considera a “opinion” como “juízo sem certeza” ou como “aquilo que se coloca na opi-nião dos outros” que, por sua vez, formam a opinião co-letiva, opinião comum ou opinião geral. Por outro lado, Habermas (2003) se fundamenta em Hobbes, Locke e Rousseau para caracterizar o conceito de “opinion publique” historicamente utilizado em sen-tidos diversos e para mostrar como o conceito é carre-gado de ideologia. Na França do fi nal do século XVIII, o conceito de “opinion publique” é considerado a opinião do povo sustentada pela tradição e pelo bons sens, e 652 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 outras; essa rede se articula objetivamente de acordo com os pontos de vista funcionais, temas, círculos po-líticos, assumindo a forma de esferas públicas mais ou menos especializadas, (...) (Habermas, 1997: 107). Trata-se, então, de uma discussão pública de forma amigável de vários tipos de interesses, construída por diversos públicos que se organizam em torno de temas de interesse comum, ou seja, interesses culturais, polí-ticos e sociais. Para John Thompson (1995), Habermas evidencia a “idéia de uma esfera pública como uma co-munidade de indivíduos que estão unidos por sua parti-cipação num debate racional-crítico” (Thompson, 1995: 150). Para uma compreensão ainda maior do conceito de “esfera pública”, podemos citar ainda Patrick Charau-deau (2003), o qual menciona que el espacio público no es algo único, no es un hecho ni un punto de partida. Resulta de la conjunción de las práticas sociales y lãs representaciones. Las primeras constituyen el motor de las segundas, y estas dan a aquellas su razón de ser al atribuirles valores que tienden a refi rmarlas o modifi carlas. Esta interacción diatéctica construye un espacio público plural e móvil (Charaudeau, 2003: 132). No Brasil, a transformação dos espaços públicos é analisada a partir do período da Independência e do iní-cio da construção do Estado nacional brasileiro, que re-presentou a principal mudança nas relações socioeconô-micas. Segundo Morel (2005), nesse período a expressão “esfera pública” era polissêmica, surgindo juntamente com a noção de opinião pública, com destaque para a atuação da impressa. A noção de espaço público no tra-balho de Morel (2005) apresenta três possibilidades: a cena ou a esfera pública, na qual interagem diferentes atores, e que não se confunde com o Estado; a esfera lite-rária e cultural, que não é isolada do restante da socie-dade e resulta da expressão letrada ou oral de diversos agentes históricos; e os espaços físicos ou locais, onde se confi guram estas cenas e esferas. De forma geral, pode-se concluir que o conceito de “esfera pública” pressupõe igualdade de direitos indivi-duais (sociais, políticos e civis) e discussão, sem violên-cia ou qualquer outro tipo de coação, de problemas por meio da autoridade negociada entre os participantes do debate. A “esfera pública” é o espaço onde a soberania do povo, em sociedades complexas, passa a ser entendi-da como um processo prático de argumentação, fruto da interceptação e sobreposição de discursos, ou seja, é o espaço intersubjetivo, comunicativo, no qual as pessoas tematizam as suas inquietações por meio do entendi-mento mútuo. Com base nas perspectivas apresentadas até o mo-mento sobre o conceito de “esfera pública”, considera-mos que a esta tem grande importância como local de interação social, sendo assim, lugar primordial para a realização da gestão social e construção e preservação dos bens culturais de relevância para uma sociedade. É na “esfera pública” que as práticas e representações de uma sociedade ganham signifi cados e representam um determinado período histórico. Por muito tempo, preservar traços de uma cultura esteve ligado quase que unicamente a duas classes, a nobreza e a burguesa. Essa última classe da socieda-de nascida no outono da Idade Média européia, que foi generalizada como tipo-ideal, não conseguiu mascarar a ascendência de uma esfera pública plebéia, que na Revolução Francesa despiu uma roupagem literária, emergindo uma nova perspectiva, não mais as camadas cultas são os únicos sujeitos da história, mas também a plebe ignorada (Habermas, 2003). A vivência e a representação do tempo e dos espaços devem, por isso, ser problematizadas no contexto das experiências de vida e das trajetórias pessoais e inter-geracionais, as quais podem conduzir a uma valorização positiva, mas também negativa do passado, abrindo espaço a interpretações diferenciadas do patrimônio (Merriman, 1991). O passado é, assim, construído pelo presente, confi gurando-se como parte integrante de uma cultura contemporânea. São as condições do presente que lhe conferem um sentido e um signifi cado, signifi ca-do esse que pode ser construído e negociado por diversos atores sociais, cujas relações de poder nem sempre são simétricas, e cujos interesses não são rígidos ou fi xos (Anico, 2005). Dentro dessas relações de poder inseridas nas discus-sões e na preservação dos bens culturais, nota-se que, no Brasil, apenas recentemente, em 2004, começou-se a discutir nos estados e municípios a ampliação da parti-cipação social na construção das políticas públicas cul-turais, dando um primeiro passo a uma nova forma de gestão, a gestão social. Diante dessas constatações, Guimarães (2007) dis-cute as possibilidades da construção do Sistema Nacio-nal de Cultura (SNC), que contribuirá na alteração dos conceitos de políticas públicas e participação social no campo cultural no Brasil. O objetivo do SNC é imple-mentar uma política pública de cultura democrática e permanente, pactuada entre os entes da federação, e com a participação da sociedade civil, de modo a esta-belecer e efetivar o Plano Nacional de Cultura, promo-vendo desenvolvimento com pleno exercício dos direitos PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 653 culturais e acesso às fontes da cultura nacional. O potencial transformador existente no discurso do SNC encontra-se na ruptura com as políticas que o antecederam, encerrando a visão de políticas públicas culturais dominantes na década de 1990 e em quase absolutamente todos os períodos passados. As propos-tas básicas contidas no Sistema é a ampliação da par-ticipação social, a inclusão de novos atores sociais na discussão sobre as políticas, e, através disso, institucio-nalizar uma nova forma de preservar os bens culturais e, consequentemente, os espaços públicos. Isso signifi ca um passo à frente para a formação de uma esfera públi-ca em torno da preservação de bens culturais no Brasil, como veremos a seguir, também, outro aspecto impor-tante nesse sentido, as políticas públicas de preservação de bens culturais no Brasil. A trajetória das políticas públicas de preservação de bens culturais no Brasil Zanirato e Ribeiro (2006) consideram que a preocu-pação com a defi nição de políticas para a salvaguarda e preservação dos bens culturais de um povo remonta ao fi nal do século XVIII, mais particularmente à Revolução Francesa, quando se desenvolveu outra sensibilidade em relação aos monumentos destinados a invocar a me-mória e a impedir o esquecimento dos feitos do passado. A partir de então, iniciaram as primeiras ações políti-cas para preservar e gerenciar os bens que denotassem valor cultural em espaços públicos da nação, entre as quais aparece uma administração encarregada de ela-borar os instrumentos jurídicos e técnicos para a salva-guarda, assim como procedimentos técnicos necessários para a conservação e o restauro de monumentos. Em suma, nesse contexto, surge uma nova perspectiva liga-da à questão da preservação do patrimônio histórico e bens de relevância cultural. Todavia, o verbo preservar reserva um signifi cado que sobrepõe à ação de livrar de algum mal, manter livre de corrupção, perigo ou dano e conservar, dentre outros sinônimos. De acordo com Lemos (2006), se de-vemos preservar as características de uma sociedade, teremos forçosamente que manter conservadas as suas condições mínimas de sobrevivência, todas elas implíci-tas no meio ambiente e no seu saber. Assim, preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, de casas e igrejas históricas de uma cidade antiga. Pre-servar, também, é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas de forma que se garanta a com-preensão da memória social, preservando o que for “sig-nifi cativo” dentro do vasto repertório de elementos com-ponentes do Patrimônio Cultural. Entretanto, (...) considerando a atividade de identifi car referências e proteger bens culturais não apenas como um saber, mas também como um poder, caberia perguntar quem teria legitimidade para decidir quais são as referen-cias mais signifi cativas e o que deve ser preservado, sobretudo quando estão em jogo diferentes versões da identidade de um mesmo grupo (Fonseca, 2003: 114). Esse aspecto abordado por Fonseca (2003) está rela-cionado com o caráter seletivo da preservação patrimo-nial, que envolve, por sua vez, uma dimensão política que não pode ser desconsiderada. Por isso torna-se es-sencial apresentar a trajetória das políticas públicas de preservação de bens culturais no sentido de perceber-mos esse caráter seletivo e compreendermos a forma de gestão desses recursos ao longo da história. A preservação de bens e patrimônio cultural no Bra-sil, por meio de uma política pública federal, teve início no período do governo de Getúlio Vargas, com a criação em 1933 do primeiro órgão brasileiro direcionado para a preservação do patrimônio, a Inspetoria de Monu-mentos Nacionais (IPM), entidade vinculada ao Museu Histórico Nacional. Essa entidade tinha como princípio proteger e impedir que objetos antigos, ligados à his-tória nacional, fossem retirados do país em virtude do comércio de antiguidades, e que as grandes edifi cações e monumentos, importantes na trajetória e formação do país, fossem destruídos em reformas urbanas, nas ondas de modernização das cidades em que passava o Brasil da primeira metade do século XX. No entanto, a IPM foi sucedida pelo Serviço do Patri-mônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), criado em 13 de janeiro de 1937 e regulamentado pelo Decreto- Lei nº 25 no dia 30 de novembro do mesmo ano, poucos dias após o golpe, que instituiu o Estado Novo, governo ditatorial de Getúlio Vargas. Sem dúvida, este foi e é o principal órgão de proteção e preservação do patrimônio histórico e do bem cultural no Brasil. Dentro da trajetória política e histórica da criação do SPHAN, Mário de Andrade, poeta e escritor renomado no Brasil, foi sem dúvida, um grande colaborador. Como analisa Fonseca (2001), o poeta e intelectual formulou uma base conceitual que privilegiava a diversidade cul-tural do país, fugindo de critérios rígidos de atribuição de valor. Além disso, na consideração da prática de pre-servação como um serviço de interesse público a ser prestado à população, e não abstratamente a nação, Mário de Andrade se aproxima muito mais da sociedade do que do Estado ou dirigentes do 654 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 nográfi co, bibliográfi co ou artístico (Lemos, 2006: 43). Existiam diferenças dessa defi nição com a do ante-projeto. Cortes foram feitos por Gustavo Capanema, que já previa que o campo de atuação do recém instituto não conseguiria preservar uma gama extensa de bens cul-turais, principalmente, por empecilhos fi nanceiros e po-líticos da época, por isso, houve essa redução, deixando de lado um bem extremamente relevante, o patrimônio imaterial. Mas, apesar das diferenças da primeira defi nição, a lei promulgada na década de 1930 já signifi cava um grande passo na busca de defender bens de interesse público e de caráter identitário. Nesse contexto, um bem cultural só seria reconhecido e salvaguardado depois de inscrito em seu respectivo livro de tombo. Segundo San-tos (2001), a inscrição, em um dos livros do tombo, de bens móveis ou imóveis, impede legalmente que eles se-jam destruídos ou desconfi gurados. Sendo uma prerro-gativa do poder Executivo, o tombamento não implica desapropriação e nem determina o uso dos bens, mas sim a defesa do interesse público relativo à preservação de valores culturais da nação brasileira. Outro elemento importante para o trabalho de cata-logação e fi scalização do patrimônio e bem cultural no Brasil foi o inventário. A palavra inventário deriva do latim, inventarium, que signifi ca relação de bens deixa-dos por alguém ou lista de registro de bens contendo ou não uma enumeração detalhada ou minuciosa destes. No contexto da preservação e catalogação, o inventário ampliou sua essência num ideal de encontrar, descobrir e aprofundar. Fonseca (1997) faz referência à impor-tância da utilização da inventariação na trajetória de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, relembrando que eles, os inventários, são instrumentos utilizados para a proteção, gestão e conhecimento dos bens móveis e integrados. O primeiro presidente do SPHAN, hoje atual IPHAN, foi o escritor e jornalista Rodrigo Melo Franco de Andra-de, que esteve à frente da instituição de 1937 a 1967, quando se aposentou. De forma geral, nesse período, o IPHAN contribuiu para a restauração e preservação da arquitetura e da arte barroca no Brasil, entre outras atividades, perseguindo a idéia da construção de uma identidade brasileira. No entanto, como analisa Chuva (2003), diante do longo trabalho de defesa e preservação dos bens cultu-rais que estava por se realizar para que a nação brasi-leira se constituísse, nação em um sentido de consciên-cia moral e cultural, de pertencimento, Rodrigo Melo Franco considerava fundamental, ao mesmo tempo, reafi rmar uma herança européia – portuguesa – e, em SPHAN, pois consegue enxergar a dimensão pe-dagógica dessa tarefa (...). Como fez literalmente em Macunaíma, construiu o anteprojeto e em suas pesquisas em uma imagem de Brasil plural, frag-mentada, aberta e descentralizada, compatível com a realidade de que ele se aproximou em suas viagens etnográfi cas pelo país (Fonseca, 2001: 99). No texto do anteprojeto de Mário de Andrade, redi-gido em 1936, defi nia-se o patrimônio como “todas as obras de arte pura ou aplicada, popular ou erudita, na-cional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públi-cos e a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil” (Lemos, 2006: 38). Em resumo, o anteprojeto estava embasado no ob-jetivo de catalogar todas as manifestações culturais do homem brasileiro, sem discriminação de classes, raças ou tipos de bens culturais. Abrangia desde edifi cações e artefatos até elementos harmoniosos produzidos pelo homem, como a música, os costumes de determinados grupos e o seu saber fazer, elemento único e muitas ve-zes pouco valorizado e nunca antes alvos de políticas públicas. Assim, o trabalho de Mário de Andrade, em um es-forço para abarcar tudo o que diz respeito à produção artística e cultural brasileira, incluindo os eventos que são do interesse da antropologia social, marca o começo dos debates efetivos e fundamentados sobre a preser-vação do patrimônio cultural e artístico no Brasil. Além de Mário de Andrade, outros intelectuais de grande des-taque nacional também participaram da criação dessa valorosa instituição, como Oswald de Andrade, Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cândido Por-tinari, Tarsila do Amaral e Lúcio Costa. A participação dos diversos intelectuais envolvidos no movimento modernista e a atuação singular de Má-rio de Andrade são caracterizadas pela dualidade de propósitos: de um lado, elementos modernizantes, que buscavam romper com determinados hábitos, e de outro, a permanência, ligada ao resgate das tradições, de algo original e brasileiro. No entanto, o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que organizou e legalizou o SPHAN, distan-ciou- se do projeto original e audacioso do intelectual mo-dernista, e defi niu ofi cialmente o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como sendo: o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Bra-sil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou et- PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 655 um retrato do Brasil, predominou uma cultura elitista. Foi feito um esforço gigantesco na preservação do pa-trimônio edifi cado e dos objetos de arte produzidos no passado. No segundo período, ressurge a preocupação com a preservação das criações populares, com os bens de caráter imaterial, intangível, resumindo-se em um trabalho de inspiração antropológica. Nesse último período, começa-se a buscar a partici-pação da sociedade no processo de identifi cação e pro-teção do patrimônio cultural. Surge a discussão sobre a importância de elementos pertencentes a diversas clas-ses sociais ou etnias, bem como um novo olhar sobre a diversidade desses elementos. Em suma, nasce a pers-pectiva do patrimônio ou bem cultural como forma de comunicação social. A criação do Ministério da Cultural, em 1985, cons-titui um fato histórico importante em termos de gestão da preservação dos bens culturais no Brasil, pois sig-nifi ca a institucionalização desse processo em âmbito federal. Atualmente, estão vinculados a esse Ministério diversas instituições, tais como: o Instituto do Patri-mônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), a Fundação Cultural Palmares (FCP), a Fundação Nacional de Arte (Funarte) e a Fundação Biblioteca Nacional (BN). É um aparato instituional do Estado utilizado em intervenções públicas nas esferas da sociedade e do mercado. Outro fato histórico importante nesse sentido foi a institucionalização do Registro e do Inventário do pa-trimônio ou bem cultural de caráter imaterial ou intan-gível. Com isso, concretizou-se a diversifi cação e total abrangência de bens de relevância para a identidade nacional e para a manutenção de espaços públicos e so-ciais. Na legislação essa questão parecia resolvida, a pre-servação abrangia toda a diversidade de bens culturais, mas na prática, sua interpretação está sujeita à sub-jetividade de processos decisórios, bem como está rela-cionada às questões de classes. Como ressalta Canclini (1997), o popular nessa história sempre foi o excluído. Segundo o mesmo autor, a complexidade cultural em países da America-latina, bem como sua heterogeneida-de, difi cultou e de certa forma ainda difi culta a preser-vação e gestão desses bens, onde atuam poderes oblí-quos. De forma geral, nota-se que a trajetória das políticas públicas de preservação dos bens culturais no Brasil tem característica bastante centralizadora, salvaguardando bens de caráter tradicionalista ou materiais. Essa ca-racterística perdura até a década de 1980, quando foi promulgada a Constituição de 1988, que descentraliza contrapartida, negar uma possível herança indígena. A posição que Rodrigo Melo Franco tomou nesse debate delinearia, ou melhor, daria propriamen-te uma forma ao pensamento que se consolidou no SPHAN, ao buscar, sem regionalismos, cons-tituir a fi sionomia do Brasil que seria apresen-tada, no âmbito das relações internacionais que estabelecia, para garantir um pertencimento ao mundo das nações modernas (Chuva, 2003: 316). Nota-se nesse processo um choque entre o tradicio-nal e o moderno, entre o hegemônico e o subalterno, bem como uma difi culdade em discernir o que é típico de uma sociedade, ou o que uma política cultural deve favorecer. Segundo Canclini (1997), o discurso de pre-servação sempre esteve associado à unidade e à conti-nuidade da nação como patrimônio tradicional, com es-paços e bens antigos que serviriam para tornar coesa a população, mesmo que essa história e sociedade sejam híbridas. Foi nessa tradição, ou invenção da tradição, que se fundamentou as escolha de Rodrigo de Melo Franco Andrade. À frente do SPHAN, Rodrigo de Melo Franco Andra-de buscou a formação de uma cultura nacional. Segundo Hall (1999), a invenção das culturas nacionais foi com-posta por instituições culturais, bem como por símbolos e representações. Assim, uma cultura nacional seria um discurso, ou seja, um modo de construir sentidos que in-fl uenciariam tanto nas ações quanto nas concepções que cada um tem de si, que cada cidadão tem de si mesmo e da sua nação, construindo assim identidades nacionais. O IPHAN passou por várias mudanças durante seus mais de 70 anos de atuação. Em sua fundação, foi deno-minado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Na-cional (SPHAN), em 1946 passou a se chamar Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), e em 1970 estabeleceu sua última e atual nomenclatu-ra, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio-nal (IPHAN). Ao longo de sua história, foram criados vários programas, como o Programa Integrado de Re-construção das Cidades Históricas (PCH), em 1973; o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em 1975, abrangendo elementos de preservação e valori-zação de bens imateriais; e a Fundação Pró-Memória, em 1979. No processo e trajetória da política federal de preser-vação no Brasil, Fonseca (1997) reconhece dois períodos importantes: o momento fundador, nas décadas de 1930 e 1940, e depois, o momento renovador, nas décadas de 1970 e 1980. No primeiro período, prevaleceu-se a visão modernista, segundo a qual o patrimônio deveria ser 656 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 a gestão de bens culturais. Nessa Constituição foi am-pliado o conceito de patrimônio histórico e artístico para de patrimônio cultural, incorporando as manifestações de natureza imaterial, intangíveis, como passíveis de tombo. Tradições e manifestações culturais começaram a ser reconhecidas como elementos fundamentais da so-ciedade. Outra mudança signifi cativa nesse sentido foi a des-centralização política, em que os municípios passaram a ser responsáveis pela política de preservação e disse-minação da cultura nacional, regional e local. Segundo Fonseca (1997: 260-261), as transformações ocorridas nas décadas de 70 e 80, se devidamente incorporadas a propostas atuais para uma política federal de preservação, certamente con-tribuirão para uma reelaborarão dos princípios, dos critérios e dos procedimentos que têm norteado a produção, a proteção e a promoção do patrimônio cul-tural brasileiro. E, quem sabe, contribuíram também para que a prática já consolidada da preservação de bens culturais seja democratizada, no sentido de ser efetivamente apropriada, enquanto produção simbólica e enquanto prática política, pelos dife-rentes grupos que integram a sociedade brasileira. Como os aspectos apresentados até aqui, incluindo o conceito de esfera pública, estão relacionados à gestão social, alguns aspectos podem ser destacados, tais como: dialogicidade entre sociedade e Estado na formulação de políticas públicas de preservação do patrimônio cul-tural; formação da opinião pública a respeito de bens culturais pela sociedade civil organizada e espaços pú-blicos compartilhados entre sociedade e Estado; as mu-danças históricas na legislação brasileira voltadas para o reconhecimento amplo do conceito e das ações públicas do patrimônio material e imaterial, institucionalizando um marco legal a esse respeito. Podemos considerar que a organização desses espaços e a coordenação para to-mada de decisão coletiva, envolvendo organizações da sociedade civil e instituições públicas estatais, consti-tuem condição fundamental para se compreender a ges-tão social de bens culturais no Brasil. Desafi os e perspectivas da gestão social de bens cultuais no Brasil O conceito e a prática de gestão social têm ganhado amplitude e reconhecimento à medida que a sociedade se torna mais democrática. Adotar a gestão social como gestão de bens culturais no Brasil signifi ca investir em processos técnicos com ampla participação da socieda-de civil nas decisões de caráter público, seja discutindo, articulando e realizando o controle social das políticas públicas, seja utilizando múltiplos espaços institucio-nais, instrumentos e metodologias participativas de for-mação, planejamento, supervisão e avaliação. De acordo com Tenório (2008), a gestão social cons-titui um processo dialógico, em que a responsabilidade pela decisão é compartilhada entre os agentes envolvi-dos. Relaciona-se com o conjunto de processos sociais na qual a ação gerencial se desenvolve por meio de uma ação negociada entre seus atores, perdendo o caráter burocrático em função de uma relação direta entre o processo administrativo e a múltipla participação social e política. O que se busca, dessa forma, é o atendimento das atuais necessidades e desafi os da administração quanto à democracia e à cidadania participativa, aplicando-se técnicas de gestão que consideram o intercâmbio dos vários atores envolvi-dos nos processos administrativos, estimulando o con-vívio e o respeito “às diferenças (Tenório, 2003: 07). Diferentemente da gestão estratégica, que é deter-minada pelo mercado e prima por um processo de ges-tão de competição, em que a determinação é excluir o concorrente e o lucro é o seu objetivo principal, a gestão social é determinada pela solidariedade entre os par-ticipantes, na qual todos têm voz ativa. Enquanto que na gestão estratégica o que importa é o indivíduo por meio de um monólogo, na gestão social o diálogo ganha grande importância e só acontece com a participação da coletividade (Tenório, 2008). A esfera pública habermasiana constitui o locus da gestão social, já que prevalece a cultura política de li-berdade, de socialização política, esclarecedora, de ini-ciativas formadoras de opinião pública originadas na sociedade civil. É notório que nesse ambiente em cons-trução, com a gestão social, novos valores são levados em consideração, valores esses embasados na perspecti-va do bem-estar social (Dowbor, 1999). Assim, a gestão social é entendida como processo gerencial dialógico em que a autorida-de decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não-governamentais). O adjetivo social qualifi cando o substantivo gestão será entendido como o espaço pri-vilegiado de relações sociais no qual todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação. (Tenório, 2008: 39). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 657 Para Tenório (2010), esse marco conceitual enfatiza “a necessidade de que os gestores, qualquer que seja a confi guração jurídica da organização, possam atuar sob uma perspectiva na qual o determinante de suas ações deve ser a sociedade e não o mercado” (Tenório, 2010: 57). Na gestão social, a tomada de decisão é coletiva, livre de coerção, baseada no entendimento, na argumentação e não na negociação no sentido utilitarista, prevalece a transparência pública, pois o processo dialógico implica na crítica coletiva das informações levantadas, dispo-níveis a todos os participantes, características funda-mentais da ação comunicativa habermasiana. A gestão social busca proporcionar condições à emancipação dos indivíduos, baseando-se na democracia deliberativa, na formação da consciência crítica de seres humanos dota-dos de razão e na esfera pública. França Filho (2008) coloca que a gestão social diz respeito à gestão das demandas e necessidades do so-cial, que deve ser considerada como uma categoria in-ventada no seio da modernidade, no momento em que a sociedade estratifi ca as diversas esferas de ação dos sujeitos. Esse autor defende a gestão social como modo de gestão da esfera pública não estatal, fundamentada na racionalidade substantiva, na solidariedade e em ob-jetivos sociais, políticos, ecológicos e culturais. O termo “gestão social” é relacionado, em alguns ca-sos, à própria idéia de política social, o que não capta sua real essência, que diz respeito à expectativa de con-solidação e aprofundamento da democracia a partir do maior envolvimento de atores sociais no interesse públi-co não estatal. A gestão social constitui a forma mais adequada para a gestão de bens culturais e apresenta as melhores perspectivas no contexto democrático de consolidação da democracia brasileira, porque a preservação do pa-trimônio cultural expressa interesse público, envolve a formação de uma coletividade (rede de indivíduos, orga-nizações públicas estatais e não estatais) representada pela esfera pública, estabelece relações democráticas ao valorizar a diversidade cultural e respeitar os direitos dos cidadãos, bem como estimula o desenvolvimento lo-cal por meio do turismo. No contexto da sociedade brasileira, a gestão social de bens culturais encontra os seguintes desafi os: a cultu-ra erudita, que não atinge nem legitima as classes popu-lares, ainda representa grande parte dos bens culturais preservados e com políticas públicas voltadas para seu desenvolvimento, apesar de se verifi car mudanças nes-se contexto; superação da situação elitista que envolve a preservação de bens culturais, como observa Magalhães (1997), o conceito de bem cultural no Brasil fi cou por muito tempo restrito aos bens móveis e imóveis, impreg-nados de valor histórico (essencialmente voltados para o passado), ou aos bens da criação individual espontâ-nea, como as pinturas e arquiteturas, quase sempre de apreciação e caráter elitista. É necessário fazer enten-der que a cultura e o patrimônio servem, entre outras coisas, para que as sociedades possam repensar seus signifi cados, suas atitudes e anseios no presente e o que almejam para seu futuro; aprender e ensinar a reviver e preservar o passado, estimulando as atitudes libertado-ras e refl exivas, que podem alterar os rumos e legitimar novas formas de relações e representações, pautadas em novas formas de organização social; mudar a postura de preservar e crescer para alcançar o desenvolvimento sustentável. Por outro lado, a gestão de bens culturais apresen-ta as seguintes perspectivas: o turismo como atividade econômica e cultural tem contribuído para a populari-zação e conscientização da preservação de bens cultu-rais, bem como para legitimar a gestão social; a gestão social de bens culturais inclui a sociedade, estimula a participação cívica dos cidadãos na preservação do pa-trimônio histórico e artístico cultural e legitima as re-presentações culturais da sociedade; a gestão social é um elemento indispensável para a preservação dos bens culturais no Brasil, visto que estes podem converter-se em importantes quesitos para a emancipação da socie-dade brasileira e para a legitimação de uma identidade social; superação do sentido utilitário dos bens cultu-rais, pois, como ressalta Zanirato e Ribeiro (2006), o conceito de patrimônio cultural e até mesmo o de pa-trimônio natural passaram por um amadurecimento em decorrência de mudanças sociais e culturais das diversas esferas da sociedade; observa-se, no trabalho de Aloísio Magalhães, elementos importantes para a criação de uma nova via, uma nova trajetória de pre-servação dos bens culturais por meio da gestão social; o esforço de conhecer, de analisar, de proteger e de incen-tivar os componentes autênticos do patrimônio cultural da nação brasileira deve passar por uma perspectiva de esfera pública e pela gestão social; outro elemento relevante nesse processo são os espaços públicos, onde são construídos a maioria dos bens culturais, indispen-sáveis para a memória de um povo, e são nos espaços públicos que se torna possível a gestão social. Sendo assim, para a preservação e gestão social dos bens culturais a esfera pública é entendida como espaço por excelência da intersubjetividade, enquanto espaço que existe e é sustentado em função da pluralidade e da diversidade humana. Segundo Jovchelovitch (2000), a esfera pública introduz a noção de transparência e pres-tação de contas como um espaço que encontra sua ex- 658 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 pressão no diálogo e no conceito habermasiano de ação comunicativa, condição fundamental para o desenvolvi-mento da gestão social. Bibliografi a Anico, Marta 2005 “A pós-modernização da cultura: patrimônio e mu-seus na contemporaneidade”. Horizontes Antropoló-gicos. Porto Alegre, v. 11, n. 23, p.71-86. Brasil 1988 “Constituição: República Federativa do Brasil”. Brasília: Senado Federal. Bosi, Alfredo 1922 “Dialética da colonização”. São Paulo: Cia. das Le-tra. 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Recibido: 23/06/10 Reenviado: 05/02/11 Aceptado: 16/02/11 Sometido a evaluación por pares anónimos
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Título y subtítulo | Gestão social de bens culturais no Brasil: desafios e perspectivas |
Autor principal | de Oliveira Botrel, Manuela ; Gomes de Araújo, Priscila ; Roberto Pereira, José |
Publicación fuente | Pasos. Revista de turismo y patrimonio cultural |
Numeración | Volumen 09. Número 4 |
Sección | Artículos |
Tipo de documento | Artículo |
Lugar de publicación | El Sauzal, Tenerife |
Editorial | Universidad de La Laguna |
Fecha | 2011-10 |
Páginas | pp. 647-659 |
Materias | Turismo ; Patrimonio cultural ; Publicaciones periódicas |
Enlaces relacionados | Página web: http://todopatrimonio.com/revistas/101-pasos-revista-de-turismo-y-patrimonio-cultural |
Copyright | http://biblioteca.ulpgc.es/avisomdc |
Formato digital | |
Tamaño de archivo | 176959 Bytes |
Texto | www.pasosonline.org Vol. 9 Nº 4 págs. 647-659. 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: desafi os e perspectivas Manuela de Oliveira Botrel i Priscila Gomes de Araújo ii José Roberto Pereira iii Universidade Federal de Lavras (Brasil) i Mestranda do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras. E-mail: ma-nuelabotrel@ yahoo.com.br ii Mestranda do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras. E-mail: priscila2210@yahoo.com.br iii Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília e professor do Programa de Pós-Graduação em Adminis-tração da Universidade Federal de Lavras. E-mail: jrobpereira25@yahoo.com.br Resumo: O objetivo deste ensaio teórico é analisar a gestão dos bens culturais no Brasil a partir da formação da esfera pública e da política federal de preservação do patrimônio histórico e artístico. Procura-se responder a questão: quais os desafi os e as perspectivas da gestão social dos bens cul-turais no Brasil? A esfera pública sob a ótica habermasiana compreende uma rede adequada para a comunicação de conteúdos e formação de opiniões. Os resultados mostram que a gestão social apresenta melhores perspectivas para a gestão de bens culturais, pois inclui a sociedade, estimula a participação dos cidadãos na preservação e legitima as representações culturais da sociedade. Po-rém, apresenta como desafi o a superação do elitistismo na preservação de bens culturais no Brasil. Palavras-chave: Gestão social; Esfera pública; Políticas públicas; Patrimônio histórico; Bens cul-turais. Title: Social management of cultural heritage in Brazil: challenges and perspectives Abstract: The aim of this essay is to investigate the cultural heritage management in Brazil from the formation of the public sphere and the federal policy of artistic and historical heritage preservation. We’ve tried to answer which are the challenges and perspectives of the social management of cultural heritage in Brazil. The public sphere from the perspective of Habermas is understood as an appropria-te network for the communication of contents and trend setting. The outcomes show that the social management exhibits better perspectives to the cultural heritage management, because it includes the community, stimulates the citizen’s participation in the conservation and legitimates the community cultural representations. However, the challenge is the elite status overcoming in the cultural heritage preservation in Brazil. Keywords: Social management; Public sphere; Public policies; Historic heritage; Cultural heritage. © PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121 648 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 Introdução A gestão de bens culturais no Brasil é um tema ainda pouco estudado na academia e carente de uma políti-ca pública embasada na diversidade social e na preser-vação, construção e reconstrução de espaços públicos. No entanto, nos últimos anos, tem ganhado espaço nas pesquisas produzidas por uma gama de profi ssionais, como antropólogos, sociólogos, historiadores, arquitetos, economistas, administradores, dentre outros, funda-mentando- se como temática multidisciplinar e relevan-te para a busca da identidade nacional e emancipação social. Os bens culturais são historicamente associados à noção do sagrado, de uma memória a ser preservada e cristalizada. O sagrado faz parte do indizível da expe-riência humana e deve permanecer assim, intocável ou inalterado. Todavia, nas últimas décadas, no Brasil, a concepção de bens culturais vem se transformando na direção de um bem público que fundamenta a identi-dade de uma sociedade, que faz parte do cotidiano das pessoas e da esfera pública. Essa concepção de bens culturais como elemento for-mador da identidade nacional no Brasil está respaldada e legitimada na Carta Constitucional de 1988, especi-fi camente no artigo 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valori-zação e a difusão das manifestações culturais.” (Bra-sil, 1988). No artigo 216 desta Constituição consta sua abrangência e formas de preservação: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados indivi-dualmente ou em conjunto, portadores de referên-cia à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. (...) O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural bra-sileiro, por meio de inventários, registros, vigilân-cia, tombamento e desapropriação, e de outras for-mas de acautelamento e preservação (Brasil, 1988). Além disso, os estudos de Fonseca (1997; 2001; 2003) sustentam essa nova concepção ao revelar que as prá-ticas de preservação do patrimônio histórico e dos bens culturais são responsáveis, em parte, pela construção da identidade nacional e pela consolidação dos estados-nação. Foi a idéia de nação que veio garantir o estatuto ideo-lógico (do patrimônio), e foi o Estado nacional que veio assegurar, através de práticas específi cas, a sua preservação (...). A noção de patrimônio se inseriu no projeto mais amplo de construção de uma identidade nacional, e passou a servir ao processo de consolidação dos estados-nação modernos (Fonseca, 1997: 54-59). Uma das práticas sociais que colabora para conso-lidação dessa concepção de bens culturais é o turismo cultural. O grande fl uxo de turistas nacionais e interna-cionais em cidades brasileiras que possuem acervo his-tórico e cultural, como no caso do Barroco nas cidades de Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei e Tiradentes, desperta a população local e a sociedade brasileira para os valores culturais que formam nossa identidade. As-sim, os bens culturais e o patrimônio histórico passaram a fazer parte das preocupações cotidianas da população como “coisa pública” ou “negócios públicos”. Os interes-ses públicos em torno dos bens culturais foram fortaleci-dos com a formação de espaços públicos de participação da sociedade e de investimentos do Estado no aparelha-mento das atividades turísticas. No entanto, a formação de uma “esfera pública”, na acepção literal de Habermas, em torno dos bens cul-turais no Brasil, ainda é incipiente. Habermas (2003) considera a esfera pública como uma das categorias so-ciológicas centrais para entender, sistematicamente, a nossa própria sociedade. Esse autor estudou a formação da esfera pública burguesa como uma instância mante-nedora dos próprios interesses, mas que se transformou ao longo da história em uma instância mantenedora dos interesses de toda a sociedade. No âmbito histórico de desenvolvimento da esfera pública, destaca-se o Estado como “poder público” pela tarefa que assume de promo-ver o bem público, o bem comum a todos os cidadãos. Todavia, a concepção de esfera pública almejada por Ha-bermas (2003) diz respeito a um espaço público onde a ação comunicativa pode favorecer uma consciência cole-tiva capaz de possibilitar uma existência solidária, não coercitiva, libertadora e igualitária entre os homens. Nesse contexto de análise, destacam-se dois aspec-tos importantes. Por um lado, a formação de uma esfera pública voltada para a preservação dos bens culturais com base na organização da sociedade civil e na parti-cipação social constitui um desafi o para a gestão social desses recursos. Por outro lado, as políticas públicas de preservação do patrimônio histórico e cultural têm sido a forma adotada pelo Estado de administrar os bens cul-turais no Brasil, o que pode contribuir ou prejudicar a formação da esfera pública necessária para a gestão so-cial dos bens culturais. Tendo em vista essas considerações iniciais, procurar-se- á, neste ensaio teórico, responder à questão: quais os PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 649 desafi os e as perspectivas da gestão social dos bens cul-turais no Brasil? Para responder a essa questão, torna-se necessário defi nir o que são bens culturais, analisar a formação da esfera pública voltada para a preservação de bens culturais e a política de preservação do patri-mônio histórico e artístico cultural no Brasil. Por últi-mo, analisam-se os desafi os e as perspectivas da gestão social dos bens culturais como meio de efetivar a esfera pública e garantir o cumprimento legal de preservar o patrimônio histórico e cultural no Brasil. O que são bens culturais? A defi nição de bens culturais perpassa pela abordagem antropológica de cultura. Como esclarece Bosi (1992), o termo cultura, na sua forma mais subs-tantiva, tanto se aplica ás labutas do solo, da agricul-tura, como a qualquer trabalho feito pelo ser humano desde sua infância. No campo antropológico e social, o signifi cado de cultura mais geral não mudou no deco-rrer dos séculos, signifi cando “o conjunto de práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a repro-dução de um estado de coexistência social” (Bosi, 1992: 16). Choay (2001) descreve a importância dos bens cultu-rais a partir dos signifi cados de “patrimônio”. Segundo a autora, o termo “patrimônio” está relacionado às es-truturas familiares, econômicas e jurídicas de uma so-ciedade estável, enraizada no espaço e no tempo. Esse termo foi requalifi cado por diversos adjetivos (genético, natural, histórico, cultural, etc.) que fi zeram dele um conceito nômade, que segue hoje uma trajetória retum-bante e que repercute nas sociedades. Sinteticamente, o termo designa um bem destinado ao usufruto de co-munidades que se ampliaram por meio da acumulação contínua de uma gama de objetos e práticas que se con-sagraram por seu passado. Zanirato e Ribeiro (2006) analisam que a preser-vação das produções de caráter cultural e patrimonial foi extremamente restrita ao longo da história. Em cer-tos momentos da trajetória humana, somente as obras de arte eram consideradas dotadas de valor, sendo pas-síveis de preservação. Objetos e bens de uso utilitário, sobretudo aqueles oriundos das chamadas classes sub-alternas se perderam, em especial, o material de uso cotidiano encontrado nas escavações arqueológicas dos séculos XVIII e XIX. A lógica que presidia as escavações era a da busca de objetos de interesse artístico que apre-sentavam interesses utilitaristas de mercado. Os vestí-gios que não contemplavam tais interesses não foram conservados. Na contemporaneidade, a concepção de bens culturais superou o interesse utilitarista, valorizando a preservação dos bens culturais produzidos por qualquer classe ou etnia, ou em qualquer espaço, como relevan-te herança e legado de uma sociedade ou nação. Des-sa forma, os bens culturais são considerados como um conjunto de patrimônios materiais ou imateriais de con-siderável signifi cado para a coletividade e para a me-mória social. Os signifi cados, a delimitação e relevância atual de bens ou patrimônios culturais são analisados, historicamente, por diversos autores, como Magalhães (1997), Fonseca (1997), Lemos (2006) e Funari e Pele-grini (2009). Magalhães (1997) ressalta que o conceito de bens culturais engloba diversos bens: os de valor histórico – essencialmente voltados para o passado; os de expres-são individual – obras que constituem o acervo artístico, como a música, o teatro, a literatura, entre outros; e os do fazer popular – que estão inseridos na dinâmica da vida cotidiana. De acordo com esse autor, o bem cultural tem um conceito abrangente, envolvendo elementos de várias naturezas e signifi cados da vida em sociedade, que perpassam o bem material e o imaterial, o intan-gível. Dentre os bens culturais materiais encontram-se os núcleos urbanos, as grandes edifi cações, igrejas e san-tuários, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens indi-viduais, como os móveis de determinada época, acervos arqueológicos, museológicos, documentais, bibliográfi - cos, arquivísticos, videográfi cos, fotográfi cos e cinema-tográfi cos. Já os bens culturais imateriais, categoria de relevância identitária e cultural, abrangem as represen-tações, celebrações, expressões, conhecimentos, fazeres e técnicas. Essa categoria, recentemente preservada no Brasil, opõe-se ao chamado patrimônio edifi cado, de pedra e cal, denominação dada por Gonçalves (1996), visando aos aspectos da vida social e cultural que não foram contemplados pelas concepções mais tradicionais de patrimônio. Dentre os patrimônios imateriais, pode-se destacar a literatura, a música, o folclore, a linguagem e os cos-tumes de um povo ou sociedade. Essa nova categoria, o partimônio imaterial, como o próprio Instituto do Patri-mônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) conside-ra, é transmitido de geração em geração e constan-temente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimen-to de identidade e continuidade, contribuindo as-sim para promover o respeito à diversidade cul- 650 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 tural e à criatividade humana (IPHAN, 2009). Em termos internacionais, a UNESCO (United Na-tions Educational, Scientifi c and Cultural Organiza-tion), órgão da ONU criado em novembro de 1946, é a entidade responsável pela discussão e orientação das políticas dos bens culturais. Esse órgão busca promover o respeito à diversidade cultural, ao direito à cultura, inaugurando o diálogo intercultural e um novo olhar so-bre a preservação do patrimônio cultural no mundo. Na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, realizada pela UNESCO em 2003, o patrimô-nio cultural imaterial é defi nido como: práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, ar-tefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns ca-sos, os indivíduos reconhecem como parte integran-te de seu patrimônio cultural (UNESCO, 2003: 02). A UNESCO, ao defi nir no ano de 2003 o patrimônio imaterial como objeto de instrumento normativo multi-lateral no campo da cultura, infl uenciou políticas e prá-ticas de preservação desse patrimônio em vários países no mundo. Com a contemplação do patrimônio imaterial a gama de bens culturais protegidos estava completa. Enfi m, as múltiplas paisagens, arquiteturas, tra-dições, gastronomias, expressões de arte, documentos e sítios arqueológicos passaram ser reconhecidos e valori-zados pelas comunidades e organismos governamentais na esfera local, estadual, nacional ou internacional na sua totalidade. No Brasil, o IPHAN é o órgão que atua em parceria com os estados da federação e governos municipais, formando-se uma rede interorganizacional (um espaço público estatal) voltada para a preservação do patrimônio histórico e cultural. Dessa forma, tanto o espaço público estatal quanto as várias representações populares da cultura reforçam os possíveis espaços intersubjetivos, comunicativos, nos quais as pessoas expressam seus valores por meio do entendimento mútuo. Nesse sentido, pode-se considerar a existência de uma esfera pública em torno da preser-vação dos bens culturais no Brasil? Vamos desenvolver a resposta a essa questão a seguir. A esfera pública habermasiana Para Habermas (2003: 17), a esfera pública é “um princípio organizacional de nosso ordenamento político” e se formou com base nas mudanças sociais, econômi-cas, políticas e culturais ao longo da história. Habermas (2003) faz referências às duas tradições para demons-trar a origem da “esfera pública”: a grega, para a qual a esfera pública é o espaço de discussão da polis - base de democracia ateniense; e a romana, para designar as atribuições do senado e do império e os assuntos e bens da res publica. Os gregos viam a “esfera pública” como um espaço de liberdade, onde podiam por meio dela ex-pressar seus pensamentos e vontades e, assim, dar con-tinuidade aos seus anseios. Para eles “só à luz da esfera pública é que aquilo que é consegue aparecer, tudo se torna visível a todos” (Habermas, 1997: 16). Para Habermas (2003), a “esfera pública” foi o espaço em que a sociedade burguesa utilizou para se desenvol-ver, apesar de muito antes desse período já se falar em “público”, daquilo que não é “privado”. Ao analisar as mudanças culturais na história da sociedade européia, Habermas (2003: 56) considera que o concerto, o teatro e os museus institucionalizaram o julgamento leigo sobre a arte, ou seja, “a discussão torna-se um meio de sua apropriação”, ao que chamou de “crítica de arte como conservação”. Nos séculos XVII e XVIII, cafés e salões surgem como sendo espaços utilizados por ingleses, franceses e ale-mães para a discussão livre de assuntos de interesse coletivo, onde conversavam igualmente, como sujeitos livres e autônomos. Esses espaços foram utilizados para substituir a representatividade pública das cortes por instituições de “esfera pública” burguesa, onde pes-soas privadas discutiam assuntos de interesse coletivo. Eram nesses espaços que emergiam, também, a crítica literária, locais nos quais a literatura tinha de se legi-timar, em que a intelectualidade se encontrava com a aristocracia (Habermas, 2003). Porém, esses salões e cafés eram frequentados por um público restrito, uma elite. Nesse sentido, Habermas (2003) afi rma que não se deve crer que a concepção de público que implica a igualdade do simplesmente “meramente humano” tenha sido efetivada com os salões, cafés e associações, mas com eles foi institucionalizada enquanto idéia e, dessa forma, colocada como rei-vindicação, no entanto efi caz (Habermas, 2003: 52). Pode-se assim, caracterizar a “esfera pública” como sendo o espaço onde o público pode se representar so-cialmente. Seria o espaço do domínio daquilo que se pode falar sem reservas, uma arena pública e lócus de discussão e interação social. A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, to-madas de posição e opiniões, nela os fl uxos comu- PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 651 passa a mudar seu sentido ao ser empregada como uma discussão crítica na esfera pública, como uma opinião verdadeira, superando a antítese “opinion” e “critique”. No sentido de esclarecer o signifi cado original do termo “opinion publique”, Habermas (2003) recorre a Rosseau e explica que o referido termo expressa a idéia de ci-dadãos reunidos em praça pública para aclamação, mas não expressa a idéia de argumentação pública de um público esclarecido. Além disso, ao buscar em Jeremy Benthan outro sentido de opinião pública, Habermas (2003, p. 123) encontra o sentido da “publicidade”: “a publicidade das negociações parlamentares assegura uma ‘supervisão do público’, cuja capacidade de crítica é tida por comprovada (...)”. Nesse sentido, a opinião pú-blica equivale a um poderoso tribunal. Contudo, Habermas (2003: 128) considera que a idéia de esfera pública burguesa atingiu sua confi guração teórica amadurecida com o princípio da publicidade de Kant, que diz respeito ao “princípio único que garante o acordo da política com a moral”. Mais à frente, Haber-mas (2003) relaciona o público pensante dos “homens” como “cidadãos” que procuram entender das questões da “res publica”. No entanto, ressalta que todos os homens de uma sociedade deveriam desejar a situação em que a política e a moral fossem coincidentes, ou seja, não bas-ta apenas a existência de uma constituição legal, mas o desejo de todos em sua aplicação. E o poder político é o ponto de partida para isso e para a formação de um Estado de Direito. Assim, fundamentado em Kant, Ha-bermas (2003: 134) considera que a publicidade garan-te, racionalmente, benefícios públicos, citando o slogan de Mandeville: “private voices, public benefi ts”. Sendo assim, analisa que o progresso da legalidade depende diretamente de um progresso da moralidade pública. Para Wilson Gomes (2006), o conceito habermasiano de “esfera pública” se remete a uma condição de vida so-cial, na qual as pessoas podem discutir sobre suas idéias próprias de forma aberta, acessível e opondo-se àquilo que é ocluso e fechado. A “esfera pública” é caracteriza-da então como sendo palco para discussões, debates e questões sociais que são explicitados por indivíduos ou coletividades, minorias ou maiorias, atores ou especta-dores. Em sociedades complexas, a esfera pública forma uma estrutura intermediária entre o sistema político, de um lado, e os setores privados do mundo da vida e sis-temas de ação especializados em termos de funções, de outro lado. Ela representa uma rede super-com-plexa que se ramifi ca especialmente num cem nú-mero de arenas internacionais, nacionais, regionais, comunais e subculturais, que se sobrepõem umas às nicacionais são fi ltrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixa-das em temas específi cos (Habermas, 1997: 92). A esfera pública burguesa é típica das sociedades de-mocráticas, especialmente, daquelas de caráter liberal e foi tratada por Habermas (2003) como uma categoria sociológica e histórica. Esse autor constata que a Ingla-terra foi o primeiro país onde a esfera pública funcionou politicamente (século XVIII). O início dessa esfera públi-ca está relacionado aos comentários e críticas às medi-das ou decisões da Coroa e de deliberações do Parlamen-to pela imprensa da época (1722). Vários fatos históricos ocorridos na Inglaterra são apresentados por Habermas (2003) como argumentos que sustentam a formação da esfera pública, tais como: a participação de uma parte da população como espaço público de conscientização política chamado de sense of the people, the common voice, the general cry ofl the people e the public spirit; formação de um público politizado e frequente ao lon-go dos séculos 18 e 19 denominado de public meetings; formação do espaço public opinion constituído por meio de discussões públicas fundamentadas em informações consistentes; direito ao voto da classe média alta; recon-hecimento da opinião pública politizada na França pela Constituição de 1791; dentre outros. Habermas (2003: 99) argumenta que a emancipação da sociedade burguesa enquanto esfera privada ocorre apenas quando “(...) a esfera pública política pode che-gar a se desenvolver plenamente no Estado de Direito burguês”. Isso ocorre nas sociedades européias à medida que os direitos civis e políticos são conquistados, tais como: liberdade de opinião e de expressão; liberdade de imprensa; liberdade de reunião e de associação; liber-dade individual; direito eleitoral e de voto igualitário; inviolabilidade da residência; igualdade perante a lei; garantia da propriedade privada. Outro aspecto explorado historicamente por Haber-mas (2003) para explicar os signifi cados de esfera públi-ca diz respeito à “publicidade”. Este termo é analisado pelo autor, iniciando-se com a distinção entre “opinion” e “critique”. Por um lado, considera a “opinion” como “juízo sem certeza” ou como “aquilo que se coloca na opi-nião dos outros” que, por sua vez, formam a opinião co-letiva, opinião comum ou opinião geral. Por outro lado, Habermas (2003) se fundamenta em Hobbes, Locke e Rousseau para caracterizar o conceito de “opinion publique” historicamente utilizado em sen-tidos diversos e para mostrar como o conceito é carre-gado de ideologia. Na França do fi nal do século XVIII, o conceito de “opinion publique” é considerado a opinião do povo sustentada pela tradição e pelo bons sens, e 652 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 outras; essa rede se articula objetivamente de acordo com os pontos de vista funcionais, temas, círculos po-líticos, assumindo a forma de esferas públicas mais ou menos especializadas, (...) (Habermas, 1997: 107). Trata-se, então, de uma discussão pública de forma amigável de vários tipos de interesses, construída por diversos públicos que se organizam em torno de temas de interesse comum, ou seja, interesses culturais, polí-ticos e sociais. Para John Thompson (1995), Habermas evidencia a “idéia de uma esfera pública como uma co-munidade de indivíduos que estão unidos por sua parti-cipação num debate racional-crítico” (Thompson, 1995: 150). Para uma compreensão ainda maior do conceito de “esfera pública”, podemos citar ainda Patrick Charau-deau (2003), o qual menciona que el espacio público no es algo único, no es un hecho ni un punto de partida. Resulta de la conjunción de las práticas sociales y lãs representaciones. Las primeras constituyen el motor de las segundas, y estas dan a aquellas su razón de ser al atribuirles valores que tienden a refi rmarlas o modifi carlas. Esta interacción diatéctica construye un espacio público plural e móvil (Charaudeau, 2003: 132). No Brasil, a transformação dos espaços públicos é analisada a partir do período da Independência e do iní-cio da construção do Estado nacional brasileiro, que re-presentou a principal mudança nas relações socioeconô-micas. Segundo Morel (2005), nesse período a expressão “esfera pública” era polissêmica, surgindo juntamente com a noção de opinião pública, com destaque para a atuação da impressa. A noção de espaço público no tra-balho de Morel (2005) apresenta três possibilidades: a cena ou a esfera pública, na qual interagem diferentes atores, e que não se confunde com o Estado; a esfera lite-rária e cultural, que não é isolada do restante da socie-dade e resulta da expressão letrada ou oral de diversos agentes históricos; e os espaços físicos ou locais, onde se confi guram estas cenas e esferas. De forma geral, pode-se concluir que o conceito de “esfera pública” pressupõe igualdade de direitos indivi-duais (sociais, políticos e civis) e discussão, sem violên-cia ou qualquer outro tipo de coação, de problemas por meio da autoridade negociada entre os participantes do debate. A “esfera pública” é o espaço onde a soberania do povo, em sociedades complexas, passa a ser entendi-da como um processo prático de argumentação, fruto da interceptação e sobreposição de discursos, ou seja, é o espaço intersubjetivo, comunicativo, no qual as pessoas tematizam as suas inquietações por meio do entendi-mento mútuo. Com base nas perspectivas apresentadas até o mo-mento sobre o conceito de “esfera pública”, considera-mos que a esta tem grande importância como local de interação social, sendo assim, lugar primordial para a realização da gestão social e construção e preservação dos bens culturais de relevância para uma sociedade. É na “esfera pública” que as práticas e representações de uma sociedade ganham signifi cados e representam um determinado período histórico. Por muito tempo, preservar traços de uma cultura esteve ligado quase que unicamente a duas classes, a nobreza e a burguesa. Essa última classe da socieda-de nascida no outono da Idade Média européia, que foi generalizada como tipo-ideal, não conseguiu mascarar a ascendência de uma esfera pública plebéia, que na Revolução Francesa despiu uma roupagem literária, emergindo uma nova perspectiva, não mais as camadas cultas são os únicos sujeitos da história, mas também a plebe ignorada (Habermas, 2003). A vivência e a representação do tempo e dos espaços devem, por isso, ser problematizadas no contexto das experiências de vida e das trajetórias pessoais e inter-geracionais, as quais podem conduzir a uma valorização positiva, mas também negativa do passado, abrindo espaço a interpretações diferenciadas do patrimônio (Merriman, 1991). O passado é, assim, construído pelo presente, confi gurando-se como parte integrante de uma cultura contemporânea. São as condições do presente que lhe conferem um sentido e um signifi cado, signifi ca-do esse que pode ser construído e negociado por diversos atores sociais, cujas relações de poder nem sempre são simétricas, e cujos interesses não são rígidos ou fi xos (Anico, 2005). Dentro dessas relações de poder inseridas nas discus-sões e na preservação dos bens culturais, nota-se que, no Brasil, apenas recentemente, em 2004, começou-se a discutir nos estados e municípios a ampliação da parti-cipação social na construção das políticas públicas cul-turais, dando um primeiro passo a uma nova forma de gestão, a gestão social. Diante dessas constatações, Guimarães (2007) dis-cute as possibilidades da construção do Sistema Nacio-nal de Cultura (SNC), que contribuirá na alteração dos conceitos de políticas públicas e participação social no campo cultural no Brasil. O objetivo do SNC é imple-mentar uma política pública de cultura democrática e permanente, pactuada entre os entes da federação, e com a participação da sociedade civil, de modo a esta-belecer e efetivar o Plano Nacional de Cultura, promo-vendo desenvolvimento com pleno exercício dos direitos PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 653 culturais e acesso às fontes da cultura nacional. O potencial transformador existente no discurso do SNC encontra-se na ruptura com as políticas que o antecederam, encerrando a visão de políticas públicas culturais dominantes na década de 1990 e em quase absolutamente todos os períodos passados. As propos-tas básicas contidas no Sistema é a ampliação da par-ticipação social, a inclusão de novos atores sociais na discussão sobre as políticas, e, através disso, institucio-nalizar uma nova forma de preservar os bens culturais e, consequentemente, os espaços públicos. Isso signifi ca um passo à frente para a formação de uma esfera públi-ca em torno da preservação de bens culturais no Brasil, como veremos a seguir, também, outro aspecto impor-tante nesse sentido, as políticas públicas de preservação de bens culturais no Brasil. A trajetória das políticas públicas de preservação de bens culturais no Brasil Zanirato e Ribeiro (2006) consideram que a preocu-pação com a defi nição de políticas para a salvaguarda e preservação dos bens culturais de um povo remonta ao fi nal do século XVIII, mais particularmente à Revolução Francesa, quando se desenvolveu outra sensibilidade em relação aos monumentos destinados a invocar a me-mória e a impedir o esquecimento dos feitos do passado. A partir de então, iniciaram as primeiras ações políti-cas para preservar e gerenciar os bens que denotassem valor cultural em espaços públicos da nação, entre as quais aparece uma administração encarregada de ela-borar os instrumentos jurídicos e técnicos para a salva-guarda, assim como procedimentos técnicos necessários para a conservação e o restauro de monumentos. Em suma, nesse contexto, surge uma nova perspectiva liga-da à questão da preservação do patrimônio histórico e bens de relevância cultural. Todavia, o verbo preservar reserva um signifi cado que sobrepõe à ação de livrar de algum mal, manter livre de corrupção, perigo ou dano e conservar, dentre outros sinônimos. De acordo com Lemos (2006), se de-vemos preservar as características de uma sociedade, teremos forçosamente que manter conservadas as suas condições mínimas de sobrevivência, todas elas implíci-tas no meio ambiente e no seu saber. Assim, preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, de casas e igrejas históricas de uma cidade antiga. Pre-servar, também, é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas de forma que se garanta a com-preensão da memória social, preservando o que for “sig-nifi cativo” dentro do vasto repertório de elementos com-ponentes do Patrimônio Cultural. Entretanto, (...) considerando a atividade de identifi car referências e proteger bens culturais não apenas como um saber, mas também como um poder, caberia perguntar quem teria legitimidade para decidir quais são as referen-cias mais signifi cativas e o que deve ser preservado, sobretudo quando estão em jogo diferentes versões da identidade de um mesmo grupo (Fonseca, 2003: 114). Esse aspecto abordado por Fonseca (2003) está rela-cionado com o caráter seletivo da preservação patrimo-nial, que envolve, por sua vez, uma dimensão política que não pode ser desconsiderada. Por isso torna-se es-sencial apresentar a trajetória das políticas públicas de preservação de bens culturais no sentido de perceber-mos esse caráter seletivo e compreendermos a forma de gestão desses recursos ao longo da história. A preservação de bens e patrimônio cultural no Bra-sil, por meio de uma política pública federal, teve início no período do governo de Getúlio Vargas, com a criação em 1933 do primeiro órgão brasileiro direcionado para a preservação do patrimônio, a Inspetoria de Monu-mentos Nacionais (IPM), entidade vinculada ao Museu Histórico Nacional. Essa entidade tinha como princípio proteger e impedir que objetos antigos, ligados à his-tória nacional, fossem retirados do país em virtude do comércio de antiguidades, e que as grandes edifi cações e monumentos, importantes na trajetória e formação do país, fossem destruídos em reformas urbanas, nas ondas de modernização das cidades em que passava o Brasil da primeira metade do século XX. No entanto, a IPM foi sucedida pelo Serviço do Patri-mônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), criado em 13 de janeiro de 1937 e regulamentado pelo Decreto- Lei nº 25 no dia 30 de novembro do mesmo ano, poucos dias após o golpe, que instituiu o Estado Novo, governo ditatorial de Getúlio Vargas. Sem dúvida, este foi e é o principal órgão de proteção e preservação do patrimônio histórico e do bem cultural no Brasil. Dentro da trajetória política e histórica da criação do SPHAN, Mário de Andrade, poeta e escritor renomado no Brasil, foi sem dúvida, um grande colaborador. Como analisa Fonseca (2001), o poeta e intelectual formulou uma base conceitual que privilegiava a diversidade cul-tural do país, fugindo de critérios rígidos de atribuição de valor. Além disso, na consideração da prática de pre-servação como um serviço de interesse público a ser prestado à população, e não abstratamente a nação, Mário de Andrade se aproxima muito mais da sociedade do que do Estado ou dirigentes do 654 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 nográfi co, bibliográfi co ou artístico (Lemos, 2006: 43). Existiam diferenças dessa defi nição com a do ante-projeto. Cortes foram feitos por Gustavo Capanema, que já previa que o campo de atuação do recém instituto não conseguiria preservar uma gama extensa de bens cul-turais, principalmente, por empecilhos fi nanceiros e po-líticos da época, por isso, houve essa redução, deixando de lado um bem extremamente relevante, o patrimônio imaterial. Mas, apesar das diferenças da primeira defi nição, a lei promulgada na década de 1930 já signifi cava um grande passo na busca de defender bens de interesse público e de caráter identitário. Nesse contexto, um bem cultural só seria reconhecido e salvaguardado depois de inscrito em seu respectivo livro de tombo. Segundo San-tos (2001), a inscrição, em um dos livros do tombo, de bens móveis ou imóveis, impede legalmente que eles se-jam destruídos ou desconfi gurados. Sendo uma prerro-gativa do poder Executivo, o tombamento não implica desapropriação e nem determina o uso dos bens, mas sim a defesa do interesse público relativo à preservação de valores culturais da nação brasileira. Outro elemento importante para o trabalho de cata-logação e fi scalização do patrimônio e bem cultural no Brasil foi o inventário. A palavra inventário deriva do latim, inventarium, que signifi ca relação de bens deixa-dos por alguém ou lista de registro de bens contendo ou não uma enumeração detalhada ou minuciosa destes. No contexto da preservação e catalogação, o inventário ampliou sua essência num ideal de encontrar, descobrir e aprofundar. Fonseca (1997) faz referência à impor-tância da utilização da inventariação na trajetória de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, relembrando que eles, os inventários, são instrumentos utilizados para a proteção, gestão e conhecimento dos bens móveis e integrados. O primeiro presidente do SPHAN, hoje atual IPHAN, foi o escritor e jornalista Rodrigo Melo Franco de Andra-de, que esteve à frente da instituição de 1937 a 1967, quando se aposentou. De forma geral, nesse período, o IPHAN contribuiu para a restauração e preservação da arquitetura e da arte barroca no Brasil, entre outras atividades, perseguindo a idéia da construção de uma identidade brasileira. No entanto, como analisa Chuva (2003), diante do longo trabalho de defesa e preservação dos bens cultu-rais que estava por se realizar para que a nação brasi-leira se constituísse, nação em um sentido de consciên-cia moral e cultural, de pertencimento, Rodrigo Melo Franco considerava fundamental, ao mesmo tempo, reafi rmar uma herança européia – portuguesa – e, em SPHAN, pois consegue enxergar a dimensão pe-dagógica dessa tarefa (...). Como fez literalmente em Macunaíma, construiu o anteprojeto e em suas pesquisas em uma imagem de Brasil plural, frag-mentada, aberta e descentralizada, compatível com a realidade de que ele se aproximou em suas viagens etnográfi cas pelo país (Fonseca, 2001: 99). No texto do anteprojeto de Mário de Andrade, redi-gido em 1936, defi nia-se o patrimônio como “todas as obras de arte pura ou aplicada, popular ou erudita, na-cional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públi-cos e a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil” (Lemos, 2006: 38). Em resumo, o anteprojeto estava embasado no ob-jetivo de catalogar todas as manifestações culturais do homem brasileiro, sem discriminação de classes, raças ou tipos de bens culturais. Abrangia desde edifi cações e artefatos até elementos harmoniosos produzidos pelo homem, como a música, os costumes de determinados grupos e o seu saber fazer, elemento único e muitas ve-zes pouco valorizado e nunca antes alvos de políticas públicas. Assim, o trabalho de Mário de Andrade, em um es-forço para abarcar tudo o que diz respeito à produção artística e cultural brasileira, incluindo os eventos que são do interesse da antropologia social, marca o começo dos debates efetivos e fundamentados sobre a preser-vação do patrimônio cultural e artístico no Brasil. Além de Mário de Andrade, outros intelectuais de grande des-taque nacional também participaram da criação dessa valorosa instituição, como Oswald de Andrade, Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cândido Por-tinari, Tarsila do Amaral e Lúcio Costa. A participação dos diversos intelectuais envolvidos no movimento modernista e a atuação singular de Má-rio de Andrade são caracterizadas pela dualidade de propósitos: de um lado, elementos modernizantes, que buscavam romper com determinados hábitos, e de outro, a permanência, ligada ao resgate das tradições, de algo original e brasileiro. No entanto, o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que organizou e legalizou o SPHAN, distan-ciou- se do projeto original e audacioso do intelectual mo-dernista, e defi niu ofi cialmente o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como sendo: o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Bra-sil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou et- PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 655 um retrato do Brasil, predominou uma cultura elitista. Foi feito um esforço gigantesco na preservação do pa-trimônio edifi cado e dos objetos de arte produzidos no passado. No segundo período, ressurge a preocupação com a preservação das criações populares, com os bens de caráter imaterial, intangível, resumindo-se em um trabalho de inspiração antropológica. Nesse último período, começa-se a buscar a partici-pação da sociedade no processo de identifi cação e pro-teção do patrimônio cultural. Surge a discussão sobre a importância de elementos pertencentes a diversas clas-ses sociais ou etnias, bem como um novo olhar sobre a diversidade desses elementos. Em suma, nasce a pers-pectiva do patrimônio ou bem cultural como forma de comunicação social. A criação do Ministério da Cultural, em 1985, cons-titui um fato histórico importante em termos de gestão da preservação dos bens culturais no Brasil, pois sig-nifi ca a institucionalização desse processo em âmbito federal. Atualmente, estão vinculados a esse Ministério diversas instituições, tais como: o Instituto do Patri-mônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), a Fundação Cultural Palmares (FCP), a Fundação Nacional de Arte (Funarte) e a Fundação Biblioteca Nacional (BN). É um aparato instituional do Estado utilizado em intervenções públicas nas esferas da sociedade e do mercado. Outro fato histórico importante nesse sentido foi a institucionalização do Registro e do Inventário do pa-trimônio ou bem cultural de caráter imaterial ou intan-gível. Com isso, concretizou-se a diversifi cação e total abrangência de bens de relevância para a identidade nacional e para a manutenção de espaços públicos e so-ciais. Na legislação essa questão parecia resolvida, a pre-servação abrangia toda a diversidade de bens culturais, mas na prática, sua interpretação está sujeita à sub-jetividade de processos decisórios, bem como está rela-cionada às questões de classes. Como ressalta Canclini (1997), o popular nessa história sempre foi o excluído. Segundo o mesmo autor, a complexidade cultural em países da America-latina, bem como sua heterogeneida-de, difi cultou e de certa forma ainda difi culta a preser-vação e gestão desses bens, onde atuam poderes oblí-quos. De forma geral, nota-se que a trajetória das políticas públicas de preservação dos bens culturais no Brasil tem característica bastante centralizadora, salvaguardando bens de caráter tradicionalista ou materiais. Essa ca-racterística perdura até a década de 1980, quando foi promulgada a Constituição de 1988, que descentraliza contrapartida, negar uma possível herança indígena. A posição que Rodrigo Melo Franco tomou nesse debate delinearia, ou melhor, daria propriamen-te uma forma ao pensamento que se consolidou no SPHAN, ao buscar, sem regionalismos, cons-tituir a fi sionomia do Brasil que seria apresen-tada, no âmbito das relações internacionais que estabelecia, para garantir um pertencimento ao mundo das nações modernas (Chuva, 2003: 316). Nota-se nesse processo um choque entre o tradicio-nal e o moderno, entre o hegemônico e o subalterno, bem como uma difi culdade em discernir o que é típico de uma sociedade, ou o que uma política cultural deve favorecer. Segundo Canclini (1997), o discurso de pre-servação sempre esteve associado à unidade e à conti-nuidade da nação como patrimônio tradicional, com es-paços e bens antigos que serviriam para tornar coesa a população, mesmo que essa história e sociedade sejam híbridas. Foi nessa tradição, ou invenção da tradição, que se fundamentou as escolha de Rodrigo de Melo Franco Andrade. À frente do SPHAN, Rodrigo de Melo Franco Andra-de buscou a formação de uma cultura nacional. Segundo Hall (1999), a invenção das culturas nacionais foi com-posta por instituições culturais, bem como por símbolos e representações. Assim, uma cultura nacional seria um discurso, ou seja, um modo de construir sentidos que in-fl uenciariam tanto nas ações quanto nas concepções que cada um tem de si, que cada cidadão tem de si mesmo e da sua nação, construindo assim identidades nacionais. O IPHAN passou por várias mudanças durante seus mais de 70 anos de atuação. Em sua fundação, foi deno-minado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Na-cional (SPHAN), em 1946 passou a se chamar Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), e em 1970 estabeleceu sua última e atual nomenclatu-ra, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio-nal (IPHAN). Ao longo de sua história, foram criados vários programas, como o Programa Integrado de Re-construção das Cidades Históricas (PCH), em 1973; o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em 1975, abrangendo elementos de preservação e valori-zação de bens imateriais; e a Fundação Pró-Memória, em 1979. No processo e trajetória da política federal de preser-vação no Brasil, Fonseca (1997) reconhece dois períodos importantes: o momento fundador, nas décadas de 1930 e 1940, e depois, o momento renovador, nas décadas de 1970 e 1980. No primeiro período, prevaleceu-se a visão modernista, segundo a qual o patrimônio deveria ser 656 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 a gestão de bens culturais. Nessa Constituição foi am-pliado o conceito de patrimônio histórico e artístico para de patrimônio cultural, incorporando as manifestações de natureza imaterial, intangíveis, como passíveis de tombo. Tradições e manifestações culturais começaram a ser reconhecidas como elementos fundamentais da so-ciedade. Outra mudança signifi cativa nesse sentido foi a des-centralização política, em que os municípios passaram a ser responsáveis pela política de preservação e disse-minação da cultura nacional, regional e local. Segundo Fonseca (1997: 260-261), as transformações ocorridas nas décadas de 70 e 80, se devidamente incorporadas a propostas atuais para uma política federal de preservação, certamente con-tribuirão para uma reelaborarão dos princípios, dos critérios e dos procedimentos que têm norteado a produção, a proteção e a promoção do patrimônio cul-tural brasileiro. E, quem sabe, contribuíram também para que a prática já consolidada da preservação de bens culturais seja democratizada, no sentido de ser efetivamente apropriada, enquanto produção simbólica e enquanto prática política, pelos dife-rentes grupos que integram a sociedade brasileira. Como os aspectos apresentados até aqui, incluindo o conceito de esfera pública, estão relacionados à gestão social, alguns aspectos podem ser destacados, tais como: dialogicidade entre sociedade e Estado na formulação de políticas públicas de preservação do patrimônio cul-tural; formação da opinião pública a respeito de bens culturais pela sociedade civil organizada e espaços pú-blicos compartilhados entre sociedade e Estado; as mu-danças históricas na legislação brasileira voltadas para o reconhecimento amplo do conceito e das ações públicas do patrimônio material e imaterial, institucionalizando um marco legal a esse respeito. Podemos considerar que a organização desses espaços e a coordenação para to-mada de decisão coletiva, envolvendo organizações da sociedade civil e instituições públicas estatais, consti-tuem condição fundamental para se compreender a ges-tão social de bens culturais no Brasil. Desafi os e perspectivas da gestão social de bens cultuais no Brasil O conceito e a prática de gestão social têm ganhado amplitude e reconhecimento à medida que a sociedade se torna mais democrática. Adotar a gestão social como gestão de bens culturais no Brasil signifi ca investir em processos técnicos com ampla participação da socieda-de civil nas decisões de caráter público, seja discutindo, articulando e realizando o controle social das políticas públicas, seja utilizando múltiplos espaços institucio-nais, instrumentos e metodologias participativas de for-mação, planejamento, supervisão e avaliação. De acordo com Tenório (2008), a gestão social cons-titui um processo dialógico, em que a responsabilidade pela decisão é compartilhada entre os agentes envolvi-dos. Relaciona-se com o conjunto de processos sociais na qual a ação gerencial se desenvolve por meio de uma ação negociada entre seus atores, perdendo o caráter burocrático em função de uma relação direta entre o processo administrativo e a múltipla participação social e política. O que se busca, dessa forma, é o atendimento das atuais necessidades e desafi os da administração quanto à democracia e à cidadania participativa, aplicando-se técnicas de gestão que consideram o intercâmbio dos vários atores envolvi-dos nos processos administrativos, estimulando o con-vívio e o respeito “às diferenças (Tenório, 2003: 07). Diferentemente da gestão estratégica, que é deter-minada pelo mercado e prima por um processo de ges-tão de competição, em que a determinação é excluir o concorrente e o lucro é o seu objetivo principal, a gestão social é determinada pela solidariedade entre os par-ticipantes, na qual todos têm voz ativa. Enquanto que na gestão estratégica o que importa é o indivíduo por meio de um monólogo, na gestão social o diálogo ganha grande importância e só acontece com a participação da coletividade (Tenório, 2008). A esfera pública habermasiana constitui o locus da gestão social, já que prevalece a cultura política de li-berdade, de socialização política, esclarecedora, de ini-ciativas formadoras de opinião pública originadas na sociedade civil. É notório que nesse ambiente em cons-trução, com a gestão social, novos valores são levados em consideração, valores esses embasados na perspecti-va do bem-estar social (Dowbor, 1999). Assim, a gestão social é entendida como processo gerencial dialógico em que a autorida-de decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não-governamentais). O adjetivo social qualifi cando o substantivo gestão será entendido como o espaço pri-vilegiado de relações sociais no qual todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação. (Tenório, 2008: 39). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 M. de Oliveira Botrel; P. Gomes de Araújo y J.R. Pereira ISSN 1695-7121 657 Para Tenório (2010), esse marco conceitual enfatiza “a necessidade de que os gestores, qualquer que seja a confi guração jurídica da organização, possam atuar sob uma perspectiva na qual o determinante de suas ações deve ser a sociedade e não o mercado” (Tenório, 2010: 57). Na gestão social, a tomada de decisão é coletiva, livre de coerção, baseada no entendimento, na argumentação e não na negociação no sentido utilitarista, prevalece a transparência pública, pois o processo dialógico implica na crítica coletiva das informações levantadas, dispo-níveis a todos os participantes, características funda-mentais da ação comunicativa habermasiana. A gestão social busca proporcionar condições à emancipação dos indivíduos, baseando-se na democracia deliberativa, na formação da consciência crítica de seres humanos dota-dos de razão e na esfera pública. França Filho (2008) coloca que a gestão social diz respeito à gestão das demandas e necessidades do so-cial, que deve ser considerada como uma categoria in-ventada no seio da modernidade, no momento em que a sociedade estratifi ca as diversas esferas de ação dos sujeitos. Esse autor defende a gestão social como modo de gestão da esfera pública não estatal, fundamentada na racionalidade substantiva, na solidariedade e em ob-jetivos sociais, políticos, ecológicos e culturais. O termo “gestão social” é relacionado, em alguns ca-sos, à própria idéia de política social, o que não capta sua real essência, que diz respeito à expectativa de con-solidação e aprofundamento da democracia a partir do maior envolvimento de atores sociais no interesse públi-co não estatal. A gestão social constitui a forma mais adequada para a gestão de bens culturais e apresenta as melhores perspectivas no contexto democrático de consolidação da democracia brasileira, porque a preservação do pa-trimônio cultural expressa interesse público, envolve a formação de uma coletividade (rede de indivíduos, orga-nizações públicas estatais e não estatais) representada pela esfera pública, estabelece relações democráticas ao valorizar a diversidade cultural e respeitar os direitos dos cidadãos, bem como estimula o desenvolvimento lo-cal por meio do turismo. No contexto da sociedade brasileira, a gestão social de bens culturais encontra os seguintes desafi os: a cultu-ra erudita, que não atinge nem legitima as classes popu-lares, ainda representa grande parte dos bens culturais preservados e com políticas públicas voltadas para seu desenvolvimento, apesar de se verifi car mudanças nes-se contexto; superação da situação elitista que envolve a preservação de bens culturais, como observa Magalhães (1997), o conceito de bem cultural no Brasil fi cou por muito tempo restrito aos bens móveis e imóveis, impreg-nados de valor histórico (essencialmente voltados para o passado), ou aos bens da criação individual espontâ-nea, como as pinturas e arquiteturas, quase sempre de apreciação e caráter elitista. É necessário fazer enten-der que a cultura e o patrimônio servem, entre outras coisas, para que as sociedades possam repensar seus signifi cados, suas atitudes e anseios no presente e o que almejam para seu futuro; aprender e ensinar a reviver e preservar o passado, estimulando as atitudes libertado-ras e refl exivas, que podem alterar os rumos e legitimar novas formas de relações e representações, pautadas em novas formas de organização social; mudar a postura de preservar e crescer para alcançar o desenvolvimento sustentável. Por outro lado, a gestão de bens culturais apresen-ta as seguintes perspectivas: o turismo como atividade econômica e cultural tem contribuído para a populari-zação e conscientização da preservação de bens cultu-rais, bem como para legitimar a gestão social; a gestão social de bens culturais inclui a sociedade, estimula a participação cívica dos cidadãos na preservação do pa-trimônio histórico e artístico cultural e legitima as re-presentações culturais da sociedade; a gestão social é um elemento indispensável para a preservação dos bens culturais no Brasil, visto que estes podem converter-se em importantes quesitos para a emancipação da socie-dade brasileira e para a legitimação de uma identidade social; superação do sentido utilitário dos bens cultu-rais, pois, como ressalta Zanirato e Ribeiro (2006), o conceito de patrimônio cultural e até mesmo o de pa-trimônio natural passaram por um amadurecimento em decorrência de mudanças sociais e culturais das diversas esferas da sociedade; observa-se, no trabalho de Aloísio Magalhães, elementos importantes para a criação de uma nova via, uma nova trajetória de pre-servação dos bens culturais por meio da gestão social; o esforço de conhecer, de analisar, de proteger e de incen-tivar os componentes autênticos do patrimônio cultural da nação brasileira deve passar por uma perspectiva de esfera pública e pela gestão social; outro elemento relevante nesse processo são os espaços públicos, onde são construídos a maioria dos bens culturais, indispen-sáveis para a memória de um povo, e são nos espaços públicos que se torna possível a gestão social. Sendo assim, para a preservação e gestão social dos bens culturais a esfera pública é entendida como espaço por excelência da intersubjetividade, enquanto espaço que existe e é sustentado em função da pluralidade e da diversidade humana. Segundo Jovchelovitch (2000), a esfera pública introduz a noção de transparência e pres-tação de contas como um espaço que encontra sua ex- 658 PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4). 2011 Gestão social de bens culturais no Brasil: ... ISSN 1695-7121 pressão no diálogo e no conceito habermasiano de ação comunicativa, condição fundamental para o desenvolvi-mento da gestão social. Bibliografi a Anico, Marta 2005 “A pós-modernização da cultura: patrimônio e mu-seus na contemporaneidade”. Horizontes Antropoló-gicos. Porto Alegre, v. 11, n. 23, p.71-86. Brasil 1988 “Constituição: República Federativa do Brasil”. Brasília: Senado Federal. Bosi, Alfredo 1922 “Dialética da colonização”. São Paulo: Cia. das Le-tra. 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Recibido: 23/06/10 Reenviado: 05/02/11 Aceptado: 16/02/11 Sometido a evaluación por pares anónimos |
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