Vol. 8 Nº2 págs. 363-373. 2010
www.pasosonline.org
© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Teatro das Memórias: entre o passado e o futuro
Alexandre Fernandes Corrêa†
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil)
Resumo: texto sobre a função sócio-cultural dos museus na atualidade e suas relações com os acervos
culturais e naturais, as políticas do patrimônio cultural e da memória social.
Palavras Chave: Museu; Patrimônio; Memória.
Abstract: a brief article about the socio-cultural function of museums at present and its relations with
the cultural and natural preservation policies, and the cultural heritage and social memory.
Key Words: Museum; Patrimony; Memory.
† Doutor em Ciências Sociais: Antropologia (PUC/SP). Email: alexandre.correa@pesquisador.cnpq.br
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Introdução
O tema da VIª Semana Nacional dos
Museus no Brasil, no ano de 2008, foi “Mu-seus
como Agentes de Mudança Social e
Desenvolvimento”. Esse tema também foi o
escolhido para o Ano Ibero-Americano de
Museus. O presente artigo é uma elaboraç-ão
em texto escrito da conferência apresen-tada
no Memorial do Palácio Cristo-Rei, da
Universidade Federal do Maranhão, que
programou exposições e atividades ligadas
ao evento nacional1. Portanto, esse texto
possui as características de uma articulaç-ão
de idéias programáticas com algumas
indicações prospectivas para a ação cultu-ral
futura.
Logo de início é necessário salientar que
é muito salutar as Universidades brasilei-ras
vincularem-se e integrarem-se ao pro-cesso
de debates e reflexões sobre a função
social dos Museus na sociedade local e na-cional,
assim como no continente, contri-buem
para o processo de democratização
das políticas culturais na contemporanei-dade.
É preciso, cada vez mais, refletir so-bre
a contribuição que as Universidades
podem dar para a crescente demanda pela
democratização do acesso aos museus em
nosso país, além da atenção as demandas
pela transformação de suas funções e pap-éis
sociais e culturais na atualidade.
Num campo, espaço ou área do conheci-mento
dominada por um forte conservado-rismo2
é muito importante aprofundar a
disposição de se renovar os paradigmas de
atuação e das práticas museológicas atuais.
Mas, não deixa de parecer paradoxal e sur-preendente
que os Museus – lugares tradi-cionalmente
estabelecidos como locais de
conservação e preservação do antigo, do
obsoleto e do passado – passem a vir a ser
lugares de reflexão sobre as transformações
culturais, o desenvolvimento e a inclusão
social. Todavia, como se sabe algo é consi-derado
‘paradoxal’ até o momento em que
se encontra a lógica subjacente que ainda
estava oculta, revelando a relação e o
vínculo encoberto. Destarte, esse é um de-safio
interessante para todos nós e integra
uma dialética fecunda para o pensamento
sobre os estudos culturais contemporâneos.
Museu na História
Antes de seguirmos com essa breve aná-lise
de alguns aspectos sócio-culturais ca-racterísticos
do momento atual, relacionado
especialmente as mudanças nas represen-tações
sociais que os museus têm hoje no
imaginário social brasileiro e latino-americano,
é relevante tecer algumas ligei-ras
considerações sobre a história dos mu-seus
na sociedade ocidental.
Como se sabe, os Museus3 na Europa já
têm uma longa história de focar o olhar
sobre os objetos, como artefatos engen-hosos,
transformados em signos de osten-tação
e poder. Os primeiros museus eram
coleções com pretensões enciclopédicas de
príncipes renascentistas, e eram fundados
sob a ideologia do poder político e intelec-tual,
engajado em colecionar objetos, no
modo taxonômico de ordená-los, classificá-los
para a exposição do olhar e condiciona-dos
para a encenação ‘espetacularizada’ e
‘teatralizada’. Tudo que foi colecionado sob
esse viés, era considerado ‘visualmente
interessante’. Poder, exposição, glória e
riqueza, eram os signos de representativi-dade
e expressão para o olhar dos súditos,
que testemunhavam o poderio e a glória
terrestre de seu soberano.
Nesse sentido o Museu nasce como um
Teatro da exibição ocular da volúpia do
poder inscrito nas coleções de objetos ma-ravilhosos
e valiosos4. Sua história está
marcada por esse viés conservador, que
expõem ao olhar o ‘poder em cena’5 muse-ológica.
Mas, no século XX encontra-se di-versas
vozes que reclamam uma nova for-ma
de construção do espaço museológico6. A
vertente mais combativa nesse sentido é o
movimento ainda forte designado como
‘ecomuseu’ e que congrega com vigor novas
propostas de inserção desses ‘lugares da
memória’.
Exibir, Ver, Educar
Assim, do Renascimento até hoje, os
Museus mudaram muito e devem mudar
ainda mais7. É uma exigência da sociedade
contemporânea, que se rege sob novas ne-cessidades
e sob uma nova lógica cultural
dominante. O antigo modelo, fundado na
ostentação dos príncipes e poderosos da
Renascença, já não dá conta da nova reali-dade
e da nova sociedade em que nos en-contramos.
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O desafio agora é a demanda para que
os museus se tornem um lugar-agente de
‘promoção’ do ‘desenvolvimento’ e da ‘in-clusão’
social; espaço para reflexão e propo-sição
de alternativas culturais e educacio-nais
inovadoras.
É preciso compreender as metamorfoses
do sentido do museu na sociedade contem-porânea,
pois esses espaços sociais da cul-tura
– como Ecomuseus, Centros e Casas
comunitárias, oficiais ou privadas – estão
passando por um momento fecundo e mobi-lizador
de um novo imaginário social8.
Nesse texto vamos trabalhar com a idéia
do Museu como um Teatro das Memórias,
dialogando com as outras e diferentes for-mas
de Museus, do tipo Eco-Museus, Cen-tros
e Casas de Cultura etc., que se cons-troem
e inventam na atualidade. Invenções
que sinalizam para a necessidade de se re-inventar
um espaço de inter-culturalidade
ativa, criativa e não passiva9. É dessa nova
demanda que vemos surgir novas exigên-cias,
sendo a mais contundente a revelada
pela responsabilidade social e educacional
dos museus. Fenômeno que se vincula ao
tema central da VIª Semana Nacional dos
Museus do Brasil e do ano Íbero-americano
de Museus, de 2008: “Museus como Agentes
de Mudança Social e Desenvolvimento”.
Entre o Passado e o Futuro
Nesse contexto é que se apresenta a
proposta de uma contribuição efetiva da
Universidade Federal do Maranhão para a
cidade de São Luís, num projeto que se
desenvolve desde o final do ano de 2002.
Trata-se do Projeto de Pesquisa e Ação Cul-tural
Teatro das Memórias: Entre o Passa-do
e o Futuro, que tem promovido um diá-logo
profícuo entre o passado, o presente e o
futuro10. É um projeto de pesquisa e de ação
cultural, que tem agido no sentido de inter-vir
e pesquisar, investigar e agir, no espaço
social da cultura, dos museus, do patrimô-nio
e da memória social maranhense. Tra-balho
que se inspira em novas ações e in-tervenções
no espaço da cultura e da arte
pública na atualidade11.
O presente texto é fruto de reflexões a
partir de uma prática de pesquisa e de ex-tensão
universitária, e não tem origem em
práticas discursivas desprovidas de víncu-los
com a realidade empírica. Essa ênfase
no terreno empírico da ação de maneira
alguma sugere a idéia de que refletir teori-camente
também não exija ação do pensa-mento:
pensar é agir. Não se está a dizer
aqui que a contemplação não seja impor-tante,
todavia o que afirma-se nesse instan-te
é que essas reflexões são fruto da ação
cultural e da pesquisa engajada; em que se
tomou o partido do engajamento, após longo
período de reflexão. Dessarte, não se temeu
‘tomar o partido’ da resistência cultural
contra as forças poderosas da mercantili-zação
da cultura, que hoje domina a cena e
o ambiente sócio-cultural.
Enfrentar a dificuldade de lidar com a
memória, o patrimônio e a cultura num
contexto sócio-cultural contemporâneo – em
que a economia (cultural) domina cada vez
mais os espíritos, fascinados como estão
pelo fetichismo da ‘modernização-globalização’
– exige grande esforço de con-centração
e lucidez intelectual. Não basta
ser letrado e bem intecionado, ou possuir
um bom coração, é preciso uma lucidez im-placável12
para lidar com essas novas forças
do mercado: “a virada cultural do capita-lismo”.
A importância dos estudos da memória
na sua relação com a rede de significados
políticos e a dimensão da ação dos atores
sociais, é cada vez maior, mais urgente e
necessária. Para tal é preciso enfrentar as
dificuldades de desenvolver um trabalho
independente sem o controle das empresas
e dos interesses políticos. Autonomia, escla-recimento
e independência: eis os grandes
desafios do pensamento crítico contem-porâneo.
Esse desafio exige uma concen-tração
de forças importantes no enfrenta-mento
do conformismo e do neo-conservadorismo
que penetra um cotidiano
de comodidades e fragilidades intelectuais
cada vez mais graves: estamos sob o domí-nio
de psiches individuais enfraquecidas e
sem força para desenvolver a crítica às me-diocridades
e insignificâncias emergentes
na alta modernidade tardia.
País do Futuro & País sem Memória
“Cultura é memória”
Yuri Lotman13
È fato que a sociedade brasileira não
possui uma tradição coletiva de transmiss-
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ão ininterrupta de valores, um conjunto ou
sistema de bens culturais coesos, com uma
memória coletiva cristalizada. Até mesmo a
‘memória oficial’, vinculada ao stablish-ment
se vê relegada ao abandono e despre-zo
pelas próprias elites, raros e pontuais
são os casos em que se testemunha alguma
atenção continuada – nesses casos obser-vamos
iniciativas particulares e ações indi-viduais.
É assim que se convencionou chamar e
designar nosso país de uma ‘nação sem
memória’, um povo sem amor ao passado,
que não cultiva a memória dos heróis e dos
vultos míticos fundadores de uma brasili-dade
sedimentada no tempo. Um país jo-vem,
mas de jovens desmemoriados. É
também comum reclamar-se da falta de
patriotismo dos brasileiros, da falta de de-dicação
a sua própria história. Bem, tudo
isso merece algumas palavras reflexivas,
pois está intimamente relacionado a quest-ão
dos museus, e dos centros de memória e
cultura, em nossa sociedade.
Parece assim que nosso desafio maior é
colocar em foco as memórias sociais sub-terrâneas
e plurais, que permanecem enco-bertas:
é mister compreender as razões
sociológicas desse persistente encobrimen-to.
Especialmente àquelas submetidas e
dominadas pela ‘memória oficial’ e pelas
estruturas de significado e representação
estabelecidos e cristalizados em instituições
públicas e privadas – mesmo que comu-mente
se mantenham negligentes e disse-minem
o desprezo e o abandono, são com-portamentos
significativos de uma prática
de encobrimento e ocultamento, próprio da
lógica cultural dominante.
Destarte, a junção desses dois lexemas
recorrentemente enunciados – quais sejam,
‘País do Futuro’ e ‘País sem Memória’ –
constitui uma síntese conectiva plena de
significado político e cultural. O esqueci-mento
das origens pessoais, dos grupos
imigrantes, raças, etnias, etc., constitui
plano eficaz de dominação de consciências e
manutenção do status quo dominante, ou
da libido dominante, como dizia Roland
Barthes (1980). Apresentando-se como o
‘País da Promessa’, o lema: ‘Esquecer suas
origens para tornar-se brasileiro’, é extre-mamente
eficaz e se conecta perfeitamente
numa síntese conjuntiva adequada ao pro-cesso
de alienação e aculturação desenfrea-da
em que foi submetido a população em
quatro séculos de colonização do imaginário
mestiçado e hibridizado. Caberia então aos
semiólogos, e demais hermeneutas de nossa
sociedade, procurar as ferramentas concei-tuais
adequadas para a análise do teatro
das memórias sociais plurais, em que nos
encontramos mergulhados num crisol de
identidades e subjetividades descentradas e
barrocas. Há um caminho aberto para uma
multiplicidade de definições de memória,
que pode nos ajudar a encontrar saídas
teóricas mais fecundas para se compreen-der
as atuais ‘encruzilhadas do labirinto’ da
cultura, do patrimônio e da museologia em
nossa sociedade. Pois, não há uma memória
cultural e coletiva institucionalizada e num
‘sistema unívoco’, encontramos, sim, uma
pluralidade de ‘memórias’ – porém, é preci-so
não esquecer que a acentuação do espe-cial,
singular e único, tem um papel político
cada vez mais importante. Mas, é necessá-rio
também superar a dificuldade de lidar
com as memórias sociais traumáticas do
país e do continente: escravismo, colonia-lismo,
autoritarismos, ditaduras, etc.
A memória social brasileira não é um
mar de “rosas”: temos que agir com cuidado
e muito respeito em relação a estas particu-laridades
e singularidades capilares. O
Brasil é um ‘País do Presente e dos Con-trastes’,
por isso, parece certo afirmar que é
preciso uma perspectiva interdisciplinar e
transcultural das relações entre memória e
esquecimento na sociedade brasileira. País
do ‘aqui e agora’, em que há uma grande
fixação no prazer e na alegria, e que reluta
e resiste negativamente em enfrentar o
passado difícil, conflituoso e traumático.
Torna-se importante e fecunda uma antro-pologia
dialética, que pense e elabore esta
equação difícil: País da Esperança x Passa-do
Violento. A memória social brasileira é
traumática, violenta, repleta de histórias
de espoliações, escravidão, etnocídios, ge-nocídios,
autoritarismos, ditaduras, etc.
Quadro social que propiciou o surgimento
de diversas estratégias e tentativas sofisti-cadas
de encobrimento das dificuldades de
lidar com os conflitos, que são recalcados e
evitados a todo custo. Nessa conjuntura
político-cultural característica é correto
acreditar que as formações subjetivas que
se constituíram e se constituem nesse con-texto,
possuem traços psico-sociais extre-
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mamente complexos que merecem um tra-tamento
científico e humanístico de grande
sensibilidade interpretativa.
Política Cultural
A proposta de análise aqui apresentada
sustenta-se a partir da idéia de que a socie-dade
humana constitui-se de variações da
equação: “vida social = teatro e drama”, isto
é, a sociedade é como um teatro vivo, no
qual cada personagem-indivíduo-pessoa-sujeito-
grupo é ator e desempenha papéis
sociais singulares, segundo padrões estru-turados
pelo processo gregário. A vida so-cial
é tomada aqui como um ‘drama social’,
repleto de histórias, memórias, traços
mnemônicos, etc. A vida social é considera-da
aqui do ponto de vista do ‘teatro da vi-da’,
em que se engendram comédias e
tragédias, no devir sócio-cultural. Assim, o
cotidiano da vida está repleto de represen-tações
dramáticas, dos quais nossas biogra-fias
fazem parte e constituem capítulos
importantes das diversas ‘histórias de vida’
nos diferentes grupos aos quais nos vincu-lamos.
Nesse sentido o que importa como impli-cação
política, levando a sério os artigos da
Constituição Federal brasileira de 1988, é a
gestão democrática do teatro das memórias
sociais. Os princípios dessa ação cultural e
política estão definidos nos artigos 215 e
216 da Constituição Federal, nos quais se
encontram os ‘direitos culturais’ e a ‘cida-dania
cultural’. Desse modo, nesse texto
procura-se defender o direito de participar
da gestão das políticas culturais, da memó-ria
social e das identidades sociais, na so-ciedade
brasileira, evitando o controle des-tas
ações, nas mãos dos novos tecnocratas
da ‘economia da cultura’, da ‘gestão cultu-ral’,
etc., isto é, os novos ‘dédalos’ da tecno-logia
cultural emergente (Corrêa, 2008).
É a partir desse enfoque que se vê a ne-cessidade
de criarem-se Conselhos de Cul-tura
e Patrimônio que funcionem democra-ticamente,
e que sejam verdadeiramente
representativos. Além disso, vislumbramos
a criação de Observatórios da Política Cul-tural
da sociedade civil, para que cultive-mos
o diálogo democrático e o respeito a
crítica e a autonomia cultural. Dessa forma,
se pode evitar com força e determinação
política o clientelismo, os favores e a cultu-ra
da subalternidade e da subserviência –
ainda dominantes nesse espaço social das
políticas do patrimônio, da cultura e da
museologia.
Questão crucial: O que fazer do que fizeram
de nós?
É com ênfase nesses aspectos políticos
culturais que aqui se coloca em perspectiva
crítica a chamada e difundida ‘Educação
Patrimonial’. Temática que se encontra
numa encruzilhada epistemológica de difícil
superação. Quando se debate o problema da
inclusão social e do desenvolvimento, per-gunta-
se: inclusão e desenvolvimento para
quem? Quem está se beneficiando dessas
práticas pseudo-pedagógicas de preservação
do patrimônio e da memória social? Como
se propor a ‘amar’ o passado e se ‘sentir
pertencendo’ a uma história prenhe de ex-plorações,
espoliações e dominações colo-niais
exercida, e que ainda se exerce, sobre
milhões de brasileiros? Será correto fazer
‘entretenimento’, ‘folclorização’ e ‘lazer’ com
as memórias e histórias populares?
Como é sabido, patrimônio cultural é
herança simbólica e legado social: acervos e
coleções, tesouros e testemunhos passados
de geração para geração. Mas, para quem
foi deixado o testamento desses legados e
heranças culturais? Como se sentir perten-cendo
a ‘patrimônios’ que são símbolos e
lembranças de uma condição subalterna,
para milhões de brasileiros? Como ‘ensinar
a amar’ um passado que tantos traumas
históricos infringiram a maioria da popu-lação?
Esses patrimônios pertencem a
quem, e ‘devem’ ser ‘amados’ por quem?
Essas questões merecem ser direciona-das
aos que têm cultivado o ‘romantismo’
ingênuo e a ‘nostalgia’ pós-moderna, isto é,
aos corações dos bem-intencionados da hora
e os dos oportunistas do momento. ‘Con-hecer’
para ‘amar’ o patrimônio; ‘é preciso
amar a cidade’: mas, conhecer e amar quais
histórias e que ‘cidade’? Quem vai contar
essas ‘histórias’? Para quem o passado pode
ser objeto de amor e de sentimento de per-tencimento?
Qual a natureza ideológica do
‘amor romântico’ pelo passado? Para quais
grupos sociais o passado pode ser lembrado
sem causar aflições, remorsos e resistênm-cias
negativas? Para quem lembrar do pas-sado
pode ser agradável e prazeroso: toda
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gente? Todos podem lembrar do passado da
mesma forma? Para quais grupos pode ser
objeto lúdico brincar do jogo da memória e
do esquecimento no teatro das memórias da
vida real?
Nosso trabalho segue caminhos muito
distantes desses ‘romantismos’ e ‘nostal-gismos’
sentimentais. Nosso compromisso é
com a análise das ‘estruturas de sentimento
e de sentido’ (Raymond Willians, 1979) que
estão subjecantes as formações subjetivas
das diferentes classes sociais, etnias, raças,
nacionalidades, etc14. Nosso trabalho tende
a evitar, por exemplo, que se transformem
os museus em lugares para se guardar os
‘fósseis’ da vida social, sem uma reflexão
crítica contundente. Precisamos, sim, de
museus vivos que coloquem em foco os pro-cessos
de transformação sócio-culturais que
estamos passando na atualidade. Todavia,
fica um problema importante: como lidar
com os traumas históricos e sociais graves
em que vivem e viveram as populações que
ainda habitam os sítios históricos das nos-sas
cidades e sítios históricos?
A gestão do ‘teatro das memórias sociais’
não é um processo para ser proposto a co-munidade
de forma irresponsável e ilusó-ria.
É preciso entender quais os interesses
ideológicos daqueles que querem continuar
a tirar benefícios da história dos sofrimen-tos
alheios. É preciso uma sócio-psicanálise
dos que pretendem investir na memória e
nos patrimônios das comunidades: quais
são os seus desejos, seus interesses subjeti-vos
e objetivos... Parece certo crer que é
mais que necessário, pois é essencial, ques-tionar
esses projetos de ‘lazer’ e ‘entreteni-mento’,
supostamente ‘desinteressados’,
que não passam de formas de manutenção
da exclusão, e não servem para ‘inclusão
social’ alguma? Assim, conclui-se então que
é preciso evitar, com veemência, a ‘fossili-zação’,
a ‘turistificação’15 e a ‘folclorização’
da cultura. Precisamos de museus e centros
de cultura que sejam teatros vivos da cul-tura
popular, e não agentes de promoção e
manutenção das formas de violência simbó-lica
tradicionais e conservadoras.
Para atingirmos esse processo de con-hecimento
e esse grau de intervenção na
realidade sócio-cultural é necessário pro-mover
uma verdadeira ‘terapêutica da
memória social’ dos diversos grupos sociais
que compõem o mosaico cultural brasileiro
e latino-americano. Ao contrário dos que
querem tirar mais-valia das memórias e do
passado dos diferentes grupos sociais que
formam a nossa sociedade, é preciso mais
pesquisa e conhecimento. No entanto, ao
remar contra a maré pós-moderna dos que
querem transformar o passado em merca-doria
fetichizada, barata e sanitarizada –
abolindo e encobrindo todas as contradições
da história – enfrentam-se forças muito
poderosas do presente. E, dessarte, é ainda
mais urgente um trabalho terapêutico de
longo prazo, com pesquisa orientada e
científica, no sentido de se atingir uma ‘ou-tra
cena’, uma ’outra memória’16: propor a
re-significação política dos acervos cultu-rais,
patrimoniais e museológicos. Trabalho
que merece ser feito através de uma sócio-análise
profunda, associado a uma psico-análise
igualmente profunda (Jeudy, 1990).
Também não se pode esquecer que esse
trabalho deve ser fruto de um empreendi-mento
‘inter’ e ‘multi-disciplinar’ para atin-gir,
mais à frente, um meta-ponto-de-vista
transdisciplinar. Não tem como fazer esse
trabalho isolado, compartimentado nas
fronteiras disciplinares; é necessário abolir
as fronteiras canônicas e promover interfa-ces
com equipes multi e inter-disciplinares.
Para se evitar a ‘turistificação’ e a ‘fol-crorização’
sanitarizada e mercadológica
das memórias sociais, ou a patrimoniali-zação
excessiva – que visa abolir e encobrir
as contradições dialéticas do processo social
vivo, compreendendo suas determinações
históricas – faz-se mister um trabalho de
longo prazo, elaborado por equipes de pro-fissionais
de história, sociologia, antropolo-gia,
psicologia, psicanálise, etc. Trabalho
que deve ser feito com método e perspectiva
científica e humanística.
Para ilustrar a reflexão proposta, e mar-car
as particularidades das relações dife-renciadas
que os grupos sociais têm com
sua memória e a sua história, lembremos
dos grupos e nações de indígenas e dos ne-gros
brasileiros, e comparação contrastiva,
com os grupos de imigrantes sírio-libaneses
e europeus em nosso país. São histórias de
destinos diferentes, cada grupo mantém
uma relação diferente com a sua memória e
a sua história. São histórias de sucessos e
fracassos, que marcam posições diferentes
no espaço social da memória e do patrimô-nio
coletivo.
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É necessário então ter em mente as par-ticularidades
de cada grupo e conhecer sua
relação com a memória e a história. No caso
dos sírios e libaneses percebemos que esses
grupos logo que vieram para o continente
sul-americano, desenvolveram estratégias
de integração e assimilação, que logo deram
a eles condições de se desenvolverem e en-riquecerem
economicamente. Em poucas
gerações, de pobres mascates e comercian-tes,
tornaram seus filhos médicos, advoga-dos
e engenheiros, sem ligações étnicas ou
culturais com seus ancestrais no país de
origem. Esqueceram a língua árabe e os
costumes mais específicos. Mantém apenas
hábitos culinários e de divertimento, como
as danças árabes e os quibes e esfihas. De
modo algum deixaram os traços étnicos de
seus ancestrais atrapalharem sua inserção
na sociedade local. Esqueceram suas ori-gens
e disso tiraram muitos proveitos so-ciais
e econômicos. Realizaram assim o
lema do ‘país do futuro’, para os que não
têm memória étnica: ‘esqueça suas origens
e se torne um brasileiro’.
No entanto, para os grupos indígenas e
afro-descendentes, a história foi, e tem sido
muito diferente; não é uma história de su-cesso
e de realizações sociais e econômicas,
muito pelo contrário. A manutenção de seus
traços culturais e étnicos tem sido uma
marca de estigma e esteriótipos no com-plexo
sócio-cultural brasileiro. A recente
onda de ‘folclorização’, ‘fossilização’ e ‘turis-tificação’
de seus legados e heranças cultu-rais
só vêm confirmar a lógica desse proces-so
de manutenção cada vez mais sutil da
exclusão social e econômica desses grupos
subalternos. A despeito do engano dos mais
ingênuos, essa é a mais nova estratégia de
manter esses grupos na condição de subde-senvolvimento.
A resistência cultural des-ses
grupos e a manutenção autentica de
seus patrimônios culturais revela-se o mai-or
desafio de uma cultura verdadeiramente
humamista. Cultura humanística delinea-da
por Hanna Arendt, nos seguintes ter-mos:
Esse humanismo é o resultado da cultura
animi, de uma atitude que sabe como pre-servar,
admirar e cuidar das coisas do
mundo. Ele tem, como tal, a tarefa de servir
como árbitro e mediador entre as ativida-des
puramente políticas e puramente fa-bris,
que se opõem uma às outras de um
sem-número de modos (Arendt, 1997: 280).
Considerações Finais: A Metamorfose Cul-tural
Ao chegar ao final dessa reflexão, lem-bro
que esse texto é resultado de uma fala
no evento em que se debateu a função social
dos Museus, na sexta semana nacional
(DEMU/IPHAN/MINC), e no I Encontro de
Estudos Culturais de São Luís. Assim, ten-do
em vista as limitações apontadas, tenta-rei
resumir as propostas e reflexões mais
centrais colocadas nestas duas palestras, e
que aqui se encontram reunidas num texto
condensado.
Em traços largos tentou-se dar ênfase a
concepção dos museus como ‘locais de dra-matização’
privilegiados que podem vir a
refletir os impactos das mudanças na vida
sócio-cultural contemporânea. Sob o título
de ‘TEATRO DAS MEMÓRIAS’, procurei
corroborar as palavras de São Tomás de
Aquino, quando afirmava com razão: “O
sensível é o veículo natural do inteligível”.
E como a palavra “TEATRO” privilegia a
visualidade, ela conserva uma vinculação
etimológica direta à família do verbo grego
theáomai: “ver”. Desse modo, parece total-mente
adequado crer que os ‘Museus’ são
‘Teatros da Memória’. E como as matrizes
sensoriais (ver, ouvir, tocar, sentir etc.)
facilitam a rememoração, nada mais justo
que admitir que esses espaços sociais e
culturais privilegiados, e que cada vez mais
se tornarão importantes, como arenas de
disputas na cena cultural da contempora-neidade.
Existem indícios de que se tornar-ão
espaços de dramatização das memórias
sociais, que tendem a ser locais de reflexão
sobre os processos de transmissão das
heranças culturais para as gerações futu-ras.
Um exemplo histórico clássico dessa
função pode ser aproximado analogamente
como as Igrejas Barrocas, consideradas
como verdadeiras ‘bíblias de pedra’ (Corrêa,
1993). A função que esses templos desem-penhavam
no centro mesmo da cultura e da
civilização barroca, pode ilustrar aqui o que
se quer dizer com a importância que se
vislumbra, cada vez mais significativa, da
nova função dos museus, das casas e dos
centros de cultura na sociedade do futuro.
A lógica desse raciocínio político-cultural
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não é nova e pode ser encontrada com mais
propriedade na obra de Claude Lévi-
Strauss, Antropologia Estrutural II:
As Casas de cultura seriam então estreita-mente
associadas à sua gestão, sob o con-trole
desses funcionários que, numa socie-dade
civilizada, deveriam ter um prestígio
ao menos igual ao que gozam o engenheiro,
o militar e o chefe de empresa: penso no
diretor de circunscrição pré-histórica, no
arquiteto dos monumentos históricos, no
conservador das águas e florestas... Talvez
se instaurasse, entre as Casas de cultura, a
propósito dessas reservas, uma emulação
fundada no gosto do conhecimento, no amor
e no respeito à vida sob todas as suas for-mas.
Poder-se-iam conceber outros méto-dos,
infelizmente não menos precários e de
alcance também limitado. Mas, multipli-cando
as tentativas, avançar-se-ia sempre
para o mesmo fim: o estabelecimento de um
sistema de contrapesos, de cujo efeito se
espera obter um melhor equilíbrio entre o
presente e o passado, a mudança e a estabi-lidade,
o homem desraizado das cidades e
as duradouras verdades do mundo (Lévi-
Strauss, 1976: 292-3).
Sobressai dessas prospectivas que novos
trabalhos de pesquisa, investigação e ação
cultural poderiam começar a se desenvolver
pela história e memória social dos bairros
das cidades. Foi com esse objetivo que nosso
trabalho de pesquisa e extensão universitá-ria
em bairros e comunidades procurou
implantar um projeto de ação cultural no
Largo do Desterro, no Centro Histórico de
São Luís17. Um trabalho elaborado com
muitos cuidados para não se tornar apenas
mais um evento de marketing de empresas
e governos que somente tiram mais-valia
difundindo o ‘falso amor ao passado’. As-sim,
nossa pesquisa-ação procurou difundir
a idéia de que é fundamental a população
participar da ‘gestão política do teatro das
memórias sociais’.
O lema que guiou nossas incursões no
logradouro e nos bairros vizinhos foi:
“Apressar a Muda da Lagarta”. Como lem-brava
Paul Valery: “a maioria das sementes
não tem futuro”, por isso devemos ter mui-tos
cuidados. Como se sabe, nem todos os
bons frutos vingam ou brotam. Portanto,
para evitar a destruição e falta de resistên-cia
contra as poderosas forças de aniquila-mento
da memória, procuramos semear
uma ação cultural integrada que pretendeu
ativar três esferas da vida dos indivíduos e
dos grupos receptores desse trabalho:
1. IMAGINAÇÃO: a consciência reflete
sobre si mesma, inventa a si mesma, se
abre para as possibilidades, libertando-se
do ser e do dever ser para aceitar o
desafio do poder ser;
2. AÇÃO: o sujeito penetra no tempo pre-sente
e viabiliza o que sua imaginação
pré-sentiu – ligando-se ao processo cul-tural
concreto;
3. REFLEXÃO: permitir fazer a si mesmo
uma proposta de continuidade de si
próprio, de sua consciência e de sua aç-ão,
numa integração com o passado ca-paz
de permitir o exercício teórico, i.é, a
previsão do futuro, a predeterminação
do futuro;
Neste instante, o círculo se fecha e a imagi-nação
é de novo ativada (Coelho, 2001).
Todavia essa visão do processo só é
possível quando se antecipa a imagem no-va,
transfigurada, metamorfoseada e multi-colorida
que dela vai surgir no devir. Como
lembra Teixeira Coelho (2001), é necessário
cuidado com as forças reativas das re-sistências
e do negativismo: se o trabalho
de metamorfose demorar muito, vem a von-tade
incontrolável de esmagar aquele ‘bicho
repelente’, com tudo que possa abrigar de
promissor em seu ‘corpo mutante’! Destar-te,
“é preciso saber cultivar as boas semen-tes”!
Oxalá, os Museus possam em breve
tempo cumprir com essa nova e importante
missão civilizatória!
Referências
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1997. Entre o passado e o futuro. São Pau-lo:
Ed. Perspectiva.
Barthes, Roland.
1980 Aula. São Paulo: Cultrix.
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1996. A troca simbólica e a morte. São Pau-lo:
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Canclini, Nestor G.
2003. Culturas híbridas. São Paulo:
EDUSP.
Coelho, Teixeira.
1999. Dicionário crítico de política cultural.
São Paulo: Iluminuras.
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2001. O que ação cultural? São Paulo: Bra-siliense.
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1993. Festim barroco. Dissertação de Mes-trado.
Recife: UFPE.
2001. “Mudanças no paradigma preserva-cionista
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2005. Museu Mefistofélico: o significado
cultura da Coleção Museu de Magia Ne-gra
do Rio de Janeiro, primeiro pa-trimônio
etnográfico do Brasil. Ensaio
Final de Pós-Doutorado UFRJ/ CNPq.
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2006. “Teatro das memórias e do patrimô-nio
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perspectiva”. In, LIMA Filho, Manuel &
Bezerra, Márcia. Os Caminhos do Pa-trimônio
no Brasil. Goiânia: Ed. Alter-nativa.
2007. “Patrimônios Bioculturais na Hiper-modernidade:
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http://www.pasosonline.org/Publicados/5
207/PS080207.pdf. 2007.
2008. Patrimônios bioculturais: ensaios de
antropologia do patrimônio e da memó-ria
social. São Luís: Núcleo de Humani-dades/
EDUFMA.
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1986 Aspectos do Mito. Lisboa: Ed. 70.
Jeudy, Henri-Pierre.
1990. Memórias do social. Rio de Janeiro:
Ed. Forense.
2005. Espelho das cidades. Rio de Janeiro:
Ed. Casa da Palavra.
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1975. Antropologia estrutural I. Rio de Ja-neiro:
Tempo Brasileiro.
1976. Antropologia estrutural II. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro.
Williams, Raymond.
1979. Marxismo e literatura. Rio de Janei-ro:
Ed. Jorge Zahar.
Notas
1 Posteriormente as idéias aqui apresenta-das
foram colocadas no I Encontro de Estu-dos
Culturais, ocorrido em São Luís, maio
de 2008.
2 “Precisamente porque o patrimônio cul-tural
se apresenta alheio aos debates sobre
a modernidade ele constitui o recurso me-nos
suspeito para garantir a cumplicidade
social. Esse conjunto de bens e práticas
tradicionais que nos identificam como naç-ão
ou como povo é apreciado como um dom,
algo que recebemos do passado com tal
prestígio simbólico que não cabe discuti-lo.
As únicas operações possíveis – preservá-lo,
restaurá-lo difundi-lo – são a base mais
secreta da simulação social que nos
mantém juntos. Frente à magnificência de
uma pirâmide maia ou inca, de palácios
coloniais, cerâmicas indígenas de três sécu-los
atrás ou à obra de um pintor nacional
reconhecido internacionalmente, não ocorre
a quase ninguém pensar nas contradições
sociais que expressam. A perenidade desses
bens leva a imaginar que seu valor é in-questionável
e torna-os fontes de consenso
coletivo, para além das divisões de classe,
etnias e grupos que cindem a sociedade e
diferenciam os modos de apropriar-se do
patrimônio. Por isso mesmo, o patrimônio é
o lugar onde melhor sobrevive hoje a ideo-logia
dos setores oligárquicos, quer dizer, o
tradicionalismo substancialista” (Canclini,
2003: 160).
3 Museu é uma palavra Latina ‘Museu’,
que vem do Grego ‘Mouseion’, que significa
templo das Musas. Na Grécia Antiga, refe-ria-
se a pequena colina, em Atenas, consa-grada
às Musas. Na Grécia, as musas eram
filhas de Mnemosine e Zeus. Mnemosine
era uma das titânides filhas de Urano e
Gaia e a deusa da Memória. Ela teve de
Zeus Noves Musas.
4 Percebemos assim como se dá, nesse pro-cesso,
o que Jean Baudrillard designou de
‘revolução estrutural do valor’, revelando o
processo da economia política do signo, isto
é, como os objetos e as coisas passam do seu
valor de uso, para o valor de troca, e, sob
novos investimentos e agenciamentos so-ciais
e coletivos, adquirem valor de signo e
de símbolo (Baudrillard, 1996).
5 Expressão usada no sentido dado por
Georges Balandier no livro El Poder em
Escenas. Barcelona: Paidós Studio, 1994.
6 De acordo com a definição dada pelo Con-selho
Internacional de Museus, o ICOM, na
372 Teatro das Memórias: entre o passado e o futuro
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 8(2). 2010 ISSN 1695-7121
Assembléia Geral de Copenhagen, em 1972,
Museu ‘é uma instituição permanente sem
fins lucrativos, a serviço da sociedade e de
seu desenvolvimento e aberto ao público,
que adquire, conserva, pesquisa e exibe
para finalidades do estudo, da educação e
da apreciação, evidência material dos povos
e seu ambiente’. Podemos incluir em sua
abrangência máxima os jardins botânicos,
zoológicos, aquários, planetários, parques
nacionais e outras instituições.
7 O signo Museu está ligado a antiguidade
clássica, especialmente a Mitologia grega.
Minemósine era aquela que preserva do
esquecimento. Seria a divindade da enume-ração
vivificadora frente aos perigos da
infinitude, frente aos perigos do esqueci-mento
que na cosmogonia grega aparece
como um rio, o Lethe, um rio a cruzar a
morada dos mortos (o de "letal" esqueci-mento),
o Tártaro, e de onde "as almas be-biam
sua água quando estavam prestes a
reencarnarem-se, e por isso esqueciam sua
existência anterior". As nove Musas: Clio (a
quem confere fama) a musa da História;
Euterpe (a que dá júbilo) a musa da poesia
lírica; Tália (a festiva) a musa da comédia;
Melpômene (a cantora) a musa da tragédia;
Terpsícore (a que adora dançar) a musa da
dança; Érato (a que desperta desejo) a mu-sa
do verso erótico; Polímnia (a de muitos
hinos) a musa dos hinos sagrados e da na-rração
de histórias; Urânia (celeste) a musa
da astronomia; Calíope (bela voz), a primei-ra
entre as irmãs, era a musa da eloqüên-cia.
Segundo Mircea Eliade: “A deusa
Mnemósine, personificação da "Memória",
irmã de Cronos e Oceanos, é a mãe das
Musas. Ela é omnisciente: segundo Hesíodo
(Teogonia, 32, 38), ela sabe "tudo aquilo que
foi, tudo aquilo que é, tudo aquilo que será."
Quando possuído pelas Musas, o poeta ins-pira-
se diretamente na ciência de Mnemó-sine,
isto é, no seu conhecimento das "ori-gens",
dos "primórdios", das genealogias.
"Com efeito, as Musas cantam - ex arkes -
(Teogonia, 45, 115) - o aparecimento do
mundo, a génese dos deuses, o nascimento
da humanidade. O passado assim desven-dado
é mais que o antecedente do presente:
é a sua fonte. Recuando até ele, a rememo-ração
procura, não situar os acontecimentos
num quadro temporal, mas atingir o fundo
do ser, descobrir o original, a realidade
primordial de onde proveio e que permite
compreender o devir no seu conjunto"
(Eliade; 1986).
8 Um Ecomuseu é um novo tipo de museu
em que o objeto é a exposição da natureza
propondo atividades com a comunidade.
Atua nas áreas da Geologia, Geografia,
Paleontologia, Antropologia, Zoologia e
Botânica. Trata-se de um novo conceito de
museus formulado na década de 1970, na
França. Hugues de Varine foi o primeiro a
colocar o termo Ecomuseu em evidência.
Georges-Henri Rivière, a partir de 1936,
elaborou os primeiros esboços do que seria
futuramente a Ecomuseologia. No início dos
anos 50, definiu a teoria do Ecomuseu. As
primeiras realizações práticas aconteceram
nos anos 60, com forte preocupação ecológi-ca.
Para Hugues de Varine, o Novo Museu,
diferentemente do museu tradicional, enfa-tiza
o território (meio ambiente ou sítio),
em vez de enfatizar o prédio institucional
em si; o patrimônio, em vez da coleção; a
comunidade, em vez dos visitantes. No Mu-seu
Clássico ou Tradicional, a museologia
se dá da seguinte forma: Edifício + Coleção
+ Público. No Ecomuseu, de acordo com a
visão da Nova Museologia, os ingredientes
de expandem: Território + Patrimônio (Ma-terial
ou Imaterial) + Comunidade. Esta
nova forma que o Museu se apresenta, que
veio se desenvolvendo na modernidade, seja
ela chamada de Ecomuseologia, Nova Mu-seologia,
museologia comunitária ou mu-seologia
ativa, é a única Museologia que dá
suporte ao homem para que este se desen-volva
em seu meio, de forma sustentável, a
partir de suas relações com o Real. Confira:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ecomuseu
9 No que tange ao melhor esclarecimento
sobre o Ecomuseu, confira texto de Bruno
Brulon, Entendendo o Ecomuseu, que pode
ser encontrado na Revista Jovem Museolo-gia
(UNIRIO), no endereço eletrônico:
http://www.unirio.br/jovemmuseologia/docu
mentos/2/artigobruno.pdf
10 Projeto de Pesquisa e extensão univer-sitária
desenvolvido após a defesa da tese
de doutoramento defendida na PUC/SP
(Corrêa, 2001). Confira a relação de textos
produzidos sobre esses temas correlatos nas
referências bibliográficas no final desse
artigo.
11 Esse trabalho pode ser consultado em
Alexandre Fernandes Corrêa 373
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 8(2). 2010 ISSN 1695-7121
dois Blogs, que contém informações sobre o
Grupo de Pesquisa Patrimônio & Memória,
o Grupo de Estudos Culturais e o Projeto de
Ação Cultural Teatro das Memórias:
http://grupodepesquisapatrimoniomemoria.
blogspot.com/,
http://teatrodasmemorias.blogspot.com/
12 Victor Grippo/1998: “Solo nos queda
mantener una ‘lucidez implacable’”. Nasceu
em Junin, Buenos Aires, 1936. Estudou na
Escuela de Bellas Artes, Universidad de la
Plata.
13 Ferreira, Jerusa P. “Cultura é memó-ria”,
in Revista da USP, n.24,dez./jan./fev
(1994-1995, p.116 e 117); texto em homena-gem
ao semiólogo Yuri Lotmam que escre-veu:
“A cultura é memória longeva de uma
comunidade [...] e não um simples depósito
de informações: é um mecanismo organiza-do
de modo extremamente complexo que
conserva as informações, elaborando conti-nuamente
os procedimentos mais vantajo-sos
e compatíveis. Recebe as coisas, codifica
e decodifica mensagens, traduzindo-as a
um outro sistema de signos [...]. Somente
aquilo que foi traduzido num sistema de
signos pode vir a ser patrimônio da memó-ria”.
14 Para aprofundar esse ponto crítico fun-damental,
confira O ‘COMPLEXO DE
DÉDALO’ EM UMA PERSPECTIVA AN-TROPOLÓGICA,
posfácio do livro Pa-trimônios
Bioculturais (Corrêa, 2008).
15 Sobre o conceito de ‘turistificação’, confi-ra:
CASTILHO, Cláudio Jorge Moura. O
uso do turismo na formação de represen-tações
socioespaciais do desenvolvimento
em Recife/Pernambuco.
http://www.inventionweb.com.br/neer/comu
nicações/cláudio-moura-castilho.pdf. 2006
16 Confira o conceito de psicanalítico
‘aprés-coup’, trabalho por Henri-Pierre
Jeudy no seu livro Memórias do Social
(1990).
17 Mais detalhes sobre esse trabalho de
extensão universitária, confira o Blog:
http://teatrodasmemorias.blogspot.com/
Recibido:
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02/022009
09/12/2009
Aceptado: 12/01/2010
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