Vol. 4 Nº 2 págs. 135-142. 2006
www.pasosonline.org
© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Patrimônios, Museus e Subjetividades 1
Alexandre Fernandes Corrêa †
Universidade Federal do Maranhão (Brasil)
Resumo: Este artigo é uma reflexão sobre a importância da política cultural enquanto política pública
emancipatória e autonomista. Como exercício crítico enfoca-se o modelo clássico de preservação de
objetos e coleções – expresso na equação museu-monumento-patrimônio – em diálogo com as novas
formas de subjetividade contemporânea. Através de uma nova etnologia regional identifica-se o surgi-mento
de novos objetos e coleções marginais, que subvertem a lógica cultural burguesa. Novos museus e
novos lugares da memória convidam ao desafio de repensar novas perspectivas e vertentes para a patri-monialização
e a promoção cultural e étnica da sociedade brasileira e latino-americana.
Palavras-chave: Memórias Sociais; Patrimônio Cultural; Etnologia Regional; Subjetividade; Museus
Abstract: This article is a reflection about the importance of the cultural politic while autonomist and
emancipates public politic. Propose as critic exercise squander the classic model the preservation of the
objects and collections – show in the equation museum-monument-patrimony – dialoging with the news
forms of the contemporary subjectivity. The new regional ethnology identify the emerging of the news
objects and outsiders collections, that subverting the bourgeoisie cultural logic. News museums and the
news memory places invite at the challenge of the reflect news perspectives and slopes to the cultural
and ethnic heritage promotion in the Latin-American and Brazilian society.
Keywords: Social Memories; Cultural Heritage; Regional Ethnology; Subjectivity; Museums
† • Prof. Adjunto em Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (DEPSAN). Doutorado em Ciências So-ciais
(PUC/SP-2001). Coord. do Grupo de Pesquisa Patrimônio e Memória (GPPM). E-mail: alex@ufama.br
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Usos Culturais dos Acervos Patrimoniais e
Museológicos
Que significa um ‘patrimônio da
humanidade’, quando ele mesmo não
funciona como patrimônio local, munici-pal,
regional? (Menezes, 1996: 98).
Introduzindo o tema central desta re-flexão,
desejamos enfatizar aspectos que se
revelam cada vez mais significativos num
ambiente efervescente e que sofre na atua-lidade
um intenso investimento econômico
e político-cultural. Trata-se do setor terciá-rio
da economia local de São Luís do Ma-ranhão2.
Nossa atenção aqui recai sobre os
“usos culturais” dos acervos patrimoniais e
museológicos – especialmente os etnográfi-cos
e os folclóricos – agenciados pela indús-tria
turística e hoteleira recentemente im-plantada
nesta parte do País. No sentido de
propor uma reflexão etnológica sobre estes
fenômenos, escolhemos caracterizar suma-riamente
o modelo clássico de preservação
de objetos e coleções representado na
equação museu-monumento-patrimônio3.
Este modelo, aqui caricaturado grosso mo-do,
é o que tem predominado, mesmo de
maneira precária, na museologia provin-ciana
do Maranhão. As características des-te
modo de fazer e conceber museus são
bem conhecidos de todos nós, mas é inte-ressante
sublinhar alguns pontos para que
possamos vislumbrar as alternativas possí-veis
a este modelo, que se esgota a cada dia.
Em poucas palavras, trata-se de um proce-dimento
museológico conhecido, o qual a
população em geral resume numa frase
simples: o museu é “um depósito de coisas
velhas”.
Como é sabido de todos, não temos na
América Latina uma cultura museológica
nos mesmos moldes que nos países da Eu-ropa
e da América do Norte. Nestas nações
os museus fazem parte do cotidiano das
pessoas, estão integrados aos sistemas edu-cativo,
recreativo, moral e econômico. Entre
nós raramente vemos algo semelhante ou
que tenha tal alcance social4.
Desponta como novidade na repetição do
esquema de percepção museu-monumento-patrimônio,
o surgimento de novos lugares
onde se guardam objetos e coisas da cultu-ra,
da culinária, do artesanato e do folclore.
Contudo, desta vez, estes museus (ou Cen-tros/
Casas de Cultura) são para os turistas
nacionais e estrangeiros, isto é, para os
outros, que visitam as nossas cidades turís-ticas5.
A realidade museológica em São Luís é
limitada ao convencionalismo, como se pode
imaginar. O que merece alguma atenção
são as transformações que vêm ocorrendo
num contexto de espetacularização dos
símbolos e signos culturais locais, usados
como mercadorias pela indústria turística e
hoteleira incipiente e voraz. O artesanato e
o folclore regional vêm sofrendo o mesmo
impacto. Promovendo a produção de uma
nova série de reproduções de imagens e
objetos de cultura regional, os signos da
identidade local recebem um tratamento
mais moderno. Trata-se na verdade de uma
re-leitura tecnologicamente sofisticada e de
uma apropriação dos signos e símbolos cul-turais
– tanto os bens culturais populares
marginais6 como os integrados ao Panteão
Tradicional Maranhense7.
No que tange mais diretamente ao Cen-tro
Histórico da capital, temos alguns mu-seus
tradicionais como o Museu Histórico e
Artístico, o Museu de Artes Sacras, o Mu-seu
de Artes Visuais, Centros de Folclore e
Arte Popular, entre outros. Todavia, estes
lugares da memória sacralizada funcionam
de forma precária e sem regularidade na
produção de novas exposições ou pesquisa
propriamente dita. Mais recentemente sur-giram
a Casa do Maranhão, o Museu Histó-rico
Natural, Arqueológico e Paleontológico,
além de novos lugares de comercialização
de artesanato e especiarias regionais, como
o Mercado das Artes. Todos seguem o mo-delo
referido reproduzindo a mesma con-cepção
museológica. Contudo, deve-se res-saltar
que estes novos estabelecimentos
incorporam novas linguagens, mais sofisti-cadas,
usando de suportes tecnológicos para
um processo efetivo de espetacularização
dos recursos turísticos dessa região do País.
Desafio do Investimento Museológico nas
Subjetividades Populares
É nesse contexto que propomos algumas
interrogações concernentes ao campo do
patrimônio e da museologia contemporâ-neos.
Numa pletora de significantes cultu-
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rais plurais, excesso transbordante de refe-renciais
étnicos diversificados, pergunto:
como ainda pode se manter hegemônica a
subjetividade dominante? Será possível
imaginar novas formas de gestão cultural
em que as subjetividades marginais possam
escapar da lógica cultural burguesa? Por
quê num país com tamanha diversidade
cultural e étnica, as formas de expressão
dos seus diferentes grupos formadores não
são objeto efetivo de um investimento cole-tivo
nas memórias sociais plurais?
Na primeira tentativa de responder a
estas perguntas vamos às fontes e aos clás-sicos
da sociologia e antropologia brasilei-ra8,
neles encontramos as análises clássicas
da mestiçagem e do sincretismo cultural
brasileiro. O que tem implicado um cruel
apagamento e esquecimento das singulari-dades
e particularidades culturais da reali-dade
brasileira e latino-americana. Pode se
dizer que os clássicos têm se limitado a
descrever as estratégias da “ideologia do
branqueamento”. Entretanto, estes cânones
não têm conseguido responder as interro-gações
mais profundas do dilema social
brasileiro. O problema é bem mais com-plexo,
pois emerge num contexto contem-porâneo
novo e mutante chamado globali-zação.
No que se refere mais propriamente a
pesquisa dos patrimônios e dos acervos
museológicos, somam-se, àquelas indagaç-ões
anteriores, outras, ainda mais instigan-tes:
de que maneira o social pode ser objeto
de museologia? Quais são as formas reno-vadoras
possíveis à museologia dominante?
Podemos falar de uma museologia popular
alternativa, capaz de dar conta de um tra-balho
coletivo de investimento nas memó-rias
sociais e naturais9 dos grupos popula-res
negligenciados pela museologia tradi-cional?
É viável propor uma nova gestão
política do teatro das memórias sociais re-gionais
e nacionais? Como pensar num in-vestimento
coletivo nos sujeitos sociais a
margem da lógica cultural burguesa?
Vislumbramos como campo de reflexão
emergente neste domínio o surgimento de
uma nova etnologia regional que investigue
as transformações locais dos paradigmas
globais de ação cultural. Através de um
trajeto interpretativo e crítico, que passa
pela antropologia simbólica contemporânea,
se pode ir para além das constatações esta-tísticas
da realidade social. E como foi colo-cado
por Davallon e Carrier, em texto in-formativo
sobre as novas práticas museoló-gicas
possíveis, existe a chance de uma
nova trilha, muito mais interessante e es-timulante:
Do ponto de vista dos princípios, conclui-se
que a museologia popular não está diri-gida
aos objetos a conservar ou a exibir a
um público, mas sim aos sujeitos sociais10
(Jeudy, 1990: 31).
Museologia Etnológica Regional Não-
Exótica
O ponto crítico desta reflexão se funda
na possibilidade futura de uma museolo-gia
dirigida aos sujeitos sociais. Pensa-mento
que emerge inspirado numa nova
etnologia não-exótica e não-colonialista
(Jeudy, 1990). Um novo modo de pensar
museus em que as mentalidades, as ma-neiras
de sentir e de agir – para além
dos objetos, coleções e edifícios – tornam-se
foco de uma investigação museológica
e patrimonialista criativa e transforma-dora.
Pois, a conservação e a preservação
natural e cultural só adquirem sentido
no cumprimento de uma integração, isto
é, da inserção concreta do sistema de
museus no contexto econômico e sócio-cultural
mais amplo.
Percebemos que o museu tradicional
perde cada vez mais seu significado polí-tico
habitual e eventual. Transforma-se
gradualmente, sob o impacto da globali-zação
atual, num centro onde se exprime
a dinâmica social de grupos que traba-lham
sobre a identidade, a filiação e a
legitimidade, utilizando a memória e o
passado como “motores” de tal reflexão.
Objeto cultural polimorfo, o social po-de
se prestar então a todas as manipula-ções
de sentido (Jeudy,1990: 32).
Como exemplo de um trabalho social
de gestão do patrimônio numa lógica não
clássica, temos o Écomusée de la Maison
du Fier-Monde de Montreal no Canadá:
Esse ecomuseu foi implantado no
bairro centro-sul, um dos bairros mais
pobres da metrópole, e sua intenção é
fazer da preservação do patrimônio um
instrumento de educação e de ação cole-tiva,
criando assim um espaço que servi-ria
de lugar de encontro para reuniões de
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todo tipo. Portanto não se trata mais da
cultura técnica, nem de uma conservação
museográfica de objetos ou de documen-tos.
Pesquisa e exposições são realizadas
a partir de uma tentativa de tornar atual
e viva a história do bairro. Esforços de
animação cultural preparam e prolon-gam
as exposições construídas com habi-tantes
do bairro que, na sua maioria, são
operários (Jeudy, 1990: 33).
O referido ecomuseu, como se pode
perceber, apresenta-se como um centro
de interpretação da vida, da cultura e da
tecnologia operárias: algo sem preceden-tes
no contexto regional maranhense.
Esse eco-museu canadense passa a ser
uma espécie de centro “motor”11, que se
quer “museologia comunitária” e que se
propõe uma missão. Para os autores des-te
projeto, é preciso pôr fim a ideologia
segundo a qual existe uma cultura uni-versal,
que agrupa a todos sem frontei-ras
de classe ou cultura12. É um projeto
militante, engajado, que não esconde
suas ambições de uma revalorização das
culturas de classes sociais subalternas e
dominadas, opondo-se a museologia bur-guesa
passiva e consumista.
Vê-se então que o social é com isso to-talmente
investido aí, tornando-se o ob-jeto
absoluto das ações culturais. O cha-mado
ecomuseu preocupar-se-á doravan-te
com o bem-estar dos residentes, mora-dores
e habitantes. Preocupar-se-á com a
vizinhança e com os pontos de referência
coletivos, e não mais com o futuro de um
“novo” turismo cultural ansioso por com-preender
as transformações de um bair-ro,
ou sítio histórico, expressão de uma
vã curiosidade. Não é que este novo tipo
de prática e empreendimento seja finca-do
num princípio “romântico” ou “utópico
anti-capitalista”, que nega a mercadoria-turismo,
mas, pelo contrário, por que
acredita que o próprio turismo há de se
transformar num produto de qualidade
nova, no qual as viagens ganham sentido
como viagens de aventura, de fruição
quase filosófica: viagens de troca simbó-lica
que não sejam fruto da ansiedade
consumista vazia e niilista. O turismo
cultural não pode ser uma pílula exótica
para aplacar o tédio da padronização
sufocante das contemporâneas ditas pós-modernas.
Daí defendermos uma educa-ção
patrimonial e museológica radical,
isto é, uma nova paidea, uma nova peda-gogia
das viagens pelo país e pelo mun-do:
Essa pedagogia parte muito natural-mente
da cultura vivida, isto é, do con-junto
de conceitos, atos e acontecimentos
da vida cotidiana, e num marco tridi-mensional,
isto é, o espaço, o tempo e o
contexto social. A ação cultural acha-se
voltada para problemas reais de traba-lho,
habitação, lazer, família, vida grupal
etc., e deve enfocar também os problemas
existenciais (Binette apud Jeudy, 1990:
34).
Novos Patrimônios e Novos Museus
Das nossas pesquisas em São Luís do
Maranhão percebemos que amadurecem
cada vez com maior intensidade novos
pontos de referência cultural coletivos.
Apesar de vivermos um contexto político
e econômico nacional e latino-americano
muito complexo; novas esperanças têm
se sedimentado no campo das políticas
culturais desde a Constituição Federal
de 1988 (Corrêa, 2003). Em lugar de
morrerem nos seus cantos abandonados
com suas lembranças pessoais, suas ale-grias
e tristezas, os habitantes de bair-ros
urbanos e rurais, vizinhanças de
parques e de monumentos, de terreiros e
de vilas, etc., começam a partilhar suas
memórias e a assumir as relações que
estas possam ter com o tempo presente.
As ruínas da sociabilidade estão postas
como novas apostas coletivas – aquelas
“velhas e amareladas cartas” – e dessa
redistribuição caleidoscópica ao infinito
nasce a troca comunitária museal em
que se pretende abolir a alienação siste-mática
(Jeudy, 1990).
Trata-se, sem dúvida, de um desafio
lançado contra essa negação e esse es-magamento
produzido pela cultura bur-guesa
dominante. O programa é de longa
data: difícil e repleto de idas e vindas.
Muitos começos e re-começos irão se re-petir,
muitas alegrias e frustrações vão
se revezar: nem todas as sementes,
mesmo que boas, germinam. O certo é
que o reconhecimento dessa força latente
de uma vida social reencantada não tem
mais fim, e, quem sabe, poderão continu-
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ar presentes nas animações culturais do
futuro.
Percebemos que o desejo de retomar
uma forma simbólica da troca aparece
claramente na maneira pela qual os ha-bitantes
de uma região se reúnem, discu-tem,
intercambiam documentos e proje-tos
para transcrever e inscrever os traços
da memória coletiva. Para além do cui-dado
em preservar as identidades cultu-rais
ameaçadas de desaparecimento, se
manifestam desejos ainda impotentes –
posto que presa das armadilhas da con-servação
– de recuperar a vida social e
afetiva em práticas simbólicas autenti-cas13.
Por trás das representações da
memória coletiva estabelece-se à vontade
de restabelecer verdadeiramente moda-lidades
de troca que foram e que ainda
estão sendo destruídas14.
Em suma, pretendemos aqui enfocar cri-ticamente
o modelo clássico de preservação
de objetos e coleções – expresso na conheci-da
equação museu-monumento-patrimônio
– no diálogo político com as formas de sub-jetividade
contemporânea. Esse trabalho se
dá num novo contexto sócio-cultural em que
emergem novas séries de objetos e coleções
expressando novas subjetividades que dis-putam
a cena patrimonialista atual. A re-flexão
desenvolvida percorre o trajeto da
lógica da preservação do objeto antigo à
construção do espaço museal da memória
do presente. Cotidiano e alteridade em diá-logos
transversais colocam em questão o
modelo estabelecido de fossilização do vivi-do.
Através de uma etnologia regional não-exótica
novos objetos e coleções marginais
emergem subvertendo a lógica cultural
dominante. Faz-se necessário, em alguns
casos, um trabalho terapêutico da memória.
Este trabalho invoca uma outra cena, uma
nova cenografia da sociabilidade. Nesse
caminho, talvez resulte uma nova gestão
política do teatro das memórias, desenca-deando
um novo processo de investimentos
nas heranças bio-culturais populares. O
espírito deste trabalho, portanto, se funda
no princípio constitucional em vigor que é o
de promover uma verdadeira cidadania
cultural, com a inclusão social de todos os
grupos humanos numa sociedade mais de-mocrática
e plural.
Nesse sentido, os novos museus do social
e da natureza surgem num contexto de
resistência das identidades culturais nacio-nais
e regionais, frente a um processo de
homogeneização planetário avassalador,
chamado globalização, que tem colocado em
risco diversos acervos ainda não inventa-riados
pelas instituições oficiais e não-oficias
de pesquisa. Novos museus e novos
lugares para as memórias plurais convidam
ao desafio de repensar e inaugurar novas
perspectivas e vertentes para a patrimonia-lização
e promoção das diferenças culturais
e étnicas na sociedade brasileira e latino-americana.
Política Cultural em Perspectiva
Por fim, arriscamos colocar alguns pon-tos
a cerca de uma possível política cultural
como exercício de política pública emanci-patória
e autonomista15. Ao tentar enfocar
a problematização de temas específicos em
política cultural, privilegiamos o foco nas
memórias sociais e nas políticas do pa-trimônio
implementadas em São Luís16.
Porém, isto é mais do que certo, antes de
apresentar soluções, a política cultural deve
tratar de construir problemas17.
De um modo direto cabe ressaltar que as
soluções devem ser buscadas pelos próprios
“sujeitos” das políticas culturais – que têm
seu papel a representar também no equa-cionamento
dos problemas pertinentes. A
construção de um problema nesta área do
conhecimento é já o passo necessário para
resolvê-lo e esse passo cabe à política cultu-ral.
Em outras palavras, a política cultural
assume sua expressão máxima na figura da
ação cultural, entendida como a criação das
condições para que os indivíduos e grupos
criem seus próprios fins emancipatórios
(Coelho, 1999, 2001).
Nas nossas pesquisas temos tentado
analisar as transformações recentes que
a noção de patrimônio tem sofrido na
sociedade brasileira contemporânea. Ge-ralmente
associada a um significado eco-nômico
e quase sempre a disputa por
espólio ou herança familiar – passando
pelo significado jurídico ligado a propri-edade
ou conjunto de bens e valores de
diferentes instituições sociais – a noção
de patrimônio se expandiu na sociedade
ocidental para área artística e arquitetu-ra,
desenvolvendo-se intimamente vincu-
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lada à idéia de monumento histórico.
Atualmente observamos metamorfoses
que alastram ainda mais o domínio desta
noção, ao menos no contexto dos idiomas
neo-latinos. Percebemos seu uso difun-dindo-
se por diversas áreas do conheci-mento
humano, como a genética, a ciên-cia,
o meio ambiente, a linguagem, o fol-clore,
os conhecimentos tradicionais e
assim por diante. Considerando o vasto
domínio que a noção hoje abarca, tenho
procurado através de uma perspectiva
antropológica, compreender as transfor-mações
desta noção especificamente no
meio popular, isto é, perceber como a
população tem representado estas mu-danças
e como tem assimilado as varia-ções
semânticas e políticas.
O foco principal da análise é o geren-ciamento
político e administrativo na
área preservacionista regional da cidade
de São. Cumpre afirmar que esta pesqui-sa
não se limita apenas a mais uma in-terpretação
dos significados populares da
noção de patrimônio cultural ou coletivo
– tema intimamente vinculado ao grande
tema da cidadania cultural, dos direitos
culturais e dos direitos difusos, promovi-dos
após a Assembléia Constituinte de
1988. O trajeto político desta pesquisa
implica num engajamento efetivo e pro-positivo
no ambiente social e cultural
local.
Levando-se em conta a possibilidade
uma ação-cultural prospectiva, consta-tamos
a necessidade emergencial de se
articular um novo investimento coletivo
nas memórias sociais, especialmente as
que estão marginais à lógica cultural
dominante18. O cenário geral que se es-boça
hoje, apesar de repleto de confor-mismos
de toda ordem, parece demandar
um debate franco sobre um novo geren-ciamento
político do teatro das memó-rias,
tanto naturais como sociais. O di-lema
da exclusão e da inclusão da maio-ria
da população no processo social re-percute
inevitavelmente nas políticas de
preservação e promoção dos valores cul-turais
nacionais e regionais. Deste modo,
adentrando no domínio mais específico
da política cultural, nos propusemos aqui
a estimular uma reflexão crítica e demo-crática
sobre as políticas públicas na
área do patrimônio cultural e da memó-ria
social em nosso País.
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NOTAS
1 Texto originalmente apresentado na XXIIIª
Reunião da Associação Brasileira de Antropo-logia.
Gramado-RGS-2002. Fórum de Pesqui-sa:
Objeto, coleções, museus e formação da
subjetividade.
2 O Centro Histórico de São Luís foi inscrito
na Lista do Patrimônio Cultural da Humanida-de
no ano de 1997, a partir desta data se inten-sificaram
os investimentos nesta parte da cida-de.
3 Modelo patrimonial que se desenvolveu no
Brasil sob o lema da política da pedra e cal
desenvolvido pelo IPHAN desde 1937.
4 Podemos destacar, no entanto, exceções
como o Museu Histórico Nacional e o Museu
Paulista (ou do Ypiranga), que têm desenvol-vido
trabalhos pedagógicos de longa data.
5 Para Lévi-Strauss estes centros e casa de
cultura nada mais são do que álibis para a
destruição do meio ambiente promovida pela
civilização urbana (1976: 291).
6 Os bens culturais aqui designados “marginais
populares” incluem os bens produzidos pelos
indígenas, negros, grupos de imigrantes e po-pulares
propriamente ditos: operários, campo-neses,
etc.
7 Constituído principalmente pelos herdeiros
da aristocracia luso-brasileira escravocrata,
que forjaram a mitologia da Atenas Brasileira
através dos vultos poéticos, literários e intelec-tuais.
8 Gilberto Freyre (1972), Fernando de Azeve-do
(1971), Darcy Ribeiro (1995), Sérgio Buar-que
(1995), ente outros clássicos.
9 A importância das memórias da paisagem e
da natureza é cada vez mais intensificada. Por
exemplo, os tombamentos do bairro rural do
Cafundó em São Paulo; os terreiros de Can-domblé
em São Paulo, Maranhão, Bahia; e a
floresta da Tijuca na região metropolitana do
Rio de Janeiro.
10 Davallon, Jean e Carrier. La Société des
musées québécois. Musées, 8:29-31, primavera
de 1985.
11 Idéia que lembra muito as propostas de
arte-ação de Mário de Andrade (Coelho, 1999,
2001).
12 No Brasil podemos citar o trabalho em tor-no
das Memórias de Armandinho do Bixiga
(Moreno, 1996) e em Portugal a proposta do
Museu das Crianças (1994).
13 Lévi-Strauss no seu livro Antropologia
Estrutural I coloca em destaque o que designou
como as Missões Próprias da Antropologia.
Neste texto, intitulado O lugar da antropologia
nas ciências sociais e problemas colocados por
seu ensino (Unesco-1954) o autor estabelece
que a tarefa do antropólogo é “reconhecer e
isolar níveis de autenticidade” (1975: 408-9).
14 O recente processo de tombamento da Casa
das Minas ilustra este pensamento. Como re-gistrou
Sérgio Ferretti: “As vodúnsis... não
querem que a Casa se acabe. Dona Amância
reclamava que havia pessoas querendo trans-formar...
em Terreiro de Umbanda. No passa-do,
as velhas falavam que, quando não houves-se
mais ninguém, a Casa ficaria para o Estado
e viraria Museu. Também... nos disseram que
as antigas combinaram entre a Casa das Minas
e a de Nagô, se uma delas fechasse, a outra
cuidaria das coisas” (1998: 278).
15 Ver os trabalhos de Castoriadis, especial-mente
o texto A Autonomia em Política (1998)
e a série de textos que compõem As Encruzil-hadas
do Labirinto (1992, 2002).
16 Deve-se lembrar que há 10 anos que não se
tem uma política cultural articulada e geren-ciada
por um Conselho de Cultura legitimo e
democrático.
17 O Grupo de Pesquisa Patrimônio e Memória
do PPGCS/UFMA está empenhado em partici-par
de novas propostas de ação cultural do
Programa de Educação Patrimonial do Núcleo
Gestor da Prefeitura de São Luís. Recentemen-te
realizamos trabalho de coleta de fotos e de
criamos uma Oficina de Fotografia com crian-ças
de 9 a 14 anos, moradoras do bairro de
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Desterro e do Portinho, no Centro Histórico da
Capital.
18 Terreiros de Mina, Candomblé e Umbanda;
Bairros Rurais; Vilas Caiçaras; Aldeias Indí-genas;
Remanescentes de Quilombos; Memó-rias
de Imigrantes: p. ex. os sírios-libaneses no
Maranhão e Amazônia. Patrimônios e memó-rias
dos Brasis na História: Crioulo, Caboclo,
Sertanejo e Caipira (Ribeiro, 1995).
Recibido: 25 de agosto de 2005
Aceptado: 1 de diciembre de 2005
Sometido a evaluación por pares anónimos