© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Vol. 10 Nº 5 págs. 585-594. 2012
www.pasosonline.org
Turismo em cavernas e as representações do mundo subterrâneo
Álvaro Banducci Júnior i
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Brasil)
Heros Augusto Santos Lobo ii
Universidade Federal de São Carlos (Brasil)
i Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, Centro de Ciências Humanas e Sociais. E-mail: banducci@uol.com.br
ii Universidade Federal de São Carlos – UFSCar - E-mail: heroslobo@ufscar.br
Resumo: Este trabalho tem por objetivo identif car e analisar alguns dos sentidos inerentes às experiências turísticas em
cavernas. Os estudos que tratam da def nição e classif cação do espeleoturismo apontam para uma grande diversidade de
situações e motivações que animam seus praticantes, desde o simples lazer e entretenimento até a busca por sensações
inusitadas e um maior envolvimento com os ambientes subterrâneos. Voltado para essa última categoria de visitantes a ca-vernas,
cuja prática é distinta de um turismo massivo, o estudo aborda aspectos como as conf gurações espaço-temporais
e sua inf uência na percepção e vivência dos ambientes subterrâneos e como essas experiências tendem a interferir nas
sensibilidades dos espeleoturistas e a determinar novas relações com o outro e com a natureza.
Palavras-chave: Espeleoturismo; Representações mentais; Percepção ambiental; Novas sensibilidades
Title: Cave Tourism and representations of the underworld
Abstract: This paper aims to identify and analyse the meanings inherent in the tourist experiences in caving. The studies
related to the def nition and classif cation of the speleotourism lead to a wide range of situations and motivations that sti-mulate
the ones who practice it from a simple form of leisure and entertainment to the ones who are in search of unique
sensations and a bigger involvement with underground environment. Dealing with this last category, the caves visitors
whose practice is different from the mass tourism, this study presents aspects such as spatial-temporal conf guration and its
inf uence on the perception and habits of this underground environment, showing how these experiences tend to interfere
into the Speleotourists sensibility as well as determine new relations with the Other and the nature.
Keywords: Speleo-tourism; Mental representation; Environmental perception; New sensibility.
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Turismo em cavernas e as representações do mundo subterrâneo
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“Deixai toda a esperança, ó vós que entrais”
(Dante Alighieri)
Introdução
As cavernas sempre se constituíram em referência
para as sociedades humanas, seja como abrigo e espaço
de realizações cerimoniais, em tempos remotos, seja como
santuários ou centros de peregrinação; locais de inves-tigações
científi cas; e como atrativos turísticos, que, no
contexto contemporâneo, têm despertado a atenção e o in-teresse
crescentes de diferentes categorias de visitantes.
No que diz respeito aos turistas, muitos são os fato-res
que os mobilizam em seu desejo de conhecer cavernas,
desde o lazer e a religiosidade, o espírito esportivo e de
aventura, até o interesse pela natureza e seu aspecto mís-tico,
o que faz desses visitantes categorias bastante hete-rogêneas
e multifocadas.
Nas mais diversas regiões do mundo, a fi m de atender
à demanda crescente e variada dos turistas por conhecer
cavidades subterrâneas, uma série de estruturas têm sido
implantadas no sentido de torná-las mais acessíveis e
adaptadas aos visitantes. Em casos extremos, como nas
show caves, as cavernas são transformadas em verdadei-ros
espaços artifi ciais, com luzes coloridas, painéis, telões
e até música ambiente. Este é um modelo muito comum
na Europa e na China, sendo destinado ao turismo de
massa. No Brasil, algumas cavernas voltadas para o tu-rismo
massifi cado também receberam estruturas desse
tipo, como a gruta de Maquiné, em Cordisburgo, MG, e a
caverna do Diabo, em Eldorado, SP.
Outras há em que ocorrem visitações religiosas, como
acontece na lapa Nova, em Vazante, MG, ou na lapa da
Igreja, em Bom Jesus da Lapa, BA. Mesmo que considera-dos
locais santifi cados, é difícil separar, nesses contextos,
o peregrino do visitante fortuito. Ao investigar as roma-rias
em Bom Jesus, o antropólogo Carlos Steil (2003) iden-tifi
cou entre os visitantes não apenas um grupo motivado
por interesses e compromissos religiosos, mas também
pessoas curiosas em conhecer as manifestações populares,
expressas justamente nas crenças e práticas dos romeiros.
Assim, mesmo em espaços e circunstâncias marcada-mente
religiosos, como nas romarias e nas peregrinações,
é possível identifi car a presença de turistas, cujos interes-ses
estão voltados prioritariamente para a observação dos
acontecimentos, que a seus olhos tornam-se uma espécie
de espetáculo a ser desfrutado e consumido. Para Steil
(2003), no entanto, as duas categorias de visitantes não
necessariamente são excludentes, pois ora os peregrinos
se confundem com os turistas, hospedando-se em hotéis
confortáveis, adquirindo suvenires, visitando e partici-pando
de festejos e atrações locais; ora os turistas deixam-se
levar pelo espírito e a comoção religiosos, participando
das celebrações tal como os devotos, orando, realizando
pedidos e promessas e levando consigo objetos bentos des-tinados
a proteção e a curas.
Há alguns anos, uma nova modalidade de visitações
em cavernas vem ganhando adeptos. Trata-se do turismo
motivado pela sensibilidade em relação à natureza, pela
aventura e por vivências inusitadas, seja em termos físi-cos
ou espirituais (V. Figueiredo, 1998 e Travassos, 2010).
Abrigadas na categoria espeleoturismo, essas modalida-des
turísticas costumam propiciar sentimentos ambíguos
aos visitantes desses espaços naturais. De um lado há o
temor pelo inóspito e o desconhecido e, de outro, o prazer
e o deslumbramento com as belezas do mundo subterrâ-neo.
Somados a esses sentimentos há o desafi o dos limites
físicos e mentais, ao mesmo tempo em que os praticantes
vivenciam experiências coletivas de troca e ajuda mútua,
distintas daquelas do cotidiano urbano e atomizado.
O presente trabalho está voltado justamente para essa
categoria de espeleoturistas, os visitantes que congregam
tanto o espírito aventureiro quanto atitudes e sentimen-tos
de respeito, admiração e, não raras vezes, de adoração
e reverência face às cavidades subterrâneas, fazendo des-sas
visitações uma espécie de experiência sagrada. Mesmo
o uso de técnicas, equipamentos e a obediência a regras
estritas nas visitações espeleoturísticas, compreendem
uma série de procedimentos marcadamente ritualísticos
que corroboram na promoção desse ambiente de sacrali-dade
que envolve e dá sentido a essa prática turística.
Ademais do público específi co, essa investigação cen-tra-
se em dois aspectos básicos. De um lado, procura
mostrar como se construíram historicamente as repre-sentações
humanas em torno das cavernas e como elas
interferem, ainda hoje, nas visitações espeleoturísticas,
despertando sentimentos de atração e repulsa – ora apar-tados,
ora imbricados – em relação ao ambiente caver-nícola.
De outro, busca identifi car e analisar alguns dos
sentidos inerentes às experiências em cavernas, discu-tindo
aspectos como as confi gurações espaço-temporais e
sua infl uência na percepção e vivência desses ambientes
pelos espeleoturistas e como essas experiências tendem a
interferir e determinar novas relações com o outro e com
a natureza.
As representações sobre as cavernas: de sepulcro a
espetáculo
As imagens associadas ao mundo subterrâneo, seja
na literatura, no cinema ou no ideário popular, freqüen-temente
remetem a sentimentos e sensações de frieza,
medo, desespero, opressão e asfi xia, decorrentes, dentre
outros fatores, da escuridão, do confi namento espacial e
da relação com o desconhecido. Nesse contexto imagético,
as cavidades naturais costumam ser habitadas por criatu-ras
horrendas e mortais, verdadeiras bestas sanguinárias
e inconscientes, sempre prontas a confrontar os visitantes
que nelas se aventuram.
Esse aspecto sombrio e hostil não é exclusividade de
uma imaginação fi ccional contemporânea. Ao contrário,
na Bíblia, a palavra “caverna” aparece nove vezes. Em to-das
elas, o sentido dado ao termo é de esconderijo, covil,
refúgio e, sobretudo, sepulcro. O vocábulo abismo – uma
caverna em formato vertical – também é citado, com a co-
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notação de buraco sem fundo nas profundezas da terra,
servindo de morada e prisão dos maus espíritos. No Gê-nesis,
o mito fundador da natureza intocada, as cavernas,
assim como outras formações naturais, tais como escar-pas,
montanhas e mesmo o mar (V. Corbin, 1989) pos-suem
uma conotação sombria, carregada de sentido nega-tivo,
sendo locais em que não existe paz e alegria, pois que
permanentemente ameaçadores.
De fato, no debate sobre a história natural da terra,
que tinha como referência informações contidas na Bíblia,
o Paraíso era comumente associado a uma paisagem sua-ve
e plana, sendo estética e ambientalmente doce e agra-dável.
Como demonstrou Corbin (1989), vários teóricos
do século XVII e XVIII, como Thomas Burnet e William
Whiston, descreviam a superfície terrestre antediluviana
como sendo plena de beleza e destituída de montanhas,
rochedos e orifícios cavernosos. Os mares, quando exis-tiam,
eram calmos e desconheciam as tempestades. Con-forme
Tuan (1980), a terra somente adquiriu sua forma
irregular, repleta de protuberâncias e cavidades, como
resultado da Queda, do pecado humano.
O imaginário cristão sobre ambientes considerados
ameaçadores e demoníacos, sobretudo no que diz respeito
às cavernas, foi fortemente alimentado, desde a cultura
medieval, pelo retrato construído com a poesia de Dan-te
Aliguieri que, na Divina Comédia, associa o inferno a
uma grande cratera existente no interior do globo terres-tre.
Numa das obras mais lidas na história do Ocidente,
Dante é conduzido às profundezas da terra com o intuito
de conhecer, através dos castigos e penitências das almas
danadas, o caminho da retidão e da redenção humanas,
do qual via distanciada a sociedade de sua época. Não são
amigáveis os percursos trilhados pelo poeta nesse am-biente
nebuloso. Oposto ao purgatório, que se constitui
de uma montanha elevada em direção ao céu; e ao paraí-so,
que é o próprio espaço celeste, o empíreo; o inferno de
Dante é um cenário escuro e hostil, repleto de abismos e
rios ardentes, freqüentado por fi guras pérfi das e horren-das.
Nele predominam a dor e o pranto, alimentados pela
ira e a malignidade.
As sombras, companheiras da demência e do pecado,
continuam a representar, entre os seguidores de Dante,
a morada de Satã. Como mostra Delumeau, entre os sé-culos
XIV e XVII, o mundo infernal – “caverna sombria”,
“abismo profundo” – é um espaço de trevas e de perigos,
habitado por demônios, monstros e outros seres aterrori-zantes.
Mas, é na ausência de luz que o historiador iden-tifi
ca grande parcela desse medo coletivo. Ao tratar das
representações em torno das sombras da noite, no início
da Idade Moderna, e dos perigos que lhe são inerentes,
Delumeau explica que “o desaparecimento da luz nos con-fi
na no isolamento, nos cerca de silêncio e portanto nos
‘desassegura’” (1990: 99).
O sentimento de horror em torno das cavidades sub-terrâneas
e, de um modo geral, às formações naturais con-sideradas
hostis aos homens, perdurou até o século XVIII
(Macnaghten & Urry, 1998), quando as imagens de afl ição
e medo começaram a ceder lugar a outras representações
em torno desses ambientes. Desmistifi cado pelo romantis-mo,
pela ciência e também pela popularização crescente
das viagens (Thomas, 2001), o mundo natural começou a
adquirir, na sensibilidade coletiva ocidental, novos parâ-metros
valorativos e interpretativos. As montanhas, com
seu ar leve e ameno, começaram a ser vistas como locais
apropriados para a restauração da saúde (Tuan, 1988). A
oceanografi a, nos fi nais de 1700, caminhou em passos lar-gos
no sentido de dissipar os mistérios do oceano (Corbin,
1989) e a popularização dos balneários marítimos e do
banho de mar, a princípio com fi ns medicinais e posterior-mente
de recreação e lazer, ressignifi caram e valorizaram
a relação com o mar (Urry, 1996).
Ao fi nal do século XIX as representações em torno
do ambiente haviam sofrido mudanças signifi cativas. O
mundo natural tornou-se desencantado e, como tal, apto a
ser dominado pelo homem (Thomas, 1988: 28). Ao compa-rar
as atitudes chinesas com a imagem ocidental em torno
das montanhas, Tuan afi rma que “em ambas as civiliza-ções
houve uma mudança da atitude religiosa – na qual o
temor se combina com a aversão – para uma atitude esté-tica
que se transformou, de um sentimento pelo sublime,
para um sentimento pelo pitoresco; para a avaliação mo-derna
das montanhas como recurso recreativo” (1980: 82).
Referindo-se ao papel das paisagens na memória das
sociedades modernas, Macnaghten & Urry (1998) acres-centam
que associado ao senso estético, o qual vinculam
às expressões artísticas da natureza, e ao senso científi co,
novas noções “humanísticas e culturais” vieram se somar
às representações das paisagens, tal como a noção de su-blime.
A partir dessas referências estéticas e valorativas,
o ambiente natural passa a se constituir em espaço de con-templação,
em cenário. Como decorrência, dirão eles, até
o fi nal do século XIX, a experiência sensorial, que passa a
enfatizar o papel do olhar no mundo ocidental, terá defi ni-do
novos sentidos para a natureza. Segundo os autores, a
“crescente hegemonia da visão nas sociedades européias e
sua capacidade de organizar os outros sentidos produziu
uma transformação da natureza de tal modo que ela se
transformou em espetáculo” 1 (1998: 113). Nicholas Green
acrescenta, nesse sentido, que, traduzida pelos escritores
românticos, a natureza será largamente associada a “la-zer
e prazer – turismo, entretenimentos espetaculares e
repouso visual” (Green,1990, apud. Macnaghten & Urry,
1998: 115), o que lhe confere o caráter de produto desti-nado
ao consumo humano. Assim, a natureza terá sido
transformada em objeto de um olhar específi co, como o do
turista, interessado em conhecê-la e consumi-la com fi ns
de entretenimento, de obtenção de prazer, como merca-doria.
A idéia do sublime, uma das variações do discurso vi-sual,
permitiu, no dizer de Macnaghten & Urry (1998),
“aos mais aterrorizantes aspectos da natureza serem re-interpretados
como parte de uma signifi cativa experiên-cia
estética” 2 (114), promovendo, inclusive, diante de
ambientes naturais considerados adversos, sentimentos
simultâneos e contrapostos, como os de terror e de deleite.
Esses sentimentos ambíguos estão muito intimamente
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relacionados às experiências turísticas em espaços subte-rrâneos.
As belezas cênicas e os mistérios que a terra re-serva
em suas profundezas costumam provocar excitação
e grande fascínio nos visitantes, ao mesmo tempo em que
sentimentos de opressão e medo são por eles vivenciados3.
Em outros termos, mesmo dispondo de potencialidades
espeleofílicas, ou seja, possuindo belos cenários e outros
atrativos naturais, as cavernas mantêm vivas as repre-sentações
espeleofóbicas que fazem delas locais de aven-turas
e perigos.
Os aspectos negativos, como o perigo e o medo, não
serviram para afastar os visitantes dos ambientes caver-nícolas.
Ao contrário, mesmo envolta numa representação
ambígua, as mudanças que ocorreram nos padrões de re-fl
exividade e sensibilidade em torno da natureza e suas
paisagens, serviram para estimular a prática do turismo
em ambientes subterrâneos. Locais considerados distan-tes
e inóspitos, tornaram-se desejáveis e acessíveis a um
público amplo, em busca de espaços de contemplação,
aventura e deleite.
Reforçada por iniciativas de marketing, a imagem do
mundo subterrâneo passa a ser associada, no contexto do
turismo, a experiências exóticas, inusitadas e mesmo sa-gradas.
O modo e a intensidade com que elas são viven-ciadas
pelos turistas de cavernas variam conforme sejam
as suas demandas e o tipo de visitas feitas aos ambientes
cavernícolas (El-Dash & Scaleante, 2005). Sendo distintas
as modalidades de turistas, bem como seus interesses, as
visitações resultam em práticas diversifi cadas, que se tra-duzem
em vivências ambientais e pessoais dissociadas e
muitas vezes incompatíveis. Assim, se de um lado o turis-mo,
ao facilitar o acesso ao mundo subterrâneo, contribui
para intensifi car o consumo da natureza, transformada
em espetáculo, de outro, promove experiências inusitadas
que tendem a estimular diferentes modos de representar
e se relacionar com o ambiente, que defi nem, por sua vez,
novas sensibilidades em relação à natureza e, em particu-lar,
com respeito ao ambiente cavernícola.
Exploração de cavernas e espeleoturismo
Diversos estudos têm buscado defi nir o perfi l dos vi-sitantes
de cavernas, incluindo os turistas, de modo a
contribuir, entre outros aspectos, para a compreensão
do mercado e suas demandas em torno dessa atividade.
Rasteiro (2007), no esforço por classifi car os freqüenta-dores
de cavidades subterrâneas, apontou que não ne-cessariamente
aqueles que se defi nem como espeleólogos
enquandram-se na categoria de pesquisadores científi cos,
tal como indica essa denominação. Em muitos casos, nem
mesmo são praticantes técnicos freqüentes, categoria que
o autor classifi ca como espeleístas. Seguindo nesta mesma
vertente, Figueiredo (2010) apresenta uma proposta de
divisão das atividades humanas em cavernas que com-porta
três modalidades de práticas: o espeleoturismo, o
cavernismo ou espeleísmo e a espeleologia. As atividades
do espeleoturista costumam ser, dentre outros aspectos,
esporádicas, focadas e institucionalizadas. O espeleísta,
por seu lado, é o praticante que detém domínio técnico,
é o esportista, aquele que se aventura em explorações a
cavidades subterrâneas. Por fi m, o espeleólogo é o pesqui-sador,
cujas incursões a cavernas possuem fi ns científi cos.
Ainda que esse esforço classifi catório seja útil para
fi ns de políticas públicas e práticas de gestão, a sua apli-cação
na análise dos freqüentadores de cavernas é sobre-modo
complexa. Percebe-se de antemão que as categorias
preliminarmente possíveis – espeleólogos, espeleístas e
espeleoturistas – defi nidas a partir de uma fronteira tê-nue
e móvel que mescla o gosto pela aventura, o fascínio
pela natureza e a observação acurada do ambiente, não
raro se confundem. Lobo (2011) comenta que não existe
uma classifi cação absoluta, de modo que uma determina-da
pessoa nunca é totalmente espeleólogo, espeleísta ou
espeleoturista. Ocasionalmente, ela está em uma destas
categorias, dependendo de sua prática no interior de uma
caverna. Tais refl exões permitem inferir que qualquer
pessoa que freqüenta cavernas, em algum momento de
suas visitas, é um espeleoturista, ou seja, uma pessoa que
desenvolve atividades não obrigatórias ou remuneradas
em uma caverna, tendo, dentre outros aspectos, o lazer
como motivação de sua prática.
Em outro esforço classifi catório, com enfoque privile-giado
sobre a atividade turística em cavernas, Scalean-te
(2005) identifi ca diferentes categorias de visitantes a
espaços subterrâneos, agrupados segundo o grau de fre-qüência
e a forma de visitação ao ambiente cavernícola.
Nesse modelo classifi catório, ainda que detentor de ca-tegorias
porosas4, a autora apresenta duas modalidades
amplas e distintas de turistas de cavernas claramente
contrapostas. De um lado, há o turista “convencional”,
aquele que pratica uma modalidade de visitação massiva
e controlada a cavernas e grutas, geralmente interessado
em conhecer, de forma segura, rápida e distanciada, algu-mas
paisagens típicas dos ambientes subterrâneos.
Para atender a esse público as cavidades subterrâneas
são dotadas de iluminação artifi cial, de infra-estrutura de
segurança e acesso e têm os atrativos previamente defi -
nidos e controlados. As cavernas, desse modo, são trans-formadas
em espetáculo visual, em nada diferentes de
outras paisagens artifi ciais, senão sua condição própria
de mundo subterrâneo. Esse modelo de turismo tem oco-rrido,
por exemplo, na gruta de Maquiné e na caverna do
Diabo, anteriormente mencionadas. Nessa modalidade
turística prevalece a perspectiva impessoal e asséptica,
comum nas viagens massifi cadas.
O turismo em cavernas, entretanto, não se restringe
a esse tipo de contato. Outras modalidades de visitantes,
identifi cadas por Scaleante (2005), diferenciam-se do tu-rista
de massa tendo em comum o interesse pelo inusitado
e o desejo de manter contato mais próximo com ambien-tes
singulares e de difícil acesso. A categoria que mais se
aproxima desse modelo é a que denomina de espeleólo-go
explorador que, nesse caso constitui uma categoria de
turista. De modo geral, ele está à procura de uma oca-sião
para romper com a rotina do cotidiano, distanciar-
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se espacial e mentalmente dos hábitos diários e vivenciar
emoções diferentes junto à natureza5.
A identifi cação dessas duas categorias de turistas, a
partir do modelo classifi catório de Scaleante (2005), tor-na-
se interessante por permitir outros desmembramen-tos
que melhor se aproximam das experiências concretas
em espeleoturismo, tal como acontece no modelo de El-
Dash & Scaleante (2005). Nessa proposta classifi catõria
as autoras distanciam-se de indicadores tais como grau
de adaptação, periodicidade e tipo de visitação realizada,
para se pautar em parâmetros baseados em sentimentos
e motivações manifestas, os quais tendem a induzir com-portamentos
e reações dos turistas em suas visitações a
cavernas. Com base neles, as autoras identifi cam, dentre
os viajantes mais intimamente afeitos a visitações a ca-vernas,
isto é, aqueles que mais se aproximariam da cate-goria
do espeleólogo explorador anteriormente menciona-da,
três classes distintas de espeleoturistas: os místicos,
os aventureiros e os observadores.
Enquanto os místicos possuem uma ligação espiritual
com a natureza, a ponto de manifestarem o reconheci-mento
e a compreensão das limitações humanas diante
da grandiosidade das cavernas, os aventureiros se inte-ressam
por cavernas com maior grau de difi culdade em
sua exploração e que apresentam situações de perigo im-plícito.
Os observadores, por seu lado, são bastante seme-lhantes
aos místicos, sobretudo no tocante à relação de
respeito com a caverna. Porém, possuem um caráter in-vestigativo
mais acurado, buscando conhecer aspetos re-lativos
à origem do ambiente, de seus possíveis habitantes
e outras informações de cunho mais técnico e histórico.
Se os interesses e estímulos que mobilizam esses tu-ristas
nas visitações a cavernas são distintos, há fatores
comuns que se mostram determinantes nas tomadas de
decisões de suas expedições espeleoturísticas. Tal como
nas viagens em geral, no espeleoturismo o status pessoal,
que tanto mais se destaca quanto se pratica um turismo
diferenciado (Swarbrooke & Horner, 2002), é um fator re-levante
na escolha do roteiro. A visita a cavernas pouco
exploradas devido à restrição ao acesso – seja pelo preço
do roteiro, seja pela necessidade de uso de técnicas es-pecífi
cas para a visitação ou mesmo pela necessidade de
autorizações específi cas –, costuma resultar em destaque
pessoal para esses turistas, quando do regresso a seu am-biente
social.
Na Serra da Bodoquena, Mato Grosso do Sul (BR), en-contra-
se o Abismo Anhumas, uma caverna com profun-didade
de 72 metros, cujo acesso se dá através de rapel,
ilustra bem essa situação. A restrição às visitas, dado os
limites impostos pelo seu plano de manejo, aliada ao alto
custo do passeio e suas singularidades técnicas – rapel,
caverna, fl utuação e mergulho em um único local – são
fatores que servem para alimentar a sensação de exclu-sividade
que muitos turistas buscam ao viajar. Aliado à
beleza do lugar, que é inegável, esses fatores podem ser-vir
de explicação para a viabilidade comercial do atrativo,
dado que seu preço é, entre três a vinte vezes, maior do
que os outros atrativos da região.
Ademais do status, a noção de aventura também é um
fator de atratividade no turismo em cavernas. Como a ati-vidade
freqüentemente oferece algum risco, ou ao menos
exige esforço e determinação do praticante, a perspectiva
da aventura é latente. O perigo costuma ser, no entanto,
controlado. Como demonstraram Spink et al. (2005), os
riscos que se apresentam aos praticantes do turismo de
aventura, costumam ser delegados a especialistas e seu
aparato técnico. Com isso mobiliza-se um mercado de pro-dutos
especializados, que compõe justamente os equipa-mentos
que resguardam a segurança dos praticantes. O
objetivo dos especialistas está centrado em proporcionar
ao turista, de forma controlada e planejada, as sensações
de um aventureiro.
No caso particular do espeleoturismo, tal como defi -
nido por El-Dash & Scaleante (2005), um certo grau de
incerteza é inerente à atividade. Devido às característi-cas
espaciais, com áreas restritas, caminhos estreitos, a
presença de cursos d´água e de desníveis no terreno, o tu-rismo
em cavernas costuma oferecer riscos nada desprezí-veis
a seus praticantes. De outro lado, o confi namento
espacial e as difi culdades impostas pelo ambiente adver-so
condicionam, por vezes, os turistas a prestarem ajuda
mútua, conferindo interatividade e trabalho em equipe ao
passeio. Esta vivência coletiva é uma característica do tu-rismo
de aventura, no qual se buscam experiências que
permitam superar a faceta meramente contemplativa da
atividade turística.
Devido a essas características, dentre outras situações
comuns de estímulo à prática do turismo em cavernas, é
difícil observar, na experiência do espeleoturismo, algum
indivíduo que se enquadre perfeitamente em um dos três
perfi s defi nidos por El-Dash & Scaleante (2005): o místico,
o aventureiro ou o observador. Essa tipologia, de caráter
“ideal”, serve, no entanto, de referência para identifi car
variações comportamentais e de interesse entre os prati-cantes
dessa modalidade de turismo, permitindo avançar
na compreensão das distintas experiências vividas por es-ses
sujeitos. Do mesmo modo, com maior ou menor grau,
esses três tipos de espeleoturistas compõem uma modali-dade
que se pode considerar diferenciada dos demais tu-ristas
de cavernas, pois que se identifi cam na relação de
proximidade e respeito com o ambiente natural, no inte-resse
pelas formações geológicas, na busca por ambientes
isolados ou de difícil acesso. É na experiência dessa cate-goria
de turistas que se pauta este estudo, voltado para
a análise de alguns dos sentidos envolvidos na percepção
e interpretação do ambiente cavernícola por parte desses
visitantes e como contribuem para estimular novas sensi-bilidades
pessoais, coletivas e em relação à natureza.
A faceta sagrada do espeleoturismo
As viagens turísticas, de modo geral, colocam os in-divíduos
na condição de excepcionalidade em relação à
vida cotidiana. As normas que regulam práticas diárias
tornam-se distendidas e fl exíveis no contexto do turismo,
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permitindo que comportamentos e ações considerados in-apropriados
nas relações sociais ordinárias sejam aceitos
e valorizados.
Graburn (1995), antropólogo americano que associou
a experiência turística à prática ritual, havia chamado a
atenção para o contraste entre o mundo habitual – os am-bientes
doméstico e do trabalho – e a vida não-ordinária,
voluntária, desfrutada longe de casa e dos compromissos
a ela relacionados. Para ele, o turismo revela-se uma ex-periência
diferenciada, em que o viajante é levado a viver
momentos renovadores, excitantes e, em muitos aspectos,
transformadores de sua vida. Se MacCannel (1999) havia
associado o turismo a uma espécie de peregrinação con-temporânea,
em busca de vivências e signos sagrados fora
da vida cotidiana, Graburn (1995), por seu lado, alertou
para o aspecto ritualístico dessa prática, quando o turista
é transportado para um espaço liminar em que experi-menta
novos comportamentos e distintas formas de socia-bilidade,
além de estar sujeito a adquirir conhecimentos e
novas perspectivas em torno do mundo e da vida.
O turismo em cavernas, mais especifi camente o que
aqui se denomina espeleoturismo, leva ao paroxismo a
vivência dessas experiências ritualísticas e sagradas. A
começar pelos preparativos das expedições. A escolha das
cavernas a serem visitadas defi ne, de antemão, um aspec-to
de sacralidade, pois que devem ser preferencialmente
locais reservados, distantes, pouco explorados e de difícil
acesso, ou seja, espaços não ordinários.
Os espeleoturistas que se enquadram na categoria de
aventureiros levam esse critério bastante a sério. Refe-rindo-
se à experiência de escalar montanhas, Jokinen e
Veijola (2006: 270) observam que, para muitos alpinistas
certos picos são considerados sagrados por serem distin-tos,
perigosos, tornando-se objeto de aspiração e desejo.
São desafi os que precisam ser superados. A escalada, nes-se
sentido, representa o domínio do homem sobre a natu-reza
e a façanha, por si mesma, habilita em qualidades o
conquistador. O mesmo acontece em relação às cavernas.
Muitas delas se transformam em objeto de disputa, seja
para encontrar novos e surpreendentes ambientes no in-terior
das cavidades, seja para descobrir novas conexões
com a superfície. Quando concluídas essas jornadas, que
se assemelham a “competições” exploratórias, costumam
ser vertidas em artigos para revistas especializadas e as
cavernas, depois de conquistadas e esquadrinhadas, ge-ralmente
deixam de interessar a esses exploradores.
O espeleoturista, mesmo que não esteja em busca de
locais inexplorados ou de descobertas e conquistas sur-preendentes,
que resultem em reconhecimento de seus
pares, procuram escolher locais pouco freqüentados, que
propiciem visitações personalizadas, sem contato com ou-tros
grupos de turistas. Mas, freqüentar espaços inóspitos
não é o mesmo que visitar um museu ou uma localidade
histórica. Requer preparo físico e psicológico, além do au-xílio
de equipamentos, que garantam uma experiência de
visitação segura e de qualidade. Sendo assim, se o espe-leoturismo
se realiza em locais pouco conhecidos e explo-rados,
ao seu aspecto ritualístico se conjuga o emprego de
técnicas e equipamentos especiais.
O principal recurso de que necessita um espeleoturista
é a luz. Sem ela é impossível a locomoção segura dentro
de uma caverna. Outros equipamentos, como capacetes,
mochilas com compartimento estanque, roupas e calçados
adequados, entre outros, também são de suma importân-cia
para a viagem aos ambientes misteriosos e perigosos
das cavernas. Alguns desses equipamentos são de uso co-letivo,
como cordas, escadas, corrimãos e outras estrutu-ras
de acesso. O ritual de visitação a uma caverna implica,
portanto, no domínio desses equipamentos e seu empre-go
correto nos momentos exatos. Entrar num ambiente
subterrâneo sem portar um desses instrumentos básicos,
bem como utilizá-los de forma incorreta, pode inviablizar
o transcurso da visitação, impedindo a concretização do
ritual, ou trazer graves conseqüências, a ponto de colocar
em risco a vida do praticante.
O ambiente cavernícola, por si mesmo diferencia-se de
qualquer outra paisagem natural. Com suas formações
e cenários singulares as cavidades naturais convidam a
experiências sensoriais diversifi cadas, que impõem prá-ticas
e comportamentos distintos da vida ordinária ou
mesmo de experiências em outros ambientes naturais.
Consideravelmente reduzidos e limitados, os espaços das
cavernas ora se mostram desafi adores e opressivos, ora
surpreendentemente sedutores. Corredores estreitos e
confi nados, muitas vezes tomados por água corrente, con-duzem
a salas exíguas, de tetos baixos, pisos elevados e
paredes contíguas. Não raro, essas passagens desconfor-táveis
obrigam o explorador a se contorcer ou mesmo ras-tejar
para chegar a fendas, em muitos casos, sem saída.
Outras vezes, esses caminhos conduzem a espaços gene-rosos
e arejados ou a amplos e deslumbrantes salões, de
dimensões equivalentes a de grandes catedrais.
Com tamanha variação, os espaços subterrâneos con-vidam
a experiências estéticas e emocionais diversas. As
áreas amplas seduzem e encantam o olhar do turista. As
pessoas não crêem encontrar paisagens tão grandiosas
e belas sob camadas espessas de rocha. Tais reações se
multiplicam quando os salões são ornamentados por es-peleotemas,
que imprimem uma beleza singular ao am-biente.
Colunas gigantescas, estalactites, estalagmites,
cortinas e travertinos6 costumam sensibilizar os visitan-tes,
que reagem na forma de identidade e respeito para
com o mundo natural ou mesmo em termos espirituais7.
Os espaços confi nados, por sua vez, ao apresentarem difi -
culdades de acesso, ora são associados à idéia de aventura
e conquistas, ora promovem sensações de fobia e perigo,
sobretudo nos visitantes menos acostumados a esse tipo
de ambiente.
Somado às reações decorrentes da espacialidade sin-gular
das cavernas, os espeleoturistas também experi-mentam
sensações diferenciadas em função do tempo gas-to
no interior das cavidades subterrâneas. Confi nados em
um ambiente restrito e sem luz natural, exceto próximo
aos pórticos de entrada e clarabóias, os turistas vivenciam
uma desorientação aguda em relação ao tempo. Como o
organismo humano é fotocondicionado, excluindo o fato
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de alguns deles portarem relógios, a perda da noção tem-poral
é uma conseqüência quase inevitável no turismo em
cavidades subterrâneas.
Scaleante (2003), durante o projeto PETAR- 61, rea-lizado
no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PE-TAR),
uma importante área de conservação no Sul do es-tado
de São Paulo, submeteu uma pessoa à experiência
de longa permanência no interior de uma cavidade sub-terrânea.
Durante 61 dias seguidos um voluntário perma-neceu
na caverna Alambari de Cima, sem contato direto
com o meio externo e sem relógios. Scaleante menciona
que essa pessoa perdeu completamente a noção do tempo
após alguns dias sem a referência da luz natural, o que
foi constatado por meio de equipamentos instalados na
caverna. Mesmo em escalas menores de tempo, medidas
em termos de horas, tal sensação pode ser experimenta-da
pelo visitante. Ao observar espeleoturistas em visita a
cavernas, nota-se que muitas vezes não apenas ignoram
o tempo gasto na exploração da cavidade, como freqüen-temente
esquecem de realizar atividades vitais básicas,
como se alimentar.
Todos esses fatores reforçam o caráter ritualístico do
espeleoturismo. Por mais que o visitante de cavernas es-teja
ligado a suas referências diárias e urbanas, o contexto
espacial e temporal das cavidades naturais induzem a ex-periências
de contraste com práticas e valores cotidianos.
Assim, a liminaridade espaço-temporal propiciada pelo
espeleoturismo tende a induzir representações singulares
que podem se traduzir em discursos e práticas inovado-res8
seja sobre a natureza, seja sobre a experiência turís-tica
em si mesma.
Os distintos “olhares” na escuridão
Ao tratar da representação espacial decorrente do
turismo em montanhas, Jokinen & Veijola (2006) refe-rem-
se ao olhar não apenas como o sentido que permite
vislumbrar e esquadrinhar a paisagem, mas também, e
em última instância, o que impele o observador adiante,
o que permite a ele alcançar, agir e controlar o espaço à
sua frente. No interior de uma caverna, a visão e a mobi-lidade
dela decorrentes estão prejudicados pela falta de
luminosidade. O espeleoturista tem o senso visual limita-do
a uma área restrita, cuja cobertura é dada pelo alcance
da luz de sua lanterna. Os movimentos somente se efeti-vam
com o auxílio dos demais sentidos. O tato, sobretudo,
mas também, a audição e o olfato são mobilizados numa
expedição espeleoturística, informando sobre dimensões
espaciais, diferenças de temperatura, correntes de ar, as-pereza
e rugosidade de rochas, entre outros indicadores.
De acordo com Tuan, referindo-se às metáforas espa-ciais
e seu sentido, “o espaço frontal é primariamente vi-sual
e tem a ver com futuro, enquanto o espaço posterior,
a retaguarda, está no passado” (Tuan, Apud Jokinen &
Veijola, 2006: 260). Nas cavernas, cuja representação no
imaginário ocidental por si mesma remete à idéia do pas-sado,
a vivência espacial num contexto de escassez dema-siada
de luz, contém o ímpeto à mobilidade, associando a
espacialidade a uma noção consistente de tempo presente.
A desorientação temporal que se abate sobre o espeleotu-rista
é, em parte, produto dessa recorrência do momen-to
presente dada pelos limites da visão. Sem oferecer ao
olhar paisagens e cenários infi natamente amplos, passí-veis
de serem vistos, alcançados e vencidos, mas textu-ras
e impressões táteis que, antes de serem conquistadas,
precisam ser conhecidas e decifradas, a visão limitada
mantém o indivíduo cativo das extensões fi nitas e não o
impele senão a um movimento lento e cuidadoso. A inten-sidade
da vivência do presente visual e espacial tende a
contrapor o espeleoturista a referências sensoriais muito
distintas das que experimenta em seu cotidiano, ordena-do
segundo a profusão de referências da cultura ocidental
contemporânea e do ritmo acelerado dos centros urbanos.
No início deste artigo tratou-se da hegemonia da visão
na determinação das representações sobre a natureza
no mundo moderno. De acordo com Macnaghten & Urry
(1998), o senso visual não apenas sobrepujou, mas deter-minou
e organizou os demais sentidos. A cultura ocidental
transformou-se fundamentalmente numa cultura visual e
estetizada e o turismo, como uma de suas manifestações,
uma faceta chave da predominância da visão na consciên-cia
moderna (Evans & Spaul, 2006). Mas, se o olhar defi ne
os signifi cados de uma paisagem, como inicialmente de-monstrado
em relação ao ambiente natural, o que, de seu
lado, a relação com a paisagem permite ao seres huma-nos
perceberem, sentirem e aprenderem? Que mudanças
a experiência turística em cavernas pode vir a promover
no modo de perceber e representar os espaços naturais e
os sentidos das paisagens e dos ambientes no contexto da
sociedade ocidental?
Ao tratar da questão do olhar, e ressaltando a prima-zia
da visão, Jokinen & Veijola (2006: 263) ressaltam que
a perspectiva de um alpinista do topo das montanhas “é
o mais próximo do olhar de Deus que os humanos conse-guem
atingir sem o auxílio de máquinas e equipamentos”.
Esse olhar expandido, ao mesmo tempo onipotente e con-quistador,
sugere uma condição de domínio, que, segundo
as autoras, está muito associada ao universo simbólico
masculino. A natureza, nesse sentido, como encarnação
do feminino, pode ser apreciada e dominada através do
olhar do alpinista. “O cenário do topo [da montanha] Koli
parece, então, estar de acordo com as tendências histori-camente
masculinas para conquistar, controlar, apreciar
de cima algo que é historicamente feminino: natureza, sel-vageria,
mistérios” (Jokinen & Veijola, 2006: 264).
Nas cavidades subterrâneas, pelas próprias peculiari-dades
ambientais e espaciais, o olhar do turista é muito
mais perscrutador do que dominador. Isso geralmente faz
das visitas a cavernas experiências introspectivas. Se o
alpinista possui um ímpeto expansivo, dado pela visão
ampla a partir do cume das montanhas, que induz a sen-sações
como de liberdade e de plenitude, o espeleoturista,
ao contrário, volta-se para si mesmo. Geralmente fala bai-xo,
ou se cala, tem um ímpeto refl exivo, quase religioso. O
abismo promove e estimula o encontro com o “eu” (Joki-nen
& Veijola, 2006).
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 10(5). 2012
Turismo em cavernas e as representações do mundo subterrâneo
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Da perspectiva metafórica do gênero, entretanto, se
não é apropriado afi rmar que, em oposição ao alpinista,
o olhar do espeleoturista se manifesta a partir de uma
perspectiva feminina, as explorações cavernícolas, para
muitos turistas, trazem consigo um forte signifi cado ma-ternal.
O mesmo ambiente que desafi a e atemoriza, em
grau semelhante acolhe e protege.
As sensações de asfi xia9, por exemplo, geradas pelos
espaços reduzidos e também pela falta de ar – quer seja
de origem fi siológica, quer psicológica –, contribuem para
desencadear ou incrementar sentimentos de opressão e
desconforto. Para muitos, os corredores estreitos e as pas-sagens
apertadas representam o fi m da visitação, o limiar
entre o prazer e a insanidade. Para outros tantos, passar
por tais lugares representa superar barreiras e limites
pessoais. Não raro, entretanto, equivale para os espeleo-turistas
à experiência simbólica do renascimento. A con-quista
masculina se converte em condição de fi liação.
Se a experiência turística com a natureza tem sido de-fi
nida, muitas vezes, como mero consumo visual, de pai-sagens
e signos, o espeleoturismo, em sua vertente não
massifi cada, remete a outros signifi cados práticos e senso-riais.
O explorador subterrâneo está sujeito a uma série
de sinais acústicos que dominam uma caverna, sejam eles
o próprio silêncio ou pequenos ruídos de goteiras, cursos
d´água, passos humanos, entre outros. As imagens sono-ras,
tanto quanto as táteis, fazem do “olhar” do turista
uma experiência mais plena de sentidos.
Evans & Spaul (2006), assinalam que os ambientes
estão embebidos de códigos provenientes de diferentes
contextos sociais. Como tal, o contato com as paisagens
remete à refl exão, talvez “invertida e irônica”, dessas re-ferências
culturais (p.216). As vivências liminares do es-peleoturismo,
mesmo sem deixar de ser uma modalidade
de consumo, ao exercitarem sentidos pouco estimulados
no cotidiano e ao contraporem sensações ambíguas às
representações da natureza, tendem a induzir novas re-ferências
pessoais e culturais, seja em termos de conce-pção
de paisagens, de posturas frente à natureza10, seja
em relação ao sentido mesmo da experiência turística.
Conclusão
Diversas são as categorias de freqüentadores de cavi-dades
subterrâneas e difícil o seu enquadramento em um
esquema classifi catório. Esportistas, pesquisadores, visi-tantes
ocasionais, dentre outras, são categorias de visitan-tes
cujos interesses em muitos aspectos se assemelham e
muitas vezes se sobrepõem. Os esforços classifi catórios,
ainda que favoreçam a gestão pública e orientem o mer-cado,
não conseguem abranger a diversidade de situações
pertinentes a visitações às cavidades naturais. El Dash
e Scaleante (2005), ao proporem uma defi nição e uma
classifi cação mais detidas nas modalidades de turismo em
cavernas, o espeleoturismo, contribuem para esse debate
ao evidenciarem a variedade e complexidade das expe-riências
que envolvem as visitações a cavidades subterrâ-neas.
Como tal, aludem ao turismo massifi cado e àquele
inspirado em motivações de ordem mística, aventureira
ou com o propósito de observação descomprometida. In-formado
dessa diversidade, este estudo se propôs analisar
as variações sensoriais e os sentidos das experiências vivi-das
por essas categorias de espeletoturistas, que praticam
o turismo não massifi cado, buscando revelar se e de que
maneira a prática dessa modalidade singular de visitação
turística poderia induzir diferentes sensibilidades que se
traduzissem em novas posturas e representações frente à
natureza e à vida coletiva.
Dominada e controlada para e pelo turismo, seja em
termos de acesso e infra-estrutura, seja como represen-tação
cultural ou artifício de marketing, a natureza não é
meramente paisagem ou lugar a ser aleatoriamente con-sumido
pelo turista. A visitação espeleoturística, sobre-tudo
a praticada pelo turista não massifi cado, induz uma
experiência espaço-temporal singular. Ela não apenas
estimula manifestações mentais e reações emocionais dis-tintas
da vida ordinária, decorrentes de sua condição de
liminaridade, mas remete a um processo sensorial e psí-quico
comumente antagônico ao experimentado na vida
cotidiana. A hegemonia do olhar cede lugar a vivências
de outros sentidos. No contexto do espeleoturismo, a visi-tação
a cavidades subterrâneas, não raras vezes, induz a
um processo de conhecimento, tanto do indivíduo em re-lação
a si mesmo quanto social, cultural e ambiental, que
decorre, dentre outros aspectos, das referências semânti-cas
de conteúdo ambíguo que a experiência de visitação
coloca em ação, dos desafi os que propõe e das metáforas
existenciais que o ambiente mobiliza. Nesse sentido, “o in-divíduo
não apenas habita o espaço, a paisagem ou a cul-tura
visual, mas vive em relação a eles, num processo de
vir a ser. O ‘eu’ e o objeto são reconfi gurados no processo
de encontro e performance” (Crouch & Lübbren, 2006: 11).
Se a princípio foi indicado, com base em Macnaghten
& Urry (1998), que a razão e o modo pelo qual os sentidos
humanos particulares são estimulados decorrem, para
além dos aspectos físicos do ambiente, de determinações
sociais e culturais, por meio da experiência espeleoturísti-ca
pode-se afi rmar que o processo de percepção sensorial
é um caminho de mão dupla. As representações históricas
em torno da natureza determinam o modo de se perceber
e se relacionar com os distintos ambientes. As visitações
a cavernas, porém, no que tange ao contexto do espeleo-turismo,
sendo experiências inusitadas e intensas, que
estimulam explorações imaginativas e o exercício de sen-sações
comumente desprezados na vida ordinária, tendem
a promover a elaboração de novas referências e represen-tações
culturais em torno dos ambientes naturais que, por
sua vez, podem induzir novas posturas e maneiras de se
relacionar pessoal e socialmente e com a natureza.
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Notas
1 As referências em inglês aparecem traduzidas pelos autores des-te
artigo.
2 Segundo Macnaghten & Urry (1998), o incremento nas viagens
transnacionais, impulsionadas sobretudo pelo turismo, def ni-ram
uma percepção própria dos ambientes visuais, orientada
pelo sentido do olhar. Os passeios no campo, as caminhadas
nas praias e nas montanhas, a escalada de picos, entre outros,
fundamentavam-se num novo senso estético, cujo parâmetro era
dado pelo senso visual.
3 É essa mescla de emoções e sentimentos antagônicos, aliás, que
conduzem à sintomática associação das cavernas, bem como a
de picos elevados e outros ambientes de difícil acesso, à noção
de aventura, representado pela idéia de provação e desaf o. O
romance “Viagem ao centro da terra”, de Júlio Verne, ilustra
bem esse aspecto. Nele, os protagonistas fazem uma viagem ao
interior de um vulcão na Islândia, cercados de aparatos técnicos
que os protegem dos supostos males do ambiente. A obra f ctícia
é também uma viagem no tempo, enfatizando uma associação
recorrente entre as cavernas e o passado.
4 Scaleante (2005) propõe cinco categorias de visitantes a caver-nas
– o turista ocasional, o turista comum ou convencional, o
turista assíduo, o cientista e o espeleólogo explorador – cujas
características, em muitos casos, se sobrepõem. O turista oca-sional,
por exemplo, aquele que visita cavernas em ocasiões
esporádicas e, muitas vezes, induzido por circunstâncias fortui-tas,
pode fazê-lo na condição de um turista convencional (ou de
massa), ou mesmo na de estudioso.
5 Mesmo turistas que procuram visitar lugares de difícil acesso
e consideravelmente distintos do turismo convencional, encon-tram,
muitas vezes, dif culdade para romper com a rotina ou,
ao menos, para se desvincular de suas demandas de conforto e
comunicabilidade, como é o caso do uso de telefones celulares
e aparelhos eletrônicos. Para muitos, romper com a rotina, tra-zendo
emoções e desaf os inusitados, não implica num processo
radical, privado de alguns dos confortos urbanos.
6 Colunas, estalactites, estalagmites, cortinas e travertinos são
tipos distintos de formações que ocorrem em cavernas, os cha-mados
espeleotemas.
7 Os adornos que decoram cavernas, com suas mais diversas for-mas,
costumam instigar os visitantes à visão de imagens divinas.
Exemplos disso são a formação conhecida como O Cristo, na
caverna de Santana, PETAR; bem como a estalactite d´O Guar-dião,
no Abismo Anhumas, em Bonito.
8 Para Augé (1999), é a narrativa que dá sentido à experiência
do viajante. É ela que torna o deslocamento, e tudo que nele
está implicado – seja o perigo, o desconforto, seja o prazer ou
o deslumbramento –, referência para o espírito e animação dos
sentidos. Como tal, dela advém a possibilidade de conhecimento
na vivência do turismo, seja de si, do outro ou das circunstâncias
e ambientes com que o viajante se relaciona (Cf. Banducci Jr,
2006: 191).
9 A título de exemplo, cita-se a travessia entre as cavernas do
Couto e do Morro Preto, no PETAR. O ponto de junção entre
ambas é formado por estreitas fendas entre blocos rochosos caí-dos,
conhecido no meio espeleoturístico como “passagem do
aborto”. Muitos turistas, portadores de claustrofobia e labirin-tite
já vivenciaram momentos desconfortáveis no local, quase
entrando em desespero. É comum encontrar na internet relatos
entusiasmados e vaidosos de pessoas que conseguiram vencer
esse obstáculo.
10 Em relação à postura dos espeleoturistas diante dos ambientes
naturais, Lobo (2004), ao pesquisar a percepção de visitantes à
caverna de Santana, no PETAR, sobre os impactos de sua ati-vidade,
identif cou que eles compartilham uma percepção cla-ra
de que produzem efeitos negativos no ambiente. Da mesma
forma, consideram importante praticar medidas cuidadosas que
reduzam esses impactos. A natureza, comumente vista como um
domínio a ser conquistado, é a mesma que requer proteção e
cuidados. Esse raciocínio, por si mesmo, constitui uma objeção
à lógica que identif ca no mundo natural uma instância a ser do-minada
e controlada segundo os interesses do homem.
Recibido: 08/09/2011
Reenviado: 04/03/2012
Aceptado: 10/03/2012
Sometido a evaluación por pares anónimos