© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Vol. 10 Nº 5 págs. 595-603. 2012
www.pasosonline.org
O Lazer no Turismo Religioso: uma análise dos discursos no Turismo
Angelo Ricardo Christoffoli i
Raquel Fontes do Amaral Pereira ii
Yolanda Flores e Silva iii
Universidade do Vale do Itajaí (Brasil)
i Doutorando do Programa de Pós - Graduação Stricto sensu em Administração - Doutorado em Administração e Turismo na Universi-dade
do Vale do Itajaí / UNIVALI, Brasil. E-mail: a.christoffoli@univali.br.
ii Orientadora. Docente / Pesquisadora do Programa de Pós - Graduação Stricto sensu em Administração - Doutorado em Administração
e Turismo na Universidade do Vale do Itajaí / UNIVALI, Brasil. E-mail:raquel@univali.br
iii Docente / Pesquisadora do Programa de Pós - Graduação Stricto sensu em Administração - Doutorado em Administração e Turismo
na Universidade do Vale do Itajaí / UNIVALI, Brasil. E-mail: yolanda@univali.br
Resumo: O artigo apresenta os resultados de pesquisa da percepção de diferentes autores brasileiros sobre turismo religioso associado
ao lazer, mostrando as transformações nos eventos religiosos, que demonstram uma integração do sagrado com o profano. O profano
é entendido por eles como, a venda de produtos e serviços religiosos associados a festas, feiras e visitas sem conotação religiosa. O
percurso metodológico adotado compreendeu: mapeamento e identifi cação de referenciais clássicos em português sobre o tema, leitura
e classifi cação das abordagens adotadas pelos autores, análise dos discursos dos autores através do modelo de análise de Discurso
do Sujeito Coletivo, associado a uma discussão crítica - refl exiva dos discursos que mais se destacam nos textos. Ao fi nal é possível
perceber duas perspectivas de análise e refl exão desses autores: a primeira concentra sua análise na movimentação física dos devotos
e na associação das atividades realizadas nos santuários com atividades de lazer e socialização. A segunda perspectiva de análise
apresenta argumentos sobre o turismo religioso com enfoque na devoção e na fé. Os resultados permitem discutir se a associação do
lazer diminui o sentimento de fé e devoção intrínseco às peregrinações e romarias e se o modelo de turismo religioso associado ao
lazer torna os eventos com este tipo de planejamento menos religioso e mais profano.
Palavras-chave: Turismo religioso; Religiosidade; Lazer; Análise de discurso.
Title: The Leisure in Religious Tourism: an analysis of discourses on tourism
Abstract: The article presents the results of research of the perception of different Brazilian authors on religious tourism associated
with leisure, showing the changes in religious events, which demonstrate an integration of the sacred with the profane. The profane is
understood by them as the sale of products and services associated with religious festivities, fairs and visits without religious connota-tion.
The course methodology adopted included: mapping and identifi cation of classical references in Portuguese on the subject, reading
and grading of the approaches adopted by the authors, discourse analysis author through the model of analysis of the Collective Subject
Discourse, associated with a critical discussion - refl ective discourses that stand out in the texts. At the end you can see two perspectives
of analysis and refl ection of these authors: the fi rst focuses its analysis on the physical movement of devotees and the association of the
activities performed in the shrines with leisure activities and socializing. The second perspective of the analysis presents arguments on
the religious tourism with a focus on devotion and faith. The results allow to discuss whether the association of leisure decreases the
feeling of faith and devotion intrinsic to pilgrims and pilgrimages and religious tourism of the model associated with leisure events makes
this kind of planning less religious and more secular
Keywords: Religious tourism; Leisure; Discourse analysis..
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O Lazer no Turismo Religioso: ...
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Introdução
Nas Ciências Sociais Aplicadas e mais especifi camente
na área de Turismo vem sendo produzidos alguns estudos
sobre as motivações das pessoas para a realização de des-locamentos
que os levem a cidades, templos e / ou eventos
e espaços sagrado reconhecidos como partes das ativida-des
do segmento turismo religioso. A discussão também se
volta para a associação destes deslocamentos à compra de
serviços e produtos que associam o lazer a eventos ditos
profanos que não tem qualquer relação com os rituais reli-giosos
de devoção e respeito, reconhecidos como sagrados.
Entre esses estudos característicos do lazer em even-tos
ditos profanos podem-se citar os de Swarbrooke e Hor-ner
(2002) que ao discutirem a natureza da demanda dos
diferentes segmentos do turismo identifi cam o turismo
religioso, como um segmento que já existia [sem a deno-minação
turismo religioso], num formato devocional asso-ciado
a duas premissas contraditórias [do ponto de vista
religioso]: ‘um sentimento de dívida e obrigação’ e, ‘uma
busca de prazer e lazer’. Ou seja, segundo estes autores,
sempre existiu o lazer e a socialização associada as camin-hadas
dos devotos, ainda que sofrendo julgamentos sobre
quem considerava correto ou errado associar a alegria às
obrigações e pagamento de dívidas com o ‘divino’.
Dentre as premissas presentes nas argumentações de
outros autores que serão apresentados neste texto estão
as de que a urbanização, a vida agitada e as transfor-mações
decorrentes da modernidade e da pós-modernida-de
justifi cam a transformação da peregrinação ou roma-ria
religiosa em turismo associado ao lazer ou momentos
‘profanos’ (festas, arraiais, danças, bailes) em detrimento,
ou até mesmo a total desconsideração dos cultos e rituais
sagrados.
Diante dessa constatação, o presente artigo discute as
obras de autores brasileiros como: Abumanssur (2003),
Dias (2003), Gazoni (2003), Germiniani (2003), Olivei-ra
(1999, 2004) e Silveira (2003), bem como de Andrade
(1999), Aoun (2001) e Ribeiro (2002), entre outros, buscan-do
analisar suas idéias acerca das atividades desenvolvi-das
em cidades, templos ou eventos e espaços sagrados de
peregrinação e romaria católica como um momento ou um
novo modelo de religiosidade, em que o lazer e o turismo
são apontados também como elementos importantes e mo-tivadores
da visitação aos santuários católicos brasileiros.
O formato metodológico adotado para o estudo com-preendeu
o mapeamento e a identifi cação de referenciais
clássicos em português sobre o tema, leitura e classifi -
cação das abordagens adotadas pelos autores, análise
dos discursos dos autores através do modelo de análise
de Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) (Lefevre e Lefevre,
2005), associados a uma discussão crítica - refl exiva dos
discursos que mais se destacam nos textos.
Para Barbier (2002), a análise permite que os
dados repassados pelos informantes ao pesquisador pos-sam
servir para detectar problemas a fi m de redefi ni-los
e encontrar as soluções. A interpretação e análise são o
produto de discussões entre o pesquisador e os discursos
e / ou conteúdos dos dados coletados, com uma linguagem
apropriada resultando em uma realimentação de idéias
entre o pesquisador e seus informantes [sejam eles pes-soas
que o pesquisador interage ‘in loco’ ou informantes
que produzem e publicam discursos sobre o tema sem uma
interação imediata e pessoal com o pesquisador]. De uma
forma interativa e pessoal ou através de textos, a análise
dos dados tem como objetivo organizar e sumariar as in-formações
de forma tal que possibilitem o fornecimento de
respostas ao problema proposto para a investigação.
Os resultados, para que tenham valor científi co, de-vem
reunir as condições de coerência, consistência, origi-nalidade
e objetivação. Um dos modelos de análise capaz
de produzir resultados desta natureza é o da construção
dos Discursos do Sujeito Coletivo (DSC), conforme Lefèvre
e Lefèvre (2005). Segundo estes autores, esta é uma for-ma
de reconstruir o universo das representações sociais
obtidas no campo de pesquisa, após os dados terem sido
coletados e transcritos. Para tanto se faz necessário: ler
na íntegra os textos que compõem o discurso objeto da
pesquisa, identifi car expressões chaves e idéias centrais
que tenham uma relação direta com o objetivo geral do
estudo, identifi car e agrupar as idéias de mesmo sentido;
categorizar/ classifi car em grupos discursivos que expres-sem
o mesmo sentido e, fi nalmente, construir um ou mais
discursos que expressem os resultados mais representati-vos
dos discursos analisados.
O universo de documentos bibliográfi cos analisados
compreendeu textos no formato livros e artigos científi cos
de periódicos voltados para o turismo, sociologia, antropo-logia,
história e lazer, totalizando 14 obras de autores bra-sileiros
em língua portuguesa com temática relacionada a
deslocamentos religiosos, turismo religioso e temas afi ns.
O Lazer nas visitas aos santuários
As atividades realizadas em ambientes religiosos po-dem
ocorrer em função de múltiplas causas: motivação pu-blicitária
(marketing, por exemplo), elementos culturais
do grupo social, ou como dívida e obrigação (Swarbrooke;
Horner, 2002). O turismo realizado em alguns momentos
e por pessoas que não se afastam muito das localidades
de origem (local de residência) pode ser considerado, sem
sombra de dúvida como uma nova forma de lazer. O lazer,
assim como a recreação podem ser realizados em segmen-tos
turísticos distintos, dentre os quais o religioso. Nesse
sentido, vale recordar a argumentação de MacCannel so-bre
o que considera lazer:
[...] lazer é construído a partir de experiências cul-turais.
Lazer e cultura continuam a existir indife-rente
ao mundo do trabalho e na vida diária. Estão
concentrados nas férias, no entretenimento, nos
jogos, brincadeiras e cerimônias religiosas. Esses
rituais levam ao afastamento da cultura das ativi-dades
rotineiras e tem produzido o centro da cri-se
da sociedade industrial (Maccannel, 1999: 34).
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Ambrosio e Pereira (2007), entendem que o turismo
religioso pode ocorrer nas festas religiosas da Europa que
não se localizam em santuários de peregrinação e não são
consideradas como peregrinações, isso porque, muitos des-ses
festivais, estão integrados na vida social considerado
mais como um valor cultural, e, Vukoni’c ( 2002) descreve
os componentes espirituais relacionando-os aos aspectos
socioeconômicos, porque entende que a compreensão do
desenvolvimento do turismo depende do estudo das práti-cas
religiosas de peregrinação do passado, sendo o estudo
da relação entre religião, peregrinação e turismo separa-dos
das questões de religião ou de turismo. Isso porque, o
autor entende que atualmente, a peregrinação deixou de
compor apenas o universo pessoal, assumindo uma maior
complexidade, motivando os diversos tipos de visitantes a
participar de atividades organizadas em bases turisticas
(Vukoni’c, 1996). Ao autor o turismo religioso é um concei-to
de interpretação secular, uma vez que há religiões que
negam totalmente essa mescla do religioso e do profano.
Para ele, o fato de que os crentes às vezes deixam seus
lugares de residência permanente e decidem viajar sem
intenção de gerar rendimentos, “é motivo sufi ciente para
que os teóricos do turismo o classifi carem como uma for-ma
de movimento e de migração secularizada, como é o
turismo” (1996: 73).
Portanto, para o autor, para se entender o tu-rismo
religioso e seu sujeito, o turista religioso, e,
especialmente, de aproximar os negócios com este
segmento de usuários do turismo, é importante dife-rienciar
entre a religiosidade e o religioso, pois eles
afetam substancialmente a decisão individual bem
como a que tipo de viagem turística religiosa eles se
juntarão, ou, o conteúdo religioso que esperam no
destino turístico (1996:70)
Nolan y Nolan (1992) desenvolveram suas análises a
partir da divisão dos Santuários em turísticos e os não
turísticos, sendo que nos primeiros, é difícil perceber as
motivações dos visitantes, bem como se estão interessa-dos
noutras atividades além daquelas religiosas. Para os
autores os Santuários turísticos são lugares onde propor-cionalmente
peregrinos e turistas estão representados em
números iguais, bem como são aqueles que possuem pou-cas
atrações convencionais para o turismo profano, nem
mesmo tem signifi cação histórica o artística. No mesmo
sentido de análise feito por Nolan e Nolan, Arceo (2009)
estudando as peregrinações que ocorrem em Yucatan (Mé-xico)
estabelece, a partir das perspectivas antropológicas,
o conceito de “turismo devocional” (2009: 52), ao destacar
que as práticas religiosas e de lazer têm importância para
aquelas pessoas, indicando também, que a peregrinação,
como uma prática de consumo cultural, é uma arena con-testada
por diferentes discursos.
Ostrowski (2002) parte das motivações do visitante
para considerar o turismo religioso como sendo um novo
termo que refl ete uma nova forma de turismo, colocado
entre o sagrado e o profano. Para o autor, se deve conside-rar
que, na viagem turístico-religiosa o elemento religioso
constitui um dos objetivos principais, juntando-o às moti-vações
tradicionais. Segundo a opinião de Santos,
“uma das especifi cidades deste tipo de turismo reside no
fato de ser tributário de opções e de critérios espirituais
e éticos e objeto, muitas vezes, de um enquadramento
institucional de natureza religiosa” (2006: 241). Isso por-que,
para a autora, o Turismo Religioso é uma realidade
recente, com poucas décadas de existência, onde não são
consideradas as modalidades históricas de peregrinação,
quando, as práticas religiosas mais institucionalizadas
entram em decadência pela secularização, e, as viagens
de automóvel se desenvolvem ocorrendo uma diminuição
da peregrinação tradicional.
Para a autora o Turismo Religioso começa então
a ser explorado pelas agências de viagem através de visi-tas
a lugares religiosos, nascendo “das mesmas circuns-tâncias
sociais e econômicas que conduziram, em geral,
ao turismo de massas” (Santos, 2006: 240) e torna-se, sem
dúvida, em uma nova forma de prática turística.
Para Andrade a essência da argumentação de
construção do conceito de turismo religioso está relacio-nada
ao mundo do trabalho e sua existência envolve des-locamentos
para fora do ambiente cotidiano, como ocorre
no turismo em geral. Para o autor, percebe-se, no turismo,
a preocupação em elaborar conceitos relacionados às ati-vidades
praticadas fora da residência [e, também fora da
cidade, em que o turista mora] em períodos durante os
quais a rotina é abandonada, sendo esta justamente uma
das motivações que levam as pessoas a tornarem-se turis-tas
(Andrade, 1999: 11).
Ainda conforme Andrade, três são os elementos que
compõem o princípio elementar de análise do turismo: o
homem, o espaço e o tempo. Para ele, os ‘tipos’ de turismo
ou as motivações mais comuns na atualidade são: férias
/ descanso, visitas de caráter cultural, negócios, evento
desportivo, cuidados a saúde e visitas a santuários / ci-dades
com turismo relacionado a religião. As motivações
que levam as pessoas a escolher um ou outro tipo de tu-rismo,
segundo esse mesmo autor (1999: 87 - 97) podem
estar relacionadas ao desejo e à necessidade de evasão,
ao espírito de aventura, à aquisição de status, à necessi-dade
de tranqüilidade, ao desejo ou necessidade cultural,
ao desejo ou necessidade de compra, entre muitas outras
possibilidades.
Corroborando essa linha de interpretação Fagundes
(2004: 14) entende que se pode avaliar a presença do lazer
como uma motivação possível para o turismo, inclusive
nas movimentações religiosas, pois,
[...] cada vez mais pessoas residindo em cidades, as
crises fi nanceiras, políticas, desemprego, redução
de renda, acabam por comprovar a necessidade
de renovar mitos e ritos religiosos. Para este mo-mento
de religiosidade e lazer, as pessoas acabam
buscando um espaço alternativo, longe de seu coti-diano,
quebrando as barreiras de sua consciência li-mitada
aos hábitos cíclicos do dia a dia, constituin-do-
se assim como um momento de fuga e re-ligação.
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Nessa busca de motivações para a evasão do cotidiano,
Dias (2003) identifi ca e descreve seis tipos de locais reli-giosos
que incorporam o conjunto de atrativos do turismo
cultural, no qual está incluído o religioso, pois, considera
o destino, o objetivo fi nal da viagem, que, junto com a mo-tivação,
um dos principais pontos a serem considerados:”
1. Santuários de Peregrinação; 2. Espaços religiosos de
grande signifi cado de caráter religioso; 3. Encontro e cele-brações
de caráter religioso. 4. Festas e comemorações em
dias específi cos; 5. Espetáculos artísticos de cunho religio-so
e 6. Roteiros de fé” (2003, p. 29).
Entende-se que a estratégia da transformação dos am-bientes
religiosos em atrativos turísticos com diferentes
atrações populares acaba desembocando na associação de
motivação religiosa com outras motivações, e até mesmo
na busca de novos signifi cados e valores, como destaca
Aoun (2001), quando argumenta sobre os aspectos inter-ferentes
nas motivações humanas para as viagens:
[...] a complexidade da vida urbana moderna e a res-signifi
cação de valores e ícones tradicionais da socie-dade
instituem como sinônimo da libertação desse
cotidiano impassível o ‘culto das férias’, traduzido
num tempo, embora específi co e programado, como ‘sa-grado’
e revestido de valor especial (Aoun, 2001: 16).
A movimentação das pessoas está relacionada a uma
libertação do cotidiano, principalmente do trabalho, um
escape “do cenário urbano e industrial [...], bem como de
neuroses e inquietações” [...]” (Aoun, 2001: 16). Ao se des-locar
e chegar ao local escolhido de suas férias, a pessoa
se sente revitalizada porque estabelece uma relação dife-rente
daquela do seu cotidiano, buscando desfrutar o novo
espaço, as pessoas e as diferentes experiências. Ainda com
relação às atividades realizadas, Aoun separa o lazer (pro-fano)
do que considera como viagem da fé e da devoção (o
sagrado). Levando-se em conta a forma como ocorre o tu-rismo
no século XXI, poderia se afi rmar ser possível esta
separação? O que é na verdade o turismo religioso?
Para Abumanssur, o turismo religioso:
Como discurso, tende a desconsiderar as motivações
religiosas para a viagem e se concentrar no fenôme-no
do deslocamento, e, mais especifi camente, na ne-cessidade
que esse deslocamento traz em termos de
estrutura de transporte, hospedagem e alimentação.
[...] o turismo religioso que se destina aos santuários
nacionais é considerado ‘turismo de pobre’. Como
regra, as romarias são organizadas de forma espon-tânea
pelas pessoas interessadas (2003: 54 e 56).
Oliveira ao analisar a instalação do Centro de Apoio
ao Romeiro (CAR) do Santuário de Aparecida – São Pau-lo
entende que o turismo religioso no Brasil prepara es-paços
para o visitante que vem para cumprir obrigações
religiosas (pagar promessa), embora também crie espaços
que servem para atender outras necessidades, tais como
“lazer, alimentação, higiene e consumo” (1999: 100). Nos
espaços considerados ‘religiosos’ ou ‘sagrados’, as “obri-gações
sagradas corresponderiam mais a um plano con-templativo,
relativizando ou restringindo muito sua iden-tifi
cação como romeiro”. Os espaços não ‘sagrados’ foram
sendo ocupados por “[...] áreas de lazer e de alimentação e
amplos estacionamentos, com 720 lojas” (1999: 100), que
oferecem artigos religiosos e, ambiente para que o romeiro
use seu tempo livre de forma alegre e descontraída.
O autor denuncia e critica a comercialização existente
no CAR, já que para ele, o Santuário de Aparecida ofe-rece
“uma estrutura comercial imensa, com muitas lojas
e venda de artigos religiosos, o que pode parecer que os
administradores estão muito mais preocupados em co-mercializar
mercadorias do que preservar e disseminar
a fé” (Oliveira, 1999: 96). E em outro texto, esse mesmo
autor, diferencia peregrinos de turistas e afi rma que o tu-rismo
religioso é hoje “uma peregrinação contemporânea
motivada por celebrações relacionadas direta ou indireta-mente
com a cultura cristã” (Oliveira, 2004:18), podendo
inclusive se afastar do sagrado e mesmo do lazer e aproxi-mar-
se cada vez mais da idéia de um turismo de negócios:
‘o negócio da fé’ (idem, 2004: 26).
Sobre a diferença entre peregrinos e turistas, Beni
(2000) tem a seguinte percepção: o turista é aquele que
se desloca para outros lugares a partir de escolhas e mo-tivações
variadas, o peregrino se concentra na motivação
religiosa, contudo é um turista potencial. Isto porque
existe consumo na viagem com fi ns religiosos: acomo-dação,
alimentação, compra de lembranças e outros itens
comuns a todo e qualquer turista “[...] em nosso enten-dimento,
conforme já referido, esses peregrinos assumem
um comportamento de consumo turístico, pois utilizam
equipamentos e serviços com uma estrutura de gastos se-melhantes
à dos turistas reais” (Beni, 2000: 422).
Apesar de considerar os peregrinos também como tu-ristas,
pelo fato de utilizarem as estruturas disponíveis ao
turismo, Beni não aprofunda os aspectos desse compor-tamento
turístico, o que Oliveira (1999) faz na descrição
do CAR. Nessa mesma linha Ribeiro (2002) observa que
nas movimentações religiosas no século XIX, já estavam
incluídos o lazer (em oposição ao trabalho) e o desfrute,
como elementos importantes de convivência e sociabilida-de
entre os romeiros:
compartilhar não apenas a fé como também a in-tenção
de desfrutar momentos de lazer em conjunto,
onde era rompido o cotidiano de trabalho. A romaria
passava a ser uma festa em si, para a qual o gru-po
preparava-se não apenas espiritualmente como
também para desfrutar de um acontecimento social.
Planejavam-se as datas ociosas, o transporte em
conjunto, as acomodações, a alimentação e as ati-vidades
paralelas ao ato religioso (Ribeiro, 2002: 2).
Reforçando essa afi rmação, acrescenta que as viagens
em busca de espaços para as manifestações da fé envol-viam
muitas pessoas de vários lugares do mundo, havendo
‘grupos’ [muito antes do turismo como produto econômico]
que programavam a implantação de estruturas especiais
para a recepção dos fi éis. O mesmo autor identifi ca na or-ganização
destas viagens do século XIX, alguns aspectos
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do planejamento do turismo nos ambientes religiosos da
atualidade, e mostra como o turismo
intensifi cou o investimento nos centros de peregri-nação
através de ações diretas sobre a realidade local
com uso da mídia e do marketing para incentivar o
fl uxo de visitantes. A partir daí, algumas regiões co-meçaram
a investir em planejamento e obras para
ampliar sua capacidade de recepção e proporcionar
alternativas de lazer aos turistas (Ribeiro, 2002: 4).
Ribeiro (idem) afi rma que antes de existir o turismo
como se conhece atualmente já existia um planejamento
ainda inicial e pouco profi ssional voltado para os desloca-mentos
religiosos. Este tipo de planejamento, apesar de
pouco profi ssional e sem uma elaboração de pessoas da
área do turismo pode ser constatado em muitas viagens
para santuários nos dias atuais, como confi rma Oliveira
(2004: 68) ao mostrar uma ausência de interesse ou um
planejamento não muito efi ciente para o turismo religioso
pelas operadoras, pois, “enquanto as operadoras não con-seguem
promover pacotes de visitas aos santuários bra-sileiros
para o turismo religioso, caravanas de batismo,
missas campais ou em estádios e manifestações nacionais
apelam para as medições de força e de fé” (Oliveira, 2004:
68).
O fato dos pacotes serem elaborados / constituídos por
grupos não profi ssionais e, as vezes, visto ainda como um
turismo de pobres, não elimina a possibilidade de atrair
pessoas com poder aquisitivo. Para Germiniani (2003)
estes eventos longe de representarem um turismo para
pobres, refl etem na verdade um tipo de experiência reli-giosa
com eventos que atraem pessoas com condições fi -
nanceiras para viagem e consumo. O autor inclusive afi r-ma
que, de certo modo, a existência deste tipo de turista é
que faz com que “o mercado selecione aqueles que poderão
ter acesso à espiritualidade do evento religioso, operando
uma seleção de bens simbólicos e reinventando tradições
que estejam em acordo com o padrão de vida da clientela”
(Germiniani, 2003: 132).
Seja com este público com poder aquisitivo ou com pe-regrinos
formados por pessoas mais pobres, não há como
oferecer uma proposta de turismo religioso, segundo Gazo-ni
(2003: 96) sem um “conjunto de serviços indispensáveis
que permitam ao cliente o acesso e a permanência em um
lugar sagrado, seja um templo, uma via ou outro lugar”.
Sobressai o uso do termo ‘cliente’ aliado ao fato de que
este prescinde de ‘serviços’ para manter-se em determina-dos
locais religiosos. O autor admite que essa afi rmação
é consenso na área do turismo, mas que, ainda, não co-rresponde
as preocupações do mercado, devido ao fato de
que a apropriação de elementos da religião, principalmen-te
os santuários, como recursos para o desenvolvimento
da atividade turística é passível de refl exão, apesar da
complexidade e de envolver componentes aparentemente
antagônicos como religiosidade e lazer (Gazoni, 2003: 2).
Ao afi rmar que o turista difere do peregrino principal-mente
na motivação da viagem, Gazoni diferencia lazer e
religiosidade. Para ele “o peregrino é movido pela busca
da satisfação e conforto espiritual, com a esperança de au-mentar
sua santidade pessoal, obtenção bênçãos e curas
especiais, enquanto o turista busca o bem estar, muitas
vezes a preguiça, a satisfação através do lazer, esta moti-vação
recai no desejo de escapar das pressões da socieda-de,
mesmo que, temporariamente” (2003: 6).
Para Durkheim (1996: 327), nas sociedades ocorre
uma mistura dos cultos ligados ao sagrado, existindo
em algumas delas a necessidade de tornar natural e / ou
transformar todos os acontecimentos tidos como impor-tantes
em coisas sagradas. Em função desse contexto, é
possível banalizar o que pode ser importante para deter-minado
grupo ou sacralizar objetos, situações ou ritos não
importantes do ponto de vista religioso. Transpondo essa
visão de Durkheim para a percepção dos autores apresen-tados,
é possível constatar que, nesse sentido, a religio-sidade
termina sendo banalizada quando é associada às
atividades do lazer, visto que algumas crenças e ritos da
religiosidade católica popular passam a ser considerados
como parte de um produto (o turismo religioso) a ser con-sumido
como outro qualquer.
Através dos argumentos aqui apresentados percebe-se
que as idéias centrais dos autores citados levam a um
Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) com motivações conec-tadas
ao lazer e turismo (a viagem, a evasão, a aventura)
associadas aos valores religiosos (fé, introspecção, cresci-mento
espiritual, etc.). Contudo, é possível chegar a um
segundo Discurso do Sujeito Coletivo através do qual se
percebe que alguns autores admitem uma diminuição da
motivação religiosa e um aumento das motivações relacio-nadas
ao lazer e a sociabilidade, na formação de grupos
que compram ‘pacotes’ para eventos religiosos.
Turismo Religioso e Lazer x Religiosidade
Na discussão até aqui apresentada percebe-se que os
autores fazem a conexão entre lazer e turismo nos even-tos
e destinos em que ocorre o turismo religioso, mostran-do
que ambos estão presentes entre as motivações para
a realização deste formato de turismo. Não se consegue,
porém, detectar com clareza se as práticas religiosas, para
os autores citados transformaram-se em atividades de la-zer
e de turismo e se essas novas funções da religião com-põem
os objetivos dos visitantes.
Cabe ressaltar que, do ponto de vista tradicional, o pa-pel
da religião, também é o de aproximar pessoas, mas
não pelo lazer, embora utilize muitas vezes dos serviços
turísticos, tais como estrutura hoteleira, de alimentação e
de transportes quando incentiva o deslocamento a cidades
e / ou santuários e / ou eventos religiosos. Os discursos
dos autores referem-se ao fato de que o turismo com enfo-que
religioso baseia-se nas manifestações de fé e devoção
que levam as pessoas a abandonar seus papéis cotidianos
e, conforme a devoção ou motivação para o deslocamen-to
realizado, as diferenças sociais entre as pessoas dimi-nuem
nos locais que consideram sagrados.
Turner e Turner (1978: 6) mantém-se na perspectiva
de perceber os locais religiosos como momento de aproxi-
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mação, pois, entendem que os locais de peregrinação são
aqueles onde os milagres aconteceram, e, poderão acon-tecer
novamente. Esses locais religiosos podem ser clas-sifi
cados em termos de signifi cância religiosa aos objetos
de devoção (milagres, relíquias, imagens), bem como, da
localização e motivação e das atividade dos visitantes lá
(religiosa ou turísticas). Os autores classifi cam a estrutu-ração
dos Santuários marianos portugueses (dedicados à
Maria), como parte das estratégias pós-industriais, onde a
lógica das aparições, das mensagens e, dos milagres, res-surgiram
no século XIX.
Burns (2002: 118-122) discute e identifi ca temas im-portantes
nos estudos de turismo, e, entre estes está que o
turismo é visto como uma religião contendo vários rituais.
Sobre ele pergunta: é o turismo uma forma moderna de
religião ou peregrinação? Salienta da importância de se
levar em consideração quatro elementos da Antropologia
na compreensão da relação entre turismo e religiosidade.
Um dos quatro é se o turismo pode ser considerado como
uma forma de peregrinação por: 1) apresentar estágios
ou características similares; 2) oferecer liberação da vida
corriqueira e rotineira e às vezes (mas não sempre) das
normas sociais, e 3) oferecer oportunidade para a auto-refl
exão e a transformação pessoal.
Noutro momento, Burns (2002: 54) afi rma que a domi-nação
capitalista da cultura e, por conseguinte do turismo
pela mercantilização, perverte suas conseqüências sociais
quando busca incessantemente inserir os cidadãos no uni-verso
das regras do consumo que, a princípio, são nega-tivas
em função da necessária relação do turista com as
estruturas turísticas ou por causa do controle exercido por
guias e agências. Já Montejano (2001: 60) descreve os fun-damentos
do turismo em geral, sem utilizar o termo turis-mo
religioso ou tratar o deslocamento religioso enquanto
um segmento turístico. Quando apresenta o turista que
realiza deslocamentos para cidades ou eventos religiosos,
“liga-o ao crente e praticante, o que pode ser interpretado
como alguém em movimento, ligado a valores sagrados”.
Silveira (2003) justifi ca a inclusão do lazer no turismo
religioso ao afi rmar que o termo é uma categoria surgida
no mundo do mercado/marketing, que foi encampada nos
discursos teóricos, inclusive da academia. Admite, porém,
que existe uma diversidade de tipos de deslocamentos
religiosos, salientando que a diferenciação entre o deslo-camento-
viagem em relação ao deslocamento-turismo e o
deslocamento-peregrinação/romaria em relação ao deslo-camento-
excursão, está nas pessoas e nos destinos escol-hidos
por elas. Todavia, “o critério deslocamento ainda é
insufi ciente para construir tipologias turísticas”. Então,
para Silveira (2003: 47), “é necessário ter em mente que
o turismólogo deve ser o profi ssional que deve refl etir em
termos globais teórico/prático o fenômeno ao qual é insta-do
a planejar”, bem como deve fi car atento à simbologia,
códigos e representações culturais / sociais que envolvem
a religiosidade, muito embora persistam ainda segundo o
mesmo autor, ambigüidades e imprecisões epistemológi-cas
quanto ao uso de categorias temáticas como ‘turismo
religioso’.
Steil (1998) reconhece a ocorrência de uma inter-re-lação
desses universos, ou seja, uma articulação do en-volvimento
religioso com o turismo / lazer. Ao descrever e
analisar as concepções sobre turismo e peregrinação, afi r-ma
existir em comum nas duas atividades para seus par-ticipantes,
a saída do cotidiano, a mudança de atividades
e até convivências. Isso signifi ca que, ainda que se admita
a existência de atividades separadas, há que se admitir o
momento de aproximação do lazer e da fé na pessoa que
visita um lugar sagrado. O peregrino pode ir a um deter-minado
evento ou lugar em função da devoção, o turis-ta
pelo lazer ou simplesmente para conhecê-lo. Ou estes
dois comportamentos podem ocorrer em uma pessoa que
queira fazer as duas coisas: celebrar / pagar promessa, por
exemplo, e depois conhecer o lugar, comprar lembranças,
etc. Complementando sua argumentação, Steil demonstra
que tanto entre os turistas, como entre os peregrinos:
[...] observa-se a busca de uma sociabilidade ideal.
Mas enquanto a peregrinação busca uma dissolução
simbólica do indivíduo num todo holístico, o turismo
opera a partir de um corte social eletivo que procu-ra
estabelecer ilhas de sociabilidade através da de-marcação
de fronteiras entre um “eles” e um “nós”.
De modo que, se a peregrinação visa integrar numa
sociedade global, o turismo, num sentido ideal típi-co,
visa integrar numa sociedade particular, onde se
torna possível experimentar o “outro” (a alteridade),
para melhor apreender a si mesmo (Steil, 1998: 56).
Steil (2002) também se refere ao papel da Sociologia
e da Antropologia na compreensão do turismo enquanto
fato social, onde o turista aparece com suas singularida-des,
em oposição às formas tradicionais de interpretação
dos signifi cados do turismo. Já Banducci (2001) enfoca
elementos relacionados principalmente à Antropologia,
fugindo às formas convencionais observadas em autores
da área do turismo, isto porque, a interação entre dife-rentes
universos é repleta de signifi cações construídas
por grupos sociais, sendo necessário, pois, compreender o
processo sociológico determinante, bem como as represen-tações
simbólicas e as práticas religiosas dos fi éis e dos
turistas. Ainda argumenta que:
os teóricos do turismo, principalmente aqueles das
ciências sociais, concordam com um aspecto: o turis-mo
é um fenômeno extremamente complexo, mutável,
que opera de múltiplas formas e nas mais diversas
circunstâncias sendo difícil apreendê-lo, em sua to-talidade,
por meio de uma única perspectiva teórica
ou mesmo de uma única ciência (Banducci, 2001: 23).
Para o autor os estudos sobre o ‘turismo no turismo’
têm como preocupação “apontar os efeitos da implantação
do turismo em diferentes comunidades, mas têm deixa-do
de abordar o fenômeno em toda a sua complexidade”,
deixando de verifi car “como a população envolvida tem
sido infl uenciada por outras instâncias do mundo globali-zado
e mesmo como têm pensado esse processo e elabora-do
as respostas às suas investidas” (2001: 38).
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Angelo R. Christoffoli; Raquel Fontes do Amaral Pereira y Yolanda Flores e Silva
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Por outro lado Giovannini Junior (2000: 02) ao ana-lisar
a celebração religiosa que se realiza em Tiradentes
– Minas Gerais, há mais de 200 anos questiona sobre “a
possibilidade de colocar em um mesmo plano de sacra-lização
experiências de ordem religiosa, mística e expe-riências
secularizadas”. Para o autor parece “incompatí-vel
comparar a experiência que um torcedor de futebol
vivencia com a experiência de um fi el carismático, assim
como afi rmar que um ateu tem uma vivência do sagrado
só porque visita uma igreja histórica”. O Autor descreve
que a celebração vem sofrendo continuamente infl uência
negativa por parte dos visitantes e turistas que a viven-ciam.
Chama a atenção:
para a necessidade de se interpretar melhor os am-bientes
em que os ‘homens de fora’ circulam. No que se
refere ao patrimônio cultural e ao turismo, é necessá-rio
uma interpretação e uma educação adequada para
que o comportamento das pessoas não destoe de ma-neira
agressiva do ambiente cultural e físico para onde
se dirigem [...] a infra-estrutura ou os equipamentos,
para usar um chavão da área turística, que envolvem,
certamente guardam também um caráter alternativo:
transporte individual, vans, kombis e ônibus fretados
exclusivamente para este fi m: dormitórios, às vezes
organizados pela instituição ou por pessoas do entorno
assim como a alimentação e barracas de souvenir, er-vas,
livros montados só para atender a ocasião. Enfi m,
toda uma rede variável de sociabilidade, comércio e es-trutura
incomum, alternativa e subterrânea que envol-ve
uma gama enorme de pessoas, muitas delas vivendo
à margem da sociedade, da indústria do turismo, das
grandes instituições e bem longe, certamente dos olha-res
de economistas e pesquisadores pouco habituados a
circularem no meio do povo como pessoas presentes na
sociedade onde vivem (Giovannini Junior, 2000: 04).
O mesmo autor considera que, turismo e peregrinação
se aproximam pelo rito liminar da viagem, mas, possuem
diferenças nas estruturas de signifi cados presentes nas
experiências das pessoas que são peregrinas e aquelas
que são turistas.
O Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) que aparece como
predominante nas leituras realizadas demonstra que não
há um consenso entre quem atua no Turismo ou em ou-tras
áreas, como a Sociologia e a Antropologia. Nos dois
casos existe uma ancoragem ambígua e preconceituosa,
ou seja, o suporte e a base de discussão, com enfoque nas
redes de signifi cados e subjetividades pessoais baseiam-se
em suas áreas de conhecimento e também em seus valores
e crenças. Aqueles que defendem a idéia de deslocamen-tos
religiosos eminentemente ‘sagrados’, preconizam que
estes deslocamentos não sejam realizados de forma profi s-sional
e que as pessoas se amparem e se ajudem movidos
pela devoção e fé. Autores como Giovannini Junior (2000)
chegam a comparar aqueles que se deslocam com suporte
turístico com pessoas que se deslocam para um jogo de
futebol, como se nada de religioso os motivasse. Também
afi rmam que aqueles que montam estruturas de recepção
não profi ssional são movidos unicamente pela fé. Nada
mais falso, visto que muitas das pessoas que organizam
estas viagens vivem deste tipo de serviço e, embora não
estejam ligadas as várias empresas, são micro empreen-dedores.
Os autores que defendem os deslocamentos religiosos
enquanto um segmento do turismo, adotando, portanto,
o termo ‘turismo religioso’, apresentam argumentos que
também possuem uma ancoragem que tem por base suas
áreas de atuação, crenças e valores pessoais. O Discurso
do Sujeito Coletivo que prevalece nesses grupos de pesqui-sadores
é a defesa da necessidade da criação de infraes-truturas
que atendam às necessidades básicas das pes-soas,
associadas a questões práticas cotidianas, tais como
dormir e se alimentar bem, descansar, passear, apro-veitar
o momento para também buscar (e achar) o que
considera importante. Enfi m, escolher se quer inclusive
transformar o deslocamento por motivos religiosos em um
momento unicamente espiritual ou não.
Conclusão
O deslocamento religioso e o nome a ser adotado para
explicá-lo, considerando as leituras realizadas, não é hoje
consenso entre pesquisadores do Turismo ou de áreas tais
como a Sociologia e a Antropologia. Os discursos dos au-tores
brasileiros analisados, ainda são iniciais, visto que o
que hoje designado de ‘turismo religioso’ somente nas úl-timas
três décadas vem sendo estudado numa perspectiva
que não seja unicamente religiosa.
Qualquer visita realizada a um santuário, seja no
Brasil ou no exterior, seja ligada ao catolicismo ou outra
cosmologia religiosa, se apresenta aos olhos de um ob-servador,
como uma demonstração de deslocamento com
diversas possibilidades de análise. O mundo que se apre-senta
aos olhos desse observador é que irá determinar
a possibilidade de confi rmação dos discursos analisados
neste artigo. Isso porque, as pessoas que fazem seus des-locamentos
são acima de tudo ‘pessoas’ e como tais, com
suas subjetividades acopladas às suas crenças e necessi-dades.
Um indivíduo não deve ser julgado porque faz o
‘Caminho de Santiago de Compostela’ de forma mais con-fortável
ou com o auxílio de um guia turístico. Suas moti-vações
podem estar tão voltadas ao sagrado e à fé quanto
as de uma pessoa que se isola na sua caminhada, faz lei-turas
religiosas, se hospeda nos ambientes mais simples e
não aceita auxílios que retirem da sua caminhada a idéia
de ‘pagar’ uma promessa e cumprir desta forma com al-gum
tipo de obrigação religiosa.
O importante é verifi car, nos estudos acerca dos deslo-camentos
religiosos, se os autores, ao considerarem como
importante participar desse processo, observam que estes
deslocamentos, assim como as pessoas, não podem ser ba-nalizados
e colocados em um pacote único de produtos e
serviços. Antes de tudo, faz-se necessário também conhe-cer
os discursos dos que se deslocam, os nomes que estas
pessoas dão as suas experiências e o que elas consideram
como fundamental para a experiência que irão vivenciar.
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 10(5). 2012
O Lazer no Turismo Religioso: ...
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Qualquer que seja o papel do turismo, das igrejas e das
pessoas que planejam estas experiências (profi ssionais ou
não), ainda assim, sempre existirão pessoas que defen-derão
mais de uma forma de organizar os deslocamentos
religiosos, considerando inclusive que o turismo ao trazer
produtos que podem ser consumidos e o prazer na forma
de lazer associado ao sagrado, não apenas banaliza a ex-periência
como a torna profana.
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Recibido: 06/10/2011
Reenviado: 03/03/2012
Aceptado: 10/05/2012
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