Vol. 5 Nº3 págs. 343-352. 2007
www.pasosonline.org
© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
O turismo como agente de desenvolvimento social e a comunidade
Guarani nas “Ruínas Jesuíticas de São Miguel das Missões” 1
Elza Maria Guerreiro Marcon I
Universidade de Passo Fundo (Brasil)
Resumo: O aumento da atividade turística tem suscitado uma nova reflexão sobre o processo de
desenvolvimento local e regional que o turismo produz, mediante sua capacidade de gerar renda e
divisas para as regiões. Baseado no pressuposto de que o turismo cultural é um agente de
desenvolvimento, este artigo aborda a trajetória de 1988 a 2003 da comunidade Guarani Mbya que reside
no município de São Miguel das Missões, no estado do Rio Grande do Sul, município que possui como
atrativo turístico às “Ruínas Jesuíticas de São Miguel das Missões” e procura identificar os benefícios
que a mesma possa ter tido em decorrência da atividade turística local. Foi constatado que os Guarani
consideram a posse das terras e a permanência na reserva do Inhacapetum como uma forma de
desenvolvimento no período analisado e a atividade turística teve, como um efeito indireto, a posse das
terras. Embora o discurso dos planos de turismo do estado do Rio Grande do Sul enfatize os resultados
sociais isto não se confirmou, pois foram pessoas do município as principais responsáveis pelos
benefícios alcançados pela comunidade Guarani.
Palavras-chave: Turismo cultural; Desenvolvimento local; Índios Guarani; Ruínas Jesuíticas de São
Miguel das Missões.
Abstract: The expansion of the touristic activity has given place a new reflection about the process of
local and regional development that tourism produces, for it has capacity of increasing profit in the
regions where it occurs. Taking into account that the cultural tourism is an agent of development, this
article deals with the trajectory of the Guarani Mbya community from 1988 to 2003 in the county of São
Miguel das Missões, in the state of Rio Grande do Sul, where the touristic attraction is the “Jesuitic
Ruins of Saint Michael of the Missions”. The article tries to identify the benefits wich the community
has had, due to the local touristic activity. It was confirmed that the Guarani, as a result of this activity,
are now the owners of the land and that their permanence in the Inhacapetum reserve is a way of
showing the development factor in this analized period of time and the role that touristic activity has had
in their lives. Even though the State of Rio Grande do Sul has claimed it is the responsible for all this
accomplishment, this isn’t confirmed. Citizens related to the local government where the indian
settlement is located, are main responsibles for the benefits reached by the Guarani community.
Keywords: Cultural tourism; Local development; Guarani Indians; “Jesuitic Ruins of Saint Michael of
the Missions”.
I • Elza Maria Guerreiro Marcon. Professora da Universidade de Passo Fundo. Mestre em Turismo pela Universida-des
de Caxias do Sul. E-mail: elzatur@yahoo.com.br
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Introdução
O turismo é uma atividade social, cultu-ral
e econômica, capaz de gerar renda e
divisas para as regiões que possuem atrati-vos
turísticos.
Ao se pensar em turismo, conseqüente-mente,
há a necessidade de uma reflexão
sobre os processos de desenvolvimento que
a atividade produz sobre esses locais, visto
que o ser humano é parte integrante e in-dissociável
do meio ambiente natural e
cultural no qual está inserido. Relacionar
turismo com desenvolvimento implica ana-lisar
mais do que o simples crescimento
econômico, pois envolve o deslocamento de
pessoas para lugares onde, normalmente
moram pessoas e as mais variadas relações
interpessoais decorrentes desses desloca-mentos.
Partindo desses pressupostos o artigo
busca responder ao questionamento de se o
turismo cultural realizado junto às “Ruínas
Jesuíticas de São Miguel das Missões” vem
sendo um agente de desenvolvimento social
para a comunidade Guarani.
Desenvolvimento local e regional e a
relação com o turismo
É dentro do contexto atual, marcado pe-la
globalização da produção e das trocas e
pela expansão das atividades de serviços,
que as cidades convertem-se no espaço pre-ferencial
de desenvolvimento, visto que é
nelas que são tomadas decisões de investi-mentos
e de localização da indústria e dos
serviços. O potencial de desenvolvimento é
que lhe dará condições de responder aos
desafios impostos pelo aumento da competi-tividade,
vinculando os processos de ajuste
produtivo organizacional à utilização de
recursos próprios, à difusão das inovações e
ao fortalecimento das relações com outras
cidades, tornando-se necessário respostas
estratégicas através de iniciativas locais,
capazes de estimular o desenvolvimento
endógeno (Barquero, 2001).
O desenvolvimento endógeno pode ser
visto como “um processo de crescimento
econômico e de mudança estrutural, lidera-do
pela comunidade local ao utilizar o seu
potencial de desenvolvimento, que leva à
melhoria do nível de vida da população”
(Barquero, op. cit.: 41).
Pode-se dizer que uma política de de-senvolvimento
local está associada a uma
dinâmica “de baixo para cima”, na qual os
atores locais desempenham um papel cen-tral
na sua definição, execução e controle.
Cavaco (2001) afirma que o que importa
no crescimento econômico, identificado co-mo
a produção e as riquezas, é o desenvol-vimento
no seu âmbito social, econômico e
territorial, envolvendo processos de mudan-ças
estruturais, redistribuindo equilibra-damente
as riquezas locais, melhorando
rendimentos, condições de vida e expectati-vas,
principalmente daqueles grupos sociais
menos favorecidos.
Portanto, nesse enfoque, a atividade
turística pode ajudar a reduzir desigualda-des
regionais, como motor de desenvolvi-mento
e de valorização territorial, através
da entrada de recursos financeiros que
trarão benefícios a todos os envolvido no
setor.
Muitos lugares acabam tendo no turis-mo
uma possibilidade de alternativa para o
seu crescimento, pois a atividade pode dar
início ao processo de desenvolvimento local.
É provável que se uma localidade tiver
atratividade para uma demanda externa se
procure atender a essa procura, investindo-se
no potencial natural e cultural de uma
determinada área através de ações em par-ceria
do poder público e do setor privado
para que se possa aproveitar ao máximo
suas vantagens competitivas (Beni, 2002).
O turismo, por ser um sistema aberto e
complexo, pode ser classificado em diversas
modalidades que visam atender os mais
variados desejos e necessidades da deman-da
turística. Realiza trocas com o ambiente
que o circunda, sendo, por extensão, inter-dependente
e não auto-suficiente. Seu cres-cimento
ocorre em função de diversas vari-áveis,
mantendo-se num processo contínuo
de relações de conflito e colaboração com o
meio circundante (Beni, op. cit.).
As melhorias alcançadas para as comu-nidades
locais em função da acumulação
que o turismo provoca são percebidas como
estratégia na geração de emprego e renda,
mas para que isto aconteça é necessário que
a própria comunidade possa refletir e defi-nir
o tipo de turismo que deseja e como
viabilizá-lo, transformando-se em agente
principal do desenvolvimento.
Como salientou Krippendorf (2001: 136),
tendo como fim um humanismo maior:
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O turismo só terá futuro se caminhar na
direção de um humanismo maior. O impor-tante
é reconhecer que o turismo deve ser-vir
ao homem, e não o contrário. Qualquer
evolução, inclusive a do turismo, deve incli-nar-
se para o desenvolvimento do ser hu-mano,
e não dos bens materiais. O desabro-char
humano deve ser prioridade absoluta.
É preciso voltar ao ser humano, às virtudes
humanas, às atitudes sociais e a ética fren-te
à vida.
Esse humanismo que foi visto como ne-cessário
para a evolução só é conseguido
com a promoção do desenvolvimento local,
através do incentivo à criatividade da popu-lação,
de sua cultura, da valorização do seu
patrimônio, e do seu território, na configu-ração
de estratégias que respeitem e pre-servem
a natureza e a cultura, mas sempre
baseado na escala humana.
Turismo cultural
Para fins deste estudo, destaca-se, den-tre
os mais variados segmentos desta ativi-dade,
o turismo cultural. Barretto (2003,
p.19) conceitua turismo cultural como “todo
turismo em que o principal atrativo não
seja a natureza, mas algum aspecto da cul-tura
humana. Esse aspecto pode ser a his-tória,
o cotidiano, o artesanato ou qualquer
outro dos inúmeros aspectos que o conceito
de cultura abrange”.
O turismo cultural possui uma ligação
com o patrimônio existente em áreas que
desenvolvem a atividade turística. Ballart
(1997, p.17) afirma que a noção de pa-trimônio
surge “quando um indivíduo ou
grupo de indivíduos identifica como seus,
um objeto ou um conjunto de objetos”. A
idéia de posse presente nessa afirmativa
sugere que se está na presença de algo de
valor, um legado material do passado, que
desperta sentimento de pertencimento.
Meléndez (2001) afirma que em sentido
mais amplo considera-se como patrimônio
algo mais do que o tangível; as expressões
intangíveis onde as comunidades podem se
projetar através da forma como vivem, do
que constroem e do que preservam de seus
costumes são também consideradas.
A identidade dos povos e a diversidade
cultural são elementos básicos do turismo
cultural, pois a motivação central do visi-tante
estaria relacionada com a busca do
conhecimento, envolvendo a satisfação de
suas curiosidades em relação ao modo de
ser de outros indivíduos.
A expressão turismo cultural encerra
carga muito densa de elementos diferen-ciais
– o que pode perceber pelo próprio
designativo de seus componentes: turismo,
significando, em última análise, a busca de
diferenças; e cultura, representando o códi-go
mais profundo que revela o modo de ser
de uma dada sociedade. (Irving; Azevedo,
2002: 151).
Na atualidade, observa-se uma mudança
de mentalidade entre os organismos res-ponsáveis
pela gestão dos bens patrimo-niais,
que perceberam suas potencialidades
e colocaram o patrimônio a serviço da co-munidade.
Esta, por sua vez se incorpora a
todas as fases do processo, afiançando um
novo conceito para patrimônio, que possibi-lite
o crescimento dos povos, desde a sua
auto-estima até a confiança em seus valores
tradicionais (Melendez, op.cit.).
Nesse sentido, o turismo cultural ao ter
o patrimônio como componente essencial
visa que o visitante descubra sítios, monu-mentos
e fazeres humanos, visto que as
pessoas procurariam conhecer a si mesmas
e ao mundo que as rodeia, de uma forma
agradável e prazerosa. Quando se pensa
nos fazeres humanos, pensa-se numa série
de elementos relacionados aos hábitos, va-lores,
formas de pensar e juízos que se tem
sobre o mundo, ou seja, pensa-se na cultura
das pessoas.
Segundo Bosi (1992: 11), cultura é “o
conjunto de práticas, das técnicas, dos sím-bolos
e dos valores que se devem transmitir
às novas gerações para garantir a reprodu-ção
de um estado de consciência social”.
Garcia Canclini (1983: 12) afirma que
hoje a cultura popular requer uma estraté-gia
de investigação que seja capaz de a-branger
tanto a produção quanto a circula-ção
e o consumo, pois para ele o enfoque
mais produtivo é aquele que entende a cul-tura
como um instrumento voltado para a
compreensão, reprodução e transformação
do sistema social, pelo qual é elaborada e
construída a hegemonia de cada classe.
Para isso, faz um enfoque articulado dentro
do capitalismo e da integração das classes
populares ao desenvolvimento capitalista
que desestrutura as culturas étnicas, na-cionais
e de classe, reorganizando-as num
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sistema unificado de produção simbólica.
Em sua análise, Garcia Canclini conclui
que o futuro das culturas populares depen-derá
do conjunto da sociedade, pois é neces-sário
participação, crítica e organização,
redefinindo a produção e o modo de relação
com mercado e consumidores. Salienta,
também, a necessidade de um novo público,
um novo turismo, um outro modo de exer-cer
o gosto e de se pensar cultura. Para ele,
processos culturais não devem se encontrar
fechados nas vitrines de arte, devem ser
recolocados nos fatos e mensagens, por
meio dos quais aprende-se a pensar e a
sentir. Porém, isso só será possível quando
as sociedades não se basearem na explora-ção
mercantil dos homens e de suas obras.
Existem duas categorias de profissionais
em que a cultura integra-se como instru-mento
ou insumo da atividade profissional:
os produtores culturais e os planejadores da
área do turismo, que têm na cultura um
componente essencial para o seu objeto de
trabalho (Gastal, 2001).
O elemento cultural, representado pelos
produtos e manifestações concretas tanto
eruditas como populares, possui grande
importância para a atividade turística, pois
é através das mesmas que visitantes e co-munidade
receptora poderão constituir
suas trocas culturais, sendo, então, a cultu-ra
um veículo de socialização entre os
mesmos.
São Miguel das Missões: o local de obser-vação
e os índios Guarani Mbya
Foi a partir de meados do século XX que
os estudos etnográficos permitiram um
maior conhecimento sobre as especificida-des
lingüísticas, religiosas, políticas e sobre
a cultura material do grupo étnico Guarani,
definindo as bases para a classificação ain-da
vigente dos subgrupos. Recentemente, a
localização dos grupos e centros de origem e
dispersão são critérios considerados nas
classificações e subdivisões desse grupo
indígena.
A população Guarani no Brasil é esti-mada
em torno de 34.000 pessoas, entre os
Kaiowa (18.000 a 20.000), Ñandeva (8.000
a 10.000) e Mbya (5.000 a 6.000). Atual-mente,
seriam as agências de saúde que
atuam nas aldeias as fontes mais seguras
(Verbetes Guarani, 2005).
O território ou mundo Guarani Mbya,
enquanto espaço cartográfico e geográfico, é
fragmentado e compartilhado por diferen-tes
sociedades e grupos sociais. Em contra-posição,
as aldeias ou tekoa (lugar onde
vivem segundo seus costumes e leis) não
podem abrigar outros grupos humanos. O
espaço físico de um tekoa deve conter re-cursos
naturais preservados e permitir a
privacidade da comunidade. Entretanto, a
fragmentação atual das aldeias, definidas
por limites artificiais em função do recon-hecimento
público e oficial de outras ocu-pações
(fazendas, loteamentos, estradas,
projetos de abastecimento, entre outras),
inviabiliza-as enquanto espaço que garanta
a subsistência da própria comunidade.
Apesar disso, verifica-se, nas diversas al-deias,
um modo peculiar de apreensão,
construção e organização do espaço, desen-volvido
através do exercício social, político,
religioso e do manejo de espécies tradicio-nais
(Verbetes Guarani, op. cit.).
Os índios Guarani Mbya do litoral pro-curam
fundar suas aldeias com base nos
preceitos míticos que fundamentam espe-cialmente
a sua relação com a Mata Atlân-tica,
na qual, simbólica ou praticamente,
condicionam sua sobrevivência. Esses luga-res,
procurados ainda hoje pelos Mbya,
apresentam, através de elementos da flora
e da fauna típicos da Mata Atlântica, de
formações rochosas e mesmo de ruínas de
edificações antigas (como o exemplo de São
Miguel das Missões), indícios que confir-mam
essa tradição. Formar aldeias nesses
lugares ‘eleitos’ significa estar mais perto
do mundo celestial, pois, para muitos, é a
partir desses locais que o acesso a yvy mar-ãey,
‘terra sem mal’, -_ objetivo histórico
perpetuado pelos Mbya através de seus
mitos_ é facilitado (Verbetes Guarani, op.
cit.)2.
Para os Guarani, a agricultura é a ativida-de
estruturante da vida comunitária. Pode-se
dizer que, para os Mbya, o significado da
agricultura encontra-se na sua própria pos-sibilidade
de realização e no que isso impli-ca:
organização interna, reciprocidade, in-tercâmbios
de sementes e espécies, experi-mentos,
rituais, renovação dos ciclos. Desse
modo, a agricultura faz parte de um siste-ma
mais amplo, que envolve aspectos da
organização social e princípios éticos e
simbólicos fundamentados antes na dinâ-
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mica temporal de renovação dos ciclos, do
que na quantidade e disponibilidade de
alimento para consumo. Pode-se dizer que
os Mbya não vivem da agricultura, porém
não vivem sem ela. Os Guarani possuem
cultivos tradicionais (variedades de milho e
outros grãos, tubérculos etc.) que impõem
cuidados maiores na observação das regras
e dos períodos de plantio e colheita porque,
ao contrário dos outros cultivos, interagem
com as demais esferas da vida e sua repro-dução
é condicionante para a realização dos
rituais, sobretudo do nheemongarai. Essa
cerimônia está relacionada ao cultivo tra-dicional
de plantas que não se misturam às
espécies alheias e caracteriza-se pela benç-ão
das plantas após sua colheita, atribuindo
nomes às crianças nascidas no período
(Verbetes Guarani, op. cit.).
O artesanato é uma atividade que foi in-corporada
pelos Guarani e implica em
várias etapas de trabalho. O produto é um
bem que pertence à família em todos os
seus aspectos (criação, valor etc.), sendo de
sua responsabilidade todo o processo de
realização – coleta e corte de matéria prima
na época certa (observando o calendário
lunar), qualidade do material (natural e
artificial) e da confecção, guarda, preço e
venda. As tarefas, da produção à venda,
são distribuídas entre os membros da famí-lia,
segundo critérios de idade, sexo e ap-tidão.
Essa atividade também se insere na
dinâmica de intercâmbios (matéria prima e
peças) entre famílias. Até o momento, os
Guarani mantêm a autonomia e o controle
da mesma, o que garantiu a inserção e in-corporação
do artesanato no conjunto de
suas práticas tradicionais. Todavia, os arte-fatos
de uso (doméstico, ritual, corporal)
não se confundem com os produzidos para a
venda. De um modo geral, os Guarani
Mbya poucas vezes trabalham fora da co-munidade
e quando o fazem é sempre de
forma temporária. Sendo assim, o comércio
do artesanato é ainda a principal fonte de
renda. Nos últimos anos, alguns jovens vêm
sendo contratados pelo Governo do Estado
para desempenharem tarefas como agentes
sanitários e de saúde e professores indíge-nas
(Verbetes Guarani, op. cit.).
Em São Miguel das Missões os índios
Guarani Mbya vendem diariamente seus
produtos artesanais junto ao Sítio Arque-ológico
de São Miguel Arcanjo, existindo
uma comunidade indígena de aproximada-mente
cento e setenta e dois índios Guara-ni,
residentes na Reserva Inhacapetum,
distante cerca de 28 quilômetros do local.
Desenvolvimento turístico e as repercuss-ões
na comunidade Guarani
Para fins deste artigo foram levantados
dados visando traçar um paralelo entre o
antes e o agora dos índios Guarani na atua-lidade,
no município de São Miguel e o de-senvolvimento
alcançado no período anali-sado
relacionado com o turismo cultural
promovido no local.
Ficou registrado, conforme notícia veicu-lada
no Jornal Correio do Povo, do dia 09 de
setembro de 1996, que o Procurador da
República sediado em Santo Ângelo e um
técnico da FUNAI em Passo Fundo, visita-ram
um grupo de índios Guarani, duas
famílias, moradoras de São Miguel das
Missões. Naquele ano, os índios moravam
em 2,8 hectares de terras pertencentes à
prefeitura, local considerado de passagem,
onde o Guarani José Acosta já residia há
dois anos. Ficou comprovado que eram mo-radores
daquele espaço 32 Guarani e que a
sua sobrevivência dependia da venda do
artesanato para os turistas e de donativos
da população, assim como alimentos e
remédios doados pela Prefeitura local.
Logo após esta visita, o engenheiro do
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional) encaminhou ofício ao
procurador com informações sobre os índios
Guarani. Segundo o ofício no período com-preendido
entre o final do ano de 1994 e
início de 1995, um grupo com cerca de 16
índios Guarani foi interceptado pela Briga-da
Militar, dentro de duas Kombi e os
mesmos seriam deixados junto à estrada
vicinal que liga a BR 285 com a sede do
município de São Miguel das Missões. Nes-sa
ocasião, a Prefeitura Municipal solicitou
autorização ao IPHAN, 12º SRII, para que
os mesmos pudessem montar acampamento
na área próxima a fonte missioneira. Após
conseguir a autorização, a prefeitura forne-ceu
lonas pretas para confeccionar as ba-rracas
e alimentação necessária. O grupo
permaneceu durante 20 dias na cidade e
nesse período produziu artesanato, comer-cializando-
os para os turistas e, depois,
conforme sua cultura nômade, partiu.
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Após esse primeiro acampamento na
área, diversos outros grupos de Guarani
passaram a freqüentar o local. Grupos estes
que variavam de tamanho, podendo totali-zar
até quarenta pessoas. No ano de 1995,
uma família foi para São Miguel com a in-tenção
de lá permanecer. O Sr. Jose Acosta,
artesão, confeccionava entalhes de animais
em madeira e sua esposa Paula da Silva,
cestos em taquara e gaimbé, comercializan-do-
os junto ao Museu das Missões, nas
“Ruínas Jesuíticas de São Miguel”.
A autorização para essa comercialização
foi concedida pelo Museu das Missões por
reconhecer que os Guarani não possuíam o
mínimo necessário para sobrevivência de
sua cultura, embora fossem os construtores
do local, que foi considerado pela UNESCO
como Patrimônio Histórico e Cultural da
Humanidade.
Ainda, segundo o ofício, a família que
decidiu permanecer em São Miguel passou
a receber auxílio do IPHAN, da Prefeitura
local e dos proprietários de terras da região,
que doaram materiais necessários para a
construção da Opy (casa de rezas), lenha e
gaimbé para confecção de cestos comerciali-zados
para os turistas. Conseguiram,
também, doações de sementes e tiveram a
área próxima onde estavam acampados
lavrada para plantio de milho e mandioca.
A prefeitura providenciou a instalação de
água tratada e o IPHAN autorizou a utili-zação
de parte da antiga quinta jesuítico-guarani
para plantação de mandioca e
milho para subsistência. A comunidade de
São Miguel recebeu razoavelmente bem a
presença dos Guarani.
O documento encaminhado ao procura-dor
relatava as dificuldades encontradas, a
inexistência de auxílio da FUNAI pela falta
de recursos técnicos, materiais e econômi-cas
para exercer sua função junto àquela
comunidade indígena e demonstrava a
preocupação pela falta de auxílio sistemáti-co.
Essas carências eram entendidas ape-nas
como uma forma de sobrevivência física
e não cultural, pois estavam sujeitos a uma
situação de mendicância inaceitável frente
aos documentos históricos de que muito
antes dos “brancos”3 e de qualquer pro-cedência
étnica, os índios Guarani eram os
efetivos donos da terra. Entendiam que o
auxílio deveria vir e devolver a dignidade e
o respeito a uma parcela indígena que
também era parte da identidade nacional
brasileira.
Naquele ano, 1997, iria ocorrer um con-certo
nas Ruínas Jesuíticas de São Miguel
com o tenor espanhol José Carreras, pro-movido
pela Rede Globo de Televisão, es-petáculo
que foi transmitido em rede nacio-nal
no final do ano. Esse fato fez com que
com que a mídia procurasse informações
sobre aquelas pessoas que residiam, tão
precariamente, tão próximas do local. Cons-ta
na Gazeta Mercantil de Porto Alegre, de
28 de novembro de 1997, que dez índios
Guarani, descentes dos habitantes originais
dos Sete Povos das Missões, assistiriam o
espetáculo musical como convidados espe-ciais,
ao lado das autoridades. A matéria
intitulava-se “Como 33 condenados” e ocu-pava
quase uma página, levantado a quest-ão
da posse das terras. O cacique Floriano
dava seu depoimento dizendo: “sem terra,
Guarani não existe” (Gazeta Mercantil,
1997: 2).
No ano de 1998, a Dra. Ruth Cardoso,
antropóloga e primeira dama do país, lan-çava,
na Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e das Missões – URI, o
Programa Piloto Universidade Solidária
Regionalizado. Logo após, a Dra. Ruth se-guiu
para São Miguel, onde visitou o Sítio
Arqueológico São Miguel Arcanjo e, no mo-mento
em que estava no Museu, foi abor-dada
por um índio Guarani que solicitou
um “troquinho”. Esse fato foi divulgado no
Jornal Zero Hora, em 2 de setembro de
1998 e teve grande repercussão, levando a
outros fatos.
No ano de 1999, foi criado o Projeto Te-koha,
valorização dos remanescentes mis-sioneiros,
natureza e cultura em São Mi-guel
das Missões, uma iniciativa da ONG
Tekoha e da Prefeitura Municipal, tendo o
apoio do IPHAN. O projeto salientava a
valorização do patrimônio missioneiro como
ação oficial surgiu nos anos vinte, com
obras executadas pelo Governo do Estado
em São Miguel.
Ficou registrado no Projeto que a derru-bada
das florestas para dar lugar à pecuá-ria
e à agricultura foi acelerada no século
XX, principalmente na década de 60, com a
mecanização rural e a introdução de
agrotóxicos. Criou-se um modelo de desen-volvimento
que provocou pólos de pobreza e
marginalização, concentração da terra e dos
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meios produtivos, aumentando ainda mais
a desigualdade na distribuição de renda na
região, repercutindo diretamente nas flo-restas
nativas remanescentes.
O projeto também registrou que os des-cendentes
de índios Guarani produziam
esculturas em madeira, inspiradas princi-palmente
na fauna da região e que utiliza-vam
as madeiras de salso e guajuvira para
a confecção de cestaria, trabalhando com
diversas espécies de bambu, bastante co-muns
no sub-bosque, além das raízes de
guaimbé, espécie característica das flores-tas
da região que geralmente está associa-da
ao alecrim. Salientava que o grupo
Mbyá-Guarani sobrevivia graças à boa
vontade de alguns voluntários e à sensibili-dade
de pessoas que permitiam que os
mesmos coletassem a matéria-prima ne-cessária
para a expressão de sua cultura
através do artesanato e de utilitários.
Também que o conhecimento milenar dos
índios desse grupo estava sendo gradati-vamente
perdido, sem que se tivesse sido
sequer estudado, sistematizado e apreendi-do.
O Projeto Tekoha buscava, através da
aquisição e da proteção de áreas florestais
nativas, permitir a preservação de frag-mentos
únicos de um tipo florestal ainda
não contemplado em Unidades de Conser-vação
no Rio Grande do Sul, ao mesmo
tempo em que possibilitaria a manutenção
e a expressão da cultura Mbyá-Guarani. A
proposta abrangia três projetos para o mu-nicípio:
a implantação do Parque Fonte
Missioneira; o Parque da Floresta Missio-neiro
e o Parque Indígena Inhacapetum.
O projeto identificava área de terras pa-ra
criação do Parque do Indígena do In-hacapetum,
num total de 230 hectares,
próxima a rio do mesmo nome, onde os
Guarani teriam condições de moradia, pes-ca,
criação de animais, plantio e confecção
de artesanato. Conforme o projeto, havia
interesse do proprietário na venda das te-rras
para assentamento dos índios, pois ao
longo dos anos foi justamente esse senhor
que forneceu lenha e árvores para confecção
do artesanato Guarani.
Em 02 de agosto de 1999, o Jornal Zero
Hora divulgou matéria sobre a visita do
então governador do Estado, Sr. Olívio Du-tra,
que esteve passando um final de sema-na
em São Miguel, comemorando os 60
anos de casamento de seus pais, visitando à
comunidade indígena, que totalizava qua-renta
e três Guarani. Consta na referida
matéria que Floriano Romeu, cacique,
aproveitou a visita para entregar ao gover-nador
o projeto de reassentamento e que
em conversa com o Sr. Luis Cláudio Silva,
que era um dos mentores do Projeto Te-koha,
o governador foi informado sobre a
existência de terras que poderiam ser ad-quiridas.
Em novembro de 2000 o professor Dr.
José Otávio Catafesto de Souza, da UFRGS
e a professora MSc.Valéria S. de Assis,
também da UFRGS, fizeram um levanta-mento
técnico antropológico preliminar
sobre as terras próximas ao Rio Inhacape-tum,
em São Miguel das Missões. O local foi
vistoriado e estava em processo de desa-propriação
pelo Governo do Estado do Rio
Grande do Sul, destinado ao assentamento
de famílias indígenas Guarani Mbya.O
laudo antropológico concluiu que essa área
possuía características geográficas e natu-rais
capazes de propiciar o bem-estar cultu-ral
e a reprodução física e cultural dos
Mbya, justificando, assim, sua transfor-mação
em reserva indígena, conforme defi-nia
o estatuto em vigor. No dia 03 de julho
de 2001, o Governador Olívio Dutra assina
o ato de compra das terras do Rio Inhaca-petum
para assentamento dos índios Gua-rani
residentes em São Miguel.
O discurso Guarani: o ontem e o hoje rela-cionados
Para constatar a forma de viver dos
Guarani na atualidade foram feitas visitas
técnicas à reserva do Inhacapetum, visando
fazer constatações sobre o atual modo de
vida dos Guarani, conforme permissão ob-tida
com o atual cacique Nicanor Benites.
Nessas visitas, foram feitas entrevistas com
os líderes da Aldeia e também um vídeo.
Nicanor Benites, atual cacique, contou
brevemente sua história de vida, relacio-nando-
a diretamente com a questão das
terras do Inhacapetum, salientando a
questão de ser Guarani e não ter um local
para permanecer, assim como a falta de
assistência para os povos indígenas na Ar-gentina
e a luta de cinco anos para conse-guirem
a área do Inhacapetum, em São
Miguel, que, segundo ele, era o que a co-
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PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 5(3). 2007 ISSN 1695-7121
munidade queria. Vale lembrar que os
Guarani realizam migrações temporárias
pelo território missioneiro de antes da cons-tituição
dos Estados Nacionais. O cacique
cita a história dos antepassados Guarani no
local e diz que gosta muito da região mis-sioneira,
relembrando algumas dificuldades
por que passaram para fazer o artesanato,
que é sua principal fonte de renda.
Ele relata a importância de possuírem
hoje um espaço para permanecer, deixando
claro que a vontade da comunidade era
permanecer no município, por percebê-lo
como um local propício para o modo de vi-ver
dos Guarani. Também demonstra que a
permanência nas terras do Inhacapetum
está diretamente ligada à renda, que é con-seguida
através da venda de artesanato
para os turistas que buscam o turismo cul-tural
desenvolvido em São Miguel das
Missões e pelos recursos naturais oferecidos
no Inhacapetum para confecção do artesa-nato.
O local é considerado “ maravilhoso”.
Isso se deve a depois de tantas idas e vin-das
pelo território argentino e brasileiro
terem finalmente conquistado um espaço
que é da comunidade Guarani.
Floriano Romero, antigo cacique da al-deia,
também reafirmou a importância das
terras em sua história de vida, demons-trando
um sentimento de pertencimento ao
país, embora tenha passado grande parte
de sua vida na Argentina, salientando que
sempre pensou em voltar para o Brasil.
Relembra o desconforto da vida no acam-pamento
e afirma que sempre desejou mel-horar
a sua qualidade de vida, referindo-se
à questão da reserva como um fator deter-minante
para que isso ocorresse. Deixa
explícito que percebe que “brancos” não
conseguem entender o quanto é difícil à
situação dos Guarani.
O fato de perceber que “brancos” não
conseguem entender o quanto é difícil a
situação dos Guarani pode estar relaciona-do
ao conceito que possuem de território,
pois retornando a revisão bibliográfica,
percebe-se que, para os Guarani, a configu-ração
do território é feita através das
dinâmicas sociais, econômicas políticas e de
movimentos migratórios, sendo que reser-vas
ou tekohas caracterizam-se por serem
lugares que não podem abrigar outros gru-pos
humanos e que permitem condições de
se exercer o modo de viver Guarani.
A ligação percebida aqui em ambas as
declarações é que a luta pela permanência
nas terras do Inhacapetum vai muito além
da apropriação do espaço, pois está relacio-nada
ao fato da posse ser determinante
para que o grupo conseguisse manter pre-servados
seus hábitos, costumes, enfim, sua
cultura. Os locais que são procurados e
escolhidos pelos Guarani sempre estão re-lacionados
com algum aspecto simbólico,
que é o que condiciona sua sobrevivência.
No caso de São Miguel, pode estar relacio-nado
com as ruínas e com o passado vivido
por seus antepassados.
Floriano reafirma que as terras permiti-ram
melhoras significativas em especial
para a plantação, que é um dos aspectos
centrais da vida comunitária Guarani e que
isto só foi possível depois de terem sua rei-vindicação
por terras aceita pelo poder
público municipal e estadual no período
pesquisado. Porém, no final da entrevista,
enfatiza que a melhora ainda é pouca fren-te
às necessidades do grupo.
Após visitar a reserva e pelas entrevis-tas
e o discurso dos Guarani, pode-se consi-derar
que eles entenderam que a posse das
terras e a permanência no Inhacapetum, no
período analisado, era uma forma de de-senvolvimento
para a comunidade e pode-se
dizer que alcançaram seus objetivos, embo-ra
hoje o grupo comece a despertar para
outras necessidades.
Considerações finais
O fato de ver hoje, em São Miguel das
Missões, índios com aparência de empobre-cidos,
dentro do Sítio Arqueológico, ven-dendo
seu artesanato para turistas levou a
questionar o tipo de turismo cultural que
ocorre no local. No aspecto do acervo arqui-tetônico,
tão enfatizado pelo município e
pelo Estado, concluiu-se que a atividade é
bem sucedida. Porém, o conceito de turismo
cultural implica relacionamento humano,
conhecimento do outro. A forma como co-munidade
Guarani encontra-se, ainda
hoje, dentro do Sítio Arqueológico não de-monstra
que este contato esteja acontecen-do.
Concluiu-se que, em São Miguel das
Missões, o turismo traz efeitos para a eco-nomia
dos Guarani e que estes efeitos po-dem
ser classificados como diretos e indire-
Elza Maria Guerreiro Marcon 351
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 5(3). 2007 ISSN 1695-7121
tos. A venda do artesanato constitui o único
momento em que o turista entra realmente
em contato com os índios, numa relação
marcada pela troca comercial e não para
cumprir o papel que o conceito de turismo
cultural engloba, pois não satisfaz a sua
premissa da busca do conhecimento do mo-do
de ser do outro indivíduo enquanto re-presentante
de uma cultura.
Concluiu-se, também, que o turismo cul-tural
aparece como algo importante no
imaginário dos índios, pois reconhecem que
a atividade é um fator que possibilita para
eles uma valorização daquilo que é seu.
Hoje, o discurso dos Guarani salienta a
importância da valorização por parte dos
“brancos” de sua cultura e, esta valorização
para eles vem através da atividade turísti-ca
realizada no local, pois tanto o artesana-to
como o coral são aspectos de curiosidade
para visitantes e sua comercialização tem
um efeito direto na entrada de recursos
financeiros para compra de alimentos e
vestuário, conforme verificado nas visitas e
entrevistas feitas na reserva. Como a venda
do artesanato está diretamente relacionada
com o turismo desenvolvido no município e
é a única fonte de renda dos Guarani é per-ceptível
a dificuldade que possuem para se
manterem apenas com essa atividade.
Nas visitas feitas à reserva e pelas en-trevistas
efetuadas com a liderança Guara-ni,
entendeu-se que eles consideram que a
posse das terras e a permanência no In-hacapetum,
no período analisado, foi uma
forma de desenvolvimento e concluiu-se que
o turismo teve, como efeito indireto, a posse
das terras.
A situação vivida no município, ampla-mente
divulgada pela mídia, mostrou a
situação de abandono e precariedade dos
Guarani contrastando com o patrimônio
edificado e o projeto de turismo, considera-do
cultural.
A necessidade de terras que propicias-sem
uma forma de vida digna para os Gua-rani
levou à sociedade civil a começar a dar
alguma valorização para um povo que teve,
historicamente, o seu direito à terra negado
frente aos interesses fundiários e econômi-cos
dos colonizadores.
Na reflexão feita sobre a teoria do de-senvolvimento
do turismo, sempre encon-trou-
se um discurso pontuado pelos aspec-tos
sociais positivos que a atividade acaba
por propiciar, mas não foi constatado que,
na prática, isso tenha ocorrido em São Mi-guel
das Missões.
O que fez a diferença para alcançar o
que os Guarani consideraram desenvolvi-mento
foi a atuação das pessoas envolvidas
no processo de inserção social e econômica
da comunidade no local, em especial os
funcionários do IPHAN e do Poder Público
Municipal, responsáveis pela permanência
dos Guarani nas terras do Inhacapetum,
conforme a documentação encontrada até o
presente momento.
Historicamente os Guarani não tiveram
respaldo legal para permanência sobre te-rras
e, a sua situação econômica foi deter-minada
pela precariedade, vinculada ao
local onde estavam inseridos. Percebeu-se,
nas visitas feitas à reserva em São Miguel,
que, após a ocupação da área do Inhacape-tum
os Guarani puderam ampliar suas
atividades de subsistência, como o cultivo
do milho, mandioca, batata-doce, melancia.
Pode-se concluir que foi a partir da segu-rança
em relação ao espaço ocupado, que
possui recursos naturais adequados, que os
Guarani Mbya de São Miguel das Missões
vivem hoje, mais de acordo com seus padr-ões
culturais, padrões estes que permitiram
o incremento de atividades econômicas e
que viabilizam uma melhor qualidade de
vida dentro dos recursos disponíveis no
Inhacapetum.
A crítica que deve ser feita ao turismo
‘cultural’ desenvolvido em São Miguel das
Missões está relacionada ao fato de não se
poder mais admitir que os Guarani se colo-quem
na posição de esmoleiros e peçam,
ainda hoje, um troquinho aos visitantes de
um local que é Patrimônio Histórico e Cul-tural
da Humanidade graças a seus ante-passados,
assim como não se pode admitir
que os Guarani dancem e cantem em es-petáculos
em troca de remunerações prati-camente
simbólicas, mas não possam se
sentar à mesa para comer com “os brancos”,
o que seria uma atividade de respeito à
diversidade cultural e um veículo capaz de
promover a cidadania.
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Notas
1 Este artigo é parte da dissertação de Mestra-do
defendida em maio de 2006 no programa de
mestrado da Universidade de Caxias do Sul –
Brasil – RS. Orientadora: Margarita Barretto.
Professora da Universidade de Caxias do Sul.
Doutora em Educação pela UNICAMP. E-mail:
barretto@floripaturbo.com.br
2 Prova da importância da relação espacial dos
Guarani com a mata é que estão se suicidando
no estado do Mato Grosso por causa do desma-tamento
ocorrido nas últimas décadas no local.
3 O termo é utilizado para designar a sociedade
dominante ou sociedade miguelina no sentido
dado pelos índios a esta sociedade.
Recibido: 27 de septiembre de 2006
Revisado: 7 de mayo de 2007
Aceptado: 30 de mayo de 2007
Sometido a evaluación por pares anónimos