Vol. 6 Nº1 págs. 109-116. 2008
www.pasosonline.org
© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121
Ciência e Pesquisa: reflexões sobre a inserção do turismo e do ensino
superior frente ao panorama científico
Gustavo da Cruz i
André Portes Caldini Berberi ii
Morgana Toaldo Guzela iii
(Brasil)
Resumo: A ciência e seus métodos surgiram em razão que os seres humanos tendem desde a
antiguidade a buscar incondicionalmente a formulação de teorias que expliquem a realidade. Após
diversas contribuições de pensadores e filósofos, hoje existem métodos científicos nas mais diversas
áreas do conhecimento, na busca da produção e evolução do saber e do pensamento crítico. Desta forma,
este artigo visa fomentar a reflexão sobre a importância da ciência e dos métodos de pesquisa e suas
relações com o conhecimento do turismo, analisando sobretudo de maneira holística e integrada. Neste
contexto, surge e evolui o pensamento inter e multidisciplinar sobre o turismo com expectativas
holísticas e problemáticas econômicas, ambientais, políticas, culturais, enfim, em sua relação com toda a
sociedade.
Palabras clave: Turismo; Ciência; Pesquisa; Ensino Superior; Desenvolvimento.
Abstract: Science and its methods have been created due to the fact that since the days of old human
beings tend to create theories in order to explain the real world. As a result of the work of many thinkers
and philosophers there are scientific methods in the various areas of the knowledge nowadays, helping
the production and evolution of knowledge and elaborated thinking. In this sense, this article aims to
encourage reflection about the importance of science and research methods and their relation with tou-rism
knowledge, especially when analyzed in a holistic and integrated way. In this context, tourism inter-and
multi-disciplinary thinking take place and evolve with holistic expectations involving economic,
environmental, political and cultural problematic relating with society as a whole
Keywords: Tourism; Science; Research; Superior Education; Development.
i Formado em Administração de Empresas com Especialização em Administração Hoteleira e Marketing Turístico,
Mestre e Doutor em Turismo e Sustentabilidade pela ULPGC - Espanha. Atualmente é professor visitante do Mestra-do
em Cultura e Turismo da UESC. E-mail: gusdacruz@hotmail.com
ii Formado em Turismo com Especialização em MBA-Direção Estratégica, Mestre em Desenvolvimento Regional
pela FURB – Brasil. Atualmente é professor do curso de turismo e coordenador do GEU da Unicenp. E-mail: aberbe-ri@
unicenp.edu.br
iii Formanda em Turismo e em Administração de Empresas pelo UnicenP. Atualmente é pesquisadora e membro do
grupo de pesquisa e cooperação internacional Brasil-Espanha. E-mail: morganaguzela@yahoo.com.br
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PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 6(1). 2008 ISSN 1695-7121
Introdução
Entre as muitas abordagens conceituais
e práticas sobre o turismo existem diversos
equívocos e percepções superficiais princi-palmente
por visões totalitaristas e que
negam a sua relação com o mundo científi-co.
Visto como uma atividade prática e que
permeia quase toda a humanidade, sejam
pelos destinos turísticos ou pelos seres
humanos (turistas), ambos reais ou poten-ciais,
o fenômeno vai além de perspectivas
que o fazem depender de ciências da admi-nistração,
ciências ambientais, sociais entre
outras. O turismo provoca uma relação
ampla e complexa dessas várias ciências
que conduziram, ao menos no Brasil, para
discussões reflexivas do mundo acadêmico
em cursos superiores ao lado de outras áre-as
das ciências humanas e sociais aplica-das.
Percebe-se ainda que a sua relação ime-diatista
com a prática, sem relevar os im-pactos
e o longo prazo, coloca o turismo em
uma superficialidade pobre de percepção e
infeliz de resultados para a sociedade em
geral. São paradigmas criados por gestores
públicos e privados sem o conhecimento
abrangente e que muitas vezes tornam a
atividade tanto benfeitora, em perspectivas
quantitativas evasivas, quanto malfeitoras,
já na abordagem qualitativa percebida na
sociedade, no meio ambiente, na economia e
na cultura dos destinos visitados. Percebe-se
nisso, a emergência para fortalecer
vínculos do turismo com o mundo da ciência
a fim de creditar aos que o estudam, o seu
conhecimento e a responsabilidade sobre o
futuro da atividade, bem como externalida-des
geradas.
Muitos são os atores que se relacionam
com a atividade sejam como sujeitos do
processo, sejam como gestores da atividade.
Na concepção da gestão, há ainda os que à
ela estão relacionados pela prática profis-sional
e outros pela produção de conheci-mento,
pesquisas e análises da atividade e
do fenômeno.
O presente artigo contextualiza o turis-mo
dentro das discussões práticas e concei-tuais
e, assim, busca refletir sobre possibi-lidades
de considerá-lo como uma ciência,
através de uma abordagem mais responsá-vel
e profunda deste. Desta forma o objetivo
principal deste artigo é de fomentar a re-flexão
sobre a importância da ciência e da
pesquisa científica para a evolução do con-hecimento
na área de turismo, o que pro-porciona
uma maturidade maior da ciência,
e também contribui para a sociedade de
uma maneira geral.
Assim sendo, utilizou-se de análise bi-bliográfica
e discussões a respeito da im-portância
da pesquisa científica no ensino
superior em turismo, e sua inserção e evo-lução
no panorama brasileiro. Primeira-mente
foi feita uma análise histórico-conceitual
sobre a ciência e sua evolução.
Em um segundo momento foi abordada a
pesquisa científica, confrontando o método
cartesiano e o método científico utilizado
atualmente. Em seguida, foram realizadas
algumas reflexões à respeito do turismo e
suas relações com o ensino superior, a pes-quisa
científica, a produção do conhecimen-to
e a ciência.
Ciência: conceitos e evolução histórica
A palavra ciência é proveniente do La-tim
e significa conhecimento, sendo possível
defini-la como sendo um “conjunto de con-hecimentos
socialmente adquiridos ou pro-duzidos,
historicamente acumulados, dota-dos
de universalidade e objetividade que
permitem sua transmissão, e estruturados
com métodos, teorias e linguagens próprias,
que visam compreender e, orientar a natu-reza
e as atividades humanas” (Demo,
2005: 15).
De forma a entender a complexidade e a
amplitude da ciência como conhecimento,
bem como sua importância no cotidiano e
na evolução humana, é fundamental desta-car
as afirmações de Álvaro Vieira Pinto:
“A pesquisa científica constitui um tema
a cuja consideração o homem de ciência, em
geral, e o pesquisador, em particular, não
podem deixar de se dedicar. (...) A pesquisa
científica é um aspecto, na verdade o mo-mento
culminante, de um processo de ex-trema
amplitude e complexidade pelo qual
o homem realiza sua suprema possibilidade
existencial, aquela que dá conteúdo à sua
essência de animal que conquistou a racio-nalidade:
a possibilidade de dominar a na-tureza,
transformá-la, adaptá-la às suas
necessidades. Este processo chama-se con-
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hecimento” (Pinto, 1979: 03).
E, se a ciência, enaltecedora do con-hecimento
e racionalidade humana deixa
lacunas aos campos do saber, observa-se à
importância da utilização de uma metodo-logia.
Neste contexto, Margarita Barreto
afirma que a “Ciência” pode ser considera-da
como:
“uma abordagem racional e sistematiza-da
dos fenômenos observáveis. É um con-junto
organizado de conhecimentos funda-mentados
que são obtidos através de méto-dos
específicos. Difere de outras abordagens
dos fenômenos porque procura explicações
racionais. (...) Para que uma determinada
produção seja considerada científica deve
ter, entre outras condicionantes, coerência
(lógica), consistência (profundidade) e ori-ginalidade.
(...) Produzir ciência é produzir
novos saberes, novas teorias, e isto só é
possível através da pesquisa e do estudo”
(Barreto apud Gastal e Moesch, 2004: 83).
Assim sendo, percebe-se que o método
científico utiliza-se de exatidão, objetivida-de,
e sistematização nas técnicas e proce-dimentos
que vêm a conduzir, através de
regras fixas, a elaboração de conceitos. Tais
conceitos, por sua vez, geram observações e
instigam a realização de experimentos para
que as hipóteses sejam validadas consisten-temente.
A atividade científica, ao contrário do
que prega o “senso comum”, não tem como
objetivo básico descobrir verdades ou ser
uma compreensão plena da realidade. A
ciência procura estudar a realidade, porém
objetiva fornecer um conhecimento que, ao
menos provisoriamente, facilita a interação
do homem com o mundo, permitindo pre-visões
confiáveis sobre acontecimentos fu-turos
e indicando formas de controle para
que se possa intervir convenientemente
sobre esses.
Ao decorrer dos anos, várias foram as
descobertas e teses defendidas pelos pensa-dores.
A ciência e a filosofia foram desen-volvendo-
se com a contribuição de várias
delas. Desde Tales de Mileto, na Grécia
Antiga, passando pelos atenienses Sócrates
e Platão, a chegar ao considerado “Pai da
Ciência”, o filósofo Aristóteles, marcado por
suas características como grande empirista.
Na continuidade do processo evolutivo en-contram-
se outros personagens onde se
destacou o italiano Tomás de Aquino, na
Era Medieval (Koyré, 1991).
São também nomes que marcaram a
história da humanidade, Francis Bacon,
Jean Jacques Rousseau, René Descartes,
Karl Popper e outros que, à sua medida,
contribuíram para o desenvolvimento das
ciências como hoje são conhecidas. Muitos
inclusive, tiveram a oportunidade de,
através de viagens, aguçar sua curiosidade
e buscar respostas através de seus estudos
e conhecimentos. Em meio à Matemática,
Física, Química, Astrologia, Filosofia, mui-tas
“Ciências” foram e são desenvolvidas e
aperfeiçoadas constantemente por novas
descobertas e comprovações científicas. Isso
possibilita que o conhecimento a que se tem
acesso seja cada vez maior e mais completo
(Koyré, 1991).
Observa-se, portanto, que as “Ciências”
mais consagradas e aceitas como tal nos
dias atuais, já passaram por um processo
evolutivo de desenvolvimento e consolidaç-ão
de teorias. Muitos dos méritos do con-hecimento
e pensamento crítico que deram
fundamento para essas “Ciências” podem
ser considerados provenientes da pesquisa
científica e seus métodos racionais, lógicos
e imparciais.
Pesquisa científica
Até o início do século XIX, a ciência e a
filosofia eram encaradas similares em seus
métodos de abordagem. Até então, não fa-zia
sentido aos que conduziam os processos
de formação do conhecimento separar as
teorias científicas das filosóficas. O que hoje
é considerado ciências, antes, era chamado,
de um modo geral, de "filosofia da nature-za".
Esses estudos procuravam fornecer
uma explicação sobre o mundo que permi-tisse
apontar as leis que determinavam os
eventos naturais, como o movimento dos
corpos celestes, as reações dos elementos
químicos e a origem dos seres vivos (Mi-randa,
2007).
René Descartes, nessa época, já demons-trava
um descontentamento em relação a
isso através de sua insatisfação com o ensi-no
que lhe havia sido ministrado quando
menino, que, segundo ele, apenas a Ma-temática
demonstrava o que afirmava:
"Comprazia-me sobretudo com as matemá-ticas,
por causa da certeza e da evidência
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de suas razões" (Descartes, 1996: 11). Per-cebe-
se o raciocínio lógico e fragmentado
nas percepções práticas e na comprovação
dos fatos como ponto marcante em seus
pensamentos.
Descartes viaja a procura de novas fon-tes
de conhecimento e saber, longe dos liv-ros
e dos professores de colégio, deparando-se
com a experiência da vida e a reflexão
pessoal. Como, até então, ciência e filosofia
não haviam sido separadas, “as matemáti-cas”
referindo às ciências exatas, eram uma
exceção, uma vez que ainda não se havia
experimentado aplicar seu rigoroso método
a outros domínios, o que Descartes vem
tentar mudar e pesquisar.
Sendo uma característica intrínseca ao
ser humano, a curiosidade faz com que se
busque conhecer mais e melhor o meio em
que se vive e tudo o que possa a ele se rela-cionar.
Porém, para que isso se realize de
forma cientificamente aceitável, são ne-cessários
alguns fatores. Descartes já esbo-çava
em 1637 no “Discurso sobre o Método”,
algumas premissas quanto à um método
muito próximo das ciências exatas que pu-desse
ser aplicado às demais áreas de inte-resse
e estudo. Foi assim que surgiu o
método cartesiano. Consistia em quatro
regras, a saber: evidência, análise, síntese e
desmembramento. Essas características
possibilitaram reconhecimento quando, em
séculos posteriores, viram no método a ma-nifestação
do livre exame e do racionalismo
além de não tratar de política nem de reli-gião
para convencer (Descartes, 1996).
Pode-se afirmar que o método cartesiano
assemelha-se muito com o atual método
científico utilizado por pesquisadores e
cientistas das mais diversas áreas do con-hecimento.
A congruência dos dois métodos
ocorre por apresentarem um conjunto de
regras básicas para um pesquisador desen-volver
uma experiência controlada para o
desenvolvimento da própria ciência, em
busca de respostas e evolução crítica do
pensamento.
No método científico, a hipótese traz
inspirações ao processo que deve levar à
elaboração de uma teoria. O pesquisador,
na sua hipótese, tem dois objetivos: esclare-cer
um fato e antecipar outros acontecimen-tos
que dele podem decorrer. Essa hipótese
deverá então ser testada em experiências
controladas e, se os resultados obtidos pelos
pesquisadores comprovarem perfeitamente
a hipótese, então ela pode ser tomada como
uma teoria (Pinto, 1979).
Esses métodos científicos são utilizados
para elaborar e comprovar todos os tipos de
teorias, cabendo apenas algumas alterações
em aplicações das regras, conforme neces-sidades
ou características especiais. O uso
do método científico agrega vantagens es-pecíficas
ao saber por ele produzido, como a
produção de um conhecimento prático e
aplicável, que pode ser usado na previsão
e/ou controle de fenômenos e ocorrências,
assim como proporciona o uso de expressões
objetivas e detalhadas não só do saber que
é produzido, mas também da forma como se
chegou até ele, permitindo compartilhar e
transmitir esse conhecimento.
Além da confiabilidade do método cientí-fico,
ele proporciona a redução ou minimi-zação
dos vários tipos de viés que podem
surgir na observação e interpretação dos
diversos fenômenos que se pretende estu-dar;
além do fornecimento de suporte me-todológico
e representacional ao pensamen-to,
permitindo o uso de ferramentas sócio-culturais
e tecnológicas que, por sua vez,
favorecem a transcendência das limitações
individuais do pesquisador em suas análi-ses
e sínteses.
Análise do turismo e suas relações com o
ensino superior
A realização de viagens, que poderia
aqui ser considerada como uma atividade
de essência empirista, sempre foi comum à
maioria dos povos do mundo. Tendo como
origem ou fator motivacional / impulsiona-dor
a própria necessidade humana de des-locamento,
tanto do ponto de vista de con-quistas
como guerras e invasões, como
também pelo puro interesse de entreteni-mento,
lazer e da curiosidade pelo novo e
inexplorado. Contudo,
“pode-se definir como marco para uma
modelagem e representação turística mais
organizada, assim como o é para as ciências
como um todo, a fase Renascentista, com
seu incentivo à ciência e às artes, que de-sencadearam
uma revolução nos hábitos e
no comportamento do europeu mais abas-tado,
que em função do seu status passou a
utilizar as viagens como uma forma de ex-plorar
novos lugares e demonstrar maior
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capacidade econômico-financeira, além de
um maior cabedal de conhecimentos em
comparação às pessoas que não podiam
realizar as mesmas proezas devido ao baixo
poder aquisitivo” (Souza, 2007: 33).
Mas não seria à ciência feita pela práti-ca
do turismo, senão o próprio turismo co-mo
ciência que se concentram as discussões
mais polêmicas da atualidade e os interes-ses
na presente argumentação. Com o deco-rrer
do tempo a atividade turística começou
a se organizar e desenvolver profissional-mente.
As pessoas elevaram seus padrões
de exigência e também a demanda por pro-dutos,
serviços e informações de maneira
mais massiva, sem deixar a qualidade e
confiabilidade de lado. Pelas necessidades
que começaram a se apresentar no merca-do,
os profissionais de diversas áreas de
atuação como a Administração, Economia,
Geografia, Ciências Sociais entre outras
começaram a perceber na atividade turísti-ca
a transformação de um fenômeno em
uma profissão e uma área de conhecimento
muito vasta e promissora, apesar de recen-temente
abordada e pesquisada com afinco
científico.
O turismo como estudo e profissão é
uma atividade que pode ser considerada
relativamente recente no Brasil. Foi na
década de 1970 que o turismo foi inserido
no Ensino Superior quando em 1971, na
antiga Faculdade do Morumbi (hoje Uni-versidade
Anhembi-Morumbi), em São Pau-lo
surge o primeiro curso de graduação em
turismo.
Nos anos que se seguiram, a demanda
pelos cursos de turismo oscilou conforme os
panoramas sociais, políticos e econômicos
do país. Após ter passado por um período de
descoberta da área de atuação e conheci-mento,
houve uma estagnação pelo pano-rama
de instabilidade vivido no país na
década de 1980. A grande expansão e visi-bilidade
dos cursos de turismo ocorreu em
meio à expansão econômica, investimentos
e incentivo da década de 90 (Matias, 2002).
Observa-se também que:
“Hoje o curso de turismo, desponta no
cenário educacional como uma das gra-duações
mais promissoras e disputadas nos
vestibulares. Com uma mão de obra já for-mada
de 8.000 mil turismólogos em
aproximadamente 400 cursos (dados de
maio de 2000) espalhados pelo Brasil, cons-tituem
uma verdadeira massa crítica capaz
de pressionar as esferas governamentais
para o estudo científico do turismo e a ne-cessidade
da regulamentação profissional”
(Santos Filhos, 2007).
Na atualidade os cursos de turismo, por
todo o Brasil, encontram-se numa fase de
definições e tentativa de estabilização. A
demanda diminuiu e isso é percebido
através da análise das salas de aula, de
cursos que não conseguem alunos suficien-tes
para abrir turmas, dentre outras obser-vações
e discussões que têm permeado as
polêmicas dos cursos. Uma delas parece ser
um reflexo à busca pela sobrevivência de
mercado quando cursos que antes duravam
quatro anos passam a ser realizados em
apenas três. Como se o conhecimento fosse
um pacote adaptável as regras impostas
pelo mercado e como se a ciência pudesse
sofrer alterações abruptas sem relevar seus
princípios e sua própria evolução.
A realidade que parece despontar, no
entanto, está voltada à importância para a
qualidade de ensino e estímulo à pesquisa,
debate e promoção do conhecimento nas
universidades que vem se destacando.
Assim, percebe-se que o sistema de en-sino
nacional, conduzido pelo MEC (Mi-nistério
da Educação e Cultura), permitiu
pressões de instituições de ensino que não
perceberam o turismo em seus princípios
científicos e em uma análise de longo prazo.
Essas observaram uma oportunidade de
mercado que, posteriormente, retrocedeu
drasticamente com a diminuição expressiva
na procura por cursos de turismo. A evasão
de demanda para outras áreas pode ser
atribuída, em grande medida, ao modismo
pelo estudo do turismo e pelos desencantos,
quando se percebe não resumir, o estudo do
turismo, aos que buscam viajar ou que pro-curam
apenas atuar no setor.
Tais características parecem lançar uma
luz de oportunidades à relevância científica
da atividade. Em outros termos, compreen-de-
se que, se descartada a panacéia de es-tudar
turismo por confusões ao puro prazer
de viajar ou pela oportunidade de atuação
técnica, o turismo poderá passar à uma
forma consistente de produção científica e
instrumento para o desenvolvimento sus-tentável
de regiões.
Por outro lado, há de se considerar que a
o turismo não possui um método científico
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próprio, o que causa polêmicas por visões
divergentes quanto à sua cientificidade. No
entanto os estudos realizados na área de
turismo utilizam-se do caráter inter, multi
e transdisciplinar dessa área de conheci-mento,
graças à sua ampla abrangência, o
que possibilita a realização de pesquisas
científicas com respaldo e confiabilidade
dignas de uma ciência como a matemática.
Segundo análise da pesquisa realizada
por Matias (2002), com o auxílio de outras
ciências interligadas, as áreas que compre-endem
a atividade e o estudo do turismo
aproximam-se cada vez mais do científico.
Desta forma, fazer ciência no turismo, como
em toda ciência “é um processo complexo,
demorado e de difícil execução, porém o seu
uso é justificado pelos benefícios que traz
em termos de praticidade, transmissibili-dade,
verificabilidade, solidez e alcance”
(Miranda, 2007).
O fenômeno turístico é, contudo, interes-santemente
complexo, o que proporciona
seu caráter inter, multi e transdisciplinar.
Isso fica claro na leitura de alguns frag-mentos
de Marutschka Moesh sobre o tu-rismo:
“O turismo é uma combinação complexa
de inter-relacionamentos entre produção e
serviços, em cuja composição integram-se
uma prática social com base cultural, com
herança histórica, a um meio ambiente
diverso, cartografia natural, relações so-ciais
de hospitalidade, troca de informações
interculturais. O somatório desta dinâmica
sociocultural gera um fenômeno, recheado
de objetividade/subjetividade, consumido
por milhões de pessoas, como síntese: o
produto turístico” (Moesh, 2002: 09).
Arriscaria-se a afirmação de que nos
aproximamos da ciência moderna sem as
contumazes crises de percepção fragmenta-das
em pensamentos cartesianos que foram
de extrema contribuição no passado, mas
que não permitiram a evolução de percepç-ão
humana em uma visão integrada. Uma
visão que permite ver resultados como pro-cessos
e não como pontos a serem remedia-dos
isoladamente. Marutschka Moesh afir-ma
ainda que:
“Turismo é, de um lado, conjunto de tu-ristas;
do outro, os fenômenos e as relações
que esta massa produz em conseqüência de
suas viagens. Turismo é todo o equipamen-to
receptivo de hotéis, agências de viagem,
transportes, espetáculos, guias-interprétes
que o núcleo deve habilitar, para atender às
correntes (...). Turismo é o conjunto das
organizações privadas ou públicas que sur-gem,
para fomentar a infra-estrutura e a
expansão do núcleo, as campanhas de pro-paganda
(...). Também são os efeitos nega-tivos
ou positivos que se produzem nas po-pulações
receptoras” (Fuster apud Moesh,
2002: 11)
Com isso, percebe-se a abrangência des-te
fenômeno, bem como, conseqüentemente
a amplitude de conhecimentos a serem pes-quisados,
avaliados e transformados em
ciência. O campo para se trabalhar com
pesquisas e estudos direcionados é muito
vasto, uma vez que o fenômeno turístico
engloba quase todas as pessoas de uma
sociedade, direta ou indiretamente. Nessa
abordagem holística é de fundamental im-portância
investir em pesquisas que pos-sam
trazer frutos para a sociedade como
um todo.
Assim como as demais ciências que já ti-veram
sua trajetória de maturação e aceite
perante a sociedade, o turismo tende a pas-sar
por um processo evolutivo de amadure-cimento
científico. No início as pesquisas
sobre o turismo eram realizadas por outras
áreas do saber, como a geografia, a econo-mia,
administração entre outras, que utili-zavam
a atividade como umas das suas
vertentes de estudo. Esse processo de evo-lução
do conhecimento e do pensamento
crítico na área de turismo, porém, só teve
início, no Brasil, com as pesquisas científi-cas
que começaram a ser realizadas em
meados de 1975. Nessa época a produção de
dissertações, teses e trabalhos de conclusão
dos cursos iniciavam o desenvolvimento de
pesquisas que tinham o turismo realmente
como tema central de estudo (Rejowski,
1996).
Pode-se afirmar então, que a produção
científica brasileira no turismo é muito
recente, visto que ainda há poucas insti-tuições
de ensino que têm se dedicado a
proporcionar uma iniciação científica de
qualidade, a partir da graduação. O turis-mo
ainda é visto por muitos, apenas como
uma oportunidade econômica ou como ati-vidade
que traz respostas imediatistas a
problemas sociais das regiões que buscam
explorá-lo, no sentido próprio da palavra.
Segundo Marutschka Moesch:
J. Callejo Gallego; J. Gutiérrez Brito y A. Viedma Rojas 115
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“A produção do saber turístico de modo
geral, e de modo específico no Brasil, tem se
constituído num conjunto de iniciativas,
prioritariamente do setor priva-do/
empresarial e menos da academia, sejam
elas universidades e/ou faculdades, públi-cas
ou privadas. O saber turístico assim
produzido é reduzido às informações e sis-temáticas
sobre seu setor produtivo” (Mo-esh,
2002: 13).
Diante deste contexto, é de vital im-portância
lançar um olhar crítico ao turis-mo
de forma a antecipar medidas irres-ponsáveis
e tecnicistas em seu desenvolvi-mento.
Busca-se uma responsabilidade que
parece ser intrínseca à ciência quando al-gumas
de suas características são a anteci-pação
dos fatos e imparcialidade na obser-vação
destes.
Considerando igualmente, que se trata
do setor da economia que tem representado
maior crescimento em nível mundial, e que
possui expectativa e tendência de cresci-mento
comprovados, é imprescindível tra-balhar
esta questão sob o ponto de vista da
reflexão e produção científicas. No entanto,
não é o que demonstram os eventos e as
obras que, por vezes, abordam o assunto de
maneira superficial, com mais técnicas
sobre os processos de como fazer, do que
reflexões interdisciplinares e resultados
comprovados por métodos científicos de
análise. Tratando disso, Mirian Rejowski
traz em sua obra, que:
“A carência de pesquisas científicas e o
reduzido número de pesquisadores, aliados
a uma falta de estímulos ao desenvolvimen-to
do conhecimento do fato e do fenômeno
do turismo nesse País, tem levado a uma
improvisada ação do setor, com seus evi-dentes
reflexos e conseqüências de absoluta
ausência de informações concretas que pos-sam
sensibilizar o poder público, sobretudo
aqueles responsáveis pelo desenvolvimento
do turismo. Adiciona-se a isto uma ina-ceitável
indiferença da Universidade aos
trabalhos de Pesquisa” (Rejowski, 1996:
60).
A pesquisa é o processo pelo qual o estu-dante
supera a reprodução e a cópia de
idéias. Ela é a ferramenta pela qual o senso
crítico é desenvolvido. Assim, o indivíduo
aprende a criar e pode se tornar um profis-sional
com capacidade multi e transdisci-plinar.
A pesquisa é, contudo, uma forma
de o futuro turismólogo entender, nos di-versos
âmbitos, e por meio de vários pontos
de vista, o fenômeno turístico. Dessa forma,
ele pode conhecer a realidade da região
onde está inserido, propor soluções a pro-blemáticas
detectadas, exercitar o senso
crítico, formulando seus próprios textos e
debatendo-os com os já existentes.
Esse exercício da pesquisa que deve (ou
deveria) ser iniciado ainda no começo do
processo da graduação pode auxiliar não só
o estudante a tirar maior proveito de seu
curso, mas aumentar seus conhecimentos
do turismo como um todo tornando-se um
profissional melhor preparado, uma vez que
é por meio de estudos e pesquisas que a
sociedade avança. Margarita Barreto faz
uma boa reflexão sobre isso quando conclui
seu capítulo “Produção Científica na área
do Turismo” no livro “Um outro turismo é
possível”, fruto das análises e discussões
realizadas no IV Congresso Internacional
de Turismo Rede Mercocidades, em 2002,
em Porto Alegre, fazendo a relação desse
‘outro turismo’ com a produção científica:
“Falta produção científica capaz de pro-duzir
novas teorias, para auxiliar na apli-cação
de melhores técnicas, mas, funda-mentalmente,
para criar novos paradigmas.
Para aspirarmos a um novo modelo de tu-rismo,
precisamos de novos paradigmas,
referidos ao próprio turismo e à sociedade
mais ampla” (Barreto apud Gastal e Moesh,
2004: 87)
Contudo, o turismo, por ser uma ativi-dade
comum a quase todos, passa por dis-cussões
desde o senso comum até o mais
profundo senso crítico. E é à esse segundo
ponto de vista que se dirigem as reflexões e
análises, para que, a partir de uma produç-ão
científica contundente, possam ser apli-cadas
estratégias mais acertadas na gestão
do turismo, seja na formação de pessoas ou
ainda no mercado do turismo.
Conclusão
Observa-se que as pesquisas no turismo
vão além das fronteiras econômicas e atin-gem
as questões sociais, culturais, ambien-tais
e políticas. Desta forma, analisar as-pectos
relacionados à qualidade de vida das
pessoas, identificar medidas que possam
melhorar o relacionamento, bem como os
impactos e influências causadas entre o
116 Ciência e Pesquisa: ...
PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 6(1). 2008 ISSN 1695-7121
turista e a comunidade local e descobrir as
mais diversas realidades tornam-se de vital
importância para a atividade turística.
É através de características como a
flexibilidade, a atualização constante, no-vas
áreas de conhecimento, novas necessi-dades
e tendências que podemos chegar a
soluções criativas e inovadoras e para isso
utilizarmo-nos da “Ciência Turística”. As-sim
sendo, no Turismo, existem oportuni-dades
e demanda suficiente para todos que
buscam pesquisar, analisar, criar e atuali-zar
essa área do conhecimento. Contudo, é
primordial elevar a qualidade dos estudos e
pesquisas na área. Assim, compreender-se-ía
o turismo além da perspectiva econômica
e de resultados imediatistas, quando se
daria mais importância ao lado sócio-cultural
e ambiental, transcendendo para
uma esfera mais responsável em longo pra-zo.
Entende-se que estes seriam caminhos
que levariam ao avanço nos conhecimentos
científicos do Turismo.
Entre as várias abordagens sobre o
fenômeno turístico, ainda se percebem
equívocos conceituais e em princípios filosó-ficos
da atividade. Resta à academia, prin-cipalmente
pela formação superior, investir
em seu papel de reflexão, pesquisa e pro-dução
científica consistente. Entende-se
que assim, o posicionamento levará ao res-peito
à importância por encarar a atividade
com o devido respeito na sua complexidade.
E, nas abordagens simplistas que negam as
diversas ciências que o relacionam, restaria
a crítica e a orientação para retroceder e
evitar equívocos constantes em sua aborda-gem
que, por princípios limitados de per-cepção,
são muitas vezes denominadas
apenas como gestão da atividade.
Contudo através das análises realizadas
foi possível atingir o objetivo a que se havia
proposto no inicio desse estudo, fomentando
a reflexão sobre a importância da ciência e
da pesquisa científica para a evolução do
conhecimento na área de turismo. Foi
possível analisar a inserção deste conheci-mento
no ensino superior e a evolução dos
cursos, demonstrando o início de uma mai-or
maturidade dessa ciência, e também
algumas das contribuições que seu estudo
pode gerar para a sociedade de forma geral.
O artigo também abrangeu o turismo de-ntro
de suas vertentes práticas e concei-tuais
e, analisou possibilidades de consi-derá-
lo como uma ciência, enfatizando uma
abordagem mais responsável e profunda do
estudo de um fenômeno que atinge a
humanidade em geral.
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Recibido: 13 de junio de 2007
Reenviado: 18 de noviembre de 2007
Aceptado: 20 de diciembre de 2007
Sometido a evaluación por pares anónimos