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© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121 Vol. 17 N.o 6. Special Issue. Págs. 1191-1204. 2019 ht tps: / /doi .org/10.25145/ j .pasos.2019.17.082 www .pasosonline.org Resumo: O objetivo deste texto é apresentar a observação participante como metodologia eficaz para coleta de dados etnográficos em pesquisas sobre turismo e antropologia. Com uma abordagem da antropologia de quatro campos, que se enquadra na chamada Arqueologia Etnográfica, os exemplos se referem ao Arqueoturismo no Brasil, e em conclusão propõe uma reflexão sobre o tema para exemplos de reapropriação e consumo de patrimônios arqueológicos da região amazônica, o que inclui a produção de réplicas. O método foi empregado enquanto observação participante completa, quando o pesquisador coleta dados incógnito, assumindo o lugar do turista. Argumento que a observação participante completa em patrimônios arqueológicos com uso turístico tem se mostrado um método eficiente na medida em que possibilita o contraste entre o discurso, que inclui informações divulgadas pela mídia ou opinião de entrevistados e gestores, e a prática vivenciada enquanto visitante. Na mesma medida, a influência do pesquisador é minimizada nos resultados, propiciando a compreensão fidedigna do fenômeno. Palavras‑chave: Arqueoturismo; Antropologia do Turismo; Observação participante; Réplica arqueológica; Amazônia; Brasil. The ‘tourist anthropologist’ and archeology in Brazil: from rhetoric to practice Abstract: The goal of this article is to present participant observation as an efficient methodology for collecting ethnographic data in research on tourism and anthropology. Using a four‑field anthropology approach, based on Ethnographic Archeology, the examples refer to Archaeoturism in Brazil, as a final discussion proposing a reflection about examples of re‑appropriation and consumption of Amazonia archaeological heritage, which includes the production of replicas. The method was employed while complete participant observation, when the researcher collects data incognito, taking the place of the tourist. I argue that this specific method at archaeological heritages with tourism use has proven to be efficient while allowing contrast between discourses, which includes media information or opinion of interviewees and managers, and applied experience as a visitor. Whilst, possible influences of the researcher’s presence are minimized in the results, providing a more reliable understanding of the phenomenon. Keywords: Archaeotourism; Anthropology of Tourism; Participant observation; Archaeological replica; Amazônia; Brazil. O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática Renata de Godoy* Universidade Federal do Pará (Brasil) Renata de Godoy * Universidade Federal do Pará, Brasil; E‑mail: godoy@ufpa.br 1. Introdução Neste artigo apresento exemplos utilizando a observação participante completa como metodologia importante em estudos etnográficos no campo da Antropologia do Turismo. Com uma abordagem da antropologia de quatro campos, que se enquadra na chamada Arqueologia Etnográfica (Hamilakis & Anagnostopoulos, 2009), alguns estudos de caso referentes ao aproveitamento turístico de sítios e coleções arqueológicos no Brasil são apresentados como suporte para construção e aplicação de uma metodologia para coleta de dados primários que implica em escolhas conscientes do pesquisador. Argumento que a experiência de observação participante incita a reflexão sobre a prática de campo para antropólogos PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1192 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática interessados pelas dinâmicas do turismo, e se apresenta como uma estratégia talvez menos tendenciosa de coleta de dados primários. Ao longo do texto são apresentadas pesquisas diversas envolvendo a observação participante como estratégia em pesquisas no Brasil, relatando resultados satisfatórios por minimizarem a influência do antropólogo nos resultados. As experiências se referem ao Turismo Arqueológico, ou Arqueoturismo, voltado para patrimônios antigos e recentes, que variam ainda em relação ao atual uso turístico. Apesar de o senso comum relacionar a observação participante como sinônimo de etnografia, nos exemplos apresentados ao longo do texto este método foi empregado como uma das estratégias selecionadas para aplicar Procedimentos de Investigação Etnográfica Rápida (Low, Taplin, & Scheld, 2005), que permite uma coleta de dados rápida e confiável em diferentes fontes, tornando a pesquisa menos tendenciosa e mais abrangente. Normalmente vinculada a pelo menos mais dois tipos de dados diferentes, tais como pesquisa bibliográfica e entrevistas, a observação participante em sítios com uso turístico tem se mostrado bastante relevante, pois possibilita o contraste entre o discurso, que inclui informações divulgadas pela mídia ou opinião de entrevistados e gestores, e a prática vivenciada enquanto visitante. O Turismo Arqueológico, também chamado de Arqueoturismo, é parte de um conceito bem mais amplo. Vinculado ao chamado Turismo Cultural, definido por alguns autores como um segmento dessa disciplina em crescimento que visa atrair pessoas interessadas em visitar destinações culturais e que inclui uma variedade de atrações, desde apresentações artísticas à festivais de cultura tradicional, de sítios à monumentos, locais especiais que têm como característica comum a presença de bens culturais materiais e/ou imateriais que funcionam como atrativos turísticos (McKercher & Cross, 2002). Ao serem valorizados como objetos passíveis de aproveitamento turístico, paisagens e coleções arqueológicas devem ser analisados como parte de um fenômeno muito mais amplo comodifica1 patrimônios culturais, sejam estes tangíveis ou não. Em uma perspectiva mais crítica também pode ser compreendido como um fenômeno de espetacularização, exagero e artificialização, gerando formas atípicas de convivência (Brenner, 2005:363). Como Arqueoturismo, compreende‑se o ato de visitar e consumir um passado socialmente construído, que inclui desde como estão dispostas as coleções abertas ao público, da venda de vestígios ou réplicas, ou da adaptação de sítios à visitação. No Brasil, assim como em outras partes do mundo, a venda de material arqueológica é proibida por lei. Infelizmente tal proibição não é suficiente para coibir a prática. 2. Apresentando o tema e seu ambiente de pesquisa Pode parecer estranho que o Arqueoturismo seja uma preocupação de pesquisa no Brasil. Até para os brasileiros soa extravagante visto que Arqueologia é algo que aprendemos estar muito remota, estando os exemplares mais próximos e reconhecidos pelo grande público depois da cordilheira dos Andes na América do Sul, ou em outras partes longínquas do mundo. Ao contrário de muitas nações modernas, no Brasil a manipulação do passado para a construção de uma identidade nacional não foi tão agressiva (Barreto, 2000). Há ainda uma carência absoluta de ensino relacionado à Pré‑história (Bezerra, 2002), ou sobre a importância da contribuição histórica de povos colonizados nos currículos escolares. Além disso, o exotismo ou o passado glorioso que se esperam destes patrimônios acabam frustrando as expectativas do público. Entretanto, apesar de invisibilizado, o patrimônio arqueológico brasileiro é tão significativo como qualquer outro, e apresenta potencial para uso turístico mesmo carregando o estigma da falta de monumentalidade. Ao longo do texto selecionei ilustrar exemplos de três regiões no Brasil: patrimônios da UNESCO2 no Sudeste e no Centro‑Oeste, e dois exemplos diversificados de Arqueoturismo na Amazônia, região Norte (Figura 1). Naturalmente sítios com grande visibilidade atraem mais a atenção de pesquisadores, gestores e do público. No Brasil, existem três complexos arqueológicos na lista de Patrimônio Mundial da UNESCO (UNESCO, 2017): o complexo sul‑americano de cinco Missões Jesuíticas Guarani dos séculos XVII e XVIII, com as Ruínas de São Miguel das Missões no extremo sul do país (estado do Rio Grande do Sul), inscrito em 1983; o Parque Nacional Serra da Capivara com seu conjunto de abrigos rupestres com datações de pelo menos 25 mil anos, no nordeste do país (estado do Piauí), inscrito em 1991; e o Cais do Valongo, inscrito em 2017, e localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro (Figura 2), sudeste do Brasil, que representa um evento traumático relacionado à escravidão africana e ao tráfico humano. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1193 Figura 1: Regiões Centro‑Oeste (vermelho), Sudeste (azul claro) e Norte (azul) Fonte: Google Maps, adaptado pela autora. Figura 2: Cais do Valongo, zona portuária da cidade do Rio de Janeiro/RJ, Brasil Fonte: autora, em 2018. E outros com inegável potencial turístico e que, pelo mesmo motivo, costumam receber mais atenção de arqueólogos e turismólogos, apesar de não terem sido reconhecidos enquanto patrimônios mundiais. Exemplos com grande potencial encontram‑se na região norte do país, na Amazônia, tais como o complexo rupestre do Parque Estadual Monte Alegre no estado do Pará em pleno uso turístico (Pereira, 2012); ou sítios que têm recebido atenção especial de gestores para exploração turística como os Geoglifos3 no estado do Acre (Schaan, Beltrão, Brito, Pacheco, & Barros, 2011) e o sítio Megalítico Rego Grande no estado do Amapá (Saldanha & Cabral, 2012), citando aqui apenas alguns exemplos icônicos. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1194 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática A vasta maioria dos sítios arqueológicos no Brasil, no entanto, não apresenta um potencial imediato para exploração turística. Fato que não necessariamente exclui tal possibilidade, talvez em uma perspectiva muito mais benéfica quando decorrente da parceria entre arqueólogos e coletivos locais para sítios ditos ‘menores’ e com fins de preservação, divulgação e até visando sua sustentabilidade, como sugere Jennifer Mathews (Castañeda & Mathews, 2013). Importante salientar que aqui o turismo arqueológico não apenas se relaciona à visitação de sítios, mas com todas as atividades cuja principal atração é o remanescente arqueológico (Bawaya, 2006; Manzato, 2005), e que direta ou indiretamente se apropriam deste patrimônio na cadeia turística. Na Amazônia brasileira, a convivência entre populações vivas e o patrimônio arqueológico é cotidiana, talvez um dos poucos lugares em que ainda é possível perceber tal interação com tamanha intimidade. E muitos têm sido os exemplos relatados na literatura sobre formas de impacto geradas pelo uso turístico da arqueologia na região. Lima, Moraes e Parente (2013) relatam sobre o intenso tráfico de material arqueológico que ocorria em Parintins, no estado do Amazonas, em função da abundância de vestígios e da presença de transatlânticos abarrotados de turistas estrangeiros interessados em adquiri‑los como souvenires. Também se encontra publicação sobre turismo arqueológico na Amazônia urbanizada, no caso, Santarém, no oeste do estado do Pará. Alfonso e Py‑Daniel (2013:42) afirmam que “embora os principais atrativos turísticos divulgados estejam relacionados ao patrimônio natural (praias, floresta nacional, reserva extrativista etc), os atrativos culturais vêm se fortalecendo”. Outro exemplo de turismo arqueológico muito presente na Amazônia é a produção e consumo da chamada cerâmica arqueológica, às vezes vendida como réplica, em geral acompanhada de um discurso de autenticidade que remete aos grupos pré‑coloniais com a ideia de continuidade da herança cultural. E inconsciente ou não, tais práticas agregam valor aos produtos. Segundo Schaan (2006:24): “ao produzir artesanato de inspiração arqueológica, o produtor/vendedor se vale da relação com o bem cultural resgatado do passado para agregar um valor cultural, simbólico ao seu objeto, o que vem a elevar seu valor como mercadoria.” O turismo arqueológico na região Amazônica brasileira tem sido meu objeto de investigação há cinco anos, quando realizei estágio pós‑doutoral financiada por duas agências de fomento no país (CNPq/PDJ4 e CAPES/PNPD5). A proposta era refletir sobre os impactos e benefícios gerados em virtude da implantação de turismo em sítios arqueológicos amazônicos, tanto em relação à preservação patrimonial quanto em relação aos coletivos locais. Sugeriu‑se que impactos e/ou benefícios gerados através do turismo formal ou informalmente inserido em sítios arqueológicos podem afetar tanto as comunidades anfitriãs quanto o próprio bem cultural. Tais pesquisas, sempre amparadas pela observação participante, demonstraram que ao gerenciar o potencial turístico de muitas ocorrências arqueológicas os atores (sejam eles institucionais ou leigos) se apropriam do bem cultural mas utilizam categorias diversas para denominá‑lo, tais como “ruína” para ocupações do período colonial, ou “indígena” para vestígios mais antigos (Godoy, 2017b). Nas Américas, o limite entre o que é arqueológico e o que não é ganha contornos ainda mais emblemáticos em virtude da colonização europeia e sua intensa valorização enquanto representações a serem celebradas de um passado que de fato é imbricado de violência e dominação. São os vestígios dos dominadores que nós exaltamos como testemunhos do passado, e que fomentam a identidade do que deveria ser autenticamente brasileiro. A agência reguladora no Brasil, o IPHAN6, e a própria legislação de proteção do patrimônio arqueológico brasileiro estabeleceram limites temporais que prejudicam a preservação do passado mais recente (Godoy, 2004), sendo que é dele a maior atividade relacionada ao turismo que ocorre no Brasil. Então não deveria ser tão preocupante buscar estabelecer neutralidade ao pesquisar o tema, a ponto de sugerir probing e invisibilidade do pesquisador como estratégias para obtenção de dados primários menos contaminados. Na prática, porém, o tema arqueologia e mais ainda turismo geram uma expec‑tativa que altera a resposta do público. E essa alteração pode ser negativa ou positiva. Russell Bernard indica a estratégia do probing em entrevistas como um mecanismo que visa estimular o respondente a produzir mais informação com o mínimo de interferência do pesquisador (Bernard, 2002). No caso da observação participante, identifico a mesma estratégia quando o pesquisador assume o papel de ‘participante completo’, definido também por Bernard (2002:327) como “se transformar em membro do grupo sem que os outros saibam sua finalidade de pesquisa”. Ou seja, sugiro que o antropólogo seja turista em pesquisas deste tema, pois é como visitante, como consumidor, que o pesquisador poderá obter com mínima interferência dados sobre o fenômeno, sem que sua introdução na área da pesquisa seja considerada antiética já que ele apenas observa e participa de atividades já em curso. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1195 3. O passado recente e o dilema da arqueologia Foi como turista, muito antes de me estabelecer como acadêmica, que percebi uma disparidade muito grande entre o discurso e a prática do turismo em cidades coloniais, especificamente em uma cidade que também está na lista do Patrimônio Mundial (inscrita em 2001), bem no centro do Brasil, chamada Cidade de Goiás. No início do século XXI, quando eu ainda ensaiava meus primeiros passos na pesquisa acadêmica, me deparei com uma situação que me parecia inusitada: o grande esforço institucional em torno do reconhecimento da antiga capital do estado de Goiás, no Brasil central, como um Patrimônio da Humanidade, e o quanto tal qualidade agregaria ao turismo local. Ao vasculhar a documentação do seu dossiê de candidatura me deparei com um discurso que não parecia se equiparar à realidade, do desenvolvimento da atividade turística naquele lugar que para mim, como filha da terra, nunca apresentou vocação para anfitrião de gente estranha. Trata‑se de uma cidade que historicamente é notória por expulsar seus desafetos e que se fecha até a atualidade para qualquer tipo de influência externa. Naquele verão fatídico, entre 2001 e 2002, acompanhei de perto o desespero para que se colocasse a casa em ordem logo após a enchente que devastou parte do centro histórico da cidade, popularmente conhecida como Goiás Velho. As crateras, em especial a maior delas que estava em frente ao museu da casa de Cora Coralina, um dos mais conhecidos cartões postais da cidade, precisavam desaparecer (Figura 3). O centro histórico com aprovação da UNESCO precisava voltar ao seu estágio de cenário para receber a horda de turistas que a cidade aguardava logo após o anúncio do Título, em dezembro de 2001. Era preciso tornar público e acessível ao mundo seu centro histórico, reconhecido por representar uma arquitetura de casarios simples, como o referido museu com sua arquitetura de terra e esquadrias verdes localizado às margens do rio Vermelho. Por sorte, existia uma equipe de arqueólogos que se prestou ao papel de tapar os buracos o mais depressa possível. Eles seriam fechados de qualquer maneira, em nome do bem maior, em nome do bem comum e da geração de renda proveniente da atividade turística esperada depois de sua nomeação. Até então não tinha percebido a força da retórica diante da prática em relação ao turismo em patrimônios culturais no Brasil. Figura 3: Trabalho de reconstrução e acompanhamento arqueológico Fonte: autora em 2002; autora em 2013. Após a enchente de 2001 (foto à esquerda) e atual movimento de pedestres e veículos no entorno da ponte sobre o rio Vermelho, entorno do Museu Casa de Cora Coralina (foto à direita). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1196 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática O mesmo discurso pude acompanhar novamente quando participei de um monitoramento arqueológico na Praça São Francisco, na cidade de São Cristóvão, no estado de Sergipe (nordeste brasileiro), que estava em processo de inscrição na lista da Unesco, em 2009. Alguns concordam que a presença de arqueólogos em meios urbanos é incômoda, atrasa e atrapalha o cotidiano da cidade. No entanto, as pessoas são capazes de relativizar o incômodo quando ela gera pelo bem coletivo carregado nas promessas de aumento da atividade turística, mais ainda quando tem potencial para gerar renda. Mesmo quando esse potencial perdure mais na esperança do que no dia‑a‑dia dos atores envolvidos. Na Amazônia colonial encontrei contrastes de um Brasil diferente dos outros. Comecei revistando um sítio arqueológico histórico icônico chamado Joanes, localizado no distrito homônimo do município de Salvaterra, no arquipélago do Marajó, Pará. O sítio em questão é classificado como multicomponencial7, com a presença marcante de estruturas arruinadas da antiga Igreja de Nossa Senhora do Rosário (Figura 4), século XVII, relacionada à ocupação missionária franciscana no arquipélago (Schaan & Marques, 2012). Ali é a praia do rio‑mar, com água salobra do estuário do rio Amazonas, a atração principal do lugar. O sítio arqueológico ocupa hoje a principal área pública da comunidade. Entretanto, enquanto fenômeno turístico, ele pouco participa da cadeia comercial, o que pode ser interpretado como algo positivo visto que o abuso de sítios arqueológicos para fins de lazer e turismo é sempre o maior argumento contra aproveitamentos e adequações. Na maior parte das observações que fiz em campo, ao longo de 2013 a 2015, a principal atividade turística registrada no entorno das ruínas se limitava à poucos turistas posando para fotos. Figura 4: Ruínas da antiga missão religiosa em Joanes (Salvaterra/PA) Fonte: autora em 2014. Enquanto investiguei sobre o Turismo Arqueológico em Joanes e suas implicações materiais e sociais tive a oportunidade de testar a metodologia que defendo ao longo deste trabalho. Visitei o sítio em diversas ocasiões, e concluí a coleta de dados quando me inseri num grupo organizado por uma pousada famosa na cidade para o passeio guiado à Vila de Joanes em julho de 2015, no período da alta temporada do verão amazônico. O passeio foi bastante útil para a pesquisa, em especial pela ausência de informações sobre o sítio arqueológico em si e pela ênfase dada a dados que atraem a atenção do visitante. Ali a arqueologia está vinculada apenas à Pré‑história, e o fato de existirem estruturas do período colonial arruinadas por si só é chamariz para visitantes, independente da sua caracterização. O guia, a princípio bastante desconfiado pois eu não me enquadrava no perfil dos demais visitantes8, até o final do passeio não mais se incomodava mais com a minha presença. Foi possível observá‑lo seguro de seu ofício, replicando informação que nunca se modificaram ao longo de décadas apesar de dados contraditórios divulgados por arqueólogos, em meados dos anos 2000. Nos municípios de Salvaterra e Soure, os mais turísticos da porção oriental do arquipélago do Marajó, um ateliê e loja de cerâmicas em Soure9 é muito mais beneficiada pela qualidade “arqueológica” que o próprio sítio missioneiro. Na loja, um dos donos se autoidentifica como descendente indígena de etnias que produziam as famosas cerâmicas marajoaras, e quando presente demonstra sua habilidade de ceramista ao vivo para visitantes. Ele e sua esposa são didáticos ao descreverem as peças que são confeccionadas PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1197 e vendidas na loja, com detalhes que envolvem os visitantes num enredo de minúcias sobre cada uma, remetendo às origens ancestrais e utilizando termos relacionados para tal. O fato de ter visitado a loja como turista e não como arqueóloga me propiciou observar a maneira com que seus donos se apropriam desta identidade, replicam um ideal de continuidade étnico‑histórica arriscado visto que os povos que produziam aquela cerâmica já estavam extintos antes da colonização europeia (Schaan, 2006). Enquanto turista, vivenciei uma experiência única, agradável, e consumi muitos produtos da loja. Enquanto arqueóloga questiono a propaganda de sua autenticidade. Como pesquisadora da antropologia do turismo relativizo a experiência do visitante, pautada pelo encanto de uma tradição inventada que culmina numa valorização da herança arqueológica que facilmente pode ultrapassar qualquer comprovação científica. Já no caso do sítio de Joanes, na visita guiada, o fato de ser arqueológico pouco interessa como informação. Talvez em referência às missões do sul do Brasil, ou à maciça ocupação colonial dos Jesuítas, na calha norte do rio Amazonas (Costa, 2017), a sua pretensa presença é muito mais importante que qualquer outro dado já levantado por arqueólogos. O que vende em Joanes é a estrutura da antiga igreja, a paisagem onde ela está inserida, e não os dados históricos e arqueológicos do sítio. 4. O passado distante e a relação com o público A relação do visitante com culturas materiais obviamente transformadas pela ação humana é mais simples de ser construída. Com ou sem apelo estético, o objeto ou a paisagem é compreensível ao visitante. Mas quando tratamos de vestígios muito recuados no tempo esta relação precisa ser literalmente construída. Novamente retornando ao Brasil central, desta vez no Distrito Federal, iniciei minha pesquisa de doutorado esperando encontrar uma resposta mais política para tal fenômeno (Godoy, 2012). Ali foi criada, há menos de 70 anos, a capital federal Brasília, símbolo estatal do Brasil Moderno e em franco desenvolvimento. Formada por migrantes de todas as partes do Brasil, e também daqueles que foram para trabalhar construção da cidade, Brasília representa um contraste temporal de ocupações humanas que faziam minha investigação ainda mais instigante. O patrimônio arqueológico em questão era constituído por um complexo de, pelo menos, três sítios do tipo oficina lítica10 a céu aberto que datam do final do Pleistoceno e início do Holoceno (variando entre 12 e 8 mil anos antes do presente), representando os vestígios humanos mais antigos da região. Ao contrário de Joanes, em Brasília os dados científicos sobre os sítios fomentam um discurso público apaixonado para sua proteção, qualidade que ultrapassou qualquer justificativa política, ambiental ou econômica das ações públicas por sua proteção. Apesar da expressiva antiguidade e, por conseguinte, inegável significância pública, a visibilidade e potencial turísticos deste complexo de sítios é questionável (Figura 5). Figura 5: Afloramento rochoso de quartzito com vestígios de lascamento paleoíndio e instrumento lítico lascado do tipo plano‑convexo resgatado do complexo arqueológico Fonte: autora em 2008; autora em 2015, artefato arqueológico do acervo do Instituto Goiano de Pré‑História e Antropologia (IGPA, PUC‑GO). Sítio Bela Vista (ao fundo, cidade‑satélite Samambaia). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1198 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática Dentre tantas estratégias para compreender ações impetradas por atores e coletivos locais em prol da preservação destes patrimônios, me baseei na perspectiva da equidade de influência entre valores intrínsecos e extrínsecos (Hewison & Holden, 2006), utilizando o turismo como hipótese para o uso econômico destes bens culturais. O Plano Piloto11 de Brasília, como é conhecido o local que abriga a única cidade do século XX reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO (inscrito em 1987), atrai turistas do mundo todo em busca de seus atributos modernistas, e por si só se constitui na atração principal para qualquer visitante. No entanto, o turista em busca do moderno e do original se depara com outros atrativos na região. Implantada no bioma Cerrado. Considerado como um dos hotspots de diversidade ecológica mundiais (Klink & Machado, 2005), Brasília tem hoje em desenvolvimento de roteiros de visitação variados e que incluem Ecoturismo. O complexo arqueológico em questão, com altíssima relevância científica, pois contribui para discussões acerca do povoamento das Américas, é composto por afloramentos de quartzito dispersos em um vale profundo. Com pouca ou nenhuma visibilidade, as coleções arqueológicas provenientes destes sítios encontram‑se atualmente salvaguardadas fora do Distrito Federal, compostas por instrumentos líticos e outros materiais de pedra provenientes de sua confecção. Já o vale onde se localiza o complexo arqueológico é uma espécie de reserva ambiental, onde existem parques para lazer local em estado precário de manutenção e cercados por cidades densamente povoadas e por ocupações irregulares que são a causa de sua destruição cotidiana. Combinando a observação participante em visitas aos parques ou em caminhadas por trilhas e outros locais conhecidos pelo uso recreativo e entrevistas individuais semi‑estruturadas, a adoção do probing foi fundamental na elaboração das perguntas. Devido ao baixo potencial de uso turístico, seja por seu difícil reconhecimento, seja pela degradação ambiental, optei por focar no lazer e não no turismo nas entrevistas. E também entrevistei o responsável pela agência de turismo do governo na época, e todos os arqueólogos e arqueólogas que coordenaram pesquisas na área até então12. Enquanto moradores do entorno e outros gestores admitiam e até recomendavam aproveitamento arqueoturístico, profissionais de turismo e de arqueologia deram depoimentos contrários à tais iniciativas. Em contraste, os interlocutores mais entusiasmados com o desenvolvimento de lazer e turismo do vale foram os que admitiam nunca optar por este tipo de atividade em seus momentos de ócio, e alguns sequer conheciam o local. As visitas aos parques e aos locais de lazer próximos aos sítios arqueológicos confirmaram falta de sinalização, de segurança, e um profundo descaso ambiental pela manutenção destes ambientes, que inviabiliza seu uso e desconstrói a propaganda em prol de sua adequação. Houve até uma tentativa de restituição das coleções para a criação de um museu arqueológico na sede de um destes parques, o que poderia impulsionar a visitação e a divulgação deste passado longínquo, mas a proposta nunca vingou por falta de interesse político (Godoy & Santos, 2017). Nesta região, 30 quilômetros distante da Brasília modernista, patrimônio da UNESCO, percebi novamente o turismo como ferramenta discursiva potente que justifica todos os meios em prol de um fim comum, coletivo e sustentável, e que ainda serve como forma de divulgação desses passados tão distantes e tão presentes no imaginário daqueles que de alguma forma estabeleceram vínculos com ele. Percebi novamente uma disparidade imensa entre discursos e práticas. Os estudos de caso de Brasília e de Joanes, o sítio missionário na Amazônia, foram contrastados em artigo de minha autoria publicado em 2015. Apesar de exemplos tão diferentes consegui identificar uma semelhança fundamental entre os dois: o uso turístico (no caso de Joanes) ou seu potencial turístico (no caso de Brasília) atuando positivamente como gerador de capital simbólico, que impulsiona processos de apego territoriais e autoestima de grupos locais (Godoy, 2015). Nos dois casos a presença do turismo enquanto estratégia discursiva e sua desarticulação na prática só puderam ser legitimamente identificadas através da estratégia de probing combinada a observação participante, ora completa ora convencional. Em Joanes e em Brasília, dois exemplos que pude acompanhar de perto, notei que o discurso do desenvolvimento turístico é mais forte e mais útil do que sua implementação. 5. Considerações finais: o antropólogo turista ou o turista antropólogo? Seja na cidade colonial que parou no tempo, seja nos sítios líticos paleoíndios, a força do turismo esteve e está presente nos argumentos que alocam uma função para nossos patrimônios culturais, neste caso nos bens arqueológicos. Em todos os lugares do Brasil que tive a oportunidade de trabalhar, em escalas diferenciadas, percebi que em se tratando de bem cultural não basta proteger, preservar e divulgar. É preciso justificar a sua existência, é preciso deixar claro para que serve este patrimônio. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1199 O turismo entra como justificativa, como solução, e certamente como um grande incentivador para a construção de uma ressonância (Gonçalves, 2005) que nem sempre é orgânica. O turismo como mero instrumento massificado de lazer tem sido frequentemente questionado nas ciências sociais, pois de certa forma traduz o ambiente artificial ocidental que se intensificou no final do século XX. No entanto, é a busca pelo “autêntico” que vem transformando tais padrões de consumo atualmente, causando uma notória diversificação da oferta turística, visto que cada vez mais o consu‑midor busca experiências que fogem de rotinas cotidianas do mundo globalizado. Na Antropologia, este debate chega a causar um certo desconforto, na medida em que o antropólogo e o turista eventualmente almejam um mesmo fim : o deslocamento e o encontro com o outro. De fato, até bem pouco tempo perdurava a crítica de que o turismo era invisível para os antropólogos de maneira geral, apesar do óbvio e recorrente contato entre comunidades e turistas, que notoriamente causa diferentes tipos de interações sociais e que definitivamente merece ser investigada (Nuňes, 1989). E foi apenas na década de 1960 que, pela primeira vez, antropólogos motivados pela preocupação da “intromissão dos turistas em suas situações de campo” começaram a documentar tais conflitos como um subproduto de suas pesquisas (Graburn, 2009:16‑17). Atualmente, a Antropologia do Turismo é um tema que tem sido explorado com base em um amplo espectro de temas que não se resumem ao impactos econômicos e culturais gerados por ele. Apesar da recente preferência por paradigmas mais interpretativos que político‑econômicos, efetivamente não “há uma perspectiva teórica única que amarre a pesquisa antropológica sobre turismo (Graburn, 2009:13).” A proposta de discussão metodológica deste texto surgiu em parceria com minha orientanda de doutorado Camila Moura Alcântara, que aplicou o método durante um roteiro museal promovido pela comunidade urbana13, com a qual ela trabalha em sua tese de doutorado. Assim como nos exemplos anteriores, o método adotado consistiu na observação participante como uma abordagem de análise menos ampla a partir da experiência do pesquisador quando observa e participa do evento (Dewalt & Dewalt, 1998:259). A experiência dela reforçou a hipótese de confiabilidade na coleta de dados, pois através de sua participação como integrante de um grupo durante visita ao roteiro que ela já conhecia foi possível identificá‑lo enquanto “meio de aprendizagem explícito de todos os aspectos envolvidos no ato de apresentar e conduzir o visitante. Assim a pesquisadora pode perceber elementos materiais e paisagísticos que foram selecionados pelos condutores como relevantes ao longo do roteiro que poderiam se diferenciar dos mesmos elementos presentes na construção do museu comunitário, seu objeto de pesquisa há alguns anos (Alcântara & Godoy, 2017:86).” Tenho argumentado ao longo deste texto que não é apenas a observação participante que defendo como estratégia metodológica. Este método não é um domínio exclusivo da antropologia, e nem é uma novidade em pesquisas sobre turismo. Em literatura especializada é possível identificá‑la como ideal para estudo de pessoas, tal como aponta Dencker (1998:128): “Pesquisa realizada mediante a integração do pesquisador, que assume uma função no grupo a ser pesquisado, mas sem obedecer a uma proposta predeterminada de ação. O objetivo é obter conhecimento mais profundo do grupo. O grupo pesquisado tem conhecimento da finalidade, dos objetivos da pesquisa e da identidade do pesquisador.” A proposta metodológica que sugiro se trata, em primeiro momento, a identidade do pesquisador incógnita, admitindo que há implicações éticas nesta escolha. Uma pesquisa que foi iniciada com a mesma abordagem, de autoria da antropóloga Andréa Moraes Alves (2003), buscava compreender relações de gênero e de grupos etários em bailes no Rio de Janeiro, Brasil. Mesmo fora do perfil do grupo pesquisado, a autora foi acolhida pelas senhoras no papel de novata, e assim foi introduzida nos meandros do seu objeto de pesquisa. Com o tempo e com o envolvimento crescente da pesqui‑sadora com seus interlocutores foi inevitável se revelar, e a autora inclusive afirma que muitas portas foram abertas depois que sua função estava clara para todos os envolvidos. Neste exemplo, a observação participante assumiu duas estratégias, com resultados diferentes e igualmente úteis ao trabalho antropológico: a do ‘participante completo’ e a do ‘participante observador’, sendo a última aquela mais comum em pesquisas etnográficas (Bernard, 2002). Defendi que pesquisas de antropologia do turismo, quando envolvem arqueologia em um país em desenvolvimento e carente de oportunidade de renda como o Brasil, técnicas de probing e do ‘participante completo’ quando o PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1200 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática antropólogo assume o papel do turista e não revela sua intenção aos interlocutores, se mostraram eficazes na coleta de dados por diminuírem a influência do pesquisador na ação a ser analisada. Atualmente, desenvolvo uma pesquisa que se ocupa de compreender o turismo arqueológico como um fato social total, que interfere tanto no ethos das instituições quanto no modo em que os públicos acessam e se apropriam do passado (Godoy, 2017a). Meus objetos de pesquisa localizam‑se na região metropolitana de Belém, capital do estado do Pará, Norte do Brasil. Uma das estratégias de investigação visa uma pesquisa etnográfica com os artesãos que atualmente se apropriam da informação arqueológica em sua produção, e em segundo momento a análise do impacto econômico que este mercado tem gerado. Entendo que pesquisar o funcionamento do turismo é uma maneira de compreender a função social da arqueologia na atualidade, e de compreender outros sentidos deste patrimônio. “O turismo então é hoje muito mais do que uma atividade econômica, é sim um fenômeno social, característico da sociedade industrial moderna, que está presente na vida de todos os que participam dela, mesmo nas diferenças de classes, grupos, etnias, nações (Figueiredo, 1999: 51).” A arqueologia amazônica faz parte do cotidiano da cidade de Belém, característica rara em nível urbano no Brasil. Nota‑se a arqueologia nesta cidade pela presença de sítios arqueológicos evidenciados em obras interventivas e adaptados para uso turístico. Ou ainda pela presença de exposições temáticas em vários museus. E mais ainda pela popularização de réplicas cerâmicas Figura 6: Tipologia de souvenires (imas de geladeira) com inspiração arqueológica à venda em pontos turísticos de Belém Fonte: autora em 2018. À direita com decoração inspirada em motivos rupestres, à esquerda em réplica de muiraquitã (artefato arqueológico amazônico em formato de sapo e outros répteis, originalmente esculpido em pedra e de procedência indígena pré‑colonial). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1201 e outros tipos de souvenires com inspiração arqueológica (Figura 6) à venda em diversos pontos comerciais da cidade. Ao iniciarmos a pesquisa de campo, as discentes responsáveis pelo trabalho foram impedidas de fotografar os objetos cerâmicos à venda, reproduzidos a partir de réplicas arqueológicas, em ponto turístico consagrado na cidade e onde também há uma exposição museológica com artefatos arqueológicos. Ao serem questionadas e afirmarem sua atividade de pesquisa foram aconselhadas a pedir uma autorização formal para o registro fotográfico, enquanto observavam outras pessoas fazendo o registro sem que nenhuma fosse questionada. Tratava‑se de turistas, de visitantes, de potenciais compradores, que por sua função econômica provavelmente não intimidavam a instituição. Eu mesma estive lá fotografando em diversas ocasiões, sem nunca ter sido questionada (Figura 7). O pedido de autorização formal foi realizado três vezes ao longo de cinco meses, e nunca sequer obtivemos resposta. Figura 7: Comercialização de réplicas e cerâmicas com inspiração arqueológica na cidade de Belém Fonte: à direita, foto de Joyce Barroso, em janeiro de 2017; à esquerda, foto da autora em 2018. À esquerda, um dos locais onde ocorre comercialização de réplicas e cerâmicas com inspiração arqueológica na cidade de Belém. À direita, réplica adquirida para fins de pesquisa do mesmo centro comercial. O impedimento de registro poderia demonstrar que a instituição comercial sente‑se ameaçada pela pesquisa acadêmica. Numa perspectiva mais otimista, poderia até simbolizar uma distância entre as instituições. Em contrapartida, enquanto consumidora observei a ausência de dados sobre a origem das réplicas. Tais considerações significam, em si, um campo de investigação a ser explorado por pesquisas com viés de Antropologia do Turismo, que ultrapassam a categorização do objeto desta pesquisa. Neste caso, e nos exemplos anteriores, enquanto observadora participante completa, pude alcançar dados inéditos estando incógnita. No andamento da pesquisa atual, porém, reconheço um limite ético claro que me obriga a mudar a abordagem da investigação. São situações imprevisíveis da pesquisa de campo; se por um lado prejudicaram seu planejamento inicial, também fomentaram reflexões importantes a respeito dos silenciamentos e dos distanciamentos entre instituições. Em todos os exemplos citados ao longo do texto percebi que a mera presença do pesquisador implica no potencial de provocar alterações no comportamento dos interlocutores, destruindo a espontaneidade dos mesmos e produzindo resultados menos adequados. No último caso, talvez pela falta de experiência e clareza na aplicação da observação participante como o ‘participante completo’, tal como descrito por Bernard (2002), as discentes foram impedidas de realizar seu trabalho. Optamos por focar o registro na PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1202 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática descrição etnográfica, mas a alternativa não diminui a certeza de que o antropólogo no papel do turista abre portas que vão muito além da legitimidade dos dados coletados. 6. Agradecimentos Este texto foi (em partes) apresentado no Grupo de Trabalho Teoría y metodologia de la inves‑tigación social aplicada al turismo, no II Congresso Internacional de Sociología y Antropología del Turismo, Alicante/Espanha, em março de 2018. Agradeço imensamente a oportunidade de participar deste evento, aos organizadores do congresso e aos organizadores do Grupo de Trabalho, Antonio Miguel Nogués e Raúl Travé muito obrigada! A Camila de Moura Alcântara, minha orientanda de doutorado e parceira nesta comunicação, obrigada pelo interesse e pela disposição em dialogar comigo sobre um tema tão precioso para a antropologia, Agradeço pelos fomentos que recebi nos últimos anos, sem eles teria sido muito limitada a perspectiva de observação participante com‑pleta. Assim, agradeço ao CNPq que financiou integralmente meu doutorado no exterior (GDE), e posteriormente o pós‑doutorado (Pós‑doutorado Júnior‑PDJ) que assegurou a minha trajetória pela Antropologia do Turismo de maneira mais aprofundada. Agradeço também à CAPES pela oportunidade de expandir tal pesquisa através do Programa Nacional de Pós‑doutorado Institucional (PNPD). Agradeço à minha equipe, em especial às integrantes que contribuíram para a pesquisa em andamento apresentada: Joyce Barroso, Amanda Carneiro, Lílian Souza, Edith do Nascimento e Sabrina Costa. Este trabalho é um resultado do Grupo de Pesquisa em Antropologia do Turismo na Amazônia (GATA), do qual sou líder. Bibliografia Alcântara, C. M., & Godoy, R. d. 2017. Os Museus Emanados da Periferia e suas Perspectivas para o Turismo Cultural: uma proposta da Amazônia urbana brasileira. O Ideário Patrimonial (8), 73‑91. Alfonso, L. P., & Py‑Daniel, A. R. 2013. Uma viagem pelo rio Tapajós: narrativas do presente sobre o passado na região de Santarém. Ciência e Cultura, 65(2), 42‑44. Alves, A. M. 2003. Fazendo antropologia no baile: uma discussão sobre observação participante. In G. Velho & K. Kuschnir (Eds.). Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico (pp. 174‑189). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Barreto, C. 2000. A construção de um passado pré‑colonial: uma breve história da arqueologia no Brasil. Revista USP, 44, 32‑51. Bawaya, M. 2006. Archaeotourism. In K. D. Vitelli & C. Colwell‑Chanthaphonh (Eds.), Archaeological Ethics (pp. 158‑164). Walnut Creek: AltaMira Press. Bernard, H. R. 2002. Research methods in anthropology: qualitative and quantitative approaches (3rd edition Ed.). Walnut Creek: Altamira Press. Bezerra, M. 2002. O Australopiteco corcunda: as crianças e a Arqueologia em um projeto de Arqueologia pública na escola. : USP. (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo: São Paulo. Brenner, E. L. 2005. 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Habitus, 2(1), 73‑92. Godoy, R. d. 2012. Public Archaeology and Heritage Value(S): learning from urban environments in Central Brazil. (PH.D.). University of Florida. Gainesville. Godoy, R. d. 2015. Arqueoturismo no cerrado e na Amazônia: dois pedaços de um mesmo pote. Revista de Arqueologia Pública, 9(2), 87‑107. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1203 Godoy, R. d. 2017a. Por uma Arqueologia no Contemporâneo: refletindo sobre (re)apropriações e (re) significações de bens culturais em comunidades na Amazônia. Projeto de Pesquisa. Programa de Pós‑Graduação em Antropologia/Universidade Federal do Pará (PPGA/UFPA). Belém. Godoy, R. d. 2017b. Relatório Final das Atividades de Estágio Pós‑Doutoral. Projeto: O Público e a Arqueologia: uma reflexão sobre os efeitos do turismo em sítios amazônicos. Material impresso. Godoy, R. d., & Santos, E. C. B. d. 2017. Restituição de Acervos Arqueológicos: novas soluções ou antigos problemas? Revista de Arqueologia Pública, 11(2), 98‑113. Gonçalves, J. R. S. 2005. Ressonância, materialidade e subjetividade: as culturas como patrimônios. Horizontes Antropológicos, 11(23), 15‑36. Graburn, N. 2009. Antropologia ou antropologias to turismo? In N. Graburn, M. Barretto, C. A. Steil, R. d. A. Grünewald, & R. J. d. Santos (Eds.). Turismo e antropologia: Novas abordagens (pp. 13‑52). São Paulo: Papirus Editora. Hamilakis, Y., & Anagnostopoulos, A. 200). What is Archaeological Ethnography? Public Archaeology: archaeological ethnographies, 8(2‑3), 65‑87. Hewison, R., & Holden, J. 2006. Public value as a framework for analysing the value of heritage: the ideas. Paper presented at the Capturing the Public Value of Heritage, London. Klink, C. A., & Machado, R. B. 2005. Conservation of the Brazilian Cerrado. Conservation Biology, 19(3), 707‑713. Lima, H. P., Moraes, B. M., & Parente, M. T. 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Retrieved from: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world‑heritage/ list‑of‑world‑heritage‑in‑brazil/ Notas 1 Neologismo adaptado da palavra inglesa commodification, que significa processo de transformar em mercadoria. 2 United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), ou em português Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 3 Sítios pré‑coloniais caracterizados por gigantescas estruturas de terra geométricas escavadas e/ou construídas por grupos indígenas há milênios. 4 Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Pós‑Doutorado Júnior (PDJ). 5 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Programa Nacional de Pós‑Doutorado (PNPD). 6 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). 7 Sítio arqueológico que apresenta diferentes ocupações superpostas, neste caso ocupação indígena pré‑colonial e ocupação do período colonial. 8 Me destoava do grupo pois estava sozinha, gestante, possuía carro próprio e não aceitei a sugestão do funcionário da pousada quando este afirmava ser “mais fácil eu ir sozinha” ao local. Ainda assim me dispus a pagar pela visita, na época com custo de R$ 50, aproximadamente 12 Euros. 9 Visitei a loja em duas ocasiões em 2014. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1204 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática 10 Local registrado por arqueólogos indicativo de fabricação de ferramentas produzidas à partir do lascamento de pedra bruta. No caso citado são sítios especializados, onde se constatou todo o processo de fabricação de instrumentos do tipo plano‑convexos (conhecidos no Brasil por seu formato alongado como ‘lesmas”) desde sua retirada, confecção, uso e descarte. 11 A capital federal do Brasil, transferida da cidade do Rio de Janeiro na década de 1960 e criada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, representava um símbolo do desenvolvimento do Brasil na época. É também celebrada como um museu à céu aberto e ícone do movimento modernista no mundo. 12 A coleta de dados foi feita em 2008. 13 Bairro da Terra Firme, periferia da cidade de Belém, PA. Recibido: 25/03/2018 Reenviado: 03/04/2019 Aceptado: 06/04/2019 Sometido a evaluación por pares anónimos
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Calificación | |
Título y subtítulo | O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil : da retórica à prática |
Autor principal | Godoy, Renata de |
Entidad | Universidad de La Laguna. Instituto de Ciencias Políticas y Sociales |
Publicación fuente | Pasos: Revista de Turismo y Patrimonio Cultural |
Numeración | Volumen 17. Número 06 |
Sección | Artículos |
Tipo de documento | Artículo |
Lugar de publicación | El Sauzal, Tenerife |
Editorial | Universidad de La Laguna |
Fecha | Diciembre 2019 |
Páginas | pp. 1191-1204 |
Materias | Turismo ; Patrimonio cultural ; Publicaciones periódicas ; Turismo arqueológico ; Antropología del turismo ; Observación participante ; Réplica arqueológica ; Amazonia (Brasil) |
Enlaces relacionados | Enlace a la revista: http://www.pasosonline.org/es/ |
Notas | Special issue |
Copyright | http://biblioteca.ulpgc.es/avisomdc |
Formato digital | |
Tamaño de archivo | 1269756 Bytes |
Texto | © PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121 Vol. 17 N.o 6. Special Issue. Págs. 1191-1204. 2019 ht tps: / /doi .org/10.25145/ j .pasos.2019.17.082 www .pasosonline.org Resumo: O objetivo deste texto é apresentar a observação participante como metodologia eficaz para coleta de dados etnográficos em pesquisas sobre turismo e antropologia. Com uma abordagem da antropologia de quatro campos, que se enquadra na chamada Arqueologia Etnográfica, os exemplos se referem ao Arqueoturismo no Brasil, e em conclusão propõe uma reflexão sobre o tema para exemplos de reapropriação e consumo de patrimônios arqueológicos da região amazônica, o que inclui a produção de réplicas. O método foi empregado enquanto observação participante completa, quando o pesquisador coleta dados incógnito, assumindo o lugar do turista. Argumento que a observação participante completa em patrimônios arqueológicos com uso turístico tem se mostrado um método eficiente na medida em que possibilita o contraste entre o discurso, que inclui informações divulgadas pela mídia ou opinião de entrevistados e gestores, e a prática vivenciada enquanto visitante. Na mesma medida, a influência do pesquisador é minimizada nos resultados, propiciando a compreensão fidedigna do fenômeno. Palavras‑chave: Arqueoturismo; Antropologia do Turismo; Observação participante; Réplica arqueológica; Amazônia; Brasil. The ‘tourist anthropologist’ and archeology in Brazil: from rhetoric to practice Abstract: The goal of this article is to present participant observation as an efficient methodology for collecting ethnographic data in research on tourism and anthropology. Using a four‑field anthropology approach, based on Ethnographic Archeology, the examples refer to Archaeoturism in Brazil, as a final discussion proposing a reflection about examples of re‑appropriation and consumption of Amazonia archaeological heritage, which includes the production of replicas. The method was employed while complete participant observation, when the researcher collects data incognito, taking the place of the tourist. I argue that this specific method at archaeological heritages with tourism use has proven to be efficient while allowing contrast between discourses, which includes media information or opinion of interviewees and managers, and applied experience as a visitor. Whilst, possible influences of the researcher’s presence are minimized in the results, providing a more reliable understanding of the phenomenon. Keywords: Archaeotourism; Anthropology of Tourism; Participant observation; Archaeological replica; Amazônia; Brazil. O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática Renata de Godoy* Universidade Federal do Pará (Brasil) Renata de Godoy * Universidade Federal do Pará, Brasil; E‑mail: godoy@ufpa.br 1. Introdução Neste artigo apresento exemplos utilizando a observação participante completa como metodologia importante em estudos etnográficos no campo da Antropologia do Turismo. Com uma abordagem da antropologia de quatro campos, que se enquadra na chamada Arqueologia Etnográfica (Hamilakis & Anagnostopoulos, 2009), alguns estudos de caso referentes ao aproveitamento turístico de sítios e coleções arqueológicos no Brasil são apresentados como suporte para construção e aplicação de uma metodologia para coleta de dados primários que implica em escolhas conscientes do pesquisador. Argumento que a experiência de observação participante incita a reflexão sobre a prática de campo para antropólogos PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1192 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática interessados pelas dinâmicas do turismo, e se apresenta como uma estratégia talvez menos tendenciosa de coleta de dados primários. Ao longo do texto são apresentadas pesquisas diversas envolvendo a observação participante como estratégia em pesquisas no Brasil, relatando resultados satisfatórios por minimizarem a influência do antropólogo nos resultados. As experiências se referem ao Turismo Arqueológico, ou Arqueoturismo, voltado para patrimônios antigos e recentes, que variam ainda em relação ao atual uso turístico. Apesar de o senso comum relacionar a observação participante como sinônimo de etnografia, nos exemplos apresentados ao longo do texto este método foi empregado como uma das estratégias selecionadas para aplicar Procedimentos de Investigação Etnográfica Rápida (Low, Taplin, & Scheld, 2005), que permite uma coleta de dados rápida e confiável em diferentes fontes, tornando a pesquisa menos tendenciosa e mais abrangente. Normalmente vinculada a pelo menos mais dois tipos de dados diferentes, tais como pesquisa bibliográfica e entrevistas, a observação participante em sítios com uso turístico tem se mostrado bastante relevante, pois possibilita o contraste entre o discurso, que inclui informações divulgadas pela mídia ou opinião de entrevistados e gestores, e a prática vivenciada enquanto visitante. O Turismo Arqueológico, também chamado de Arqueoturismo, é parte de um conceito bem mais amplo. Vinculado ao chamado Turismo Cultural, definido por alguns autores como um segmento dessa disciplina em crescimento que visa atrair pessoas interessadas em visitar destinações culturais e que inclui uma variedade de atrações, desde apresentações artísticas à festivais de cultura tradicional, de sítios à monumentos, locais especiais que têm como característica comum a presença de bens culturais materiais e/ou imateriais que funcionam como atrativos turísticos (McKercher & Cross, 2002). Ao serem valorizados como objetos passíveis de aproveitamento turístico, paisagens e coleções arqueológicas devem ser analisados como parte de um fenômeno muito mais amplo comodifica1 patrimônios culturais, sejam estes tangíveis ou não. Em uma perspectiva mais crítica também pode ser compreendido como um fenômeno de espetacularização, exagero e artificialização, gerando formas atípicas de convivência (Brenner, 2005:363). Como Arqueoturismo, compreende‑se o ato de visitar e consumir um passado socialmente construído, que inclui desde como estão dispostas as coleções abertas ao público, da venda de vestígios ou réplicas, ou da adaptação de sítios à visitação. No Brasil, assim como em outras partes do mundo, a venda de material arqueológica é proibida por lei. Infelizmente tal proibição não é suficiente para coibir a prática. 2. Apresentando o tema e seu ambiente de pesquisa Pode parecer estranho que o Arqueoturismo seja uma preocupação de pesquisa no Brasil. Até para os brasileiros soa extravagante visto que Arqueologia é algo que aprendemos estar muito remota, estando os exemplares mais próximos e reconhecidos pelo grande público depois da cordilheira dos Andes na América do Sul, ou em outras partes longínquas do mundo. Ao contrário de muitas nações modernas, no Brasil a manipulação do passado para a construção de uma identidade nacional não foi tão agressiva (Barreto, 2000). Há ainda uma carência absoluta de ensino relacionado à Pré‑história (Bezerra, 2002), ou sobre a importância da contribuição histórica de povos colonizados nos currículos escolares. Além disso, o exotismo ou o passado glorioso que se esperam destes patrimônios acabam frustrando as expectativas do público. Entretanto, apesar de invisibilizado, o patrimônio arqueológico brasileiro é tão significativo como qualquer outro, e apresenta potencial para uso turístico mesmo carregando o estigma da falta de monumentalidade. Ao longo do texto selecionei ilustrar exemplos de três regiões no Brasil: patrimônios da UNESCO2 no Sudeste e no Centro‑Oeste, e dois exemplos diversificados de Arqueoturismo na Amazônia, região Norte (Figura 1). Naturalmente sítios com grande visibilidade atraem mais a atenção de pesquisadores, gestores e do público. No Brasil, existem três complexos arqueológicos na lista de Patrimônio Mundial da UNESCO (UNESCO, 2017): o complexo sul‑americano de cinco Missões Jesuíticas Guarani dos séculos XVII e XVIII, com as Ruínas de São Miguel das Missões no extremo sul do país (estado do Rio Grande do Sul), inscrito em 1983; o Parque Nacional Serra da Capivara com seu conjunto de abrigos rupestres com datações de pelo menos 25 mil anos, no nordeste do país (estado do Piauí), inscrito em 1991; e o Cais do Valongo, inscrito em 2017, e localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro (Figura 2), sudeste do Brasil, que representa um evento traumático relacionado à escravidão africana e ao tráfico humano. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1193 Figura 1: Regiões Centro‑Oeste (vermelho), Sudeste (azul claro) e Norte (azul) Fonte: Google Maps, adaptado pela autora. Figura 2: Cais do Valongo, zona portuária da cidade do Rio de Janeiro/RJ, Brasil Fonte: autora, em 2018. E outros com inegável potencial turístico e que, pelo mesmo motivo, costumam receber mais atenção de arqueólogos e turismólogos, apesar de não terem sido reconhecidos enquanto patrimônios mundiais. Exemplos com grande potencial encontram‑se na região norte do país, na Amazônia, tais como o complexo rupestre do Parque Estadual Monte Alegre no estado do Pará em pleno uso turístico (Pereira, 2012); ou sítios que têm recebido atenção especial de gestores para exploração turística como os Geoglifos3 no estado do Acre (Schaan, Beltrão, Brito, Pacheco, & Barros, 2011) e o sítio Megalítico Rego Grande no estado do Amapá (Saldanha & Cabral, 2012), citando aqui apenas alguns exemplos icônicos. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1194 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática A vasta maioria dos sítios arqueológicos no Brasil, no entanto, não apresenta um potencial imediato para exploração turística. Fato que não necessariamente exclui tal possibilidade, talvez em uma perspectiva muito mais benéfica quando decorrente da parceria entre arqueólogos e coletivos locais para sítios ditos ‘menores’ e com fins de preservação, divulgação e até visando sua sustentabilidade, como sugere Jennifer Mathews (Castañeda & Mathews, 2013). Importante salientar que aqui o turismo arqueológico não apenas se relaciona à visitação de sítios, mas com todas as atividades cuja principal atração é o remanescente arqueológico (Bawaya, 2006; Manzato, 2005), e que direta ou indiretamente se apropriam deste patrimônio na cadeia turística. Na Amazônia brasileira, a convivência entre populações vivas e o patrimônio arqueológico é cotidiana, talvez um dos poucos lugares em que ainda é possível perceber tal interação com tamanha intimidade. E muitos têm sido os exemplos relatados na literatura sobre formas de impacto geradas pelo uso turístico da arqueologia na região. Lima, Moraes e Parente (2013) relatam sobre o intenso tráfico de material arqueológico que ocorria em Parintins, no estado do Amazonas, em função da abundância de vestígios e da presença de transatlânticos abarrotados de turistas estrangeiros interessados em adquiri‑los como souvenires. Também se encontra publicação sobre turismo arqueológico na Amazônia urbanizada, no caso, Santarém, no oeste do estado do Pará. Alfonso e Py‑Daniel (2013:42) afirmam que “embora os principais atrativos turísticos divulgados estejam relacionados ao patrimônio natural (praias, floresta nacional, reserva extrativista etc), os atrativos culturais vêm se fortalecendo”. Outro exemplo de turismo arqueológico muito presente na Amazônia é a produção e consumo da chamada cerâmica arqueológica, às vezes vendida como réplica, em geral acompanhada de um discurso de autenticidade que remete aos grupos pré‑coloniais com a ideia de continuidade da herança cultural. E inconsciente ou não, tais práticas agregam valor aos produtos. Segundo Schaan (2006:24): “ao produzir artesanato de inspiração arqueológica, o produtor/vendedor se vale da relação com o bem cultural resgatado do passado para agregar um valor cultural, simbólico ao seu objeto, o que vem a elevar seu valor como mercadoria.” O turismo arqueológico na região Amazônica brasileira tem sido meu objeto de investigação há cinco anos, quando realizei estágio pós‑doutoral financiada por duas agências de fomento no país (CNPq/PDJ4 e CAPES/PNPD5). A proposta era refletir sobre os impactos e benefícios gerados em virtude da implantação de turismo em sítios arqueológicos amazônicos, tanto em relação à preservação patrimonial quanto em relação aos coletivos locais. Sugeriu‑se que impactos e/ou benefícios gerados através do turismo formal ou informalmente inserido em sítios arqueológicos podem afetar tanto as comunidades anfitriãs quanto o próprio bem cultural. Tais pesquisas, sempre amparadas pela observação participante, demonstraram que ao gerenciar o potencial turístico de muitas ocorrências arqueológicas os atores (sejam eles institucionais ou leigos) se apropriam do bem cultural mas utilizam categorias diversas para denominá‑lo, tais como “ruína” para ocupações do período colonial, ou “indígena” para vestígios mais antigos (Godoy, 2017b). Nas Américas, o limite entre o que é arqueológico e o que não é ganha contornos ainda mais emblemáticos em virtude da colonização europeia e sua intensa valorização enquanto representações a serem celebradas de um passado que de fato é imbricado de violência e dominação. São os vestígios dos dominadores que nós exaltamos como testemunhos do passado, e que fomentam a identidade do que deveria ser autenticamente brasileiro. A agência reguladora no Brasil, o IPHAN6, e a própria legislação de proteção do patrimônio arqueológico brasileiro estabeleceram limites temporais que prejudicam a preservação do passado mais recente (Godoy, 2004), sendo que é dele a maior atividade relacionada ao turismo que ocorre no Brasil. Então não deveria ser tão preocupante buscar estabelecer neutralidade ao pesquisar o tema, a ponto de sugerir probing e invisibilidade do pesquisador como estratégias para obtenção de dados primários menos contaminados. Na prática, porém, o tema arqueologia e mais ainda turismo geram uma expec‑tativa que altera a resposta do público. E essa alteração pode ser negativa ou positiva. Russell Bernard indica a estratégia do probing em entrevistas como um mecanismo que visa estimular o respondente a produzir mais informação com o mínimo de interferência do pesquisador (Bernard, 2002). No caso da observação participante, identifico a mesma estratégia quando o pesquisador assume o papel de ‘participante completo’, definido também por Bernard (2002:327) como “se transformar em membro do grupo sem que os outros saibam sua finalidade de pesquisa”. Ou seja, sugiro que o antropólogo seja turista em pesquisas deste tema, pois é como visitante, como consumidor, que o pesquisador poderá obter com mínima interferência dados sobre o fenômeno, sem que sua introdução na área da pesquisa seja considerada antiética já que ele apenas observa e participa de atividades já em curso. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1195 3. O passado recente e o dilema da arqueologia Foi como turista, muito antes de me estabelecer como acadêmica, que percebi uma disparidade muito grande entre o discurso e a prática do turismo em cidades coloniais, especificamente em uma cidade que também está na lista do Patrimônio Mundial (inscrita em 2001), bem no centro do Brasil, chamada Cidade de Goiás. No início do século XXI, quando eu ainda ensaiava meus primeiros passos na pesquisa acadêmica, me deparei com uma situação que me parecia inusitada: o grande esforço institucional em torno do reconhecimento da antiga capital do estado de Goiás, no Brasil central, como um Patrimônio da Humanidade, e o quanto tal qualidade agregaria ao turismo local. Ao vasculhar a documentação do seu dossiê de candidatura me deparei com um discurso que não parecia se equiparar à realidade, do desenvolvimento da atividade turística naquele lugar que para mim, como filha da terra, nunca apresentou vocação para anfitrião de gente estranha. Trata‑se de uma cidade que historicamente é notória por expulsar seus desafetos e que se fecha até a atualidade para qualquer tipo de influência externa. Naquele verão fatídico, entre 2001 e 2002, acompanhei de perto o desespero para que se colocasse a casa em ordem logo após a enchente que devastou parte do centro histórico da cidade, popularmente conhecida como Goiás Velho. As crateras, em especial a maior delas que estava em frente ao museu da casa de Cora Coralina, um dos mais conhecidos cartões postais da cidade, precisavam desaparecer (Figura 3). O centro histórico com aprovação da UNESCO precisava voltar ao seu estágio de cenário para receber a horda de turistas que a cidade aguardava logo após o anúncio do Título, em dezembro de 2001. Era preciso tornar público e acessível ao mundo seu centro histórico, reconhecido por representar uma arquitetura de casarios simples, como o referido museu com sua arquitetura de terra e esquadrias verdes localizado às margens do rio Vermelho. Por sorte, existia uma equipe de arqueólogos que se prestou ao papel de tapar os buracos o mais depressa possível. Eles seriam fechados de qualquer maneira, em nome do bem maior, em nome do bem comum e da geração de renda proveniente da atividade turística esperada depois de sua nomeação. Até então não tinha percebido a força da retórica diante da prática em relação ao turismo em patrimônios culturais no Brasil. Figura 3: Trabalho de reconstrução e acompanhamento arqueológico Fonte: autora em 2002; autora em 2013. Após a enchente de 2001 (foto à esquerda) e atual movimento de pedestres e veículos no entorno da ponte sobre o rio Vermelho, entorno do Museu Casa de Cora Coralina (foto à direita). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1196 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática O mesmo discurso pude acompanhar novamente quando participei de um monitoramento arqueológico na Praça São Francisco, na cidade de São Cristóvão, no estado de Sergipe (nordeste brasileiro), que estava em processo de inscrição na lista da Unesco, em 2009. Alguns concordam que a presença de arqueólogos em meios urbanos é incômoda, atrasa e atrapalha o cotidiano da cidade. No entanto, as pessoas são capazes de relativizar o incômodo quando ela gera pelo bem coletivo carregado nas promessas de aumento da atividade turística, mais ainda quando tem potencial para gerar renda. Mesmo quando esse potencial perdure mais na esperança do que no dia‑a‑dia dos atores envolvidos. Na Amazônia colonial encontrei contrastes de um Brasil diferente dos outros. Comecei revistando um sítio arqueológico histórico icônico chamado Joanes, localizado no distrito homônimo do município de Salvaterra, no arquipélago do Marajó, Pará. O sítio em questão é classificado como multicomponencial7, com a presença marcante de estruturas arruinadas da antiga Igreja de Nossa Senhora do Rosário (Figura 4), século XVII, relacionada à ocupação missionária franciscana no arquipélago (Schaan & Marques, 2012). Ali é a praia do rio‑mar, com água salobra do estuário do rio Amazonas, a atração principal do lugar. O sítio arqueológico ocupa hoje a principal área pública da comunidade. Entretanto, enquanto fenômeno turístico, ele pouco participa da cadeia comercial, o que pode ser interpretado como algo positivo visto que o abuso de sítios arqueológicos para fins de lazer e turismo é sempre o maior argumento contra aproveitamentos e adequações. Na maior parte das observações que fiz em campo, ao longo de 2013 a 2015, a principal atividade turística registrada no entorno das ruínas se limitava à poucos turistas posando para fotos. Figura 4: Ruínas da antiga missão religiosa em Joanes (Salvaterra/PA) Fonte: autora em 2014. Enquanto investiguei sobre o Turismo Arqueológico em Joanes e suas implicações materiais e sociais tive a oportunidade de testar a metodologia que defendo ao longo deste trabalho. Visitei o sítio em diversas ocasiões, e concluí a coleta de dados quando me inseri num grupo organizado por uma pousada famosa na cidade para o passeio guiado à Vila de Joanes em julho de 2015, no período da alta temporada do verão amazônico. O passeio foi bastante útil para a pesquisa, em especial pela ausência de informações sobre o sítio arqueológico em si e pela ênfase dada a dados que atraem a atenção do visitante. Ali a arqueologia está vinculada apenas à Pré‑história, e o fato de existirem estruturas do período colonial arruinadas por si só é chamariz para visitantes, independente da sua caracterização. O guia, a princípio bastante desconfiado pois eu não me enquadrava no perfil dos demais visitantes8, até o final do passeio não mais se incomodava mais com a minha presença. Foi possível observá‑lo seguro de seu ofício, replicando informação que nunca se modificaram ao longo de décadas apesar de dados contraditórios divulgados por arqueólogos, em meados dos anos 2000. Nos municípios de Salvaterra e Soure, os mais turísticos da porção oriental do arquipélago do Marajó, um ateliê e loja de cerâmicas em Soure9 é muito mais beneficiada pela qualidade “arqueológica” que o próprio sítio missioneiro. Na loja, um dos donos se autoidentifica como descendente indígena de etnias que produziam as famosas cerâmicas marajoaras, e quando presente demonstra sua habilidade de ceramista ao vivo para visitantes. Ele e sua esposa são didáticos ao descreverem as peças que são confeccionadas PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1197 e vendidas na loja, com detalhes que envolvem os visitantes num enredo de minúcias sobre cada uma, remetendo às origens ancestrais e utilizando termos relacionados para tal. O fato de ter visitado a loja como turista e não como arqueóloga me propiciou observar a maneira com que seus donos se apropriam desta identidade, replicam um ideal de continuidade étnico‑histórica arriscado visto que os povos que produziam aquela cerâmica já estavam extintos antes da colonização europeia (Schaan, 2006). Enquanto turista, vivenciei uma experiência única, agradável, e consumi muitos produtos da loja. Enquanto arqueóloga questiono a propaganda de sua autenticidade. Como pesquisadora da antropologia do turismo relativizo a experiência do visitante, pautada pelo encanto de uma tradição inventada que culmina numa valorização da herança arqueológica que facilmente pode ultrapassar qualquer comprovação científica. Já no caso do sítio de Joanes, na visita guiada, o fato de ser arqueológico pouco interessa como informação. Talvez em referência às missões do sul do Brasil, ou à maciça ocupação colonial dos Jesuítas, na calha norte do rio Amazonas (Costa, 2017), a sua pretensa presença é muito mais importante que qualquer outro dado já levantado por arqueólogos. O que vende em Joanes é a estrutura da antiga igreja, a paisagem onde ela está inserida, e não os dados históricos e arqueológicos do sítio. 4. O passado distante e a relação com o público A relação do visitante com culturas materiais obviamente transformadas pela ação humana é mais simples de ser construída. Com ou sem apelo estético, o objeto ou a paisagem é compreensível ao visitante. Mas quando tratamos de vestígios muito recuados no tempo esta relação precisa ser literalmente construída. Novamente retornando ao Brasil central, desta vez no Distrito Federal, iniciei minha pesquisa de doutorado esperando encontrar uma resposta mais política para tal fenômeno (Godoy, 2012). Ali foi criada, há menos de 70 anos, a capital federal Brasília, símbolo estatal do Brasil Moderno e em franco desenvolvimento. Formada por migrantes de todas as partes do Brasil, e também daqueles que foram para trabalhar construção da cidade, Brasília representa um contraste temporal de ocupações humanas que faziam minha investigação ainda mais instigante. O patrimônio arqueológico em questão era constituído por um complexo de, pelo menos, três sítios do tipo oficina lítica10 a céu aberto que datam do final do Pleistoceno e início do Holoceno (variando entre 12 e 8 mil anos antes do presente), representando os vestígios humanos mais antigos da região. Ao contrário de Joanes, em Brasília os dados científicos sobre os sítios fomentam um discurso público apaixonado para sua proteção, qualidade que ultrapassou qualquer justificativa política, ambiental ou econômica das ações públicas por sua proteção. Apesar da expressiva antiguidade e, por conseguinte, inegável significância pública, a visibilidade e potencial turísticos deste complexo de sítios é questionável (Figura 5). Figura 5: Afloramento rochoso de quartzito com vestígios de lascamento paleoíndio e instrumento lítico lascado do tipo plano‑convexo resgatado do complexo arqueológico Fonte: autora em 2008; autora em 2015, artefato arqueológico do acervo do Instituto Goiano de Pré‑História e Antropologia (IGPA, PUC‑GO). Sítio Bela Vista (ao fundo, cidade‑satélite Samambaia). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1198 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática Dentre tantas estratégias para compreender ações impetradas por atores e coletivos locais em prol da preservação destes patrimônios, me baseei na perspectiva da equidade de influência entre valores intrínsecos e extrínsecos (Hewison & Holden, 2006), utilizando o turismo como hipótese para o uso econômico destes bens culturais. O Plano Piloto11 de Brasília, como é conhecido o local que abriga a única cidade do século XX reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO (inscrito em 1987), atrai turistas do mundo todo em busca de seus atributos modernistas, e por si só se constitui na atração principal para qualquer visitante. No entanto, o turista em busca do moderno e do original se depara com outros atrativos na região. Implantada no bioma Cerrado. Considerado como um dos hotspots de diversidade ecológica mundiais (Klink & Machado, 2005), Brasília tem hoje em desenvolvimento de roteiros de visitação variados e que incluem Ecoturismo. O complexo arqueológico em questão, com altíssima relevância científica, pois contribui para discussões acerca do povoamento das Américas, é composto por afloramentos de quartzito dispersos em um vale profundo. Com pouca ou nenhuma visibilidade, as coleções arqueológicas provenientes destes sítios encontram‑se atualmente salvaguardadas fora do Distrito Federal, compostas por instrumentos líticos e outros materiais de pedra provenientes de sua confecção. Já o vale onde se localiza o complexo arqueológico é uma espécie de reserva ambiental, onde existem parques para lazer local em estado precário de manutenção e cercados por cidades densamente povoadas e por ocupações irregulares que são a causa de sua destruição cotidiana. Combinando a observação participante em visitas aos parques ou em caminhadas por trilhas e outros locais conhecidos pelo uso recreativo e entrevistas individuais semi‑estruturadas, a adoção do probing foi fundamental na elaboração das perguntas. Devido ao baixo potencial de uso turístico, seja por seu difícil reconhecimento, seja pela degradação ambiental, optei por focar no lazer e não no turismo nas entrevistas. E também entrevistei o responsável pela agência de turismo do governo na época, e todos os arqueólogos e arqueólogas que coordenaram pesquisas na área até então12. Enquanto moradores do entorno e outros gestores admitiam e até recomendavam aproveitamento arqueoturístico, profissionais de turismo e de arqueologia deram depoimentos contrários à tais iniciativas. Em contraste, os interlocutores mais entusiasmados com o desenvolvimento de lazer e turismo do vale foram os que admitiam nunca optar por este tipo de atividade em seus momentos de ócio, e alguns sequer conheciam o local. As visitas aos parques e aos locais de lazer próximos aos sítios arqueológicos confirmaram falta de sinalização, de segurança, e um profundo descaso ambiental pela manutenção destes ambientes, que inviabiliza seu uso e desconstrói a propaganda em prol de sua adequação. Houve até uma tentativa de restituição das coleções para a criação de um museu arqueológico na sede de um destes parques, o que poderia impulsionar a visitação e a divulgação deste passado longínquo, mas a proposta nunca vingou por falta de interesse político (Godoy & Santos, 2017). Nesta região, 30 quilômetros distante da Brasília modernista, patrimônio da UNESCO, percebi novamente o turismo como ferramenta discursiva potente que justifica todos os meios em prol de um fim comum, coletivo e sustentável, e que ainda serve como forma de divulgação desses passados tão distantes e tão presentes no imaginário daqueles que de alguma forma estabeleceram vínculos com ele. Percebi novamente uma disparidade imensa entre discursos e práticas. Os estudos de caso de Brasília e de Joanes, o sítio missionário na Amazônia, foram contrastados em artigo de minha autoria publicado em 2015. Apesar de exemplos tão diferentes consegui identificar uma semelhança fundamental entre os dois: o uso turístico (no caso de Joanes) ou seu potencial turístico (no caso de Brasília) atuando positivamente como gerador de capital simbólico, que impulsiona processos de apego territoriais e autoestima de grupos locais (Godoy, 2015). Nos dois casos a presença do turismo enquanto estratégia discursiva e sua desarticulação na prática só puderam ser legitimamente identificadas através da estratégia de probing combinada a observação participante, ora completa ora convencional. Em Joanes e em Brasília, dois exemplos que pude acompanhar de perto, notei que o discurso do desenvolvimento turístico é mais forte e mais útil do que sua implementação. 5. Considerações finais: o antropólogo turista ou o turista antropólogo? Seja na cidade colonial que parou no tempo, seja nos sítios líticos paleoíndios, a força do turismo esteve e está presente nos argumentos que alocam uma função para nossos patrimônios culturais, neste caso nos bens arqueológicos. Em todos os lugares do Brasil que tive a oportunidade de trabalhar, em escalas diferenciadas, percebi que em se tratando de bem cultural não basta proteger, preservar e divulgar. É preciso justificar a sua existência, é preciso deixar claro para que serve este patrimônio. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1199 O turismo entra como justificativa, como solução, e certamente como um grande incentivador para a construção de uma ressonância (Gonçalves, 2005) que nem sempre é orgânica. O turismo como mero instrumento massificado de lazer tem sido frequentemente questionado nas ciências sociais, pois de certa forma traduz o ambiente artificial ocidental que se intensificou no final do século XX. No entanto, é a busca pelo “autêntico” que vem transformando tais padrões de consumo atualmente, causando uma notória diversificação da oferta turística, visto que cada vez mais o consu‑midor busca experiências que fogem de rotinas cotidianas do mundo globalizado. Na Antropologia, este debate chega a causar um certo desconforto, na medida em que o antropólogo e o turista eventualmente almejam um mesmo fim : o deslocamento e o encontro com o outro. De fato, até bem pouco tempo perdurava a crítica de que o turismo era invisível para os antropólogos de maneira geral, apesar do óbvio e recorrente contato entre comunidades e turistas, que notoriamente causa diferentes tipos de interações sociais e que definitivamente merece ser investigada (Nuňes, 1989). E foi apenas na década de 1960 que, pela primeira vez, antropólogos motivados pela preocupação da “intromissão dos turistas em suas situações de campo” começaram a documentar tais conflitos como um subproduto de suas pesquisas (Graburn, 2009:16‑17). Atualmente, a Antropologia do Turismo é um tema que tem sido explorado com base em um amplo espectro de temas que não se resumem ao impactos econômicos e culturais gerados por ele. Apesar da recente preferência por paradigmas mais interpretativos que político‑econômicos, efetivamente não “há uma perspectiva teórica única que amarre a pesquisa antropológica sobre turismo (Graburn, 2009:13).” A proposta de discussão metodológica deste texto surgiu em parceria com minha orientanda de doutorado Camila Moura Alcântara, que aplicou o método durante um roteiro museal promovido pela comunidade urbana13, com a qual ela trabalha em sua tese de doutorado. Assim como nos exemplos anteriores, o método adotado consistiu na observação participante como uma abordagem de análise menos ampla a partir da experiência do pesquisador quando observa e participa do evento (Dewalt & Dewalt, 1998:259). A experiência dela reforçou a hipótese de confiabilidade na coleta de dados, pois através de sua participação como integrante de um grupo durante visita ao roteiro que ela já conhecia foi possível identificá‑lo enquanto “meio de aprendizagem explícito de todos os aspectos envolvidos no ato de apresentar e conduzir o visitante. Assim a pesquisadora pode perceber elementos materiais e paisagísticos que foram selecionados pelos condutores como relevantes ao longo do roteiro que poderiam se diferenciar dos mesmos elementos presentes na construção do museu comunitário, seu objeto de pesquisa há alguns anos (Alcântara & Godoy, 2017:86).” Tenho argumentado ao longo deste texto que não é apenas a observação participante que defendo como estratégia metodológica. Este método não é um domínio exclusivo da antropologia, e nem é uma novidade em pesquisas sobre turismo. Em literatura especializada é possível identificá‑la como ideal para estudo de pessoas, tal como aponta Dencker (1998:128): “Pesquisa realizada mediante a integração do pesquisador, que assume uma função no grupo a ser pesquisado, mas sem obedecer a uma proposta predeterminada de ação. O objetivo é obter conhecimento mais profundo do grupo. O grupo pesquisado tem conhecimento da finalidade, dos objetivos da pesquisa e da identidade do pesquisador.” A proposta metodológica que sugiro se trata, em primeiro momento, a identidade do pesquisador incógnita, admitindo que há implicações éticas nesta escolha. Uma pesquisa que foi iniciada com a mesma abordagem, de autoria da antropóloga Andréa Moraes Alves (2003), buscava compreender relações de gênero e de grupos etários em bailes no Rio de Janeiro, Brasil. Mesmo fora do perfil do grupo pesquisado, a autora foi acolhida pelas senhoras no papel de novata, e assim foi introduzida nos meandros do seu objeto de pesquisa. Com o tempo e com o envolvimento crescente da pesqui‑sadora com seus interlocutores foi inevitável se revelar, e a autora inclusive afirma que muitas portas foram abertas depois que sua função estava clara para todos os envolvidos. Neste exemplo, a observação participante assumiu duas estratégias, com resultados diferentes e igualmente úteis ao trabalho antropológico: a do ‘participante completo’ e a do ‘participante observador’, sendo a última aquela mais comum em pesquisas etnográficas (Bernard, 2002). Defendi que pesquisas de antropologia do turismo, quando envolvem arqueologia em um país em desenvolvimento e carente de oportunidade de renda como o Brasil, técnicas de probing e do ‘participante completo’ quando o PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1200 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática antropólogo assume o papel do turista e não revela sua intenção aos interlocutores, se mostraram eficazes na coleta de dados por diminuírem a influência do pesquisador na ação a ser analisada. Atualmente, desenvolvo uma pesquisa que se ocupa de compreender o turismo arqueológico como um fato social total, que interfere tanto no ethos das instituições quanto no modo em que os públicos acessam e se apropriam do passado (Godoy, 2017a). Meus objetos de pesquisa localizam‑se na região metropolitana de Belém, capital do estado do Pará, Norte do Brasil. Uma das estratégias de investigação visa uma pesquisa etnográfica com os artesãos que atualmente se apropriam da informação arqueológica em sua produção, e em segundo momento a análise do impacto econômico que este mercado tem gerado. Entendo que pesquisar o funcionamento do turismo é uma maneira de compreender a função social da arqueologia na atualidade, e de compreender outros sentidos deste patrimônio. “O turismo então é hoje muito mais do que uma atividade econômica, é sim um fenômeno social, característico da sociedade industrial moderna, que está presente na vida de todos os que participam dela, mesmo nas diferenças de classes, grupos, etnias, nações (Figueiredo, 1999: 51).” A arqueologia amazônica faz parte do cotidiano da cidade de Belém, característica rara em nível urbano no Brasil. Nota‑se a arqueologia nesta cidade pela presença de sítios arqueológicos evidenciados em obras interventivas e adaptados para uso turístico. Ou ainda pela presença de exposições temáticas em vários museus. E mais ainda pela popularização de réplicas cerâmicas Figura 6: Tipologia de souvenires (imas de geladeira) com inspiração arqueológica à venda em pontos turísticos de Belém Fonte: autora em 2018. À direita com decoração inspirada em motivos rupestres, à esquerda em réplica de muiraquitã (artefato arqueológico amazônico em formato de sapo e outros répteis, originalmente esculpido em pedra e de procedência indígena pré‑colonial). PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 Renata de Godoy 1201 e outros tipos de souvenires com inspiração arqueológica (Figura 6) à venda em diversos pontos comerciais da cidade. Ao iniciarmos a pesquisa de campo, as discentes responsáveis pelo trabalho foram impedidas de fotografar os objetos cerâmicos à venda, reproduzidos a partir de réplicas arqueológicas, em ponto turístico consagrado na cidade e onde também há uma exposição museológica com artefatos arqueológicos. Ao serem questionadas e afirmarem sua atividade de pesquisa foram aconselhadas a pedir uma autorização formal para o registro fotográfico, enquanto observavam outras pessoas fazendo o registro sem que nenhuma fosse questionada. Tratava‑se de turistas, de visitantes, de potenciais compradores, que por sua função econômica provavelmente não intimidavam a instituição. Eu mesma estive lá fotografando em diversas ocasiões, sem nunca ter sido questionada (Figura 7). O pedido de autorização formal foi realizado três vezes ao longo de cinco meses, e nunca sequer obtivemos resposta. Figura 7: Comercialização de réplicas e cerâmicas com inspiração arqueológica na cidade de Belém Fonte: à direita, foto de Joyce Barroso, em janeiro de 2017; à esquerda, foto da autora em 2018. À esquerda, um dos locais onde ocorre comercialização de réplicas e cerâmicas com inspiração arqueológica na cidade de Belém. À direita, réplica adquirida para fins de pesquisa do mesmo centro comercial. O impedimento de registro poderia demonstrar que a instituição comercial sente‑se ameaçada pela pesquisa acadêmica. Numa perspectiva mais otimista, poderia até simbolizar uma distância entre as instituições. Em contrapartida, enquanto consumidora observei a ausência de dados sobre a origem das réplicas. Tais considerações significam, em si, um campo de investigação a ser explorado por pesquisas com viés de Antropologia do Turismo, que ultrapassam a categorização do objeto desta pesquisa. Neste caso, e nos exemplos anteriores, enquanto observadora participante completa, pude alcançar dados inéditos estando incógnita. No andamento da pesquisa atual, porém, reconheço um limite ético claro que me obriga a mudar a abordagem da investigação. São situações imprevisíveis da pesquisa de campo; se por um lado prejudicaram seu planejamento inicial, também fomentaram reflexões importantes a respeito dos silenciamentos e dos distanciamentos entre instituições. Em todos os exemplos citados ao longo do texto percebi que a mera presença do pesquisador implica no potencial de provocar alterações no comportamento dos interlocutores, destruindo a espontaneidade dos mesmos e produzindo resultados menos adequados. No último caso, talvez pela falta de experiência e clareza na aplicação da observação participante como o ‘participante completo’, tal como descrito por Bernard (2002), as discentes foram impedidas de realizar seu trabalho. Optamos por focar o registro na PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1202 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática descrição etnográfica, mas a alternativa não diminui a certeza de que o antropólogo no papel do turista abre portas que vão muito além da legitimidade dos dados coletados. 6. Agradecimentos Este texto foi (em partes) apresentado no Grupo de Trabalho Teoría y metodologia de la inves‑tigación social aplicada al turismo, no II Congresso Internacional de Sociología y Antropología del Turismo, Alicante/Espanha, em março de 2018. Agradeço imensamente a oportunidade de participar deste evento, aos organizadores do congresso e aos organizadores do Grupo de Trabalho, Antonio Miguel Nogués e Raúl Travé muito obrigada! A Camila de Moura Alcântara, minha orientanda de doutorado e parceira nesta comunicação, obrigada pelo interesse e pela disposição em dialogar comigo sobre um tema tão precioso para a antropologia, Agradeço pelos fomentos que recebi nos últimos anos, sem eles teria sido muito limitada a perspectiva de observação participante com‑pleta. Assim, agradeço ao CNPq que financiou integralmente meu doutorado no exterior (GDE), e posteriormente o pós‑doutorado (Pós‑doutorado Júnior‑PDJ) que assegurou a minha trajetória pela Antropologia do Turismo de maneira mais aprofundada. Agradeço também à CAPES pela oportunidade de expandir tal pesquisa através do Programa Nacional de Pós‑doutorado Institucional (PNPD). Agradeço à minha equipe, em especial às integrantes que contribuíram para a pesquisa em andamento apresentada: Joyce Barroso, Amanda Carneiro, Lílian Souza, Edith do Nascimento e Sabrina Costa. Este trabalho é um resultado do Grupo de Pesquisa em Antropologia do Turismo na Amazônia (GATA), do qual sou líder. Bibliografia Alcântara, C. M., & Godoy, R. d. 2017. Os Museus Emanados da Periferia e suas Perspectivas para o Turismo Cultural: uma proposta da Amazônia urbana brasileira. O Ideário Patrimonial (8), 73‑91. Alfonso, L. P., & Py‑Daniel, A. R. 2013. 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Ainda assim me dispus a pagar pela visita, na época com custo de R$ 50, aproximadamente 12 Euros. 9 Visitei a loja em duas ocasiões em 2014. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. 17 N° 6. Diciembre 2019 ISSN 1695-7121 1204 O ‘antropólogo turista’ e a arqueologia no Brasil: da retórica à prática 10 Local registrado por arqueólogos indicativo de fabricação de ferramentas produzidas à partir do lascamento de pedra bruta. No caso citado são sítios especializados, onde se constatou todo o processo de fabricação de instrumentos do tipo plano‑convexos (conhecidos no Brasil por seu formato alongado como ‘lesmas”) desde sua retirada, confecção, uso e descarte. 11 A capital federal do Brasil, transferida da cidade do Rio de Janeiro na década de 1960 e criada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, representava um símbolo do desenvolvimento do Brasil na época. É também celebrada como um museu à céu aberto e ícone do movimento modernista no mundo. 12 A coleta de dados foi feita em 2008. 13 Bairro da Terra Firme, periferia da cidade de Belém, PA. Recibido: 25/03/2018 Reenviado: 03/04/2019 Aceptado: 06/04/2019 Sometido a evaluación por pares anónimos |
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