INTRODUCAo AO ESTUDO
DO DIREITO LOCAL INSULAR
As posturas da Madeira, Ar;ores e Canarias
nos séculos XVI e XVII
ALBERTO VIEIRA
© Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009
«... las ordenanzas i estatutos son leies particulares escriptas
que cada un pueblo contituie para si proprios, i son dichas
ansi porque estan firme i derechamente ordenadas; e ninguno
puede, ni deve venir contra ellas» (Tit. LlI. Principios programaticos
das ordenanzas, in Jose Peraza de Ayala, Las ordenanzas
de Teneri/e (...), Santa Cruz de Tenerife. 1976,
65.
As posturas municipais merce de urna dupla fundamen,a<;:ao
reflectem no seu enunciado as ordena<;:óes régias, adaptadas as
peculiaridades do burgo e os sentimentos comunitarios do justo e do
conveniente tendo em conta que a sus formula<;ao o legislador deveria
atender «ao prol e bom regimento de terra».l Deste modo o seu
articulado deveria adequar-se a vivencia do burgo bem como as exigencias
resultantes de evolu<;:ao do processo histórico. Tais condicionantes,
justificam o carácter evolutivo do código de posturas
insular que implican a diversas compila<;óes e a altera<;:ao do seu
articulado.2 Tal precariedad do enunciado das posturas resultava
1. De acordo corn o enunciado das Ordena¡;6es Filipinas, 1, 66, 28. Entretanto
nas Canárias dizia-se que estas deveriam estar orientadas «al bien y conservación
de la isla según la calidad de la tierra», cito por Aznar Vallejo, La integración de
las islas Canarias en la corona de Castilla 1478-1526, Sevilha, 1983, 48.
2. Ern Portugal a obrigatoriedade de as posturas serern exaradas ern Iivro próprio
foi definida nas ordena9Óes régias (Veja-se A. Manuel Hespanha, História das
Institui¡;6es ..., Coirnbra, 1983, 261). Assirn surgern as cornpila9óes das posturas do
Funchal de 1572 e 1587 (Arquivo Histórico de Madeira, vol. 1 e 11, 1931-32);
enquanto nos A90res ternos a reforma das posturas de Angra a 12 de Outubro de
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das alterayóes sócio-económicas das sociedades insulares que conduziram
a urna formulayao do direito local de acordo com novas
condiyóes. Assim em 1670 o procurador do concelho de Ponta Delgada
justificava a alteray3.o ou reforma das posturas, diendo que as
existentes «estavam anticoadas e se goardavam mal com que avia
muitas desordens e malfeitores... ».3
De acordo com as condiyóes acima enunciadas as posturas
surge como a fonte mais importante para o estudio do direito local
ao mesmo tempo que se destacam na caracterizay3.o das referidas
sociedades merce de reflectirem as preocupayóes e domínios de
intervenyao do burgo. De acordo como essa situayao decidimo-nos
por una análisis comparada das posturas das principais urbes insulares
(Angra, Funchal, Las Palmas e Ponta Delgada), no sentido de se
estabelecer os principais vectores socio-economicos institucionalizados
nas posturas e as possíveis ligayóes entre os referidos código
de direito local. Situando-se nestes municípios os principais pólos
del animayao socio-económica do Mediterralleo Atlalltico fácil será
extrair daí as principais orientayóes dessa dinamica insular nos
séculos XVI e XVII. Todavía a necessidade de ampliar a analise
dessa realidade levou-nous ao encontro doutros códigos de posturas
emanados pelos municipios periféricos. Assim serao consideradas
as posturas de Hierro en 1705, de Lanzarote de século XVII e de
igual data de Ribeira Grande e Vila Franca do Campo, estas últimas
recolhidas por Urbano de Mendonya Dias4 • A rezao da sua escolha
1655, de Sao Sebastiao de 1575 e de Ponta Delgada a 8 de Junho de 1670 (veja-se
Luis da Silva Ribeiro, Obras II Histórica, Angra do Heroismo, 1983, 361-411;
Arquivo dos A¡;ores, vol. XIV, 173 e segs.). Nas Canárias as posturas de Gran Canria
redigidas em 1529, de Tenerife em 1540 e revistas em 1542 e Hierro de 1705
(Veja-se, Aznar Vallejo, ob. cit., 48; Francisco Morales Padron, Ordenanzas del
concejo de Gran Canaria (1531), Las Palmas, 1974; José Peraza de Ayala, Las
ordenanzas de Tenerife...• Santa Cruz de Tenerife, 1976; Idem, «Los antiguos cabildos
de las islas Canarias», in Anuario de Historia de{ Derecho Español, IV, Madrid,
1927, 225-295.
3. Arquivo dos Ac;ores, XIV, 173.
4. A vida de nossos avós, vols. I1I, IV e VIII, Vila Franca do Campo, 1948.
As posturas de Fuerteventura estao reunidas nos Acuerdos del Cabildo de Fuerteventura
1605-1659. 1660-1728, La Laguna de Tenerife, 1970 e 1967.
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Introdur;do ao estudo do direito local insular 677
radica-se no facto de terem sido publicadas, tornando-se fácil o seu
acesso e estudo.5
As posturas em análise cobrem um período amplo do devir histórico
das sociedades insulares. O código mais antigo situa-se em 1529
(Gran Canaria) e o mais recente data de 1705 (Hierro). Durante ese
período de quase dois séculos o mundo insular foi palco de diversas
conjunturas politico-económicas que marcaram a vivencia e processo
histórico, com imfluencia decisiva em alguns dos capítulos das
posturas. Ese momento é marcado por tres fases importante para os
arquipélagos atlimticos:
1. 1500-1580, momento em que a economia insular se afirma
no espa<;o atUmtico merceda anima<;ao comercial das grandes rotas
oceanicas e da oferta insular de cereais, a<;úcar e pastel. As posturas
de Gran Canaria (1529), Tenerife (1540), Vila Franca do Campo
(1553) Funchal (1572) reflectem no seu articulado económico
essa ambiencia;
2. 1580-1640, a conflituosidade das coroas europeias
transfere-se para o Atlimtico, provocando urna situa<;ao de instabilidade
na economia insular e um corte no relacionamento com as
cidades nórdicas. Essa conjuntura internacional desfavorável
entronca na década de 30 com a críse cerealífera em Fuerteventura
e Sao Miguel. Nesse contexto surgem as posturas do Funchal
(1587), Fuerteventura, Ponta Delgada e Vila Franca do
Campo;
3. 1640-1700, él respresália do abandono da coroa castelhana
da sua ocupa<;ao das ilhas e reino sucede-se él depressao mundial
que afecta alguns domínios detas sociedades. Nessa conjuntura conturbada
o vinho surge como urna das raras moedas de troca e activadora
das rela<;óes comerciais insulares. Nessa fase incluem-se as
posturas de Angra (1655), Ponta Delgada, Fuerteventura, Vila
Franca do Campo e Hierro.
Desta forma algumas cambiantes dectatadas na análisis das
posturas resultarao dessa tripIa ambiéncia que serviu de base él sua
formula<;ao. Assim é que podremos definir dois tipos de
posturas:
5, Há notícia das Posturas de La Palma de 1611, da Harta de 1682-1845
(Arquivo Distrital da Horta. n,O 131) e de Machico (Manuscn'tos da Ajuda-guia.
vol. 1, Lisboa, 1966, 146),
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1) posturas conjunturais que estabelecem normas reguladoras
para urna determinada conjuntura ou momento de vida agitada do
burgo e que pelo seu carácter precário raras vezes sao transcritas no
respectivo livro;
2) posturas estruturais, assentes nas ordena90es régias e usos
locais que definem a conduta dos munícipes nos seus múltiplos
aspectos. Estas palo seu carácter fixo sao tombadas no respectivo
livro e aprovadas anualmente pela verea9ao eleita.
As primeiras incidem preferencialmente sobre as normas reguladoras
de circula~ao e comércio dos produtos. Nesse domínio
destacam-se os cereais que nas ilhas de Fuerteventura e Sao Miguel
implicarem urna actualiza~ao permamnente das posturas frumentárias
que se sucedem por vezes com urna periodicidade mensa!.
Assim se explica o elevado número de posturas existentes neste
domínio que apresentan 50% do total em análise. Quanto ao a9úcar
esse elevado número resultam, nao de urna permanente actualiza9ao,
mas sim da necessidade de regulamentar em pormenor todos os
aspectos da faina a9ucareira. Tal justifica9ao é igualmente válida
para alguns domínios de actividade económica insular onde, por
vezes, o elevado número de posturas deriva dessa necessária adapta~
ao ás novas realidades. Todavia neste domínio situar-se-ao as
posturas indeléveis em face das altera90es conjunturais. Desta
forma a análise aqui tra9ada é possível e ajustada a este tipo
de frontes.
De acordo com o enunciado acima estruturamos o estado das
posturas insulares em dois domínios:
1. sistematiza~ao das posturas e análisis comparada da sua
temática;
2. análise e confronta9ao das mesmas com o direito local
peninsular e americano com o intuito de definir a sua fundamenta9ao
e expansao.
As POSTURAS INSULARES
As posturas ao surgirem como normas reguladoras dos múltiples
aspectos do quotidiano do burgo sao o indício mais marcante da
mundividencia do burgo insular. De acordo com as ordena90es,
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Introduc;do ao estudo do direito local insular 679
regimentos oufueros concedidos ao burgo, o municipio tinha atribui
«oes legislativas particulares resultantes, nomeadamente, da
,necessidade de adapta«ao das disposi«oes gerais do reino as condi
«oes politico-intitucionais do burgo. A estas disposi«oes gerais
associavam-se as normas de conduta institucionalizadas no dereito
consuetudinário que impregna e define as peculiaridades da vivencia
local6 •
Nao obstante as diferen«as ao nivel da estrutura institucional entre
o cabildo canário e o municipio a«oriano-madeirense arriscamos urna
análise comparada deste particular da interven«ao do poder local.
Note-se que as diferen«as institucionais esvanecem-se no ámbito da
poder de interven«ao deste estrutura de mando, pois as atribui«oes se
aproximam ou sao idénticas, variando apenas o postulado e formulário
de sua elabora«ao, bem como a estrutura institucional que lhe serve de
suporte7• O muniCipio portugues nos séculos XVI e XVII disfruta de
ampla autonomia e de urna elevada participa«ao das gentes na
governan«a o que nao acontece nas ilhas Canárias onde, nas realengas
há urna forte participa«ao da coroa e, nas senhoriais do senhorio.
Tendo em considera«ao essa ambiencia os monarcas filipinos,
aquando da uniao das coroas peninsulares (1580-1640) procuraram
cercear os poderes dos municipios portugueses procedendo a algumas
altera«oes na sua organica8• O organigrama administrativo
insular assemelha-se apenas nos primórdios da cria«ao das sociedades
insulares urna vez que as altera«oes da dinamica institucional
portuguesa desde 1495 e da castelhana desde 1512 provocaram
altera«oes nessa estrutura. Em sintese poderemos afirmar que a
estrutura administrativa pouca ou nenhuma influencia exerceu no
código de posturas insulares pois estas fundamentam-se apenas no
6. F. Paul Langhans, Estudos de Direito municipal, as posturas, Lisboa,
1938, 285, 302-303; A. Manuel Hespanha, ob. cit., 265-283.
7. Para o estudo de administra<;iio municipal insular para as Canárias: J.
Peraza de Ayala,art. cit.; Leopoldo de la Rosa Olivera, Evolución del regimen local
en las islas Canarias, Madrid, 1946; Manuel de Ossuna, El regionalismo en las
islas Canarias (estudio histórico, juridico y psicologico), t. 1, Santa Cruz de Tenerife,
1904; Juan Ignacio Bermejo Cilomés, Los cabildos insulares de Canarias, Santa
Cruz de Tenerife, 1952. Para os A<;ores e Madeira confronte-se Urbano de Mendon<;
a Dis, A vida de Nossos avós, vol. 111, Vila Franca do Campo, 1948.
8. Veja-se o estudo que apresentamos conjuntamente com Vitor Rodrigues e
Avelino Menezes ao Colóquio Internacional de História de Madeira, «O municipio
do Funchal. 1550-1650».
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formulário do direito consuetudinario e na legisla<;ao regla, sendo
o primeiro a expressao cabal da vivencia socio-economica do
mundo insular.
Para que essa análise comparada se tome mais explícita procederemos
a abordagem dos referidos códigos de posturas da
seguinte forma:
1. Regulayao dos cargos municipais e da administrayao de
fazenda municipal;
2. Regulamentayao das actividades económicas de acordo com
os sectores de actividade com os aspectos mais salientes da vivéncia
socio-economica do burgo-rural, oficinal e mercantil em conjuga<;ao
com os factores propiciadores dessa animayao da urbe;
3. Institucionalizayao das normas de conduta e da sociabilidade
merce da regularizayao dos costumes e do comportamento dos
grupos marginais-meretrizes, escravos, mancebos;
4. Medidas tendentes acriayao de urna ambiencia de salubridade
no burgo tendo em conta o necessário asseio e prevenyao profilática
das tradicionais epidemias de época.
La interven~ao e al~ada dos cargos municipais definidas nas
ordena~óes e regimentos régios nao careciam de urna redifini~ao no
código de posturas. Todavia nas Canárias houve necessidade de
regulamentar essa actividade institucional nas posturas de Gran
Canaria e Tenerife (tit. n a IV). Aí sistematizava-se as orienta~óes
emanadas no fuero e as alterayaoes posteriores establecidas pela
coroa. Ao invés nas ilhas portuguesas a institucionalizayao e estabilidade
de actividade administrativa aliadas a guarda dos forais e
regimentos régios terao contribuido para esse alheamento do legislador
local.
A administrayao dos bens e remdas do concelho, nao obstante a
sua regulamentayao ser feita em termos gerais pelas ordenayóes
régias e forais, mereceram especial atenyao do código de posturas.
Aí definir-se-a, em termos concretos, a forma de aplicayao dos réditos
municipales e das terras comunais como pasto ou reserva. Neste
último aspecto salienta-se a intervenyao do cabildo de Hierro que
establece urna divisao dessa importante parcela do solo da sua utilizayao
pelos munícipes9• Aliás os cabildos canários atribuem parti-
9. José Peraza de Ayala. arto cit., 282.
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Introdur;do ao estudo do direito local insular 681
cular atenyao a regulamentayao do uso de dehesa, espayo
importante de área do cabildo como importancia vital na agropecuária.
Daí o particular intereses do legislador canário em regulamentar
de modo preciso a sus áreas a formas de utilizayao. Ao invés nos
Ayores e na Madeira o código de posturas é omisso nesse domínio,
referindo apenas as riquezas silvícolas do espayo flores tal. O aproveitamento
pecuário dessa área nao assumia aqui a dimensao que
adquiriu nas Canárias. Saliente-se que das posturas referentes a
pecuaria 71% provem das Canárias.
As características ou vectores dominantes das sociedades e
economias insulares reflectem-se no articulado das posturas. Deste
modo a maior ou menor valorayao é resultado de premencia de quotidiano
insular. De acuerdo com a divisao em sectores de actividades
económica constata-se que o sector terciário totaliza 48% das
posturas enquanto os outros dois sectores es fixam por un nivel desa
identico1o• A análisis particularizada dos diversos códigos evidencia
algumas cambiantes importantes. Assim o referido sector domina a
quase totalidades das posturas, com excep<;ao das referentes as ilhas
de Fuerteventura e Hierro, onde o sector primário tem urna posi<;ao
determinante. Este último adquiere, por su vez maior relevancia em
Tenerife (26%) e Vila Franca do Campo em Sao Miguel (36%).
Para o sector secundário o maior destaque vai para Gran Canaria
(32%), Angra (34%) e Funchal (36%).
Esta situayao de dominancia dos sectores secundario e terciário
poderá resultar de diversos factores. Em primeiro lugar convem
referenciar que as posturas incidem preferencialmente sobre a urbe,
espayo privilegiado para a afirmayao do sistema de trocas, reanimado
pelo seu carater atlantico e europeu. Assim as cidades do
Funchal, Angra, Ponta Delgada e Las Palmas ao surgirem como
importantes pólos de atracyao do movimento comercial insular e
10. Para a sistematiza<;:ao das posturas de acordo com os sectores de actividade
tivemos em considera<;:ao a seguinte defini<;:ao de cada sector:
Primário- produ<;:ao de matérias-primas (agricultura, florestas, minas,
pedreiras, pescas salinas) e os oficios ou actividades a elas relacionadas;
Secundário- actividade industrial (fabrico e transofrma<;:ao dos produtos
manufacturados), constru<;:ao imobiliária e obras públicas;
Terciário- transporte, comércio, servi<;:os públicos.
Veja-se Francisco Morales Padron. ob. cit., 28-29.
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inter-continental venlo afirmar-se esses sectores de actividade.
Além disso a anima9ao oficinal e comercial do burgo pelo seu carácter
e ritmo acelerado implica urna maior aten9ao merce do maior
número de situa9óes anómalas.
A mundividencia rural perpetua técnicas e rela9óes sociais
ancestrais sendo a sua anima9ao regulada pela rotina e ritmo das
colheitas e esta9óes do ano. Pouco ou nada muda com o decorrer
dos anos. Deste modo o legislador municipal analiza a sua aten9ao
para o quotidiano do burgo, marcado pelo sucedaneo de mudan9as.
Todavia para as sociedades em que a faina rural se toma importante
e definidora dos vectores sócio-económicos esse espa90 nao poderá
ser menosprezado. Assim teremos cerca de 30% dos posturas incidindo
sobre esse espa90, P.;;. sua maioria nas ilhas de Fuerteventura,
HierrJ, Tenerife e no município de Vila Franca na ilha do Sao
Miguel, áreas onde u sector primário assume particular importancia.
A ocupa9ao e explora9ao do espa90 insular fez-se de acordo
com os compomentes da dieta alimentando íncola-trigo/vinho- e dus
productos impostos pelo mercado europl:m para satisfa9ao das
necessidades europeies-a9úcar/pastel. Todavia o primeiro grupo
agrícola, pela sua importancia na vivencia quotidiana das popula9óes
insulares solicitava maior aten9ao do município pelo que 58%
das posturas relacionadas com a faina rural incidiam sobre esses
produtos enquanto o grupo sobrante merecia apenas 15%.
A distribui9ao dos referidos produtos nos tres arquipélagos obedecia
as orienta9óes da politica expansionista das coroas peninsulares
e aos vectores da subsistencia e condi9óes climáticas de cada
ilha. Tais condicionantes implicaram urna ambiencia peculair dominada
pela complementaridade agricola das ilhas ou arquipélagos.
Deste modo as posturas articular-se-ao de acordo com essa ambiencia
típica do mundo insular atlantico, reflectindo no seu articulado a
importancia desses produtos na vivencia de cada burgo. A abundancia
ou carencia definiam diversas situa9óes para a interven9ao do
legislador. No primeiro case essa interven¡yao abrange todos os
aspectos da vida económica do produto enquanto no segundo incidem
preferencialmente sobre o abastecimento do mercado interno,
definindo aí normas adequadas ao normal funcionamento desses circuitos
de distribui9ao e troca. Assim se justifica a similar importancia
atribuida as posturas cerealíferas nas ilhas de Sao Miguel (Ponta
Delgada e Ribeira Grande), Fuerteventura e Terceira (Angra).
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Introduqdo ao estudo do direito local insular 683
Enquanto as primeiras se podem considerar como importantes celeiros
do mundo insular e última surge, desde meados do século XVI,
como uma área carente que assegura o seu abastecimento nas ilhas
vizinhas. Situa9ao semelhante ocorre com o vinho no Funchal, em
Ponta Delgada e Angra. Apenas com os produtos típicos de ecomia
colonial-a9úcar e pastel- se define uma ambiencia identica nas
ilhas da Madeira, Gran Canaria e Tenerife.
A pecuaria assume em todo o espa90 agrícola insular uma
dimensao fundamental merge da sua triple valoriza9ao económica
na faina agrícola, dieta alimentar e industria do couro. Este sector
tem uma posi9ao relevante nas ilhas de Fuerteventura (24%), Tenerife
(31%) e H:erro (20%) e no imunícipios de Vila Franca (33%),
Angra (21%) (, ~unchal (18%). O seu incentivo conduziu a um
maior valoriza9ao de interven9ao municipal na venda de carne nos
a9Qugues municipais bem como avaloriza<;ao das industrias de curtumes
e cal9ado. Note-se que ao nível de interven9ao do legislador
local essa situa9ao é apresentada na inversa uma vez que a sus
carencia implica urna regulamenta9ao mais cuidada e asídua do
senado. Tal situa9ao expressa-se na interven9ao dos municipios de
Angra, Ponta Delgada e Las Palmas que fazem depender o seu
abastecimento pecuário das urbes ou ilhas vizinhas. Assim Ponta
Delgada assegura em Santa Maria, Ribeira Grande e Vila Franca
do Campo a sus ra9ao de carne e derivados, enquanto Angra fazia
depender esse abastecimiento das ilhas de Sao Jorge e Graciosa.
Las Palmas, por seu tumo, fazia depender o seu consumo das ilhas
de Fuerteventura e Lanzarote.
O desemvolvimento da industria do couro tinha implica9óes no
nível de salubridade do burgo pelo que o senado sentiu a necessidade
de regulamentar rigorosamente esta actividade, definindo os
locais para curtir e lavar dos couros e o modo de labora9ao dos mesteres
a essa indústria ligados. Pela aten9ao suscitada por essas tarefas
nas ilhas de Gran Canaria parece-nos que essa indústria era aí
muita importante. Note-se que 90% d48 referencias aos curtidores e
60% das que incidem sobre os sapateiros provem de Las Palmas.
Além disso as referencias ao sumagre, principal matéria para o curteme,
situam-se nessas importantes para9as de labora9ao da courama,
isto é, Las Palmas, Angra, Funchal e un Ilha de Tenerife.
Neste contexto o Funchal surge como o mais importante fornecedor
de sumagre as ilhas de Gran Canaria e Lanzarote.
Um das mais destacadas preocupa90es dos munipípios insulaes
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resultava dos danos quotidianos do gado solto nao apastorado sobre
as culturas, nomeadamente nas vinhas, searas e canaviais. Daí a
necessidade de urna delimita9ao das areas de pasto e a obrigatoriedade
de cercar as terras cultivadas. Além disso um conjunto variado
de pragas infestava com assiduidade as culturas o que obrigava a
urna participa<;ao conjunta de todos os vizinhos. Urna das principais
resultava da aC9ao dos pessaros, nomeadamente os canários e corvos.
Os primeiros incidiam sobre o município de Vila Franca do
Campo, enquanto os segundos atacavam as ilhas de Gran Canaria,
Hierro e Fuerteventura. Para os combater os municipios estipulavam
a obrigatoriedade de todos os vizinhos apresentarem com periodicidade
um número variado de cabe9as dos referidos pássaros que
depois seriam registadas em livro próprio. O seu número era variável
de acordo com o espa90 agrícola de cada proprietário e com a
acuidade do combate. Em Fuerteventura, por exemplo, cada proprietario
deveria apresentar em Abril e Outubro o número de cabe9as
apregoado pelo cabildo:
ANO NÚMERO DE ANO NÚMERO DE
CABEC;AS CABEC;AS
1606 4 1632 12
1626 20 1639 4
1628 12 1653 6
1630 6 1676 4
No domínio agrícola a ate9ao do municipio variara de acordo
com a dominancia das culturas existentes. Assim nas ilhas da
Madeira, Gran Canaria e Tenerife essa preocupa9ao incidirá sobre
os canaviais e o complexo processo de cultura a transforma9ao,
enquanto nos A90res e em Fuerteventura será canalizade para a
questa cerealífera. Todavia nesta última a actividade pecuaria
assume particular relevo merce da ocupa9ao maior parte da for9a
activa da popula9ao majorera.
Os componentes da dieta alimentar insular adquirem urna posi9ao
relevante na interven9ao dos municípios que a isso dedicaram
47% dos capítulos dos referidos códigos de posturas. Essa preocupa9ao,
no entanto, era muitó variável no tempo e no espa90
adequando-se a realidade agrícola de cada urbe e a conjuntura produtiva.
Deste modo a seu articulado para além de reflectir essa
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Introduqdo ao estudo do direito local insular 685
dupla dimensao espacio-temporal evidencia uma das componentes
mais destacadas da alimenta<rao das gentes insulares. Assim teremos
que a dieta insular se apresentava pouco variada e presa a tradi<
rao alimentar mediternlnica. Daí o pouco uso dos legumes e peixe e
o uso abusivo do pao e do vinho. Sendo os mares insulares ricos em
peixe e marisco e toda a vivencia dessas popula<r6es dominada pelo
mar e extensa costa nao se percebe esse menosprezo pelo peixe em
favor da carne. Note-se que as posturas referentes a carne duplicam
em rela<rao as que referenciam o peixe.
A imporHmcia relevante do pao e da carne na alimenta<rao insular
implicou o rodobrar da aten<rao das autoridades municipais sobre
a circula<rao e venda destes produtos pelo que o código de posturas
acompanha todo o processo de cria<rao, transforma<rao, transporte e
venda deseas productos. De igual modo é atribuida particular aten<
rao ao quotidiano das azenhas, atafonas, fornos e a<r0ugue
municipal.
O moleiro deveria ser habilitado e diligente no seu oficio,
tornando-se obrigatório o exame e o juramento anual em verea<r0'
Na sua ac<rao diária atribuia-se particular aten<rao ao peso do cereal
e da farinha. Na Madeira essa tarefa competia ao rendeiro dos
moinhos.
A necessidade de precaver o moinho contra qualquier dano na
farinha e farelo levou o legislador e estabelecer a prohibic<rao de .
pocilga e capoeiras nas imedia<r6es do moinho. Além disso a anima<
rao desusada do espa<r0 circundante tornava necessária a interven<
rao do município a definir normas e conducta social no sentido de
moralizar e disciplinar o comportamiento dos habituais frequentadores
dormiendo. Deste modo a Madera nao era permitido as mulheres
as casadas ou mancebas permanecerem así ao mesmo tempo que
lhes era vedada a presta<rao de qualquer servi<ro.
Ao moinho sucedia o forno colectivo ou privado que assegurava
a cozedura do pao consumido no burgo. A afirma<rao pública
deste espa<r0 resultava da existencia de condi<;:6es do ecosistema
insular. Assim nas Canárias e, momeadamente em Las Palmas, a
falta de combustíel levou au establecimiento de restri<r6es na cocedura
do pao. Assim a cidade poderia ter apenas seis fornos de poia,
tornando-se abrigatoria a sua utilizac;:ao por todos os vizinhos. Entretanto
na Madeira a A<rores, após uma fase inicial em que estes eram
privilegio do senhorio, assiste-se a uma prolifra<rao de fornos no
burgo e arrededores. Todavía a maior parte do pao aí consumido era
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oriundo dos fomos públicos. Deste modo o município procurava
exercer um comrole rigoroso sobre o peso o prec;o do pao. Note- se
que ambos eram fixados ero vereac;ao de acordo com a situacáo das
reservas de cereal existente nos celeiros locais. Além disso em
momentos de penúria a vereac;ao procedia a distribuic;ao do cereal
pelas padeiras.
O ac;úcar ao invés afirma-se na economia insulana como o principal
incentivo para a manutenc;ao e desenvolvimento do sistema de
trocas. Tal situac;ao associada ao carácter especializado da safra do
ac;úcar tomou necessária a sus coordenac;ao pelo código de posturas
na Madeira em Gran Canaria e Tenerife. A intervenc;ao municipal
nao se resume apenas ros canaviais e ao complexo processo de
laborac;ao do ac;úcar mas tumbém integra outros domínios que contribuem
de modo indirecto paa o desenvolvimiento de industria em
causa. Assim se justifica a extrema atenc;ao concedida as águas e
madeiras, imprescindíveis para a cultura e industria ac;ucareira.
Neste domínio a intervenc;ao municipal adequa-se as condic;6es
mesológicas de cada área produtora, variando a sua intervenc;ao de
acordo com a maior ou menor disponibilidade de ambos os factores
de produc;ao. Daí a excessiva regularmentac;ao que recebem estes
dois aspectos nas iIhas Canárias, área onde a água era escasa e o
parque florestal reduzido. A Madeira, disfrutando de um vasto parque
florestal e de abundantes caudais de água nao necesitava de
intervir exageradamente neste domínio reservando a sua atenc;ao
para a safra do engenho.
As posturas definem as ciudados a ter com a cultura dos canviais,
o transporte da cana e lenha pelos almocreves, bem como a
acc;ao dos diversos mesteres no engenho. A esse numeroso grupo de
agentes de produc;ao que assegurava a laborac;ao do engenho era exigido
o máximo do seu esforc;o para que o ac;úcar branco extraído
apresentasse as qualidades solicitadas pelo mercado consumidor
europeu. Deste modo concede-se especial atenc;ao a formac;ao dos
mestres de ac;úcar, refinadores, purgadores ao mesmo tempo que era
exigido ao senhor urna selecc;ao criteriosa dos seus agentes que
deveriam prestar juramento em vereac;ao todos os anos. Essa actuac;
ao era reforc;ada com a intervenc;ao do lealdador, oficial concelhio
que tinha por missao fiscalizar a qualidade do ac;úcar laborado.
O uso abusivo pelos seus agentes do produto em laborac;ao
levou o municipio a estipular pesadas coimas para o roubo de cana,
socas, mel e bagac;o. Além disso procurava-se evitar a existencia de
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IntrodUl;do ao estudo do direito local insular 687
condi~6es que apelassem ao furto, definindo-se a proibi~ao de posse
de porcos a qualquer agente que laborasse no engenho ou a impossibilidade
de pagamento dos servi~os ser feito em género.
O processo de labora~ao do burg0 ocupando um numeroso
grupo de mesteres com assento em áreas ou armamentos estabelecidos
pelo município. A necessidade de um apertado sistema de controle
sobre a classe oficinal no sentido de urna exigencia de
qualidade dos artefactos produzidos e de um tabelamento dos produtos
e tarefas condicionou essa desmesurada aten~ao do legislador
insular com 29% das posturas emanálise. Note-se que essa interven~
ao nao é uniforme nos tres arquipélagos urna vez que a postura vai
de encontro a urna multiplicidade de factores, condicionantes do
deselvolvimento de estrutura oficina!. Assim teremos urna maior
incidencia das posturas nas ilhas de Gran Canaria (38%), Tenerife
(25%) a Madeira (19%). Ao invés nas ilhas a~orianas e em Fuerteventura
e Hierro esse sector de actividade nao adquiere a importancia
relevante o que poderá ser indício do fraco nível de
desenvolvimiento do sector de servi<;os e do sistema de trocas.
A maioria dos ofícios referenciados pertence ao sector secundário
(56) e terciário (33), tendo o primário fraca representatividade. Tal
situa~ao vai de encontro a importancia que ambos os sectores detem
na economia insular. Além disso essa excessiva preocupa~ao com
tais sectores de actividade resulta do facto de estes domínios serem
mais vulneráveis as mudan~as do devir histórico e propiciadores da
fraude e furto.
Os ofícios sao o esqueleto em que assenta a vivencia do burgo
pois vivificam e animam toda a actividade dos arrumentos e prayas.
Daí o grande empenchamento demonstrado pelo código de posturas
(com 29% do total em análise). Destas 61% pertenecem a Gran
Canaria o que demonstra o acentuado desenvolvimento dos ofícios.
Aí destacam-se actividade transformadora (46%) e o sector de alimenta~
ao (36%) sendo maior, no primeiro caso, na industria do cal~
ado e, no segundo, na moenda do cereal e venda de carne.
De un modo geral os ofícios referenciados nas posturas incidem
sobre os sectores terciário (51%) a secundário (39%), com especial
destaque para a actividade transformadora (39%) e sector alimentar
(33%). Tal situa~ao vai ao encontro da visao geral do articulado das
posturas. Aí mantem-se o predomínio do sector terciário e apenas
no Funchal e Las Palmas o secundário se aproxima deste, merce do
elevado desenvolvimento da estrutura oficina!.
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688 Alberto Vieira
Essa ambiencia htlterogénea resulta da situa<;ao SOCIOeconomica
de cada burgo.. Assim em Vila Franca do Campo, dominada
por grandes áreas agrícolas terá um desenvolvimento
importante do sector de transportes, necessário o escoamento desses
excedentes agrícolas. O mesmo sucederá com a cidade de Angra em
que a sus missao de porto oceimico conduziu ao elevado desenvolvimento
dos ofícios ligados' a alimentac;ao.
A interven<;ao do legislador municipal na faina oficinal
orientava-se para a regularizac;ao dessa actividade. Aí se definia de
modo rigoroso o processo de laborac;ao e a tablea de prec;os para as
tarefas e artefactos. A qualidade do servic;o e produto nao resultava
apenas de concorrencia na prac;a mas fundamentalmente da vigilancia
das corporac;oes e da exigencia do exame ao aprendiz. Além
disso o juramento anual associado a necessidade de presta<;ao de
fianc;a completava o controle municipal. Todavia na Madeira os
ourives e tanoeiros deveriam apresentar em verea<;ao a sua marca
para que constasse dos livros da camara.
A oficina dá lugar ao mercado ou prac;a, espac;o privilegiado
para a distribuic;ao e escoamento dos artefactos. Aí o municipio
redobrava a sua atenc;ao de modo a estabelecer regras regulamentadoras
do sistema de trocas. Esta surge como um das principais preocupac;
oes do municipio pois das 1.356 posturas referenciadas 47%
incidem sobre o mercado, repartindo-se essa actua<;ao entre o abastecimento
de bens alimentares a artefactos. Nesse domínio é dada
particular atenc;ao aos pesos, medidas e prec;os.
A pra<;a domina o espa<;o urbanizado, estabelecendo urna peculiar
compartimentac;ao dessa área de acordo com as exigencias dos
vectores internos e externos da vida economica. Aos edifícios da fiscalidade
sucedem-se os armazéns e lojas de venda orientados a partir
desse centro. A importancia deste espac;o no quotidiano do burgo
está justificada por urna dupla intervenc;ao, primeiro submetendo os
diversos ofícios aprestac;ao anual de juramento e fianc;a, depois por
meio de um intervenc;ao permanente dos almotaces ou fieles.
As normas reguladoras do mercado insular estruturavam-se da
seguinte forma:
1. COMÉRCIO INTERNO, una intervenc;ao assente num
apertado sistema de vigilimcia incidindo sobre o peso do pao, prec;o
de venda de mais bens alimentares e artefactos, fixados em
vereac;ao;
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Introduqdo ao estudo do direito local insular 689
2. COMERCIO EXTERNO, actua9ao no sentido de delimitar
estas trocas com o exterior aos excedentes ou aos produtos a isso
destinados.
Todavia neste último domínio a aC9ao do município delineavase
de acordo com o nível de desenvolvimento sócio-económico de
cada cidade. As cidades de grande anima9ao comercial com o exterior,
como Angra, Funchal, Ponta Delgada e Las Palmas, necessitavam
de maior aten9ao e de urna regulamenta9ao exaustiva do
movimento de entrada a saída, orientada de diferentes formas. A
defesa da produ9ao interna implicava necessariamente condicionamentos
no movimento de entrada. Al invés a carencia, nomeadamente
de bens alimentares conduz ao estabelecimentos de medidas
incentivadoras da sua entrada e de um controle rigoraso do seu
transporte e aIfIlazenamento. Estas últimas estavam apoiadas na
limita9ao imposta a sua saída ou reexporta9ao. Estao neste caso o
cereal, vinho, azeite, pescado, gado, carne, biscoito, linho e couro.
Todavia a interven9ao dos municipios insulares é variável, ref1exo
de urna diversa situa9ao sócio-económica.
Os cereais pela importancia que detem na vivencia das popula9óes
insulares merecem redobrada aten9ao no código de posturas.
Aí o seu articulado terá de adaptar-se a conjuntura cerealífera municipal
e insular o que conduz a urna permanente mobilidade do seu
articulado. Estas sao as poucas posturas que se alteram com urna
periocidade mensal ou anual. A ilha da Sao Miguel é disso exemplo
pois o seu código frumentário sofre constantes altera9óes no séc.
XVII merce da conturbada conjuntura cerealífera11. O mesmo sucede
em Fuerteventura onde o cabildo actualiza anualmente o postulado
das referidas normas adequando-as as novas condi9óes da conjuntura
cerealífera12.
A fragilidade do sistema económico insular associada a sua
extrema dependencia ao mercado europeu e atlantico condicionaram
o nível de desenvolvimento do sistema de tracas, marcado por
múltiplas dificuldades no seu abastecimento. Deste modo as autoridades
municipais fazem incidir a sua aC9ao sobre o sistema de tro-
11. Alberto Vieira, «A questiio cerealífera nos Ac;ores nos séculos XV-XVII»,
Arquipélago História e Filosojia, n.O 2, 1985.
12. Acuerdos del Cabildo de Fuerteventura, 1605-1728, 2 vols. ya citado.
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690 Alberto Vieira
cas de modo a assegurar-se a subsistencia das popula90es insulares.
Daí o especial destaque atribuido as questoes de abastecimento nas
ilhas, onde o cereal era escasso ou atingidas por urna conjuntura de
críse. Esta última situac;:ao fundamenta o elevado número de posturas
na ilha de Sao Miguel, considerado, entao principal celeiro do
mundo insular. Saliente-se ainda que as mesmas se situam nas décadas
de 30 e 40, período crítico para o abastecimento e comércio
cerealífero micaelense13.
O articulado das posturas frumentárias ia assim ao encontro da
conjuntura particular de cada município e nogeral do mundo insular.
Aí definiam-se medidas compatíveis com as reservas de cereal existentes
nos granéis públicos e privados, dando-se particular atenc;:ao
ao prec;:o, peso do pao contingentes de saída permitidos.
O vinho faz parte desse grupo de culturas ou produtos atingidos
por este tipo de medidas protecionistas, merce da sua importancia
na dieta e sistema de trocas insulares. As posturas estipulam medidas
de protecc;:ao de cultura em face da depredac;:ao do gado e furtos,
bem como o modo de venda do vinho atavernado. No primeiro caso
proibia-se, em Ponta Delgada, Funchal e Angra, a venda de uvas
sem indicac;:ao ou licenc;:a do dono. Entretanto, no segunco caso,
procura-se evitar os processos fraudulentos na sua venda com a fuga
ao pagamento da imposic;:ao e a baldeac;:ao de vinhos de diferentes
qualidades. Assim cada taberna so poderia dispor de duas pipas de
vinho (branco e tinto) abertas por um oficial concelhio
apóserem almatac;:adas.
.A carne e peixe, produtos cuja venda e manuseio exigiam especiais
cuidados, ocupam lugar de destaque nas posturas insulares. Aí
se etabelecem normas reguladoras de todo o processo de circulac;:ao
e venda. Assim nao era permitida a sua venda fora de prac;:a a
mesmo aí deveria ser feita por agentes habilitados pela vereac;:ao.
Deste modo aos proprietários de barcos, arrais ou pescadores estava
vedado o comércio de retalho. Ambos os produtos deveriam ser
almotac;:ados pelo almotacel ou diputados. A carne para além do seu
corte obrigatório no ac;:ougue municipal pelo marchante era vigiada
por um oficial concelhio.
A venda por peso ou medida facilitava o dolo dos vendedores
13. Veja nota 11.
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Introduqao ao estudo do direito local insular 691
pouco hone"tos que falsificam os referidos meios de medi9ao. Oeste
modo o muo:, ir;o era obrigado a redobrar a sua vigilfmcia sobre o
retalhista, sel¡ _~, I J alvo principal as vendeiras. Oaí o estipular-se o
uso obrigatório de pesos e medidos aferidos pelo padrao municipal,
em todas as ilhas sendo anual a respectiva conferencia que estava a
cargo do almotacel oufiel ejecutor.
3. A preocupa9ao do legislador insular incidia sobre as questoes
económicas que pela sua importancia na vivencia quotidiana
justificava essa redobrada aten9ao. A sociabilidade neste acanhado
espa90 insular nao implicava essa permanente interven9ao do município.
Além disso a marginalidade nao era preocupante merce da
coac<;ao exercido pela limita<;ao espacial que impossibilitava urna
fácil evasao. Em certa medida essa relativa mobilidade das sociedades
insulares, abertas as influencias do meio exterior contribuiu para
que se esvanecessem as cambiantes típicas.
A urbe espa<;o compartimentado da mundividéncia insular era
animada com a acyao dos diversos agentes económicos nos domínios
da produ<;ao, transforma<;ao, transporte e comércio. Essa mútipla
sociabilidade derivada de urna mescla de estratos sócio-profissionais,
forasteiros. Vizinhos e marginais implicava a necessária
defini<;ao de normas de convivencia social adequadas a normalidade
do quotidiano e relacionamento social.
A marginalidade, em terras em que a mao-de-obra detem urna
importante componente escrava, resulta deste grupo social. A estes
associam-se os vadios, mancebos a meretrizes.
Enquanto os primeiros se associam preferencialmente a lavra
do a<;úcar o que conduz a dominancia dessas posturas na Madeira,
Gran Canaria e Tenerife14 as meretrizes abundam preferencialmente
nas cidades portuárias do Funchal, Angra, Santa Cruz de
Tenerife e Garachico.
(lS escravos constituem, todavia, a principal preocupa<;ao dos
municll,ios no domínio sociaP5. Oeste modo o articulado das posturas
estabelece-se de modo minucioso os padroes de comportamento
14. Manuel Lobo Cabrera, «La esclavitud en las islas atlanticas: Madeira y
Canárias», Colóquio Internacional de História da Madeira, Punchal, 1986, no
prelo.
15. Ibídem..
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692 Alberto Vieira
deste grupo social, estabelecendo os limites da sua sociabilidade,
bem como, formas de delimita¡;ao ou segrega¡;ao social. Assim ao
escravo era vedado o acesso a casa própria e mesmo a possibilidade
de coabitar na urbe. Este deveria residir nos anexos da fazenda ou
quinta do senhor, nao podendo ausentar-se sem prévia anuencia do
amo. Fora do seu apertado circuito de movimenta¡;ao o escravo
deveria ser identificável pelo sinal e nao poderia usar arma nem permanecer
fora após o toque de recolher. O seu quotidiano deveria
restringir-se ao servi¡;o da casa e terras so senhor nao podendo, em
Gran Canaria, exercer qualquer outra actividade, como seja, carreteiro,
espigador e vendeiro de vinho. Além disso ninguém, nem
mesmo os libertos, poderia acolher, dar de comer ou esconder qualquer
escravo foragido.
A defesa da moral pública, devidamente regulamentada nas
ordena¡;óes do reino de Portugal, mereceram as necessárias adapta9óes
nas sociedades atlfmticas, definindo o espa90 e formas de convívio
social no burgo. Com a finalidade de defesa da reputa9ao de
mulher casada delimita-se a área de interven9ao e convívio de mancebia,
ao mesmo tempo que se coagia o sexo oposto a manter un
comportamento regrado com estas na fonte, ribeira e via pública. Na
ilha Terceira é intenc;ao do legislador estabelecer formas de convívio
nos espa90s de maior afluencia de vizinhos e forasteiros-mesones e
tavernas-de modo a evitar-se os delitos e descortezia.
A defesa das necessárias condi9óes de vida do burgo completase
com a procura de um nível adequado de salubridade deste espa¡;o
de convívio e labor social. A premencia das doen9as, nomeadamente
a peste, colocavam a obriga9ao de o município intervir com
medidas sanitárias. Estas acentuam-se nos municipios de acordo
com nível de salubridade e dominancia de vivencia rural associada a
anima9ao da actividade oficinal.
Da intervan9ao do município insular nesse domínio é de destacar
o facto de as preocupa9óes sanitárias resultarem da permanencia
e circula9ao de animais no burgo, do uso abusivo da água das fontes,
p090S, levadas a ribeiras para lavar, beber e uso industrial, mais o
necessário aseio das ruas e pra9as públicas. Daí a necessidade de
por termo a essa tendencia exacerbada de ruraliza9ao do maio
urbano, delimitando a área de circula¡;ao e estabulamento dos
animais.
A água, elemento vital do quotidiano e faina agricola insular,
mereceu atenta regulamenta¡;ao do município onde se procurava
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Introduqdo ao estudo do direito local insular 693
regularizar o uso de modo a evitar o furto e dano das mesmas com as
actividades artesanais-linho e couro. A fonte, espac;o privilegiado do
quotidiano da urbe, teve, especial atenc;ao neste contexto merc;e da
necessidade de regulamentar o seu consumo e uso. Aí restringe-se o
uso destas como bebedouro para animais ou estendal de roupa. Esta
preocupac;ao é dominante nas ilhas de Gran Canaria, Hierro, Tenerife,
Terceira e Sao Miguel. Convem referenciar que esse similar
comportamento nos arquipélagos des Canárias e Ac;ores tem fundamentac;
ao diversa. Nos primeiro essa intervenc;ao resulta da falta de
água e da consequente regulariza<;ao e controle do seu consumo
enquanto no segundo deriva dessa excessiva ruraliza<;ao do meio
urbano em consonancia com a posic;ao destacada do sector pecuário
na economia local.
O Funchal é, sem dúvida a cidade que disfrutava de melhores
condic;óes de salubridade. A sua situa<;ao geográfica associada el
delimita<;ao do espac;o agrícola assim o permitem afirmar. Note-se
que nas actas das vereac;óes de 1550 a 1650, bem como o código de
posturas, essa preocupas:ao com o aseio das ruas e pras:as é
pouco relevante l6
•
AS COlMAS
A coima, punic;ao pecuniária estabelecida no código de posturas
como forma de puni<;ao dos transgressores, refor<;a o articulado
da postura merc;e da relac;ao existente entre o valor da mesma e a
importancia atribuida pelo município a cada aspecto regulamentado.
Este regime penal municipal estava a cargo dos rendeiros e alcaide,
procedendo o primeiro el cobranc;a, enquanto o segundo procedia ao
aliciamento do transgressor com a prisao aí estipulada. Note-se que
a coima nao se resumia apenas ao pagamento pecuniário, podendo
ser um mixto de moeda e prisao, perda do produto em causa ou,
ainda, pagamento dos danos.
16. Francisco Morales Padron,ob. cit., 10-11; Miguel Angel Ladero Quesada,
«Ordenanzas municipales y regulacion de la actividad economica en Andalucia y
Canarias siglos XIV-XVII», JI Coloquio de Historia Canario Americana, vol. 11, Gran
Canaria, 1977, 143-156.
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694 Alberto Vieira
o referido código penal nao era imutável e uniforme pois
variava com o decorrer dos tempos e de acordo com as áreas em
questao, adequando-se a realidade sócio-economica quelhe serve de
base. A taxa era assim estabelecida de acordo com o grau de gravidade
da transgressao. As penas assumiam uma forma diversa na sua
aplica<yao de que se definem cinco formas:
1. pagamento em dinheiro, que variava nas ilhas portuguesas
de 50 a 6.000 reis e nas Canárias de 12 a 10.000 maravedis;
2. pagamento pecuniário com pena de prisao que poderia ir até
30 dias;
3. idemniza<yao dos danos causados, nomeadamente, pelo gado
nas culturas agrícolas;
4. perda do produto ou artefacto produzido ou transacionado
com uma certa quantia em dinheiro;
5. Outrasformas de puni<yao personalizadas que iam dos a<yoites
ao corte de mao e morte.
Esta última forma surge apenas nas ilhas de Gran Canaria e
Fuerteventura a punir as transgressóes do cameleiro, vendeiro e
escravos. Destaque-se que a pena de morte incidia sobe os ca<yadores
canários queateassem fogo as loiras de coelhos.
A reincidencia dos infractores poderia conduzir a uma maior
onera<yao da coima. Usualmente a primeira vez era punida com pena
dobrada e a segunda poderia ir até aos a<yoites, desterro perpétuo en
temporário. Estas situa<yóes estabelecidas em Gran Canaria para
punir a transgressao dos escravos, libertos ou o acto de desvio da
água dos engenhos do barranco. Na Madeira e em Tenerife essa
situa<yao conduzia no domínio da actividade oficinal a perda do
ofício.
A eficácia da aplica<yao e arrecada<yao das coimas dependia, em
certa medida, do empenhamento do denunciante mer<ye da atribuic;
ao de parte da coima. Em todas as localidades o denunciante recebia
uma parte significativa da pena que variava entre 1/3 a 1/2. As
partes sobrantes eram aplicadas de modo diverso. Nas Canárias
entregava-se 1/3 ao juiz que sentenciava e outro aos próprios. Na
Madeira essa quantia, quando em tres partes, era dividida pelo acusador,
cativos e concelho e, em duas atribuia-se metade ao acusador
e a restante ao concelho.
O valor da pena pecuniária bem como o número de dias de prisao
eram estabelecidos pelo municipio de acordo com uma tabela ou
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Introdur;do ao estudo do direito local insular 695
matriz que deveria existir em cada município. Nas ilhas portuguesas
a coima oscilava entre os 500, 1.000 e 2.000 reis, podenos em situa<;
oes excesiomais atingir valor superior a 1.500 réis. Nas Canárias
esse valor incidia entre os 50, 500, 1.000 e 2.000 maravedis, atingindo
em situa<;oes especiais valor superio a 5.000 podendo, no
entanto, atingir os 50.000. Estas penas extraordinárias incidam preferencialmente
sobre os aspectos que assumiam maior importancia
para a vivencia do burgo ou que eram susceptíveis de fácil infrac<;ao.
Assim os ofícios de moleiro, vendeiro, carniceiro, cameleiroe
boieiro situam-se entre os mais onerados pela coima. O mesmo
sucedia com a regulamenta<;ao do comércio externo com especial
incidencia para a saída do vlnho, cereal, linho e couro. Este último
domínio mereceu especial destaque nas ilhas da Madeira, Sao
Miguel, e Tenerife. A Madeira definida como urna ilha carente em
carne fazia depender o seu abastecimento dos A<;ores e Canárias
refor<;ou o valor da coima nos aspectos que envolvessem a distribui<;
ao deste produto. Ao invés em Tenerife e cidades de Ponta Delgada
e Angra essa aten<;ao incidirá nas riquezas piscícolas,
alargando-se na Madeira e em Tenerife a riqueza silvícola.
FUNDAMENTA<;::AO E EXPANSAo DAS POSTURAS INSULARES
A formula<;ao das posturas insulares nao é original urna vez que
tem o seu fundamento na legisla<;ao dos reinos peninsulares ou,
ainda, nos códigos existentes nas cidades e vilas da península que
serviram de matriz. As ordena<;oes régias portugesas e osfueros castelhanos
serviram de base nestas ilhas aos parametros de actuao<;ao
do legislador insular. Enquanto as cidades de Granada e Sevilha
exerceram urna aCyao decisiva na defini<;ao do regime jurídico da
sociedade canária, Lisboa servirá de matriz para o articulado institucional
da nova sociedade madeirense que terá repercussao nos
A<;ores, Cabo Verde, Sao Tomé e Principe e Brasil. 17
17. Alberto Vieira, Ocomércio inter-insular nos séculos XVe XVI, Ponta Delgada,
1985. Em 1578 o monarca ordenou que se aplicasse nos A90res o regimento
dos ofícios feito para a Madeira (Francisco Ferreira Drumond, Anais da ilha Terceira.
1,664). O mesmo sucedera com o regimento do almoxarifado, da alfandega e
juiz do mar (Urbano de Mendon9a Dias,A vida de Nossos Avós, 1, Vila Franca do
Campo, 1944).
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696 Alberto Vieira
Tomando como ponto de partida as posturas de Angra de 1655
conclui-se que num total de 177 posturas surgem 50% relacionadas
ou semelhantes as ordena¡yóes do reino e 29% de acordo com o articulado
das posturas existentes no reino e ilhas. Destas últimas 14%
assemleham-se as de Ponta Delgada e apenas 8% com a Madeira.
Oeste modo fácil será de admitir que o código de posturas angrense
fundamenta-se no direito régio e local do reino.
Nas ordena¡yóes do reino portugues18 surgem regulamentadas as
normas de convívio social e o modo de interven¡yao dos diversos
agentes da economia do burgo. Essas disposi¡yóes gerais do reino,
adequadas pelo código de posturas a realidade concelhia, incidiam
preferencialmente sobre os oficios (moleiro, padeiro), venda de
carne e peixe, corte de lenha e medidas sanitárias. O código de posturas
da cidade de Lisboa (1422-1570)19 serviu de orienta¡yao para
essa adaptac;ao das disposic;óes gerais a realidade municpal,
enquanto a madeirense adequará esse mesmo a nova realidade das
sociedades insulares atlfmticas.
Em Angra as posturas sem qualquer rela¡yao no exterior atingem
39% o que dá conta da importancia os aspectos inovadores das
sociedades insulares. Estes situam-se no domínio da agricultura e da
produc;ao artesanal aspectos típicos do múltiplo processo de desenvolvimento
sócio-económico do Mediterróneo At/óntico. Note-se
que a peculiaridade destas sociedades insulares assenta na faina
ac;ucareira, do pastel, do pascer do gado e do aproveitamento dos
recursos do meio. Aí as situac;óes derivadas dessa diversa forma de
explorac;ao dos recursos implicam maior atenc;ao do legislador local.
Neste particular destacam-se as posturas referentes a faina ac;úcareira
que radicam urna original formulac;ao do direito local insular. E
nesse domínio a Madeira que serviu de primeira experiencia agricola
no Atlantico terá exercido urna posic;ao charneira na elaborac;
ao do articulado dessas posturas. Se analisarmos as ditas referentes
aos canaviais e engenhos nota-se a influencia das madeirenses sobre
as Canárias e americanas, ainda que indirectamente.2o Sendo de
destacar que essa similitude da Madeira com as Canárias alarga-se
18. Compiladas nas Ordena9óes Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, reeditadas
recentemente pela Funda9iio Calouste Gulbenkian.
19. Livro de Posturas Antigas. Lisboa, 1974.
20. Alberto Vieira, ob. cil.
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Introdur;do ao estudo do direito local insular 697
aos aspectos afins dessa faina agrícola, como as águas,
madeiras e escravos.
Confrontadas as ordenan9as americanas (La Habana, 1574,
Guayaquil-1590) com as insulares constata-se urna maior sobriedade
destas urna vez que no seu articulado apenas se destacam
aspectos relacionados com o funcionamento do cabildo, mercado
interno, gado e escravos.21 Múltiplos aspectos do quotidiano relacionados
com a salubridade e moral pública do burgo sao ignorados
além-Atlfmtico. Daí a impossibilidade de estabelecer urna liga9ao
com as posturas insulares. De um modo geral essas eram elaboradas
de acordo com as ordena9óes e regimentos régios.
Em síntese poder-se-a afirmar que os diversos códigos de posturas
das novas sociedades atlfmticas resultam de urna simbiose das
ordena9óes régias com os usos e costumes de cada burgo. A influencia
das posturas peninsulares ter-se-a verificado apenas nos primórdios
da cria9ao destas novas sociedades, mercé da transplanta9ao
dos modelos societais peninsulares e dos usos e costumes dos locais
de origem dos primeiros povoadore. Todavia o devir do processo
histórico condicionou urna peculiar evolu9ao destas sociedades o
que conduziu a urna sistematiza9ao original deste direito insular que
surge de modo evidente nestas posturas quinhentistas e seiscentistas.
CONCLUSAO
o código de posturas insulares, como vimos, surge como a
expressao mais lídima do direito local do novo mundo pois a sua elabora9ao
fes-se de acordo com as condi9óes subjacentes a cria9ao
destas novas sociedades insulares e atlfmticas. Deste modo Francisco
Morales Padron nega a existencia de qualquer inspira9ao
peninsular na elabora9ao do código de posturas de Gran Canaria,
referindo que a similitude de títulos nao é sinónimo de plágio mas
21. Rafael Altamira e varios, Contribuciones a la História municipal de America,
México, 1951; Francisco Domínguez Compañy, «Ordenanzas munícipales híspanoamericanas
», Revista de História de América, n.O 86, 1978; Maria Luisa
Laviana Cuetas, «Las ordenanzas municipales de Guayaguil, 1590Anuario de Estudios
Americanos, XL, Sevilha, 1983.
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698 Alberto Vieira
sim de igual solU9ao perante situa9óes identicas.22 Note-se que o
Cabildo de Tenerife em 1509 ao solicitar ao de Sevilha as ordenan9as
da Nesta referia que as <<leyes y ordenanzas de Castilla se pueden
aprovechar en esta isla en muy pocos casos».23 Convém
referenciar, ainda, que se considerarmos as posturas como reflexo
das manifesta9óes multiformes da vivencia sócio-económica lógico
será de admitir urna diversa formula9ao em rela9ao ao articulado
das cidades litorais e interiores da península. Assim as cambiantes
peculiares da mundividencia insular definem, como vimos, o código
e articulado das posturas insulares.
Todavia confrontadas as posturas das ilhas portuguesas com as
das Canárias surgem algumas diferen9as pontuais neste domínio,
pois o direito municipal nao se adeque a relativa autonomia definida
pelos alvarás e regimentos régios. Assim na Madeira e nos A90res
onde o poder local disfruta de amplos poderes e a sua capacidade
legislativa ¡esta entravada pela insistencia das ordena9óes régias e
regimentos, o legislador a90riano-madeirense é for9ado a afinar pelo
mesmo diapasao peninsular, submetendo-se ao articulado das posturas
de Lisboa. Ao invés nas Canárias os munícipes disfrutam de
ampla capacidade legislativa, elaborando o código de posturas de
acordo com as solicita9óes da mundividencia do burgo. Esse rasgo
de originalidade acentua-se em todos os municípios apenas no domínio
sócio-económico. Oeste modo o direito local canário poderá ser
definido como autónomo e multiforme enquanto o madeirense e a90riano
surgirao como uniformes e arreigados as directrizes monopolizadoras
e intervencionistas da coroa portuguesa.
A diferente fundamenta9ao dos códigos de posturas insulares
conduziu a urna diversa valoriza9ao e empenho do legislador local.
Nos arquipélagos da Madeira a A90res essa permanente excessiva
interven9ao da coroa conduziu a um paulatino descrédito e esvaziar
da capacidade legislativa do município. Oeste modo, coartada a
possibilidade de interven9ao plena dos municípios na regulamenta9aO
da vivencia do burgo, o código de posturas é, em certa medida,
marginalizado. Oaí o relativo menosprezo das autoridades municipais
e a tendencia para o carácter avulso desta legisla9ao que,
22. Francisco Morales Padron,ob. cit., 18-19.
23. E. Aznar Vallejo, ob. cit.
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Introduf;do ao estudo do direito local insular 699
segundo as ordenaeyoes do reino, deveria ser compilada e divulgada
junto dos munícipes. Note-se quena Madeira essa ordem só foi cumprida
em 1572 e 1587, enquanto nos Aeyores as primeiras compilaeyoes
datam de 1655 (Angra) e 1670 (Ponta Delgada). Entretanto
nas Canárias, nao obstante a sua tardia pacificaeyao e acupaeyao, as
referidas compilaeyoes surgem em Gran Canaria e Tenerife em princípios
de século XVI, mantendo-se urna permanente actualizaeyao e
compilaeyao nos séculos seguintes.
A par desta ambiencia e em abono dessa diferente formulaeyao
do direito insular portugués e castelhano teremos o próprio código de
posturas e o seu campo de ipterveneyao. Em Tenerife e Gran Canaria
o legislador local regulamenta de modo rigoroso todos os aspectos
da vida da populaeyao, definindo normas de conduta social e um
apertado espaeyo de interveneyao para os diversos agentes económicos.
Destes o mais rigoroso é o da ilha de Gran Canaria que se
estende por 486 capítulos. Aqui todos os domínios da vida económica
adquirem urna posieyao relevante. Note-se que 85% das posturas
referenciadas para os ofícios pertencem ao código desta ilha e
destas 21% incidem sobre a actividade do marchante.
Confrontadas as posturas na globalidade destaca-se a dominancia
das refeentes as Canárias. Aí as quatro ilhas referenciadas atingem
1.180 capítulos (65% do total) enquanto nos Aeyores o mesmo
número de municípios nao ultrapassa metade deste valor. Apenas a
ilha de Gran Canria (41%) ultrapassa o número de posturas referenciadas
para aquele arquipélago. No municipio do Funchal o referido
código subdivide-se em 224 capítulos, o equivalente a mais de
metade dos municipios aeyorianos.
O atras referido expressa cabalmente a importancia e ambito
atribuido nos tres arquipélagos ao direito municipal. Além disso evidencia
que a sua afirmaeyao depende de múltiplos factores em que se
destaca a tendencia concentracionista da autoridade e instituieyoes
régias em ligaeyao com a conjuntura politico-economica. Deste modo
o código de posturas para além de surgir como a expressao dos
anseios da quotidianeidade insular reflecte os vectores dominantes
da conjuntura em que emerge e da dinamica institucional balizadora.
Sendo assim nas Canárias o código de posturas surge como a mais
lídima expressao dos vectores institucionais emergentes da economia
e sociedade canaria enquanto na Madeira e nos Aeyores, para
além de espelbarem essa tendencia concentracionista da coroa, evidenciam
a premencia das orientaeyoes gerais do reino na regulamen-
© Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009
700 Alberto Vieira
ta~ao da quotidianeidade local, no sentido de urna uniformiza~ao de
todo o império. Estas cambiantes dao conta de urna orienta~ao
diversa do direito e das institucióes definidos pelas coroas peninsulares
de acordo com a sua politica colonial para o novo mundo
atlfmtico.
71
COURO ITIlIIIJ
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15
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AS POSTURAS E OS ASPECTOS DA AGRO-PECUÁRIA E
DERIVADOS
© Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009
GRAN CANAl lA
70
R GRAMOE-] ¡:::::=======-~
A PECUÁRIA NAS POSTURAS INSULARES
FUERTEVENTURA
66
MEDIDAS SANITÁRIAS NAS POSTURAS
© Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009
TENERIFE
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FUERlEYENIURA
185
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CDIoCPDNENIES DA SU8SISTENCIA
ANGRA-'l
p, DElGADA
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CDIoCPDNENIES DA ECDHDIoCIA DE IRDCA
RELAtAD DE VECTORES DA ECONOMIA DE SUBSISTENCIA
ETROCA 'jAS POSTURAS INSULARES
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fUERTEvmURA
32
PAIMÁAIO
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PO"TA OElGAOA-7
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mCIÁRIO
AS POSrURAS E OS SECrORES OE ACTlVIDAOE
© Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009
GRAH CANARIA
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GRAN CARARIA
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TERCIÁRIO
OFicIOS E OS SECTORES DE ACTlVIOAOE
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FUER!EVEHTURA
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ACÚCAR
REPARTI~ÁO OE PROOUTOS NA ECOHOMIA
INSULAR E AS POSTURAS
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MERCADO
DOMíNIO ESPACIAL DAS ACTIVIDADES
E IlUOTlDIANO DO BURGO
© Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009
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AtTIYIDADE lR.USFORMADDRA
AS POSTURAS E ALGUNS ASPECTOS OA
VIDA ECONÓMICA INSULAR
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ARQUIPÉLAGO Mad. AC;:ORES CANARIAS TOTAL .. '" -<:i '" .~ ILHA e '" DOMÍNIOS ... .. Oi e .. '" <2l o e e
E ~
~ e '" .. .¿ .. Temáticos oC el el E .. U .. e o % ... e . .. .= = Ii c.; ;> «e .. = 5: Ó ... '" "- Z
Cargos Municipais 3 3 53 62 4 125 7
Faina Rural 38 19 21 6 87 116 58 34 399 24
~ '" Oficios 77 4 11 19 22 152 97 13 395 24 ~ '" .'". Factores 10 5 10 10 124 7 0'- ..".,..oE 21 19 37 2
'" e - O Mercado 50 I 63 19 40 125 35 30 263 16 ee¡¡.J.
-'" . ="=:- Abastecimento 18 I 32 7 19 23 9 12 39 2 153 .....
~«
Pesos e Medidas 16 4 8 2 II 15 12 27 2 97 6
Fazenda I 3 I I I 2 9 0.5
Medidas Sanitarias 12 21 21 22 14 20 66 5 105 6
As Posturas Municipais e as Actividades económicas da Sociedade Insular
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As Posturas e alguns aspectos da socíedade e economia insulares
Mad. A<;:ORES CANARIAS TOTAL
Funchal R. Grande P. Delga. V. Franca Angra G. Can. Tenerife Hierro Fuert. Número %
Trigo 12 2 21 4 10 21 8 2 32 112 11
Vinho 13 15 2 16 10 14 3 2 75 7
Legumes 1 1 3 1 6 0,5
Gado 26 2 11 22 18 31 65 20 71 266 25
Carne 13 1 13 4 14 35 23 1 104 10
Couro 2 9 1 5 4 2 23 2
Peixe 10 4 1 9 21 5 1 1 52 5
Azeite 5 2 8 1 4 2 22 2
Pastel 2 7 9 0,8
A<;úcar 28 6 1 55 21 111 11
Sumagre 1 1 2 2 6 0,5
Urzela 1 1 2 0,2
Linho 1 3 17 7 1 1 30 3
Madeiras 10 5 2 24 24 3 10 78 7
Aguas 6 5 3 3 21 33 4 40 115 11
Escravos 14 1 1 4 6 17 8 1 42 4
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As posturas e os ofícios na sociedade insular
ARQUIPELAGO MA. A<;ORES CANARIAS TOTAL
ILHA ."
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""" l:l.o :z
Alfaiate 2 2
Almocreve 6 2 - 8
Barqueiro 1 10 11 3
Boieiro 1 1
Caldeireiro 5 5
Carpinteiro 2 2
Carreiro 9 1 13 10 3 3 39 12
Cirieiro 2 9 11 3
Curtidor 1 9 10 3
Confeiteiro 6 1 7
Cardador 1 1
Ferreiro 1 1
Lavadeira 1 1
Ferrador 1 1 1 1 1 5
Marchante 4 4 31 1 40 12
Mercador 3 1 17 2 2 25 8
Mestre de a~úcar 3 1 4
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As posturas e os ofícios na socíedade insular
ARQUIPELAGO MA. A<;ORES CANARIAS TOTAL
ILHA .¿ lI.l t'Il
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PROFISSAO e o e lI.l lI.l = e .. lI.l :t = .=
u. < ~ ;;.: a::: C-' ¡... Cl. Z
Mestre de Navio 1 1 2
Moleiro 11 11 5 14 2 43 13
Oleiro 1 1 6 8
Ourives 1 1 2
Padeira 1 2 2 2 2 7 16 5
Pescador 7 1 8
Pastor 3 4 7
Pedreiro 6 6
Platero 5 5
Picheleiro 1 1 2
Purgador 1 2 3
Sapateiro 3 1 3 12 1 2 22 7
Sastre 3 3
Serrador 2 2
Tanoeiro 4 1 1 6
Trabalhador 1 11 1 13 4
TeceHio 1 3 1 5
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