XXIII Coloquio de Historia Canario-Americana
ISSN 2386-6837, Las Palmas de Gran Canaria. España, (2020), XXIII-074, pp. 1-10
PROCESOS MIGRATORIOS - LA INMIGRACIÓN BOLIVIANA EN RÍO DE JANEIRO Y LA CONSTRUCCIÓN DE NUEVAS IDENTIDADES
MIGRATORY PROCESSES - THE BOLIVIAN IMMIGRATION IN RIO DE JANEIRO AND THE CONSTRUCTION OF NEW IDENTITIES
PROCESSOS MIGRATÓRIOS - A IMIGRAÇÃO BOLIVIANA NO RIO DE JANEIRO E A CONSTRUÇÃO DE NOVAS IDENTIDADES
Maria Teresa Toribio Brittes Lemos
Cómo citar este artículo/Citation: Toribio Brittes Lemos, Mª. T. (2020). Procesos migratorios - La inmigración boliviana en Río de Janeiro y la construcción de nuevas identidades. XXIII Coloquio de Historia Canario-Americana (2018), XXIII-074.
http://coloquioscanariasamerica.casadecolon.com/index.php/CHCA/article/view/10471
Resumen: La migración internacional se destaca como uno de los fenómenos sociales más relevantes en la actualidad, resultado en gran medida de los desequilibrios y las disparidades económicas entre los países estadounidenses. La migración y el modelo económico dominante determinan aspectos nuevos y contradictorios. Dirigida a los centros industriales más grandes, más dinámicos, económicos y socialmente integrados, la inmigración requiere mucha mano de obra. El proyecto tiene como objetivo analizar las coyunturas históricas de América Latina e identificar los problemas políticos y sociales que obligaron a esas poblaciones desposeídas e, incluso a las técnicamente calificadas, a buscar nuevos lugares para trabajar y vivir. La migración en el mundo globalizado está relacionada con la "tradición migratoria" en sí y la existencia de redes interpersonales en los países de destino. Su complejidad deriva de la diversidad de factores que lo estimulan y promueven, a la vez que lo distinguen de patrones pasados. El proceso actual de globalización ha roto las fronteras económicas, sociales y culturales al fomentar la circulación expandida de capital, mercancías, símbolos e imágenes. Esta fundación explica las diferencias entre las migraciones de las primeras décadas de los siglos XIX y XX y enfatiza el carácter globalizado de las migraciones internacionales actuales, especialmente las migraciones laborales. En el mundo actual, la globalización solo se ha hecho evidente debido a la velocidad con que la información del mercado financiero maneja sumas incalculables. La comunicación no encuentra obstáculo en las diferencias de culturas, idiomas e ideologías, la aceleración de las redes sociales y el flujo continuo de bienes, productos y servicios. La globalización ha impuesto la disputa necesaria para los mercados de consumo y, junto con la tecnociencia, su velocidad se ha vuelto vertiginosa, por lo que dentro de unos años fue dentro de la esfera de la economía informal que se produjeron importantes retrasos culturales de una generación a la siguiente. En el mundo globalizado, la inmigración implica nuevas representaciones e internaliza las consecuencias de la violencia xenófoba, la minimización intencional de la garantía de los derechos primarios, el reduccionismo de la mano de obra migrante a la economía informal, los prejuicios culturalmente insertados por los medios y los medios. impidiendo la inserción en los espacios formales de educación a, entre otros debido al hecho de que el inmigrante está etiquetado como que tiene diferencias culturales.
Palabras clave: globalización, identidad, cultura, procesos migratorios, bolivianos, Río de Janeiro, desplazamientos de población.
Abstract: International migration is evidenced as one of the most relevant social phenomena of our time, resulting in large part from the economic imbalances and disparities between the American countries. The migration and the dominant economic model determine unprecedented and contradictory aspects. Directed to large industrial centers, more dynamic, economically and socially integrated, immigration is substantially labor.
Orientadora. Professora Titular em História da América. Pesquisadora-Visitante do Programa de Pós-Graduação em História Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do NUCLEAS/UERJ. Brasil. Correo electrónico: mtlemos@uol.com.br
© 2019 Cabildo de Gran Canaria. Este es un artículo de acceso abierto distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Reconocimiento-NoComercial-SinObraDerivada 4.0 Internacional.
MARÍA TERESA TORIBIO BRITTES LEMOS
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The project proposes to analyze the historical conjunctures of Latin America and identify the socio-political problems that have forced those populations that have been dispossessed and even those technically qualified to look for new places to work and live. Migration in the globalized world is related to the "migratory tradition" itself and the existence of networks of interpersonal relations in the countries of destination. Its complexity derives from the diversity of factors that stimulate and promote it, while distinguishing it from the patterns of the past. The current process of globalization has overthrown economic, social and cultural frontiers by fostering the increased circulation of capital, commodities, symbols and images. This foundation explains the differences between the migrations of the first decades of the nineteenth and twentieth centuries and emphasizes the globalized character of the current international migrations, especially labor migration. In today's world, globalization has only become evident because of the speed with which financial market information delivers untold sums. Communication finds no obstacle in the differences of cultures, languages and ideologies, the acceleration of social networks and the continuous flow of merchandise, products and services. Globalization imposed the necessary competition for consumer markets and, coupled with technoscience, its speed became vertiginous, so that in a few years significant cultural lags were produced in the sphere of the informal economy from one generation to another. In the globalized world, immigration involves new representations and internalizing the consequences of xenophobic violence, intentional minimization of the guarantee of primary rights, the reductionism of migrant labor to the sphere of the informal economy, prejudices inserted culturally by means and media, impediment of insertion in the formal spaces of education a, among others arising from the fact that the immigrant is labeled as having cultural differences.
Keywords: globalization, identity, migratory processes, culture, bolivians, Rio de Janeiro population displacements.
Resumo: A migração internacional se destaca como um dos fenômenos sociais mais relevantes da atualidade, resultante em grande parte, dos desequilíbrios e disparidades econômicas entre os países americanos. A migração e o modelo econômico dominante determinam aspectos inéditos e contraditórios. Direcionada aos grandes centros industriais, mais dinâmicos, econômicos e socialmente integrados, a imigração é substancialmente trabalhista. O projeto se propõe analisar as conjunturas históricas da América Latina e identificar os problemas político-sociais que forçaram aquelas populações despossuídas e, mesmos os qualificados tecnicamente, a procurar novos locais para trabalhar e viver. A migração no mundo globalizado guarda relação com a própria “tradição migratória” e a existência de redes de relações interpessoais nos países de destino. Sua complexidade deriva da diversidade de fatores que a estimulam e a promovem, ao mesmo tempo que a distinguem dos padrões do passado. O atual processo de globalização tem derrubado fronteiras econômicas, sociais e culturais ao fomentar a circulação ampliada de capitais, mercadorias, símbolos e imagens. Esse fundamento explica as diferenças entre as migrações das primeiras décadas dos séculos XIX e XX e acentua o caráter globalizado das atuais migrações internacionais, especialmente as migrações trabalhistas. No mundo atual, a globalização só se tornou evidente devido à velocidade com que as informações relativas aos mercados financeiros administram somas incalculáveis. A comunicação não encontra obstáculo nas diferenças de culturas, idiomas e ideologias, a aceleração das redes sociais e o continuo fluxo de mercadoria, produtos e serviços. A globalização impôs a necessária disputa por mercados consumidores e, aliada à tecnociência, sua velocidade tornou-se vertiginosa, de modo que em poucos anos fora à esfera da economia informal produzidas defasagens culturais significativas de uma geração para outra. No mundo globalizado, a imigração envolve novas representações e internalizam as consequências decorrentes da violência xenófoba, minimização intencional da garantia dos direitos primários, o reducionismo da mão de obra migrante à esfera da economia informal, os preconceitos inseridos culturalmente pelos meios e comunicação social, os impeditivos da inserção nos espaços formais de educação a, dentre outros decorrentes pelo fato do imigrante ser rotulado como portador de diferenças culturais.
Palavras chave: Globalização, identidade, cultura, processos de migração, bolivianos, Rio de Janeiro, deslocamentos populacionais.
A presença de imigrantes rurais bolivianos no Brasil iniciou-se após a Guerra do Chaco1, quando milhares de camponeses, obrigados a participar da guerra contra o Paraguai, preferiram assentar-se nas cidades em vez de voltar para o campo. Aquela presença acentuou-se após os movimentos revolucionários das décadas seguintes, que provocaram grande instabilidade nas áreas agrícolas.
1 A Guerra começou em 1932, e somente em 1938 foi firmado o Tratado de Paz, em Buenos Aires. PROCESOS MIGRATORIOS...
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A conjuntura social boliviana apresentou grande instabilidade com os resultados da guerra e essa situação provocou uma grande migração para os centros urbanos, como também a saída para outros paises, especialmente Argentina e Brasil, devido à atração melhores salários. Os camponeses abandonaram suas comunidades para tentar organizar uma nova vida em um país distante.
Iniciou-se, dessa maneira, forte desestruturação da comunidade rural boliviana, tradicionalmente assentada no "ayllu", organizada por laços comunitários, com a acelerada saída em massa da população camponesa de suas terras. Outros fatores também contribuíram para a imigração, como as crises sociais causadas pelo avanço capitalista no campo e os movimentos de sublevação política.
A reestruturação dessa sociedade imigrante em solo brasileiro se fez sob duras penas. Na sua maioria, os imigrantes foram explorados em sua força de trabalho. Dirigiram-se para os centros urbanos que se modernizaram2 ,submetendo-se à exploração dos grupos industriais. Em sua maioria , clandestinos, e acostumados a uma vida comunitária, tiveram seus laços culturais desestruturados e tornaram-se presas fáceis da exploração.
Tanto o governo brasileiro quanto as delegações de seus países manifestaram grande preocupação com esse problema social. Enquanto não se desenvolveram formas plausíveis para atender com dignidade a população imigrante, esses grupos ficaram à mercê dos exploradores de mão-de-obra barata.
Os dirigentes latinoamericanos pouco fizeram ou continuam fazendo em relação à distribuição de renda. Mesmo as práticas populistas,que predominavam nos discursos governamentais, ao contrário do que pregavam, não obtiveram resultados, e como conseqüência, recrudesceram as crises sociais.
A despeito das promessas de atender a todo o povo, a elite dirigente tem se mostrado insensível à miséria e os setores menos favorecidos da sociedade não têm tido acesso às vantagens oferecidas pelo governo. Foram e continuam sendo ignorados ou até mesmo delas excluídos.
A prática política usual continua sendo a de impor perdas aos setores mais baixos da sociedade, aos quais falta força política. Na Bolívia, o setor rural e os pobres da periferia urbana foram os mais prejudicados pelas crises nacionais. Os dirigentes populistas distribuíam os ganhos do desenvolvimento entre os setores da classe dominante3.
Tanto na área rural quanto na periferia urbana a miséria assumiu enormes proporções. Os camponeses e os pobres das cidades continuaram marginalizados, política e economicamente. A crise social também acelerou o êxodo de técnicos e profissionais qualificados, não absorvidos pelos processos de modernização do país. Dessa forma registrou-se na Bolívia um amplo movimento imigratório à procura de melhores condições e perspectivas de um futuro promissor. Assim, depois da Guerra do Chaco e da Revolução popular de 1952, milhares de bolivianos tentaram reiniciar suas vidas no Brasil.
COMUNIDADES RURAIS E A CRISE
As comunidades rurais da Bolívia mantêm suas características culturais dos Ayllus indígenas. A permanência do trabalho comunitário e a produção para o consumo, identificados pela cultura (língua e costumes quêchuas), resistem às transformações capitalistas.
2 Os imigrantes bolivianos foram para a cidade de S.Paulo, grande pólo industrial brasileiro.
3 CARDOSO (1993), p. 241. MARÍA TERESA TORIBIO BRITTES LEMOS
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As crises políticas, econômicas e sociais os obrigaram a abandonar seus lares e suas regiões. Nas cidades não encontraram condições para sobreviver. Foram, em grande parte, atraídos para outras áreas da América Latina, como Argentina e Brasil, conduzidos pelas idéias de desenvolvimento e progresso.
À PROCURA DE UM ESPAÇO IDENTITÁRIO
No Brasil, entraram cerca de 15 mil bolivianos legalmente como imigrantes ou turistas . Após o período de permanência previsto pelo passaporte, passaram a viver na clandestinidade. Outros entraram ilegalmente pelas fronteiras de Mato Grosso.
O governo brasileiro passou, a partir de 1992, a tomar conhecimento oficial da situação dessa imigração ilegal através da imprensa, que denunciou a forma desumana como os imigrantes bolivianos estavam vivendo, semelhante a escravos , trabalhando em indústrias coreanas, em São Paulo.
A partir das denúncias publicadas, as autoridades do Brasil e da Bolívia passaram a se preocupar com o destino daqueles imigrantes, especialmente porque a situação deles atentava contra os direitos humanos.
BOLÍVIA - CONJUNTURAS DE CRISES- A IMIGRAÇÃO COMO SOLUÇÃO
Após a Guerra do Chaco, a Bolívia ficou bastante enfraquecida e se deparou com grandes conflitos sociais que abalaram sua estrutura social. O impacto imediato da guerra alterou e revolucionou as relações sociais nas áreas rurais. Os centros urbanos também se ressentiram com a situação. Um amplo proletariado marginalizado passou a predominar nas periferias. A guerra agravou os problemas que já estavam despontando na Bolívia desde a sua formação em Estado Nacional no século XIX.
Um dos mais graves problemas da guerra foi a expansão latifundiária em detrimento do campesinato, acelerando os descontentamentos, pela grande miséria que grassava os campo.
A partir de 1927, no mesmo espaço social que, no século passado, Tupac Katari se sublevou, iniciaram-se os maiores levantes camponeses da Bolívia, atingirndo numerosas áreas rurais. Começando em Ocurí, o movimento campones de Chayanta se alastrou para as áreas rurais de Potosi, Chuquisaca, La Paz, Oruro e Cochabamba4.
Esses movimentos assumiram proporções incontroláveis. O campesinato estava farto da opressão exercida pelo latifundiário. A exploração da mão-de-obra camponesa, que se assemelhava à servidão colonial e a cobrança indevida de impostos, entre outras distorções sociais, acelerou os conflitos.
Antes da sublevação foram numerosas as reclamações e pedidos de ajuda por parte dos camponeses e colonos às autoridades oficiais. Do Departamento de Chuquisaca chegaram vários documentos denunciando a cobrança extorsiva de impostos por parte dos grandes proprietários. Nenhuma dessas reclamações foi atendida e a miséria dominava o campo boliviano5.
Da zona montanhosa de Chayanta até às aldeias de Chuquisaca, massas camponesas armadas semearam o pânico nas províncias de Chayanta, Cornelio Saavedra y Linares, Potosi,
4 ARZE (1990), p. 610.
5 Carta del rector de la Universidad de San Francisco Xavier ao Prefeito de Chuquisaca. Sucre, 20 de jun-ho de 1927. PROCESOS MIGRATORIOS...
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Oropeza entre outros locais "Vinham índios de todas as partes, confundindo-os até com arbustos em cima dos morros"6.
Os ataques recíprocos de colonos e camponeses colocaram em pânico as províncias, provocando a fuga dos grandes proprietários e a repressão policial. A classe média se colocou ao lado dos latifundiários e das forças governamentais. O Jornal El País noticiava em 23 de outubro desse ano
"Todo lo más saliente, social y político, se puso al lado del gobierno, de las autoridades y del vecindario para defender un possible ataque de los índios". La "cholada" se preparava para apoiar os rebeldes7.
O clima de instabilidade social predominava nas áreas rurais da Bolívia. A comunidade camponesa era continuamente, oprimida e explorada pelos grandes proprietários, que tinham assumido o comando do país desde o início do século passado.
As comunidades indígenas e camponesas, organizadas sob a estrutura do "ayllu", agonizavam diante da nova estrutura econômica que se vislumbrava. O Estado Nacional, com a sua inserção ao sistema capitalista mundial, encaminhava-se para a desestruturação do sistema comunitário dominante.
Esse problema acentuou-se com a Crise de 29 e suas consequências, acentuadas com a questão do Chaco. A crise trouxe o desemprego e a miséria, especialmente paras regiões de mineração. O caos social foi superado pelo problema nacional do Chaco. Em nome do nacionalismo, as autoridades bolivianas desviaram a atenção nacional para a questão do Chaco e a defesa das áreas petrolíferas, bem como suas fronteiras. O desemprego, a fome e o êxodo rural foram substituídos pelo nacionalismo. A miséria e o desemprego deixaram de ser o principal inimigo e este passou a chamar-se Paraguai.
A Guerra desenraizou as populações rurais e facilitou o avanço dos grupos econômicos expansionistas. Os grandes proprietários de terra, aproveitando o vazio deixado pelos camponeses arrastados para o Chaco, expandiram-se para as suas terras.
A Guerra contra o Paraguai não deteve a expansão dos grandes proprietários. O fenômeno se generalizou ainda mais, através da expropriação da terra dos camponeses que foram mobilizados para o Chaco. Os grandes proprietários argumentavam que essas comunidades, por serem rústicas, não reuniam condições para darem um melhor rendimento às suas terras. O avanço para as terras comunitárias processou-se através da posse violenta ou por compras ilícitas de terrenos8
O problema da propriedade territorial, antes da Guerra do Chaco e mesmo depois dela, foi marcado pelas reivindicações camponesas. Habituados a uma vida comunitária, originada pelo "ayllu" e até certo ponto mantida pela "encomienda", os camponeses e índios disputavam um pedaço de terra.
Um dos fatos marcantes da década de 1930 foi a fundação da Sociedade República de Kollasuyo, em 8 de agosto daquele ano, em La Paz, que exigia, sob a liderança de Nina Quispe, melhores condições de vida, para a população rural. Esse líder rural defendia uma reforma agrária que legitimasse os primitivos títulos de propriedade comunal. Esses títulos haviam sido desconsiderados pelos expropriadores e invasores de terra.
A Guerra do Chaco, no entanto, trouxe outra dimensão para essa população sofrida. Por que regressar às suas terras? Para que voltar à situação de pongo, para as regiões em conflitos, onde os patrões exploram e expropriam as terras, onde a instabilidade e a miséria são maiores? Afinal, em suas comunidades, só poderiam trabalhar a terra, enquanto nas cidades
6 ARGUEDAS (1993), p. 299.
7 ARZE (1986), p. 613.
8 SAAVEDRA (1939), p. 108. MARÍA TERESA TORIBIO BRITTES LEMOS
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numerosas atividades se ofereciam. Por isso, em sua grande maioria, o cholo ou mestiço resolveu dirigir-se à cidade para iniciar uma nova vida.
AS COMUNIDADES AGRÁRIAS BOLIVIANAS - DESESTRUTURAÇÃO
Segundo Neiswanger e Nelson, cada indio recebia um lote de terreno da “finca”, lote em que ele e os membros de sua família trabalhavam e cujo produto recebiam. Em compensação, o colono trabalhava para o patrão quatro ou cinco dias por semana, seus filhos cuidavam dos rebanhos dos proprietários do terreno e, de vez em quando, membros da família do colono iam a casa do patrão na cidade para servir de criados por um prazo determinado9.
Sob essa relação social identificam-se permanências servis, com a exploração da mão-de-obra indígena. Presos à grande propriedade, não podendo abandoná-la, a produção contribui apenas para a subsistência do grupo. A pongagem é a triste realidade das comunidades rurais bolivianas.
A revista da Federación Campesina de Cochabamba, de 12 de setembro de 1952, denunciava que o colono oprimido tinha que transportar até o lugar de venda produtos agrícolas do proprietário , dono e senhor, em um tempo que levava de três a quatro dias, podendo o patrão fazê-lo em menos tempo com veículos motorizados. Mas ele preferia impor essa obrigação ao índio para não pagar frete.
Segundo Antonio Garcia ( 1965), a estrutura agrária latifundiária da Bolívia consistia numa:
"economia del trabajo basada en los servicios personales gratuitos, en las tierras o en la casa de hacienda (colonos, arrenderos, pongos, mitanis, etc.) radicación tradicional de los colonos de sayanas o pegujales de una a cuatro hectareas (fracionadas en parcelas y localizados en los cinturones marginales de la hacienda, estas parcelas debía explotarlas en arrendero en medieria, por medio de peones sueltos o hutahuahuas); trabajo gratuito del colono o arrendero (durante 4 o 5 dias dias a la semana, en la totalidad del año agricola y aporte gratuito de jornaleros, animales de trabajo, y aperos de labranza durante las siembras y cosechas): regimen estricto de contraprestaciones, en especie y trabajo (por el pastoreo en las tierras eriazas, la recolección de paja o leños, etc.), autosuficiencia laboral (por medio de estratos sociales nutridos en la delgada economia del arrendero, pegujalero o colono); relación exclusiva de la hacienda con la economía de mercado, por medio de la comercializacíon de su producción agrícola y pecuniara; hermetismo cultural y politico, ya que en la republica desaparecieron los metodos de fiscalización estatal de la epoca del coloniaje; autoridad patriarcal y centralizada en el hacendado o en sus mayordomos o hilacatas"10
As características antes descritas configuram a estrutura da propriedade agrária do país e seu regime de exploração. Depois da Revolução de 1952, os camponeses começaram a ocupar as terras, em especial as das zonas dos vales Cliza e Ucureña, próximo a Cochabamba, desalojando os médios e grandes proprietários. O governo boliviano, somente no ano seguinte à revolução, começou a projetar a lei da reforma agrária que iria contemplar algumas questões solicitadas pelo programa revolucionário, como:
9 NEISWANGER (1945), p. 2281.
10 GARCIA (1965), p. 404. PROCESOS MIGRATORIOS...
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a) restituir as terras das comunidades
b)outorgar terras expropriadas
c) declarar liquidação dos serviços e prestações pessoais servis
d) promover imigração interna, entre outras reivindicações.
A lei da reforma agrária tendia a transformar as relações sociais no campo e promover o capitalismo. No entanto, só parcialmente algumas fórmulas se aplicaram para transformar as relações sociais de produção nas áreas rurais. Na realidade, percebeu-se o estancamento da agricultura, inflação e grande desigualdade na entrada de capitais. Farragut (1963) explica que “esses elementos" han representado los principales obstaculos para integrar la población agrícola al desarrollo ecónomico y social de la nación".11
Na década de 1960 as reclamações aumentaram. O mercado interno encontrava-se cada vez mais raquítico e a reforma agrária não resolveu o problema de integração do índio a esse mercado interno. A população rural precisou procurar outras formas para sobreviver.
Diante daquela situação aceleraram-se os movimentos de imigração que vinham tomando conta das comunidades rurais. A economia camponesa continuou seguindo os moldes tradicionais,com excessivas diferenças sociais e econômicas que impediam qualquer processo de modernização.
IMIGRAÇÃO PARA O BRASIL
A saída em grande escala de camponeses bolivianos para outros países da América Latina trouxe como conseqüência a desestruturação da comunidade rural boliviana. Vários fatores foram apontados para esse movimento, que não se caracterizou simplesmente como êxodo rural, pois os camponeses não foram apenas para as periferias das grandes cidades, procurando perspectivas mais amplas.
Na realidade os camponeses bolivianos foram atraídos pela idéia de progresso de outras cidades latinoamericanas. A modernização dos grandes centros e a forte propaganda de imigração serviram de instrumentos para mobilizar expressivos contingentes rurais para a força de trabalho das nascentes indústrias.
Desde o início desse século, a cidade de São Paulo exerceu grande atração sobre povos de diversas partes do mundo. Grupos estrangeiros que aí se estabeleceram puderam usufruir do desenvolvimento e da modernização que o incremento industrial trouxe à cidade.
Por esse motivo diversos grupos de imigrantes bolivianos chegaram até S. Paulo e Rio de Janeiro. No entanto o parque industrial paulista foi o que ofereceu melhores condições para absorver a excessiva mão de obra tanto nacional, composta por trabalhadores nordestinos fugidos da seca, como a de imigrantes estrangeiros.
Dados oficiais do Serviço de Imigração dão conta de que cerca de 15 mil imigrantes bolivianos entraram legalmente no Brasil. No entanto, dados levantados recentemente informam que aproximadamente 160 mil bolivianos ingressaram em território brasileiro, em sua maior parte em S. Paulo, de forma clandestina, tentando regularizar a situação ou com visto que se esgotara. Na realidade, esse contingente populacional que se dirigiu para S. Paulo, teve em sua maioria um triste destino.
No parque industrial paulista foram absorvidos pelas indústrias coreanas que detinham a indústria de confecção. Devido à situação de ilegalidade no país, eles eram contratados em regime que se aproximava da semi-escravidão.Eram obrigados a trabalhar 16 horas por dia e executar a cota diária de 70 peças de tecido, recebendo pelo trabalho o salário mínimo que se
11 FARRAGUT (1963), p. 131. MARÍA TERESA TORIBIO BRITTES LEMOS
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pagava na ocasião. O tempo para descansar ou algum lazer era mínimo , somente aos sábados à tarde e aos domingos.
Conforme informações de fiscais do governo em matérias publicadas em jornais12 "A maioria das oficinas coreanas utiliza esse sistema de trabalho. E muito mais barato e rendoso do que empregar brasileiros trabalhando oito horas por dia". A maioria evitou denunciar os maus tratos ou reclamar de viver confinado em sótão, para evitar a deportação. Um grupo de bolivianos, quando entrevistado por um jornal brasileiro, confirmou que valia a pena viver no Brasil, mesmo daquela maneira, pois os salários eram maiores que os da Bolívia13.
A maioria chegava do Altiplano, atraída por anúncios de jornais e rádios locais. Os empresários coreanos preferiam os imigrantes dessa região porque tinham fama de serem mais trabalhadores que os de Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra.
Assim que chegavam, os bolivianos instalavam-se nos locais de trabalho e raramente saiam às ruas. Fontes do Serviço de Imigração e da Polícia Federal não souberam informar quantos bolivianos viviam no Brasil naquelas circunstâncias.
Através de denúncias veiculadas pela imprensa paulista, em 1992, a situação daqueles imigrantes em solo brasileiro tornou-se de conhecimento público.
A situação agravou-se em São Paulo, quando, em 1988, o governo brasileiro regularizou a vida da maioria dos estrangeiros no país, anistiando-os e assim permitiu que encontrassem empregos legais. Dessa forma acreditou-se ter acabado com a utilização da mão de obra clandestina nas indústrias de confecção. A partir desse ano todos poderiam ser regidos por leis trabalhistas.
Puro engano! Empresários interessados na mão de obra barata não queriam atender às exigências das leis trabalhistas, e passaram a atrair os bolivianos, que aceitavam trabalhar em suas oficinas, sem carteira profissional assinada ou qualquer direito trabalhista.
Assim, essa população dos Andes, na expectativa de encontrar melhores condições em outro país, na realidade não conseguiu estruturar sua nova sociedade. Vivendo em regime de semi-escravidão, e clandestinos em sua maioria, não se inseriram no mercado de trabalho.
No Brasil, os bolivianos têm os mesmos direitos à proteção previstos na Constituição, e não podem ser submetidos a trabalho escravo. A Secretaria da Justiça da Cidadania do Governo de São Paulo e a Embaixada da Bolívia tomaram conhecimento dessa irregularidade. A sociedade boliviana também tentou resolver o problema dessa população, mas as dificuldades foram grandes devido à clandestinidade da imigração. O governo boliviano preferiu a opção pelo retorno, o que não aconteceu.
Os relatos dos operários apontaram o cotidiano do terror como viviam . Segundo informou Abel (1992), um operário paulista , aos fiscais da polícia do Estado de São Paulo e registrado pelos jornais. Nesse relato, Abel disse que foi atraído por uma proposta de emprego numa oficina de confecção num bairro de S. Paulo, que oferecia comida e teto e um salário14 . A jornada de trabalho pedida era de dezesseis horas.
Naquela oficina, Abel encontrou outros empregados, imigrantes bolivianos que viviam amontoados num sótão, sem ventilação, alimentando-se apenas com arroz. Trabalhavam incessantemente, sem levantarem os olhos das máquinas. Muitos deles apresentavam ferimentos causados pelas agulhas, devido à péssima iluminação. Trabalhavam até meia noite e dormiam todos juntos, num colchão duro. Verdadeiro submundo no centro de uma das cidades mais importantes do país15.
12 O Globo, (13 de dezembro de 1992).
13 O Globo, (13 de dezembro de 1992).
14 A oferta de salário era de Cr$1.700,00 pela confecção de cada camisa.
15 O Globo, (14 de dezembro de 1992). PROCESOS MIGRATORIOS...
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O jornal "A Voz Tiwanacota”, órgão oficial da Fundação Bolívia, em São Paulo, enumerou uma série de questões sobre as condições de vida do imigrante boliviano na capital paulista. Destacou a situação de seu país e o problema da imigração, que se ampliou bastante na década de 1980. Segundo essa fonte, saíram da Bolívia levas contínuas de camponeses influenciadas por propagandas divulgadas por coreanos, para trabalharem nas indústrias paulistas. Dentro desses grupos vieram pessoas de todos os níveis, na maioria analfabetos do Altiplano e Menores de idade, com a permissão da Dirección del Menor e com a autorização dos seu responsáveis.
O jornal Informou, ainda, que a maioria ingressou no Brasil como turista e, depois de terminar o prazo legal, permaneceram indefinidamente como clandestinos. Foram atraídos pelos altos salários que variavam de US$ 3OO,00 a US$500,00. Assim que chegaram foram alojados em habitações coletivas, sem as menores condições de higiene. Nos primeiros meses, até aprenderem a costurar (o que levava de 3 meses a 1 ano), recebiam um seu salário que só servia para pagar a sua manutenção, isto é, trabalhavam em troca de alimentação e habitação, e quando recebiam algum pagamento, esta remuneração era irrisória.
Depois de aprenderem a costurar, passados um o ou dois anos, passavam a receber onze a dezesseis centavos de dólar. Costuravam por dia de 25 a 30 peças. Para produzirem mais trabalhavam de 7h às 24h, inclusive até à madrugada do dia seguinte, totalizando 17 a 20 horas de trabalho. No final do mês recebiam o equivalente entre 60 e 120 dólares, dos quais eram descontadas a alimentação e outras despesas , restando de 20 a 40 dólares para suas necessidades mínimas.
A Voz Tiwanacota também denunciou a existência de cárceres privados e alertou para movimentos de desempregados brasileiros, que poderiam perseguir os bolivianos pela concorrência como à mão-de-obra , além de alertar as autoridades bolivianas, no sentido de conter a imigração
"nuestras autoridades necesitan tomar medidas e iniciativas para fije al hombre dentro de nuestras fronteras, caso contrario Bolivia continuará siendo "proveedora y exportadora" de material humano, cerebros y mano de obra para el progreso de otros países, menos del nuestro"16.
Os irmãos Caceres Romero (1993) escreveram sobre a questão da imigração boliviana e fizeram um diagnóstico integral da realidade agrária da Bolívia, com a finalidade de libertar o país da dependência econômica. Para os autores:
"la agricultura en Bolivia deberá estra en una posición preponderante en la estrategia del desarrollo y más aún si consideramos la creciente acelaración hiper recesionaria que soporta como nunca antes. La preocupación fundamental del gobierno debiera ser el abastecimiento interno con producción propia, con metas precisas, así como la exportación...o recuperamos el agro, producimos abundancia y fijamos el hombre en un medio propicio, caso contrario no podremos revertir la migración campo-ciudad, la qual está causando la proliferación de considerables cantidades de personas que se trasladan a las áreas urbanas acompañadas de sus niños vestidos con ropa sucia, vieja, hambrientos y enfermos que se desplazan sin rumbo, cabisbajos, como avergonzados y otras pasan sentadas en puertas de iglesias, mercados, plazas, zonas peatonales, etc, pidiendo limosna y o la espera de recibir un bocado y la mayoria sufren de desnutrición.."17.
16 Voz. S.P. (Febrero de 1993).
17 CACERES ROMERO (1993). MARÍA TERESA TORIBIO BRITTES LEMOS
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XXIII Coloquio de Historia Canario-Americana
ISSN 2386-6837, Las Palmas de Gran Canaria. España, (2020), XXIII-074, pp. 1-10
Concluímos que o imigrante camponês boliviano não constituiu, na realidade, mão- de - obra especializada para as indústrias e tornou-se vítima do processo de exploração. Em sua maioria, saídos das áreas rurais de seu país, onde se dedicavam à agricultura ou à pecuária, encaminharam-se para os centros urbanos à procura de melhores condições de vida.
A saída dos bolivianos de seu país, notadamente das áreas rurais, contribuiu para desarticular as comunidades de origem, perdendo não apenas sua mão-de-obra, como também o seu referencial cultural. O empobrecimento dessas áreas rurais e a desestruturação das comunidades campesinas ocasionaram graves problemas para o desenvolvimento de uma política econômica nacional, que vivia sobretudo do trabalho daquelas comunidades.
A estruturação dessa corrente migratória na sociedade brasileira fez-se com muitas dificuldades. Perderam os vínculos comunitários e culturais de seu país de origem. Apenas a língua e alguns costumes foram mantidos internamente. As relações comunitárias agrárias originais tenderam a desaparecer e uma nova sociedade, não especializada e aculturada, começou a despontar no Brasil, emergindo dos sonhos do imigrante rural boliviano.
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