XXI Coloquio de Historia Canario-Americana (2014)
ISSN 2386-6837, Las Palmas de Gran Canaria. España, 2016, XXI-043, pp. 1-6 1
© 2016 Cabildo de Gran Canaria. Este es un artículo de acceso abierto distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Reconocimiento-NoComercial-SinObraDerivada 4.0 Internacional.
SISTEMA DE CONSULTA PROSOPOGRÁFICA COLONIAL.
BIOGRAFIAS E DOCUMENTAÇÃO DA CAPITANIA DE
PERNAMBUCO, 1640-18221
SISTEMA DE CONSULTA PROSOPOGRÁFICA COLONIAL.
BIOGRAFÍAS Y DOCUMENTACIÓN EN PERNAMBUCO, 1640-1822
COLONIAL PROSOPOGRAPHY SYSTEM. BIOGRAPHIES AND
DOCUMETATION IN PERNAMBUCO, 1640-1822
Kalina Vanderlei Silva*; Welber Carlos Andrade da Silva**
Cómo citar este artículo/Citation: Vanderlei Silva, K.; Andrade da Silva, W. C. (2016). Sistema de consulta pro-sopográfica
colonial. Biografías y documentación en Pernanbuco, 1640-1822. XXI Coloquio de Historia Canario-
Americana (2014), XXI-043. http://coloquioscanariasmerica.casadecolon.com/index.php/aea/article/view/9525
Resumo: O presente trabalho busca apresentar o Sistema de Consulta Prosopográfica Colonial, SICONP/CNPq/
UPE, enquanto ferramenta de disponibilização de informação histórica através da World Wide Web, ao mesmo
discutindo as potencialidades da divulgação digital de fontes históricas e dados documentais.
Palavras chave: prosopografía; inventarios; repositórios digitais
Resumen: Este artículo tiene como objetivo presentar el Sistema de Consulta prosopográfica Colonial, SICONP /
CNPq / UPE, mientras que la disponibilidad de información histórica a través de la herramienta de la World Wide
Web en el mismo discutir el potencial de difusión digital de las fuentes históricas y datos documentales.
Palabras clave: prosopografía; inventarios; repositorios digitales
Abstract: This paper presents the prosopography data base SICONP/CNPq/UPE: a digital repository to help the
studies about Colonial History of the Portuguese America. It also intends to discuss the potential for initiatives in
digital conservation of historical data.
Keywords: prosopography; inventories; digital repositorie
Introducción Sistema de consulta prosopográdica
Sistema de Consulta Prosopográfica Colonial (SICONP/CNPq/UPE) é um sistema digital de consul-ta
de dados biográficos de personagens históricos —especificamente aqueles oriundos da Capitania de
Pernambuco— cujo objetivo primeiro é construir uma base de referências prosopográficas —ou seja, de
referências biográficas em série— que possa servir de suporte à pesquisa em História Social, Moderna
e Colonial, disponibilizando tal base através da World Wide Web. Voltado para a comunidade de histo-
1 Pesquisa financiada pelo CNPq.
* Doutora em História. Professora de História da América, Universidade de Pernambuco (UPE). Coordenadora do
Grupo de Estudos em História Sociocultural da América Latina/UPE. CEP: 55800-800. Rua Professor mérico Brandão, 43.
Centro- Nazaré da Mata, Pernambuco. Brasil. Correo electrónico: gehscal@uol.com.br
** Doutorando em História, Universidade de Évora, Portugal. Bolsista da CAPES Foundation, Ministry of Education
of Brazil, Brasília. DF. Pesquisador do Grupo de Estudos em História Sociocultural da América Latina/UPE. Correo electróni-co:
kako_andrade10@hotmail.com
Kalina Vanderlei Silva ; Welber Carlos Andrade da Silva
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riadores, esse sistema busca facilitar a pesquisa histórica, catalogando e disponibilizando referências
relativas à documentação colonial concernente a esta região; documentação espalhada em diferentes
acervos nacionais e estrangeiros. Mas, ao disponibilizar também as transcrições documentais —e não
apenas os documentos digitalizados, de difícil leitura— ele permite ainda que tais fontes sejam lidas e
consultadas por um público não especializado, o que inclui professores de ensino fundamental e médio.
Os dados que compõem o acervo do SICONP são relativos à Capitania de Pernambuco entre 1640
e 1822: um período de consolidação das estruturas da colonização portuguesa nas Américas, e no qual
as elites da referida capitania desempenharam um papel ativo e influente por todo o Estado do Bra-sil.
De fato, esse é um período clássico e um dos marcos fundadores e fundamentais da historiografia
brasileira, e como tal constantemente revisitado pelos historiadores brasileiros e brasilianistas. Apesar
disso, a construção/reconstrução desse recorte crono-espacial, a América açucareira colonial, é dificul-tada
pelas próprias fontes: em sua maior parte, tais fontes eram originalmente documentos oficiais da
administração colonial, e apesar de consideravelmente numerosos, tais registros estão hoje espalhados
em diferentes arquivos, e não apenas no Brasil e em Portugal, mas também na Espanha e Países Baixos,
por exemplo. E se não é raro que muitos deles se encontrem em precário estado de conservação, todos
eles exigem do estudioso o domínio das técnicas paleográficas para sua leitura.
Essa coleção de fatores torna complicada a síntese analítica que deve constituir o trabalho historio-gráfico.
Mas a gradual disponibilização de dados documentais e de fontes históricas na WWW é um
ideal almejado por muitos no intuito de tornar a construção dessa síntese não apenas mais fácil, mas
também mais completa.
E é nesse contexto que o SICONP se insere, apresentando-se como uma nova ferramenta na construção
de uma historiografia colonialista mais completa, integrando essa tendência que tem instigado importantes
iniciativas como o Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco (Ministério da Cultura,
1995, http://www.cmd.unb.br/resgate_index.php) e o Projeto Ultramar – Resgate da Documentação His-tórica
(UFPE, http://www.liber.ufpe.br/ultramar/). Nascido a partir do projeto Sistema de Consulta Pro-sopográfica:
Perfil Social, Trajetória e Documentação de Pernambuco Colonial (1640-1822), financiado
pelo Edital Universal/CNPq-2011 e desenvolvido pelos pesquisadores do GEHSCAL (Grupo de Estudos
em História Sociocultural da América Latina-UPE), o SICONP funciona como um banco de dados de
livre acesso, no qual os pesquisadores podem consultar informações, referências documentais e ter acesso
a transcrições integrais e parciais de documentos alusivos a personagens históricos atuantes no espaço
estendido da Capitania de Pernambuco entre a segunda metade do século XVII e as primeiras décadas do
século XIX. O banco de dados é constantemente alimentado por historiadores e pode ser consultado em
http://www.projetosiconp.org/index.php.
Seu foco na Capitania de Pernambuco se justifica por ter sido esta, por séculos, um centro político
e econômico de grande influência sobre a América portuguesa como um todo, e sobre as Capitanias do
Norte do Estado do Brasil em particular. Por sua vez, e sem esquecer a dinâmica e diversificada estrutu-ra
social intrínseca a essa capitania, a ênfase desta base de dados recai sobre a elite açucareira colonial
estabelecida nos centros políticos da província em questão: isso se explica pela relevância histórica que
essa elite, em geral composta por senhores de engenho e lavradores de cana de açúcar mas a partir do
século XVIII integrada também por grandes mercadores, assumiu no processo de conquista territorial e
implantação das estruturas coloniais na América portuguesa2. Além disso, a própria configuração mes-tiça
desses grupos sociais garante que, ao estudar a elite açucareira, o historiador vá descortinando todo
um complexo cenário que vai bem além dos senhores de engenho.
O SICONP foca tanto a disponibilização de informações documentais quanto de transcrições inte-grais
dos documentos pesquisados. No caso das informações que compõe a base de dados prosopográ-ficos,
e estão postas em fichas, elas fazem referência a questões como as propriedades possuídas, os
laços familiares, a etnia, os cargos e postos militares dos personagens biografados, indicando sempre
as referências documentais onde tais informações podem ser encontradas. Por outro lado, uma parte
importante do banco de dados é aquela que traz as transcrições integrais dos documentos mencionados
nas fichas, tão mais relevantes quando consideramos que a habilidade técnica exigida para a leitura da
2 SILVA (2010).
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documentação colonial, a habilidade paleográfica, normalmente restringe o acesso às informações con-tidas
nesses registros, tornando-os acessíveis apenas aos especialistas.
Com relação às ferramentas computacionais usadas, o SICONP foi desenvolvido a partir do software
Scriptcase PHP Generator, de edição e criação de sistemas para a internet, que suporta a maior parte
dos bancos de dados. Tal software é executado diretamente no navegador que permite gerenciamento de
aplicações web colaborativa. A partir daí, a arquitetura do site permite que os pesquisadores ingressem os
dados, incluindo transcrições, acessando a página com senhas específicas, fornecidas pelos coordenadores.
Esses dados, por sua vez, ao serem salvos no sistema, podem ser acessados a partir de qualquer computa-dor
interconectado à base de dados central, usando o ambiente da internet, sem necessidade de senhas ou
de instalação de softwares específicos, permitindo, assim, a maior divulgação possível da coleção de refer-ências
documentais e de transcrições. A interface do site permite ainda que o mesmo possa ser acessado
também através de dispositivos móveis com tecnologia Android.
As informações documentais, no formato de fichas prosopográficas, estão acessíveis a partir de uma
pesquisa nominal ou simplesmente alfabética na interface ‘pesquisa’ do site. Cada ficha disponibiliza,
além das informações biográficas, também as referências documentais e arquivísticas pertinentes e,
se possível, as transcrições. Em alguns casos, várias fichas são disponibilizadas para um mesmo per-sonagem,
visto à riqueza documental relativa ao mesmo (consultar ‘Antonio Gonçalves Caldeira’, por
exemplo, em http://www.projetosiconp.org/pesquisa.php).
Por sua vez, no que diz respeito à documentação que fornece as informações que alimentam o siste-ma,
a pesquisa original foi realizada pela equipe de pesquisadores em diferentes repositórios. Foram
consultados acervos em Recife, Rio de Janeiro e Lisboa, destacando-se o Arquivo Nacional Torre do
Tombo, em Lisboa; a Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro; o IHGB Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro, também no Rio de Janeiro; o Memorial da Justiça do Estado de Pernambuco, no
Recife; além do Arquivo Histórico Ultramarino, através do Projeto Resgate Barão do Rio Branco e do
Projeto Ultramar (UFPE), e da documentação digitalizada, pertencente ao acervo digital do GEHSCAL
e originária dos seguintes acervos: a 5ª Superintendência Regional do IPHAN, o Acervo da Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos do Recife, o Arquivo Público Jordão Emerenciano do Estado
de Pernambuco e o Arquivo da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja de Santo Antônio, todos
no Recife.
Mas essa etapa está bem longe de terminar, tanto porque o site se encontra em franco processo de
alimentação, um processo lento devido ao próprio volume de informações coletadas, quanto pelo fato
de que a própria natureza do banco de dados está fundada na constante busca por informações, o que
significa que essa alimentação não deverá cessar.
Tudo isso, é importante frisar, tem como objetivo principal a democratização de informação e a
difusão de conhecimento. A propagação de acesso à documentação histórica tem sido uma tendência
crescente no mundo: os arquivos estão, cada vez mais, se dedicando à digitalização de seus acervos,
em uma tentativa tanto de preservação quanto de divulgação. De fato, tal tendência é tão forte que deu
origem a toda uma normatização internacional com vistas à regulamentação dos registros arquivísticos
através das novas tecnologias da informação3.
Seguindo essa tendência, vários acervos internacionais como o Arquivo Nacional Torre do Tombo (http://
digitarq.dgarq.gov.pt/) em Lisboa, e o Portal de Archivos Españoles – Pares (http://pares.mcu.es/), dis-ponibilizam
acesso a sua documentação digitalizada através da WWW. No entanto, o SICONP, não
sendo um arquivo ou repositório documental, sustenta uma proposta diferenciada uma vez que não é
seu objetivo disponibilizar a documentação fotografada, mas os dados documentais relativos a um tema
específico (a prosopografia das elites açucareiras coloniais) e as transcrições documentais. Sua inovação
está especificamente na disponibilização de tais transcrições, visto que a elaboração desse produto, em
um processo lento e difícil mas fundamental para o trabalho historiográfico, depende de um conjunto de
técnicas e competências nem sempre possuídos pela maioria dos historiadores. E ao disponibilizar essas
informações na rede, é possível também alcançar um público amplo de professores não especialistas,
contribuindo assim para a melhoria da qualidade do ensino de História no Brasil.
3 RODRIGUEZ BRAVO (2007), p. 361.
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Considerando outro aspecto do sistema, é relevante notar que a opção pela prosopografia da elite açu-careira
como tema para as informações armazenadas no banco de dados, responde a uma historiografia
em desenvolvimento, aquela que está interessada na formação das elites coloniais4. De fato, apesar desse
interesse crescente por todo Brasil na história de um dos grupos sociais mais atuantes em termos de
política colonial, muitas lacunas ainda se apresentam e uma vastidão documental permanece intocada.
A metodologia prosopográfica, por seu turno, associada à clássica História Social, ainda é inovadora no
que respeita às elites açucareiras, com poucos historiadores se dedicando a ela, até agora5. E na verdade,
longe dos estudos sobre as elites, e no que tange às capitanias do norte do Estado do Brasil colonial
como um todo, tal metodologia é ainda menos utilizada, seja devido à dificuldade de sistematização de
grandes volumes de informação documental, uma exigência da prosopografia, ou seja pelo fato de que
o interesse historiográfico tem sido depositado em outras abordagens teóricas.
Objetivo maior da metodologia prosopográfica é transformar o grupo biografado em um ‘tipo ideal’
que pode ser examinado enquanto caso exemplar sociológico, e para atingir esse objetivo se faz ne-cessário
uma grande quantidade de dados6. Ou seja, é uma metodologia firmada na história serial, e ape-nas
possível a partir da constituição de um banco de dados. Segundo Lawrence Stone, em texto clássico
e definitivo sobre essa metodologia, a mesma pode ser usada para responder a dois grandes problemas
historiográficos: a origem das ações políticas, e as mobilidades sociais: “o propósito da prosopografia
é dar sentido à ação política, ajudar a explicar a mudança ideológica ou cultural, identificar a realidade
social e descrever e analisar com precisão a estrutura da sociedade e o grau e a natureza dos movimentos
em seu interior”7. Ou seja, ao traçar uma radiografia de um determinado grupo social, através de sua bio-grafia
coletiva e da construção de seu perfil, seria possível entender as mudanças ocorridas dentro dele
ao longo de um determinado período assim como as raízes sociais de suas ações. Mas se a prosopografia
inspira o SICONP, não é função do mesmo realizar a síntese analítica dos dados coletados e compor
análises historiográficas. Essa tarefa, a de transformar os dados em conclusões, é deixada para os histo-riadores
que venham a usar o banco de dados, continuando a função primeira do sistema a de constituir
essa série de informações tão vital para a História Social, servindo, assim, de ferramenta para a mesma.
Dentro desse contexto, um dos acervos mais significativos para a construção desse banco de dados
é o Memorial de Justiça de Pernambuco. Arquivo permanente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, a
documentação sob sua guarda é aquela que, tendo perdido seu valor administrativo, já não serve mais
à atividade fim desta instituição, mas é preservada por sua importância histórico-cultural. E ao separar
em um repositório próprio esses documentos não mais pertinentes às atividades da Justiça atual, o Me-morial
terminou por criar um dos acervos mais relevantes de Pernambuco, ainda mais importante pelo
ineditismo historiográfico de sua documentação.
Nele é possível encontrar, além da documentação produzida pela administração judiciária ao longo
de séculos, também mapas, fotografias e livros escritos por magistrados de todo o país. Mas são mesmo
os processos judiciais que compõe sua massa documental, organizados em Processos Judiciais de Pri-meira
e Segunda Instância, e documentações do Segundo Grau, de alguns órgãos que antecederam o
Tribunal de Justiça, como por exemplo os extintos Tribunal da Relação, Corte de Apelação e Tribunal
de Apelação8. Em números quase absolutos, os processos de Primeiro Grau compreendem um período
cronológico que vai de meados dos Setecentos até o ano de 1959.
Esta enorme massa documental está dividida por fundos, ou seja, conjuntos de documentos de uma
mesma proveniência, que no caso destes processos se referem às comarcas nas quais foram produzidos
e/ou recebidos9. E hoje se encontram disponíveis para consulta fundos relativos às comarcas de Afoga-dos
da Ingazeira, Águas Belas, Bonito, Bodocó, Bom Conselho, Cabo, Cabrobó Correntes, Escada, Exu,
Flores, Floresta, Gameleira, Glória de Goitá, Goiana, Justiça Federal (Superior Tribunal de Justiça),
4 BICALHO, FRAGOSO (2010).
5 Importante ressaltar, todavia, o trabalho de George Felix Cabral, pioneiro na prosopografia das elites coloniais de
Pernambuco: SOUZA, 2007.
6 MONTAGNER (2007).
7 STONE, (2011), p. 116.
8 VALLE (2005).
9 Arquivo Nacional (2005).
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Nazaré da Mata, Ipojuca, Ouricuri, Paudalho, Recife, São Bento do Uma, Serra Talhada, São Lourenço
da Mata e Triunfo.
Dessa ampla coleção documental, são os inventários que mais têm contribuído para a construção do
SICONP. De fato, a subsérie Inventário é uma das mais ricas peças constituinte desse acervo. Ela per-mite
observar o cotidiano, propiciando ao historiador a percepção de fragmentos das condições matérias
e culturais da região em que o mesmo foi produzido. E é sobre ela que o interesse do SICONP tem se
dedicado.
Se os inventários dificilmente podem ser considerados uma fonte nova ou pouco usual na historiogra-fia,
até hoje foram pouco explorados no que tange a sociedade urbana das vilas açucareiras da Capitania
de Pernambuco colonial, e menos ainda no que se trata do sertão colonial. Isso se explica pela difícil lo-calização
de inventários anteriores ao XIX, situação que está gradualmente sendo alterada com a divul-gação
do acervo do Memorial de Justiça de Pernambuco e sua rica coleção de inventários setecentistas,
pertencentes a uma diversidade de personagens, homens e mulheres, das vilas açucareiras e sertanejas.
De forma geral, a historiografia colonialista vem se debruçando cada vez mais sobre os inventários
enquanto fonte para o cotidiano na América portuguesa, principalmente no século XVIII, quando tais
documentos podem ser encontrados em diversas regiões. Produzidos em grande quantidade devido à ne-cessidade
da Coroa de controlar as heranças e transmissões de propriedades dentro das famílias, eles se
tornaram vitais para diferentes abordagens historiográficas, desde os estudos de demografia histórica10
até os de história do cotidiano11. Isso porque as diversas peças judiciais que compõe o inventário, como a
petição inicial, a lista de herdeiros, os arrolamento de bens, partilha, arrolamento das dívidas e em alguns
casos os testamentos, propiciam uma série de informações de natureza genealógica, sociológica, religiosa,
cultural e econômica que pode ser analisada a partir de diferentes perspectivas teóricas.
Assim, do ponto de vista da historiografia como um todo, os inventários são fontes incontestáveis.
Por outro lado, da perspectiva da prosopografia das elites da capitania de Pernambuco no século XVIII
eles apenas começaram a demonstrar seu potencial. Em primeiro lugar é preciso considerar que o esforço
burocrático régio em resguardar os impostos relativos à transmissão de heranças fez com que a prática de
inventariar se dispersasse através do império português, criando toda uma burocracia que podia ser encon-trada
mesmo em áreas onde a presença do Estado era escassa, como o sertão das capitanias do Norte do
Estado do Brasil no século XVIII. Dessa forma, ao registrar a ação de tabeliães e escrivães em comarcas
sertanejas, produzindo longos processos de inventários muitas vezes relativos a distantes propriedades
fundiárias, esse tipo de registro colonial permite um vislumbre da presença do Estado português no interior
das capitanias do Norte no século XVIII. Uma presença ainda cercada de lacunas.
Em segundo lugar, os inventários de comarcas como Flores, Paudalho, Bonito, ao registrarem longas
listas de bens possuídos pelo inventariante e deixados para seus herdeiros, bens que incluem desde mo-biliário
até escravos, permitem a reconstrução de uma elite colonial também muito cercada de lacunas,
a elite colonial sertaneja.
Consideraçôes finais
Nesse contexto em construção, e considerando a carência de análises profundas sofrida por parte
tão considerável da história das capitanias do norte do Estado do Brasil —uma grande parte das quais
tendo estado por vários séculos sob controle direto ou indireto da capitania de Pernambuco—, é que o
SICONP encontra sua função principal de facilitar a relação do historiador com as fontes primárias. Seu
amplo repertório de informações documentais tanto se define como a tão necessária série de dados para
a construção de uma radiografia das elites coloniais, quanto, ao democratizar transcrições de documen-tos
os mais diversos, pode também facilitar pesquisas sobre história cultural e social, com informações
sobre cultura material, relações sociais, crenças e valores.
10 FARIA, CARDOSO, VAINFAS, (2011).
11 PEREIRA (2011).
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E de todos os repositórios documentais pesquisados e almejados por esse sistema, talvez o mais ino-vador
seja mesmo o acervo do Memorial de Justiça de Pernambuco, com sua vastidão de documentos,
principalmente inventários setecentistas, ainda tão pouco explorada pela historiografia colonialista. Sem
dúvida serão os inventários e testamentos referentes aos moradores das comarcas sertanejas aqueles
a trazerem as informações mais valiosas, tanto mais pelo ineditismo dos estudos sobre a região. Tais
registros já estão se apresentando como imprescindíveis ao descortinar a vida material e cultural nos
sertões, demonstrando grande potencial também para a construção de uma história que conecte os dis-tintos
recantos do império português, observados a partir da circulação de pessoas, produtos e culturas.
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