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1461 O AÇÚCAR E A ARQUITETURA RURAL NO SUDESTE DO BRASIL. ENGENHOS E USINAS NA SÃO PAULO DO SÉCULO XIX Neide Marcondes Manoel Bellotto À sombra das “primaveras” em flor, em tarde de outono, avisto ao longe o vermelho das queimadas dos canaviais da região rural de Piracicaba, em cujo rio os peixes deslizam pelo leito de pedra, o que os impede de buscar a nascente. A arquitetura, em sua “terra” e seu “mundo”, está contida na natureza, reparte o peso da matéria, a resistência da matéria arreglada a um plano ideal, que permite dele interpretar a “mundanidade” que a obra desvela. “Mundanidade” das formas arquitetônicas rurais, obras situadas na microrregião paulista: Piracicaba, propriedades agrícolas do século XIX. Quando é desconhecido o criador, o inventor, o artista, o arquiteto, e assim o processo e a circunstância que geraram a obra, passamos primeiro à contemplação e à leitura interpretativa do fenômeno artístico. Uma interpretação é a fusão mística do sujeito e do objeto, portanto, da “terra” e do “mundo”. A tese de doutoramento intitulada Arquitetura rural e contexto históricocultural: Piracicaba, século XIX, da autoria de Neide Marcondes, ressalta o programa, as formas e soluções arquitetônicas de parte significativa do patrimônio rural paulista.(Marcondes, 1988). Nessa mesma linha de análise e abordagem, sempre com a preocupação “é preciso acautelar um patrimônio...”, foi publicada a tese de livredocência de Neide Marcondes, intitulada Entre ville e fazendas, na qual foram demonstradas as formas executadas pelos mestresdeobras italianos, que transferiram seus conhecimentos para o nosso chão de terra (Marcondes, 1995). Em 2004, ainda está presente a preocupação dos autores desta Comunicação pela contínua destruição, devastação e apresentação de outras formas, que estão sendo inseridas nos espaços dos grandes e pequenos conjuntos rurais. Nas áreas produtoras de canadeaçúcar, vegetal do qual se extrai o açúcar e o álcool, da região Sudeste do Brasil, em particular, nas do Estado de São Paulo, constatase a formação de propriedades rurais, cujo programa e partido arquitetônico apresentam características integrantes nas técnicas construtivas, nas formas, na divisão do espaço interno e na integração social dos chamados “engenheiros de açúcar” e suas famílias, do grupo servil e trabalhador, integrado por negros, escravos e libertos, e colonos brancos, imigrantes europeus. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1462 Durante todo o século XIX, o açúcar representou o esteio econômico da Província e do Estado de São Paulo. Os proprietários rurais desenvolveram, em fins desse século XIX, a convivência da cultura do açúcar com a penetração da cultura do café, em expansão extraordinária, tanto nos países produtores quanto no consumo internacional. Supremacia do café, no entanto, que por várias razões desmoronou, permitindo a prevalência da cultura da cana e da produção do açúcar. Assistese no princípio do século XX à passagem, na região em estudo, da produção cafeeira para um complexo sistema industrial açucareiro. As áreas do cultivo da cana e da produção do açúcar no Estado de São Paulo tinham, no período em estudo, ou seja no século XIX, como centros o litoral norte e áreas de “serra acima”, a que se entende ao longo do caminha para o Rio de Janeiro e o quadrilátero formado pelas regiões de Sorocaba, Piracicaba, Mogi Guaçu e Jundiaí, que abrigam cidades do Estado de São Paulo, de mesmas nomenclaturas. No estudo da microrregião paulista, delimitada pela quadricentenária cidade de Piracicaba, foram interpretadas 16 propriedades agrícolas do século XIX, aí compreendidas fazendas, chácaras, engenhos e usinas ; foram igualmente estudados o espaço arquitetônico das mesmas e as relações e/ou diferenças entre os aspectos históricoculturais da região e o programa, o partido arquitetônico de suas fazendas. As características do “habitat” de uma zona rural testemunham cultura, mentalidades, modos de vida, vínculos do homem com a natureza. O patrimônio arquitetônico e natural ressurge em história vivida que se insurge, muitas vezes, contra uma história escrita. O patrimônio arquitetônico, os conjuntos rurais legitimam a história, o espaço e capturam o tempo. Hoje, por razões sócioeconômicas ou mercantis, a destruição deliberada tornase mais ativa que a ruína espontânea e a noção de adaptação entra em conflito com a da conservação (Parent, 1984). MONUMENTO, MEMÓRIA, DOCUMENTO Sempre existiu a necessidade do homem deixar a memória do seu passar pela terra, levantando monólitos, construindo montanhas de pedras, construindo sua morada. A noção de monumento, que se projetou no ícone de grandes edifícios, abrangeu também a exaltação de edificações menores, naturalmente sem a altivez da arquitetura monumental, ganhou significativas interpretações históricas, que falam da sua gente, do trabalho, do cotidiano. “Monumentum” é termo latino, que significa recordar, conservar a memória de algo (Maderuelo, 1994, p.17). A Carta de Veneza , de 1964, é o primeiro documento de caráter internacional a definir “sítios urbanos ou rurais”, obras modestas que adquiriram significado cultural, devendo ser equiparados a “monumentos”, assim como a sua preservação vizinha. O patrimônio é inseparável do meio ambiente global. Seu estudo nos leva a duas reflexões: “sobre o sentido do futuro no passado e sobre o destino do passado no futuro” (Parent, 1984, p.121). Entre os monumentos naturais históricos estão a idéia da inserção de zonas industriais, de grandes equipamentos, e a da “terra”, antes protegida pela atividade campesina tradicional e que agora tornouse objeto de rápida transformação pela urbanização comum, mutação © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1463 agrária, abandono de área de baixo rendimento, impacto turístico, que fragmentam a unidade da paisagem tradicional. Documento atual divulgado pela ONU antecipa a chamada catástrofe do ano 2030, que se caracterizará pela degradação do solo, destruição de espécies selvagens, escassez da água, emissão de poluentes e pelo desaparecimento de florestas. Adverte para uma necessária mudança de atitude, que coloca o mercado em primeiro lugar, que resulta na construção exacerbada de rodovias, aeroportos e de outras grandes obras de infraestrutura, reflexo da ação ambiciosa e desenfreada do homem sobre a terra. O debate está aberto. O tratamento dos monumentos do século XIX tem se baseado substancialmente nos postulados da originalidade e da unidade de estilo. Muitas vezes, os edifícios exprimem um valor artístico relativo, mas seu significado históricocultural sobrepõe as chamadas: antiguidade e unidade estilística. Fica claro que os monumentos brasileiros não possuem valor artísticoestilístico de uma arte religiosa medieval e o que diríamos então da significação e valor históricoartístico da arquitetura rural, cuja deterioração humana, física natural e química dominam, retirando a noção de monumento e estabelecendo na visão do proprietário uma aspiração ao valor da novidade imperante. O ICONOCLASTA NÃO DESTRÓI APENAS OBJETOS CONSTRUÍDOS... Arquitetura, para Lúcio Costa, o idealizador do plano urbanístico de Brasília, é a construção concebida com a intenção de ordenar plasticamente o espaço, em função de uma determinada época, de um determinado meio, técnica e de um programa (conjunto das necessidades funcionais e sociais que caracterizam um tema arquitetônico, uma função). Estas obras possuem um “entorno”; a área de entorno de um bem ou sítio tombado é limitada por uma figura poligonal, que define a vizinhança do sítio. O bom senso do local não tombado saberá definir o entorno circundante dos bens, como área que desestimula o uso outro daquela circundada, considerada de interesse pelas características morfológicas de sua “ambiência”. Ambiência é o conjunto de condições materiais, naturais e morais que envolvem os seres vivos ou, no caso, as coisas e os objetos É preciso responder à deterioração natural dos solos, do ar, aos efeitos dos agente naturais externos como a água, escoamento, infiltração, aos efeitos acentuados dos campos de vibração diversa como tráfego rodoviário e supersônico, à agressão humana devido à freqüência turística, aos efeitos do uso e mutações sociais e políticas. O PASSADO TERÁ FUTURO? É preciso estar atento para o ideal de modernidade, ou melhor, de “modernoso”, que tomou conta dos planejamentos para a transformação de cidades, bairros, vilas, propriedades rurais e fabris, introduzindo na mente das gerações paulistas o gene do desapego e da destruição do patrimônio histórico. O acervo que restou nem sempre recebe interpretação significativa; é raro os grupos sociais e políticoadministrativos respeitarem o trabalho acumulado que se encontra em determinado espaço, construído em outros tempos. Fazer o inventário das casas rurais, da paisagem rural não é só permitir o ideal de documentar e transmitir admiração pelo passado, mas é contribuir para a continuidade cultural da região. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1464 Trabalhos sobre esse assunto são amplamente divulgados em publicações especializadas, que aprofundam e difundem com procedimentos sistematizados as formas e transposições em construções como casas d’água, espigueiros, sequeiros, pombais, assim como elementos de cozinhas, lareiras, chaminés e em outras formas, que no Brasil ainda são consideradas irrelevantes porque não são monumentais. São muitos os discursos e as teorias sobre a restauração dos monumentos. Os estudos sobre restauração são muito complexos. São restauros ambientais voltados para as zonas de interesse, restauros estilísticos com normas e observações conforme inúmeros estudos. Outros com meios essenciais para conservação de núcleos e locais arquitetônicos com a simbiose de elementos naturais e construídos. Autores e pesquisadores estrangeiros preocuparamse com formas arquitetônicas rurais que recebem denominação de arquitetura popular, arquitetura vernacular. Entre eles, Luís Feduchi em Itinenarios de la Arquitectura Popular Española (1974). Bernardo Rudofsky encontrou a expressão Arquitetura sem Arquitetos, introduzindo o mundo não conhecido da arquitetura sem pedigree. A reedição da obra da Associação dos Arquitetos Portugueses, cuja pesquisa cobre todas as regiões de Portugal, recebeu o nome de Arquitetura Popular em Portugal (1980). A literatura específica italiana ressalta a obra de Enrico Guidoni, que estudou e publicou L’Architettura Popolare Italiana (1980). No estudo da tecnologia regional e das tipologias arquitetônicas das vivendas rurais da Colômbia, os autores Saldarriaga e Lorenzo Fonseca demonstram que a fertilidade do solo, a disponibilidade dos meios locais e de materiais de construção (1977), favorecem a fixação da população; dentre os aspectos marcantes, foi notado que em regiões de nível sócioeconômico modesto, os moradores preocupavamse em manter as moradas rurais não só habitáveis, mas com melhorias nas formas, mesmo quando ornamentais e decorativas. Em visão históricocultural do período holandês, no Nordeste do Brasil, pesquisas sistemáticas foram realizadas abordando vários aspectos específicos de fontes holandesas e judaicas. Particularmente na construção de sobrados do Recife, José Antonio de Mello salienta em O Tempo dos Flamengos (1954) a importância do tijolo, que substituiu, em grande parte, a pedra e a taipa. Esta obra contém informações e interpretação sobre os fatos de interação social e cultural que então ocorreram naquela época. A Morada da Vida (1979), de Beatriz Maria Heredia, descreve as casas da Zona da Mata em Pernambuco, a vida cotidiana de seus moradores e a relação com os momentos do processo produtivo. De maneira pitoresca, a autora demonstra a relação de oposição no âmbito casaroçado e as atividades femininas e masculinas. O núcleo sulfluminense no século XIX, com suas 45 fazendas, foi estudado em Antigas Fazendas de Café da Província Fluminense (1980). Nesta obra, Fernando Tasso Fragoso Pires destaca os solares rurais dos “barões do café”, situa o ciclo cafeeiro pelo abandono do tradicional estilo de construção do Brasil, observado nos engenhos de açúcar, e ressalta a tendência eclética, muito em moda, na época, na Europa. Destaca também o programa das fazendas e a construção da chamada arquitetura de trabalho. Os Autores da presente Comunicação, preocupados com a displicência que se apossou das gerações paulistas, que contribuiu para a degeneração e destruição de parte significativa do © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1465 patrimônio histórico de São Paulo, tem documentado e interpretado exemplares arquitetônicos rurais. Assim, no livro O Partido Arquitetônico Rural do século XIX (1978), Neide Marcondes demonstra padrões tipológicos de propriedades das regiões de Porto Feliz, Tietê e Laranjal Paulista. Foram coletados exemplares de moradas de tradição bandeirista, moradas assobradadas, sobrados do café e casas tipourbano do final do século XIX. Nessa pesquisa e em Arquitetura Rural e o Contexto HistóricoCultural, Piracicaba (1983), foi percebida a transposição de estilo e materiais no sistema de construção, no programa das propriedades, nas soluções plásticas de moradas e de construções secundárias. Entre Ville e Fazendas, a Autora identifica a origem da vila rural italiana e o processo de transposição das formas elaboradas pelos mestresdeobra italianos, que em São Paulo trabalharam nos últimos 20 anos do século XIX e no início do XX. Em Labirintos e Nós: imagem ibérica em terras da América (1999), os Autores desta Comunicação ressaltam este referido processo de transposição cultural, procedimento igualmente aplicado em Caxambu: cidade/cenário (1998). PIRACICABA Suas terras Suas histórias Piracicaba “lugar onde o peixe para” Esta microrregião, localizada na porção central do Estado de São Paulo, estendese por 1.321 quilômetros quadrados da unidade geomorfológica paulista, conhecida por Depressão Periférica. O município piracicabano, enquadrado entre as coordenadas geográficas de 22° e 33° de latitude S e 47° e 49° de longitude O, é drenada por uma rede hidrográfica densa e ramificada, integrante da bacia pluvial do rio Paraná. A bacia do rio Piracicaba drena 72% da área e a cidadesede localizase nas suas margens. A cidade está situada a 138 quilômetros da Capital do Estado e seu município limitase com os de Anhembi, Charqueada, Rio Claro, Santa Gertrudes, Iracemápolis, Limeira, Santa Bárbara do Oeste, Rio das Pedras, Tietê, Laranjal Paulista, Conchas e São Pedro. A região piracicabana apresentase ligeiramente inclinada para noroeste e no seu aspecto geral é uma vasta campina de suaves ondulações. Os solos, oriundos da decomposição dos terrenos paleozóicos, sofrem intensa ocupação agrícola, sendo a terra dividida em pequenas propriedades que, ao lado da cultura da cana, apresentam uma policultura de cereais e fumo, além da pecuária não extensiva, dedicada principalmente à produção do leite. A Oeste, as terras são ocupadas principalmente pela pecuária, embora a cana, em seu avanço contínuo, tenha também aí se instalado, não pela favorabilidade do solo, mas pela proximidade territorial das usinas. Em Piracicaba, o desenvolvimento da lavoura dos produtos comerciais, cana e café, possibilitou um notável crescimento industrial, com a instalação de fábricas de produtos alimentícios, bebidas, indústria mecânica e têxtil, usinas altamente mecanizadas e de um parque industrial sofisticado, que responde às exigências do processo de globalização que se observa no mundo. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1466 A origem de Piracicaba está vinculada à manutenção do presídio de Iguatemi, ao sul de Mato Grosso, na condição de pequeno núcleo agrícola incumbido de abastecer referido presídio (Sampaio, 1976). Piracicaba conviveu com as três condições de centro urbanístico: de Freguesia (1774), de Vila Nova da Constituição (1822), de Cidade (1856). Piracicaba, quando Vila, na metade do século XIX, já se apresentava bem servida de estradas terrestres. Para São Paulo, por Campinas e Jundiaí; ligavase também a Itu, Capivari, Porto Feliz, Pirapora, Limeira, Rio Claro e Araraquara. Estradas terrestres também entroncaram Piracicaba ao rio Paraná e a Cuiabá (Mendes, 1938). As terras piracicabanas foram povoadas, na sua maioria, por lavradores de Itu e Porto Feliz, que ocupam sesmarias ao longo do rio e iniciam, desde o fim do século XVIII, o plantio dos canaviais, derrubando matas e levantando engenhos. A presença do negro confere a miscigenação das bases do povoamento, explicadas pela existência do engenho e da cultura canavieira, atividades básicas da região. Moinhos de farinha de milho e mandioca completavam as atividades rurais do espaço piracicabano. As fazendas eram as próprias fornecedoras da matéria prima e independentes economicamente; adquiriam fora apenas o sal e o fósforo. A zona piracicabana apresenta grande penetração italiana e espanhola, que se reflete na linguagem e nos costumes dos velhos e antigos lavradores. Grupos de ingleses e franceses, ligados à criação dos engenhos centrais, também penetraram na região de Piracicaba. Ao lado da imigração estrangeira, aconteceu a introdução dos chamados “nortistas” a partir dos primeiros anos do século XX. A área de eleição da canadeaçúcar em São Paulo, na segunda metade do século XVIII e na primeira do XIX, foi a compreendida, como já se afirmou, no quadrilátero formado pelas terras de Sorocaba, Piracicaba, MogiGuaçu e Jundiaí. Tratase da área responsável pelo ciclo do açúcar que marca uma fase da evolução econômica paulista. Piracicaba, uma das regiões do chamado quadrilátero do açúcar, já em 1784 era uma área considerada promissora, em que se podiam fundar muitíssimas fábricas de açúcar, pois produz todo gênero de culturas com grandeza e diferença tal que, além das canas serem muito boas, muito perfilhadas, são muito doces e de melhor ponto e vêse mais um só canavial produzir seis, oito anos o mesmo rendimento, o que não acontece nos engenhos de Itu, que apenas dão uma folha... (Petrone, 1972) e em 1816 esta região ultrapassa a produção canavieira de Itu, possuindo as maiores propriedades rurais de São Paulo. Já em 1798, com três engenhos, a região de Piracicaba produziu 700 arrobas de açúcar; em 1799, nove engenhos produziram 1.922 arrobas. Em 1818, Piracicaba apresentava uma rede fundiária nitidamente apoiada na grande propriedade, com 27 fazendas de cana. Por volta de 1836, com 78 engenhos, produziu 115.609 arrobas de açúcar e 1.078 canadas de aguardente. Em 1854, 51 fazendas de cana produziram cerca de 131.000arrobas de açúcar (Canabrava & Mendes, 1938). A cultura da cana continuou progredindo e, mesmo após a penetração do café, as localidades de Itu, Piracicaba, Porto Feliz e Capivari contribuíram, em 1854 e 1855, com 2/3 da exportação do açúcar pelo porto de Santos. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1467 Paralelamente à exploração canavieira, Piracicaba, e região na qual se insere, também se destacou como produtora cafeeira, embora Piracicaba, durante o século XIX, nunca tenha chegado a alcançar posição de destaque no conjunto paulista da produção cafeeira. Muitos lavradores preferiram ampliar suas culturas de cana a instalar novos equipamentos para o beneficiamento do café; outros adaptaram o antigo programa de propriedade de cana para o cultivo do café. Na Província de São Paulo, caberá a Piracicaba o projeto de dinamização na instalação de Engenhos Centrais. O Engenho Central de Piracicaba, criado em 1881 e inaugurado em 1883, precedido pelo de Porto Feliz, instalado em 1878, resultou da fusão de capitais nacionais, representados pelos fazendeiros Barão de Rezende e Barão de Serra Negra, de Piracicaba, e internacionais, franceses em particular, o que ensejou a formação da Societé Sucrerie Bresiliènne, que oferecia o mais baixo preço de custo de açúcar da Província de São Paulo, com uma produção de 30.000arrobas em 1884 (Sawyer, 1908). O Engenho Monte Alegre, a segunda força açucareira do município, foi comprado dos herdeiros da Fazenda do Marquês de Monte Alegre. Os primeiros anos da República coincidem com o renascimento da indústria açucareira. Em 1896, Piracicaba e Capivari são os maiores centros açucareiros do Estado de São Paulo, com Santa Bárbara em primeiro lugar na produção de aguardente. Em 1903, das dez usinas açucareiras existentes no Estado, duas se situavam em Piracicaba. As usinas reúnem a agricultura e a indústria da cana, constituindo grandes unidade produtivas. A Usina de Piracicaba, antigo Engenho Central, dispunha de 24 quilômetros de via férrea, de um metro de bitola, ligada à Estrada de Ferro Ituana. A partir de 1905, Piracicaba e Capivari firmamse como centros açucareiros, sobretudo quando as crises sucessivas do café passam a favorecer o desenvolvimento da canadeaçúcar naquelas regiões. Em relação à produção de madeiras, Piracicaba foi citada no trabalho de Alice P. Canabrava e Maria Celestina T. Mendes, como a segunda localidade paulista, com extração de 13.200 metros cúbicos em 1896. A grande devastação das florestas, segundo o Relatório Sawyer, ocorreu principalmente durante o funcionamento dos Engenhos Centrais, que usavam a madeira como combustível para as máquinas de fabricação do açúcar. Este foi o perfil econômico da região piracicabana, que caminhou pela exploração de diferentes culturas agrícolas e madeireiras, o que deixou suas marcas arquitetônicas nos espaços das propriedades rurais e caracterizaram a dimensão históricosocial desta promissora região. PIRACICABA: O ACERVO RURAL Viajantes, historiadores, arquitetos, artistas já se preocuparam em descrever, muitos deles de forma poética, o processo de organização das propriedades rurais piracicabanas e da sua dimensão social. De sua viagem a Piracicaba, que por volta de 1860 contava com cerca de 50 engenhos de açúcar, Augusto Emílio Zaluar referese à Fazenda Monte Alegre. Descreve a localização da © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1468 casa, à margem do rio Piracicaba, suas plantações de cana, horta e pomar. Realça a ordem, método e disciplina reinante nessa propriedade agrícola (1975). J.J. von Tschudi pormenoriza a Fazenda Santo Antonio, situada a algumas léguas da Vila de Constituição (Piracicaba), a sua programação, fazendeiros e colonos (1953). As usinas e engenhos dos Estados fluminense e paulista foram descritos e documentados por Júlio Brandão Sobrinho. Em 1912, em seu relatório à Secretaria da Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, apresentou tabelas de produção, assim como referiuse às formas arquitetônicas e à aparelhagem do Engenho Central e da Usina Monte Alegre, de Piracicaba. Em Viagens no Brasil, T. Lynn Smith demonstra, entre outras, a organização de trabalho e produção, a distribuição da propriedade considerada por ele semelhante a um povoado, quando se refere à Usina Monte Alegre e à Usina Piracicaba (1971). Alice P. Canabrava e Maria Celestina T. Mendes descrevem, sem especificar determinada fazenda, o programa geral das propriedades da zona de Piracicaba e Capivari, seu plano de cultura, materiais e sistema de construção das casas principais, assim como da colônia, “unidas umas às outras” e que conservam as linhas impostas pela senzala primitiva (1938). Em A Lavoura Canavieira , Maria Thereza Petrone analisa o processo de aquisição de fazendas da região de Piracicaba e a extensão das propriedades. De forma geral, aborda a origem e a organização das fazendas de cana de açúcar. Autores já analisaram e caracterizaram o espaço de propriedades rurais paulistas e o partido arquitetônico das moradas. Júlio Katimsky, em Arquitetura Canavieira (1977), apresentou, em três cadernos, discussões, sumários, croquis e fotografias das fazendas de Cabreúva, Itu, Salto e Porto Feliz com vistas a identificar os remanescentes de engenhos de açúcar da primeira fase da instalação dessa indústria no planalto paulista. No estudo da sede da fazenda Milhã, em Piracicaba, Carlos Lemos (1976) demonstra a função dos espaços na arquitetura do ciclo canavieiro e realça a tese da superposição das zonas de estar e serviço, não com “rebaixamento, mas um acomodatício” da família. Lemos explica a conservação, por séculos, do partido arquitetônico da casa roceira do paulista; o paulista isolado satisfezse com pouco e o pouco que sabia conservouo por gerações e gerações. Contrastando com o apuro plástico das sedes do litoral da Serra Acima, do início do século XIX, apresenta estilo “severo e roceiro”. A herança da chamada “arquitetura dos engenhos” é revelada na arquitetura do café, considerada por Luiz Saia como solução mestiça. Esta solução é revelada tanto no espaço externo como interno. Em pesquisa no Repertório das Sesmarias, estas concedidas pelos Capitães Generais da Capitania de São Paulo, de 1721 até 1821, constatouse a maioria das concessões de terras de Piracicaba aos moradores de Itu e Porto Feliz, a um número menor de São Paulo e São Carlos (atual Campinas) e a um morador do Rio de Janeiro. Todas as sesmarias foram cuidadas pelos seus concessionários; muitas foram abandonadas e outras se encheram de plantação de cana. Compradas ou obtidas por títulos, geralmente por mais de uma pessoa, aos poucos as sesmarias se subdividiram. No início do século XIX, as terras piracicabanas apresentavamse como: © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1469 · terras já utilizadas com cultivos comerciais (açúcar, p.ex.) de posse e propriedade privada definida; · terras com cultivo “caboclo” (roçado simples, de posse privada mas sem estatuto definido de propriedade); · terras ocupadas por índios; · terras virgens, sem posse e propriedades não privadas, isto é, propriedades chamadas dissolutas (Sawyer, 1908). No Registro de Terras (18551856) estão registradas as propriedades rurais: 206 grandes, de 100 a 5.000 alqueires; 86 médias, de 25 a 100 alqueires; 77 pequenas, de 1 a 25 alqueires, num total de 369 propriedades (Piracicaba Antiga , vol.VI, s.d, p.19). A documentação relativa à região piracicabana demonstra que, na primeira metade do século XIX, a produção açucareira se situa dentro do chamado pequeno ciclo do açúcar. Existe uma produção expressiva destinada à exportação, ao lado de uma agricultura de subsistência para consumo interno. Não se constata a exploração em grande escala que caracterizava a grande lavoura das propriedades canavieiras nordestinas. Em 1836, Piracicaba já se colocava na situação de um dos mais prósperos núcleos da Província. De 34 engenhos em 1817, passara a 78 propriedades naquele ano de 1836; a monocultura não foi total, pois outros produtos, como café, arroz feijão, milho, fumo, amendoim, algodão, eram cultivados. Quanto ao produto principal, em Relatório de 1836, do Delegado de Polícia ao Presidente da Província de São Paulo, Constituição produziu 115.069 arrobas de açúcar e 4.699 de café. Em abril de 1852 foram registradas 160.000 arrobas de açúcar e 12.500 de café (Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba). Para a exportação, a indústria agrícola era a mais importante da região. Na tabela de procedência do açúcar exportado pelo porto de Santos, de 1836 a 1855, percebese a ascensão de Piracicaba que, nesta última data, obteve o segundo lugar na lista das cidades paulistas produtoras, com Itu em primeiro lugar. Na correspondência do ano de 1857 da Câmara da cidade de Constituição notase, porém, a preocupação quanto à oscilação valorativa do produto. Nos anos seguintes várias causas eram preocupantes; alguns estabelecimentos agrícolas teriam diminuído a produção do açúcar e outros aumentado, pois a dependência estava no interesse pelo produtor da parte dos herdeiros das terras, da aquisição da mãodeobra, na precariedade da máquina e na incerteza da produção, sempre sujeita a variações climáticas e seus desdobramentos no terreno. A mãodeobra escrava era a grande preocupação da região. “Não está sendo possível adquirir braços cativos para acudir às colheitas.” (Sawyer, 1908). Em 1825, os escravos naturais do Brasil, denominados crioulos, eram 393 na Vila de Constituição. Grupos de escravos trabalhavam em serviços de “dentro” (serviços domésticos). © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1470 Os escravos habitavam choças de pauapique, cobertas de sapé ou palmeira, sem janelas ou com grades, dormiam em esteiras sobre tarimbos de madeira, com dois e meio a três pés de largura. Recebiam duas ou três mudas de roupa por ano. A alimentação consistia em feijão, angu, farinha e às vezes um pedaço de charque ou toucinho e nas regiões de açúcar, o melado e nas zonas cafeeiras, o café. João Tobias de Aguiar, escravo de Ana de Castro Aguiar, da Fazenda Água Santa, no documento Um preto velho, testemunha ocular dentro da história , descreve a senzala como diversas fiadas de casas divididas em quartos de homens e de mulheres e quartos maiores para as famílias. Normalmente, os escravos dormiam em esteiras e os casados dormiam sobre forquilhas (Relatório dos lavradores de canna e café, 1883). Mal nutridos, adquiriam febre, cólera e tinham morte prematura devido as condições de trabalho, poeira e calor das fornalhas. O exame dos inventários e testamentos da primeira metade do século XIX revela a simplicidade da vida do fazendeiro. Poucas são as casas cobertas de telha, muitas delas cobertas de bica de palmito e nenhuma referência à casagrande, expressão usada para a sede nordestina. O que há, em geral, são as “moradas de casa”, ou “casas de morada”, além das senzalas, ao lado de monjolos. Não há referências a igrejas ou capelas na descrição dos bens inventariados; um ou outro oratório ou altar, num dos cômodos da morada, como hoje ainda pode ser encontrado (Mendes, 1975). Conforme notícias dos costumes regionais, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, os engenhos iniciam suas atividades em abril e maio de cada ano. Neste período, alguns senhores abandonam suas magníficas residências e confortáveis moradas, acompanhados da família, vinham residir nos engenhos, fiscalizando diretamente o trabalho (Ribeiro, 1977). A casa de vivenda do engenho, os porões, os depósitos e as senzalas eram caiados. Os escravos recebiam roupas limpas de algodão; a cana destinada à moagem chegava em carros de bois. Junto ao engenho, com música e comida, ficavam os escravos, moleques, escravos doceiros. Nesta ocasião, muito dos circunstantes, homens, senhoras e crianças subiam para as varandas superiores, aparatosamente ornadas e delas gozavam a festa da moagem. O vigário, o fazendeiro, o madamismo e demais convidados reuniamse nas salas para a refeição. Em bules de prata era servido caldo de cana da primeira moagem. Nesse dia, com exceção dos trabalhadores de engenho, ninguém mais trabalhava. O baile acontecia nos salões e os escravos dançavam à luz das candeias, no muro externo da senzala. Na documentação histórica pesquisada para este trabalho foi constatada a existência de várias propriedades de meados do século XIX, com plantadores de cana, produtores e “engenheiros” de açúcar e aguardente. Com descrições vagas de fábricas de açúcar com alambiques, olarias, engenhos movidos a água ou boi e bestas com escravos, as propriedades espalhavamse nos diversos bairros de Piracicaba. Por atas da Câmara Municipal, aprovadas a 13 de outubro de 1855, ficavam os donos dos engenhos obrigados a doar 20 réis por arroba de açúcar vendida para consertos e compra de material para a matriz de Piracicaba, durante 5 anos (Arquivo de Estado de São Paulo, Caixa 372, 1855). No decorrer do mês de outubro de 1858 são incorporados ao Código Municipal de Posturas os seguintes artigos: “Todo o proprietário capitalista deste Município, que reside em suas próprias fazendas, deve pagar 40 réis por cada arroba de açúcar para o Cemitério.” © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1471 AS FAZENDAS O presente estudo requereu o conhecimento geográfico da região de Piracicaba por meio da consulta a mapas topográficos de grande escala, plantas cadastrais, publicações sobre a área e uma incansável e permanente visita pessoal à região. Ao percorrer os sítios onde seriam encontrados os exemplares arquitetônicos, muitas vezes com dificuldades pelo estado precário das vias de acesso, deparamonos com muitas habitações que tiveram de ser desprezadas pela desagregação em que se encontravam ou pelo desvirtuamento que sofreram suas formas originais, com reformas mal conduzidas. Durante as visitas às diversas propriedades, os moradores ou donos foram informados sobre o trabalho. Muitas vezes, num primeiro contato, foi negado acesso ao local por receio de tombamento, fiscalização pública ou reportagem em revistas não especializadas. Em outras, foi necessária a apresentação do problema para possibilitar a realização do estudo. Procurouse, também, sensibilizar os proprietários das residências selecionadas para um interesse maior pela sua conservação e mesmo restauração dos exemplares. O material foi assim localizado: três propriedades em região atualmente urbana , duas no eixo PiracicabaRio Claro, seis no eixo PiracicabaTietê, quatro no PiracicabaConchas e uma no eixo PiracicabaLimeira. A identificação do material foi feita numa primeira análise mediante traços característicos segundo literatura já pesquisada. Foi feito o registro fotográfico do ambiente/entorno, das construções específicas, com tomada de vários ângulos, desenhos esquemáticos e cortes. Registrados os exemplares, foi necessária a pesquisa de documentos que permitissem verificar a origem das terras, o produto agrícola e as várias transformações por ventura sofridas. Tornouse consciente a necessidade da documentação ser tratada com o máximo de objetividade e as formas arquitetônicas vistas como índices que permitam recriar e reconstituir as condutas, motivações e os esquemas históricosócioculturais. Foram estes os exemplares identificados, selecionados e analisados: 1) Fazenda São José do Milhã eixo PiracicabaTietê 2) Fazenda D. Pedro II (antiga VaieVem) eixo PiracicabaTietê 3) Fazenda Zuim eixo PiracicabaTietê © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1472 4) Fazenda Pau d’Alho eixo PiracicabaConchas 5) Fazenda Boa Esperança eixo PiracicabaConchas 6) Fazenda São Pedro eixo PiracicabaConchas 7) Fazenda Serra Negra eixo PiracicabaConchas 8) Fazenda Pakes eixo PiracicabaTietê 9) Fazenda Monte Olimpo eixo PiracicabaTietê 10) Fazenda Arapongas eixo PiracicabaTietê 11) Chácara Nazaré Piracicaba (perímetro urbano) 12) Fazenda São José eixo PiracicabaLimeira 13) Fazenda Capuava (Usina) eixo PiracicabaRio Claro 14) Fazenda Indaiá eixo PiracicabaRio Claro 15) Engenho Central Piracicaba (perímetro urbano) © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1473 16) Usina Monte Alegre Piracicaba (perímetro urbano) O estudo da problemática de um edifício, dentro de suas funções, envolve três etapas: o edifício e seus documentos, a forma original e as transformações pelas quais tenha passado, com sua significação no tempo e no espaço. Lúcio Costa (1939) propõe que ao se estudar qualquer obra de arquitetura, cabe ter em vista as imposições do meio físico e social, consideradas no seu sentido mais amplo, o programa e a classificação das construções segundo: · sistema de construção · época · finalidade e função · elementos constitutivos do programa · elementos estruturais e de acabamento · características regionais e particularidades de estilo · comodulação e modenatura Pela soma de probabilidades de associações entre esses índices descritivos, terseá a relação arquitetura e aspectos históricosócioculturais. Os procedimentos para análise do material desta pesquisa elegeram o estudo de cada exemplar no seu produto agrícola, situação geográfica e geológica e como se apresenta nos seus aspectos construtivos e de organização espacial, iluminação, abastecimento hídrico e soluções plásticas. O estudo do solo é relevante por sua constituição e forma. A sua composição é significativa para a definição do sistema construtivo e dos materiais a serem empregados. Quanto à forma, temos como exemplos o terreno em aclive, as margens de um rio ou lago, forma que oferece amplas possibilidades de construções funcionais e expressivas. Os desníveis permitem conexões de aproveitamento do perfil do terreno quando, então, a fachada é assobradada e a parte posterior da morada permanece ao nível do solo. A forma de vegetação pode mudar o uso do terreno; pode comporse com o edifício e também interferir no clima de uma região. As transformações no sistema ecológico vão desde a quase total eliminação da vegetação primitiva até a sua substituição ou alteração nos espaços agropecuários. A geografia da região, os tipos de solo, as mudanças geológicas e o clima foram descritos, segundo publicações especializadas. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1474 Os aspectos históricosócioculturais da pesquisa foram estudados em acervos de documentação primária, publicada ou não, de natureza administrativa e sócioeconômica, dos Arquivo Municipal de Piracicaba e Arquivo do Estado de São Paulo, ou seja, atas e ofícios diversos da Câmara, os documentos cartoriais de compra e venda e inventários e documentos diversos dos arquivos particulares das propriedades estudadas; recorreuse, também, a autores preocupados com a análise do programa das propriedades, das formas arquitetônicas e da aparelhagem especial das usinas e dos engenhos produtores de açúcar. Foram analisadas as propriedades quantos aos seus elementos constitutivos, isto é, o espaço interno e suas divisões, funções e coordenação, seus elementos estruturais e de acabamento, sistema e materiais de construção, seus elementos plásticos e o programa da propriedade em relação ao meio, à época e ao produto agrícola. As soluções plásticas foram examinadas pelos componentes: linhas, superfície, volume, cor. As várias linhas retas, curvas e mistas das fachadas frontais, laterais e posteriores foram estudadas para a verificação da simetria ou assimetria, linhas contínuas ou descontínuas, unitárias ou múltiplas, determinando superfícies simétricas ou assimétricas, com unidade de elementos ou com elementos em multiplicidade, em visão tectônica (forma fechada) ou visão atectônica (forma aberta) (Wölfflin, 1945). O volume constitui o caráter próprio da tridimensionalidade física da arquitetura; nele pode prevalecer a sensação plástica de simetria ou assimetria, conjunto em unidade ou em multiplicidade, em forma geométrica fechada ou aberta. A cor é um dos elementos que torna visível a harmonia das relações arquitetônicas. Ela foi destacada sempre que se apresentou de forma original nos aspectos internos e externos dos exemplares. O espaço indica o caráter formal do volume físico, limitado por elementos construídos ou por elementos naturais. O espaço externo poderá conter elementos de vegetação, rio ou lago, construções secundárias de estradas. O interno poderá se apresentar contínuo ou descontínuo, articulado ou desarticulado, segundo suas divisões, funções e aberturas. A interrelação dos espaços internos e externos poderá também ser contínua ou descontínua. A descontinuidade produz espaços fisicamente separados e cada um deles deve ser observado como espaço autônomo. Na presente Comunicação, os Autores, em face da delimitação de espaço, passam a apresentar um único exemplar para cada uma das categorias em análise, quais sejam, fazenda, engenho e usina , vinculadas ao ciclo canavieiro. Cumpre destacar as diferenças de produção entre essas três categorias: as fazendas eram propriedades rurais, particulares, incumbidas da produção da cana, muitas vezes com engenhos menores, a quem competia o processo de industrialização do produto; os engenhos, como se disse, eram destinados à industrialização da cana, para a produção do açúcar e do álcool; as usinas, em momento posterior, aliaram os dois processos de produção do açúcar: a plantação da cana e sua industrialização. Fazenda Milhã ...e foi plantado na nova terra o capim milhan.... © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1475 A sede da velha fazenda Milhã, também chamada São José do Milhã, único reduto da região, está localizada no bairro rural de Formigueiro e faz parte do ciclo canavieiro que antecede a fase de cultivo do café. Em 28 de março de 1850 o ituano Antonio Ferraz de Arruda inaugurou a nova morada, ainda existente e reformada. Na primeira metade do século XIX, Ferraz de Arruda possuía terras em Capivari e plantava na nova terra o chamado capim milhã, onde também começou a plantar cana e a produzir açúcar, segundo Renato de Albuquerque Salles, em “A Fazenda Milhan” (1976). Essa fazenda, desmembrada da Sesmaria do Congonhal, situase no distrito de Saltinho, povoado distante 13 quilômetros da cidade de Piracicaba, no eixo PiracicabaTietê. A fazenda, com 540 alqueires, deixou traços de um programa de cultivo da cana. Somente a partir de 1867 seus proprietários plantam os primeiros pés de café. O programa anterior obedecia ao cultivo da cana e fabrico de açúcar, conforme “restos” encontrados no terreno. Os terreiros, mais tarde, foram localizados longe da morada , longe do engenho que continuou funcionando. Em 1980, em entrevista com Lúcio Ferraz de Arruda, descendente do patriarca Antonio Ferraz de Arruda e as pesquisas nos Ofícios Diversos de Piracicaba demonstram a evolução do cultivo: cana, café, cana e café ao mesmo tempo, algodão, cana. A “casa de morada”, construída há 175 anos e reformada em 1975, sem perder a estrutura do partido, “não foi na verdade uma casa de fazenda de café” (Lemos, 1976, p.92). A casasede dessa propriedade está implantada em terreno de meia encosta com a fachada lateral esquerda assobradada e apresenta a parte térrea “para despejo, acomodar hóspedes e gente de tropas” (Lemos, 1976, pp. 5152). Um muro de arrimo, construído inteiramente de pedras, apresentase transversal e em continuação à morada, separandoa da zona agrícola. Na reforma sofrida, a casasede perdeu a ala direita para a zona de serviço: sala de queijos, despensa, cozinha com fornos e ralador. Diretamente sobre o embasamento de tijolo e pedra sobem as paredes de taipa de mão. A estrutura da gaiola é de urindeúva e cabreúva, madeiras da região. Segundo entrevista da Autora, Neide Marcondes, com o proprietário na época (1980), Lúcio Ferraz de Arruda, não se conhece o mestreconstrutor da casasede. O que se sabe a respeito da planta é a chamada aplicação do “risco no chão”. O construtor da região e o proprietário, com certa facilidade, construíam as paredes, pois eram conhecedores das tradições regionais de construção e do aproveitamento e função dos espaços. A morada da Fazenda Milhã demonstra vínculos com as gerações anteriores...”está diretamente filiada à arquitetura tradicional bandeirista mas não ortodoxa no planejamento original” (Lemos, 1976, p. 99). Na parte fronteiriça estão as salas, os quartos, as alcovas e um corredor leva à varanda, antigo alpendre posterior das casas de tradição bandeirista. Essa varanda, na fase canavieira, foi o centro de toda a atividade familiar: zona de comer, laser, de mando, de estar, de trabalhar. A varanda forçou o convívio da família e o contato do chefe da propriedade com seus empregados. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1476 A zona de culto não se apresenta como um cômodo isolado, tão comum nas moradas do Vale do Paraíba, mas é representada pelo oratório sobre um arcaz da época. Entre os móveis ainda aproveitáveis na decoração do espaço interno da morada, destacamse os catres, baús e grandes armários usados anteriormente, no período das casas bandeiristas. O piso da casasede apresentase de duas formas: com soalho de tabuado largo ou com tijolos, fabricados na olaria da propriedade. O forro, também de tabuado largo, era protegido pelo telhado com multiplicidade de água, com telhas de canal, hoje substituídas. Largo beiral de madeira protege as superfícies externas. Os cheios predominam sobre os vazios, característica das moradas da primeira metade do século XIX. Os montantes retangulares são de madeira e na parte térrea estão os tradicionais janelões em treliça, comuns na época e na região, conforme foram encontrados em morada em Porto Feliz. Janelas gradeadas e treliçadas eram para proteger e impedir a fuga dos escravos e empregados. O abastecimento hídrico era feito por meio da canalização de aquedutos rústicos, feitos de telhas –seus restos ainda são visíveis– que chegavam até próximo da casa, sendo completado manualmente pela varanda, por onde a água era levada para a zona de serviço. Além da água, a varanda era o local do recebimento da lenha e dos mantimentos já beneficiados, para armazenagem. Ao lado da casasede, uma construção, com funções específicas, apresentase como depósito de arreios, ferramentas e móveis. Segundo explicações do proprietário (1980), o espaço era, também, destinado aos castigos de escravos. Tinha, ainda, a função de paiol e um grande moinho era tocado a bois. Constatase na mesma edificação a antiga instalação sanitária. São latrinas elevadas, com divisões de madeira, sem sistema de esgoto; os excrementos eram consumidos pelos porcos. Era um importante espaço da época da construção da morada, que apresenta em uma das superfícies armação com sino, onde Antonio Ferraz de Arruda chamava seus empregados. Percebese nesse anexo o tipo de material e sistema de construção da época, pois a mora principal sofreu reforma. São visíveis o madeiramento do telhado em tesoura, a taipa de mão das paredes e seus esteios, com a operação nabo , característica da região. Uma construção secundária significativa, que faz parte de uma antiga sede de fazenda de cana (1850), quando o acréscimo posterior de um programa para um período de cultivo e beneficiamento de café, não alterou o partido da sede propriamente dita. Piracicaba, centro importante da indústria açucareira na primeira metade do século XIX, presenciará o abandono de alguns engenhos em favor do cultivo do café. Em 1861, na Relação dos Engenhos d’Assucar d’esta Cidade (Constituição) e na Relação dos Fazendeiros de Café, foram relatados 47 produtores de açúcar, 53 de café e 12 engenhos e plantação de café (Arquivo do Estado de São Paulo, Caixa 372, 1861). È interessante notar que muitos fazendeiros não abandonavam a plantação de cana e o engenho. Encabeçando a lista citada, Luís Antonio de Sousa Barros, com 7.000 arrobas de © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1477 açúcar é, também, o primeiro fazendeiro de café, com uma produção de 30.000 arrobas naquele ano. Em 1866 o município conta com 159 propriedades, divididas em produtoras de açúcar e café; 69 eram consideradas de tamanho médio, 89 as grandes propriedades e não há referência às pequenas propriedades (Torres, 1975). Nesse período, Piracicaba apresentou a seguinte produção: 39.000 arrobas de açúcar e 112.830 de café. A produção paulista do café, que até o início da década de 1870 representava apenas 16% da produção brasileira, a partir daí, e em 1885, representa 40% (Cano, 1977, p. 31). Ao se difundir a cultura cafeeira, coincidindo com a cessação do tráfico de escravos, acentuase a necessidade de braços para a lavoura. Entre os produtores de açúcar, ao lado do braço escravo, já havia o sistema de plantação de cana de partido, em que os lavradores se estabeleciam em terras do senhor do engenho, fornecendo a cana para moagem e recebendo parte do açúcar produzido. Em 1860, em escritura de doação de uma crioula de 18 anos de idade, o seu valor é de 1.000 réis e a de 20 anos é de 1.500 réis. O valor da terra não aumenta na mesma proporção do valo da mão de obra escrava. Em 1872, um sítio vale 600 réis o alqueire, com casa de morada, senzala, paiol, engenho, pastos, cercas, plantação de açúcar e café; já um escravo com 20 anos de idade custa 1.800 réis. Naquele mesmo ano, a população negra de Piracicaba constituía 40% do total e a população estrangeira não atingia 11% (Arquivo do Estado de São Paulo, Maços de População de 1869 e Relatório das Terras). Em 1884, o número de imigrantes em São Paulo era suficiente para suprir a lacuna deixada pelos negros mortos ou libertos. Os fazendeiros do CentroOeste paulista diferiam dos do Vale do Paraíba, que se mantinham apegados ao trabalho escravo, indignadose com o procedimento dos primeiros, que pareciam assistir indiferentes ao avanço do abolicionismo. Os imigrantes que vieram em 1885, destinados à lavoura do Vale do Paraíba, recusaramse à contratação como lavradores desta região e seguiram para o oeste da Província, segundo relatório de Francisco Antonio de Sousa Queiroz Filho, vicepresidente da Província de São Paulo, em 1885 (Arquivo do Estado de São Paulo, Caixa 375, 1885). O imigrante sabia das zonas mais férteis e de trabalho mais cômodo. Entre 1871 e 1886 chegaram pouco mais que 40.000 imigrantes a São Paulo, e em 1888, foram 122.000. Entre 1881 e 1891, as despesas realizadas pelo Tesouro da Província/do Estado de São Paulo montaram a 9.244 contos de réis para a imigração (Viotti da Costa, 1976). Em 1890, o relatório da Comissão Central dos Estados indica 22 mil imigrantes europeus no município de Piracicaba. Os programas da fazenda de café apresentam uma solução mista. Adaptamse as construções secundárias do engenho para tulhas e terreiro; o terreno é aplainado para permitir a secagem do café. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1478 Engenho Central de Piracicaba Às terras da antiga Fazenda São Pedro, que no ano de 1861 produziram 3.000 arrobas de açúcar, couberam por partilha do inventário do Marquês de Valença, ao seu filho Estevão Ribeiro de Souza Rezende, o qual, com um capital de 400 contos de réis, funda em 19 de janeiro de 1881, o Engenho Central. Em 1883, o Engenho obteve a safra de 8.000 toneladas de cana, funcionando com aparelhos de construção francesa. O Engenho de Piracicaba deve sua produção de 9.000 sacas de açúcar naquele ano à queda d’água, com a utilização direta da força hidráulica. O Engenho dispunha, ainda, de caldeira para a evaporação da calda e o cozimento do xarope, fornos de queimar bagaços, uma chaminé quadrada, de tijolos, dois filtros, dois vácuos e um secador (Cruz, 1920). Faltavam os fornos automáticos, sem o trabalho do foguista, há muito utilizados pelos ingleses e americanos. Colocado, na época, entre os melhores engenhos do Brasil, o de Piracicaba tinha o mais baixo preço do açúcar do Estado de São Paulo. A grande distância que separava a atividade agrícola da industrial, no caso dos engenhos centrais, acarretava elevado custo do transporte da cana madura, que não poderia ser armazenada sem rico de perda total do teor da sacarose. Em 1899, o Engenho Central passa para a Companhia Açucareira de Piracicaba (Sucrérie de Piracicaba). A Societé Sucrérie Brésiliènne, com capital total de 7.000 milhões de franco, possuía no Brasil seis Engenhos Centrais, sendo quatro em São Paulo. Encerravase no ano de 1899 a fase dos engenhos centrais, iniciandose o período das usinas e com ele todo o processo de concentração fundiária. O Engenho Central de Piracicaba está atualmente incrustado na área urbana, denominada Vila Rezende. Parte de suas terras foi loteada e as casas transformaramse em escritórios. Os grandes edifícios, com características de construção inglesa, obedecem aos padrões do “functional tradition”. São formas que podem ser denominadas clássicas, dentro do padrão de construção para a indústria, um edifício sólido, cômodo, funcional, regular e simétrico. Engenho>Usina Monte Alegre O Engenho Monte Alegre foi comprado dos herdeiros da Fazenda do Marquês de Monte Alegre, que em 1887 já produzia de 8.000 a 10.000 arrobas de açúcar. A propriedade, situada à margem esquerda do rio Piracicaba, está a seis quilômetros do centro da cidade. O Engenho Monte Alegre foi desenvolvido pouco a pouco, improvisado com aparelhos das engenhocas e duas moendas. Monte Alegre era um engenho pequeno em relação à grande extensão de suas plantações de cana e de seus compromissos com os fornecedores. Em 1890, a já Usina reúne as atividades agrícolas e industriais, forma o seu latifúndio, aplicando métodos agrícolas tradicionais e criando no colono a consciência de fornecedor de cana. Aparece o tipo social empreendedor e dominador: o usineiro, que nada tem a ver com a figura do senhor de engenho ou do dono de fazenda. O usineiro é homem da cidade, o industrial representante da burguesia urbana. A utilização de colonos era uma imposição do próprio estágio de desenvolvimento da lavoura canavieira paulista. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1479 A usina é, portanto, uma fábrica de açúcar que, ao mesmo tempo, produz sua matéria prima e concilia os grupos hierarquizados de sua estrutura: o trabalhador rural, o trabalhador na indústria de produção e o comprador do açúcar e do álcool. Como qualquer indústria, a usina visa à produção de melhor qualidade, rentabilidade e baixo custo. Após pertencer à algumas companhias e proprietários particulares, em 1910 a Usina Monte Alegre passou a integrar a Companhia União de Refinadores. O programa da propriedade foi mantido. Os prédios mais antigos foram restaurados e mantidos alguns equipamentos e adquiridos outros para um perfeito funcionamento da Usina. A igreja dos colonos e suas casas, a dimensão territorial do plantio da cana, as formas arquitetônicas que abrigaram o comércio, a farmácia, o empório e demais construções do ramo ainda estão presentes no espaço onde floresceu e atuou a Usina. A casasede foi demolida e substituída por outra, na década de 1930. Piracicaba orientouse para a agroindústria do açúcar. A indústria açucareira piracicabana não chegou a se extinguir, mesmo durante o apogeu da produção cafeeira. Manteve um lugar preponderante na produção paulista do açúcar. O programa rural e o partido arquitetônico paulista, no século XIX, analisados neste trabalho, sofreram transformações durante aquele século. A agroindústria açucareira conferiu novas formas aos espaços e foi fator determinante na formação do programa rural das propriedades. As mudanças sócioculturais interferiram gradualmente no sistema e nos meios construtivos; houve a ocorrência da formação de latifúndios, da grande agricultura de tipo comercial para a formação de matéria prima, do proletariado industrial em área rurais e do crescimento da mãodeobra assalariada. O tema geral deste XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana permite uma reflexão final que extrapola a produção histórica da cana e do açúcar e a decorrente exportação de açúcar que dela resulta no período compreendido pelos séculos XIX e XX e em área geográfica que abrange esse privilegiado continente iberoamericano. No caso particular do Brasil, analisouse a região de PiracicabaSão Paulo, que ainda é, neste 2004, uma das grandes produtoras de cana e, portanto, de açúcar e sua exportação, o que contribui para tornar o Brasil um dos maiores exportadores deste produto de origem vegetal. Há, no entanto, uma dimensão que coloca este país em posição privilegiada em termos de produção exportadora dos produtos derivados da cana. A ninguém foge a perspectiva sombria do aumento de frotas de veículos em todo o cenário mundial, que se movem à base de fontes de energia finitas e esgotáveis, como o petróleo e seus derivados. O Brasil desenvolve presentemente pesquisas sobre o uso do álcool, derivado da cana, em vários sentidos: num primeiro, a sua mistura à gasolina que, se lhe rouba parte da potência, permite menor poluição do ar; num segundo, o desenvolvimento de veículos polimovidos por combustíveis como a gasolina e o álcool e a mistura de ambos. Em terceiro momento, o País desenvolve pesquisa no sentido da criação de motor que, embora já existente e movido exclusivamente a álcool, lhe permita a velocidade e a destreza daqueles desenvolvidos por combustível de primeira classe, derivado do petróleo. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1480 Fica assim, finalmente, caracterizada a pertinência da escolha do tema para este Colóquio, no qual foi possível refletir, não apenas sobre o açúcar, mas também sobre o seu irmãogêmeo, o álcool, que da cana ambos derivam. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1481 BIBLIOGRAFÍA CANABRAVA, A. e MENDES, M.C., “A região de Piracicaba”, Rev. do Arq. Municip. de São Paulo, março 1938, p. 277. CANO, W., Raízes da concentração industrial em São Paulo, São Paulo, Difel, 1977. COSTA, L. “Arquitetura dos jesuítas no Brasil”, Rev. do Patrim. Hist. e Art. Nacional. São Paulo 5, 1939, pp. 1213. FEDUCHI, L., Itinerarios de la Arquitectura Popular Española, Barcelona, H.Blume Edit., 1974. FRAGOSO PIRES, F.T., Antigas fazendas de café da Província Fluminese , Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980. GUIDONI, E., L’Architettura Popolare Italiana , Roma, Lateza, 1980. HEREDIA, B.M.A., A morada da vida. Trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil , Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. KATIMSKY, J.R., Arquitetura canavieira , São Paulo, FAUUSP, 1977. LEMOS, C., Cozinhas, etc., São Paulo, Perspectiva, 1976. 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Título y subtítulo | O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil. Engenhos e usinas na São Paulo do século XIX |
Autor principal | Marcondes, Neide ; Bellotto, Manoel |
Publicación fuente | XVI Coloquio de historia canario - americano |
Numeración | Coloquio 16 |
Sección | El azúcar y el mundo atlático |
Tipo de documento | Congreso y conferencia |
Lugar de publicación | Las Palmas de Gran Canaria |
Editorial | Cabildo Insular de Gran Canaria |
Fecha | 2004 |
Páginas | P. 1461-1482 |
Materias | Congresos ; Historia ; Canarias ; América |
Copyright | http://biblioteca.ulpgc.es/avisomdc |
Formato digital | |
Tamaño de archivo | 210344 Bytes |
Texto | 1461 O AÇÚCAR E A ARQUITETURA RURAL NO SUDESTE DO BRASIL. ENGENHOS E USINAS NA SÃO PAULO DO SÉCULO XIX Neide Marcondes Manoel Bellotto À sombra das “primaveras” em flor, em tarde de outono, avisto ao longe o vermelho das queimadas dos canaviais da região rural de Piracicaba, em cujo rio os peixes deslizam pelo leito de pedra, o que os impede de buscar a nascente. A arquitetura, em sua “terra” e seu “mundo”, está contida na natureza, reparte o peso da matéria, a resistência da matéria arreglada a um plano ideal, que permite dele interpretar a “mundanidade” que a obra desvela. “Mundanidade” das formas arquitetônicas rurais, obras situadas na microrregião paulista: Piracicaba, propriedades agrícolas do século XIX. Quando é desconhecido o criador, o inventor, o artista, o arquiteto, e assim o processo e a circunstância que geraram a obra, passamos primeiro à contemplação e à leitura interpretativa do fenômeno artístico. Uma interpretação é a fusão mística do sujeito e do objeto, portanto, da “terra” e do “mundo”. A tese de doutoramento intitulada Arquitetura rural e contexto históricocultural: Piracicaba, século XIX, da autoria de Neide Marcondes, ressalta o programa, as formas e soluções arquitetônicas de parte significativa do patrimônio rural paulista.(Marcondes, 1988). Nessa mesma linha de análise e abordagem, sempre com a preocupação “é preciso acautelar um patrimônio...”, foi publicada a tese de livredocência de Neide Marcondes, intitulada Entre ville e fazendas, na qual foram demonstradas as formas executadas pelos mestresdeobras italianos, que transferiram seus conhecimentos para o nosso chão de terra (Marcondes, 1995). Em 2004, ainda está presente a preocupação dos autores desta Comunicação pela contínua destruição, devastação e apresentação de outras formas, que estão sendo inseridas nos espaços dos grandes e pequenos conjuntos rurais. Nas áreas produtoras de canadeaçúcar, vegetal do qual se extrai o açúcar e o álcool, da região Sudeste do Brasil, em particular, nas do Estado de São Paulo, constatase a formação de propriedades rurais, cujo programa e partido arquitetônico apresentam características integrantes nas técnicas construtivas, nas formas, na divisão do espaço interno e na integração social dos chamados “engenheiros de açúcar” e suas famílias, do grupo servil e trabalhador, integrado por negros, escravos e libertos, e colonos brancos, imigrantes europeus. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1462 Durante todo o século XIX, o açúcar representou o esteio econômico da Província e do Estado de São Paulo. Os proprietários rurais desenvolveram, em fins desse século XIX, a convivência da cultura do açúcar com a penetração da cultura do café, em expansão extraordinária, tanto nos países produtores quanto no consumo internacional. Supremacia do café, no entanto, que por várias razões desmoronou, permitindo a prevalência da cultura da cana e da produção do açúcar. Assistese no princípio do século XX à passagem, na região em estudo, da produção cafeeira para um complexo sistema industrial açucareiro. As áreas do cultivo da cana e da produção do açúcar no Estado de São Paulo tinham, no período em estudo, ou seja no século XIX, como centros o litoral norte e áreas de “serra acima”, a que se entende ao longo do caminha para o Rio de Janeiro e o quadrilátero formado pelas regiões de Sorocaba, Piracicaba, Mogi Guaçu e Jundiaí, que abrigam cidades do Estado de São Paulo, de mesmas nomenclaturas. No estudo da microrregião paulista, delimitada pela quadricentenária cidade de Piracicaba, foram interpretadas 16 propriedades agrícolas do século XIX, aí compreendidas fazendas, chácaras, engenhos e usinas ; foram igualmente estudados o espaço arquitetônico das mesmas e as relações e/ou diferenças entre os aspectos históricoculturais da região e o programa, o partido arquitetônico de suas fazendas. As características do “habitat” de uma zona rural testemunham cultura, mentalidades, modos de vida, vínculos do homem com a natureza. O patrimônio arquitetônico e natural ressurge em história vivida que se insurge, muitas vezes, contra uma história escrita. O patrimônio arquitetônico, os conjuntos rurais legitimam a história, o espaço e capturam o tempo. Hoje, por razões sócioeconômicas ou mercantis, a destruição deliberada tornase mais ativa que a ruína espontânea e a noção de adaptação entra em conflito com a da conservação (Parent, 1984). MONUMENTO, MEMÓRIA, DOCUMENTO Sempre existiu a necessidade do homem deixar a memória do seu passar pela terra, levantando monólitos, construindo montanhas de pedras, construindo sua morada. A noção de monumento, que se projetou no ícone de grandes edifícios, abrangeu também a exaltação de edificações menores, naturalmente sem a altivez da arquitetura monumental, ganhou significativas interpretações históricas, que falam da sua gente, do trabalho, do cotidiano. “Monumentum” é termo latino, que significa recordar, conservar a memória de algo (Maderuelo, 1994, p.17). A Carta de Veneza , de 1964, é o primeiro documento de caráter internacional a definir “sítios urbanos ou rurais”, obras modestas que adquiriram significado cultural, devendo ser equiparados a “monumentos”, assim como a sua preservação vizinha. O patrimônio é inseparável do meio ambiente global. Seu estudo nos leva a duas reflexões: “sobre o sentido do futuro no passado e sobre o destino do passado no futuro” (Parent, 1984, p.121). Entre os monumentos naturais históricos estão a idéia da inserção de zonas industriais, de grandes equipamentos, e a da “terra”, antes protegida pela atividade campesina tradicional e que agora tornouse objeto de rápida transformação pela urbanização comum, mutação © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1463 agrária, abandono de área de baixo rendimento, impacto turístico, que fragmentam a unidade da paisagem tradicional. Documento atual divulgado pela ONU antecipa a chamada catástrofe do ano 2030, que se caracterizará pela degradação do solo, destruição de espécies selvagens, escassez da água, emissão de poluentes e pelo desaparecimento de florestas. Adverte para uma necessária mudança de atitude, que coloca o mercado em primeiro lugar, que resulta na construção exacerbada de rodovias, aeroportos e de outras grandes obras de infraestrutura, reflexo da ação ambiciosa e desenfreada do homem sobre a terra. O debate está aberto. O tratamento dos monumentos do século XIX tem se baseado substancialmente nos postulados da originalidade e da unidade de estilo. Muitas vezes, os edifícios exprimem um valor artístico relativo, mas seu significado históricocultural sobrepõe as chamadas: antiguidade e unidade estilística. Fica claro que os monumentos brasileiros não possuem valor artísticoestilístico de uma arte religiosa medieval e o que diríamos então da significação e valor históricoartístico da arquitetura rural, cuja deterioração humana, física natural e química dominam, retirando a noção de monumento e estabelecendo na visão do proprietário uma aspiração ao valor da novidade imperante. O ICONOCLASTA NÃO DESTRÓI APENAS OBJETOS CONSTRUÍDOS... Arquitetura, para Lúcio Costa, o idealizador do plano urbanístico de Brasília, é a construção concebida com a intenção de ordenar plasticamente o espaço, em função de uma determinada época, de um determinado meio, técnica e de um programa (conjunto das necessidades funcionais e sociais que caracterizam um tema arquitetônico, uma função). Estas obras possuem um “entorno”; a área de entorno de um bem ou sítio tombado é limitada por uma figura poligonal, que define a vizinhança do sítio. O bom senso do local não tombado saberá definir o entorno circundante dos bens, como área que desestimula o uso outro daquela circundada, considerada de interesse pelas características morfológicas de sua “ambiência”. Ambiência é o conjunto de condições materiais, naturais e morais que envolvem os seres vivos ou, no caso, as coisas e os objetos É preciso responder à deterioração natural dos solos, do ar, aos efeitos dos agente naturais externos como a água, escoamento, infiltração, aos efeitos acentuados dos campos de vibração diversa como tráfego rodoviário e supersônico, à agressão humana devido à freqüência turística, aos efeitos do uso e mutações sociais e políticas. O PASSADO TERÁ FUTURO? É preciso estar atento para o ideal de modernidade, ou melhor, de “modernoso”, que tomou conta dos planejamentos para a transformação de cidades, bairros, vilas, propriedades rurais e fabris, introduzindo na mente das gerações paulistas o gene do desapego e da destruição do patrimônio histórico. O acervo que restou nem sempre recebe interpretação significativa; é raro os grupos sociais e políticoadministrativos respeitarem o trabalho acumulado que se encontra em determinado espaço, construído em outros tempos. Fazer o inventário das casas rurais, da paisagem rural não é só permitir o ideal de documentar e transmitir admiração pelo passado, mas é contribuir para a continuidade cultural da região. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1464 Trabalhos sobre esse assunto são amplamente divulgados em publicações especializadas, que aprofundam e difundem com procedimentos sistematizados as formas e transposições em construções como casas d’água, espigueiros, sequeiros, pombais, assim como elementos de cozinhas, lareiras, chaminés e em outras formas, que no Brasil ainda são consideradas irrelevantes porque não são monumentais. São muitos os discursos e as teorias sobre a restauração dos monumentos. Os estudos sobre restauração são muito complexos. São restauros ambientais voltados para as zonas de interesse, restauros estilísticos com normas e observações conforme inúmeros estudos. Outros com meios essenciais para conservação de núcleos e locais arquitetônicos com a simbiose de elementos naturais e construídos. Autores e pesquisadores estrangeiros preocuparamse com formas arquitetônicas rurais que recebem denominação de arquitetura popular, arquitetura vernacular. Entre eles, Luís Feduchi em Itinenarios de la Arquitectura Popular Española (1974). Bernardo Rudofsky encontrou a expressão Arquitetura sem Arquitetos, introduzindo o mundo não conhecido da arquitetura sem pedigree. A reedição da obra da Associação dos Arquitetos Portugueses, cuja pesquisa cobre todas as regiões de Portugal, recebeu o nome de Arquitetura Popular em Portugal (1980). A literatura específica italiana ressalta a obra de Enrico Guidoni, que estudou e publicou L’Architettura Popolare Italiana (1980). No estudo da tecnologia regional e das tipologias arquitetônicas das vivendas rurais da Colômbia, os autores Saldarriaga e Lorenzo Fonseca demonstram que a fertilidade do solo, a disponibilidade dos meios locais e de materiais de construção (1977), favorecem a fixação da população; dentre os aspectos marcantes, foi notado que em regiões de nível sócioeconômico modesto, os moradores preocupavamse em manter as moradas rurais não só habitáveis, mas com melhorias nas formas, mesmo quando ornamentais e decorativas. Em visão históricocultural do período holandês, no Nordeste do Brasil, pesquisas sistemáticas foram realizadas abordando vários aspectos específicos de fontes holandesas e judaicas. Particularmente na construção de sobrados do Recife, José Antonio de Mello salienta em O Tempo dos Flamengos (1954) a importância do tijolo, que substituiu, em grande parte, a pedra e a taipa. Esta obra contém informações e interpretação sobre os fatos de interação social e cultural que então ocorreram naquela época. A Morada da Vida (1979), de Beatriz Maria Heredia, descreve as casas da Zona da Mata em Pernambuco, a vida cotidiana de seus moradores e a relação com os momentos do processo produtivo. De maneira pitoresca, a autora demonstra a relação de oposição no âmbito casaroçado e as atividades femininas e masculinas. O núcleo sulfluminense no século XIX, com suas 45 fazendas, foi estudado em Antigas Fazendas de Café da Província Fluminense (1980). Nesta obra, Fernando Tasso Fragoso Pires destaca os solares rurais dos “barões do café”, situa o ciclo cafeeiro pelo abandono do tradicional estilo de construção do Brasil, observado nos engenhos de açúcar, e ressalta a tendência eclética, muito em moda, na época, na Europa. Destaca também o programa das fazendas e a construção da chamada arquitetura de trabalho. Os Autores da presente Comunicação, preocupados com a displicência que se apossou das gerações paulistas, que contribuiu para a degeneração e destruição de parte significativa do © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1465 patrimônio histórico de São Paulo, tem documentado e interpretado exemplares arquitetônicos rurais. Assim, no livro O Partido Arquitetônico Rural do século XIX (1978), Neide Marcondes demonstra padrões tipológicos de propriedades das regiões de Porto Feliz, Tietê e Laranjal Paulista. Foram coletados exemplares de moradas de tradição bandeirista, moradas assobradadas, sobrados do café e casas tipourbano do final do século XIX. Nessa pesquisa e em Arquitetura Rural e o Contexto HistóricoCultural, Piracicaba (1983), foi percebida a transposição de estilo e materiais no sistema de construção, no programa das propriedades, nas soluções plásticas de moradas e de construções secundárias. Entre Ville e Fazendas, a Autora identifica a origem da vila rural italiana e o processo de transposição das formas elaboradas pelos mestresdeobra italianos, que em São Paulo trabalharam nos últimos 20 anos do século XIX e no início do XX. Em Labirintos e Nós: imagem ibérica em terras da América (1999), os Autores desta Comunicação ressaltam este referido processo de transposição cultural, procedimento igualmente aplicado em Caxambu: cidade/cenário (1998). PIRACICABA Suas terras Suas histórias Piracicaba “lugar onde o peixe para” Esta microrregião, localizada na porção central do Estado de São Paulo, estendese por 1.321 quilômetros quadrados da unidade geomorfológica paulista, conhecida por Depressão Periférica. O município piracicabano, enquadrado entre as coordenadas geográficas de 22° e 33° de latitude S e 47° e 49° de longitude O, é drenada por uma rede hidrográfica densa e ramificada, integrante da bacia pluvial do rio Paraná. A bacia do rio Piracicaba drena 72% da área e a cidadesede localizase nas suas margens. A cidade está situada a 138 quilômetros da Capital do Estado e seu município limitase com os de Anhembi, Charqueada, Rio Claro, Santa Gertrudes, Iracemápolis, Limeira, Santa Bárbara do Oeste, Rio das Pedras, Tietê, Laranjal Paulista, Conchas e São Pedro. A região piracicabana apresentase ligeiramente inclinada para noroeste e no seu aspecto geral é uma vasta campina de suaves ondulações. Os solos, oriundos da decomposição dos terrenos paleozóicos, sofrem intensa ocupação agrícola, sendo a terra dividida em pequenas propriedades que, ao lado da cultura da cana, apresentam uma policultura de cereais e fumo, além da pecuária não extensiva, dedicada principalmente à produção do leite. A Oeste, as terras são ocupadas principalmente pela pecuária, embora a cana, em seu avanço contínuo, tenha também aí se instalado, não pela favorabilidade do solo, mas pela proximidade territorial das usinas. Em Piracicaba, o desenvolvimento da lavoura dos produtos comerciais, cana e café, possibilitou um notável crescimento industrial, com a instalação de fábricas de produtos alimentícios, bebidas, indústria mecânica e têxtil, usinas altamente mecanizadas e de um parque industrial sofisticado, que responde às exigências do processo de globalização que se observa no mundo. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1466 A origem de Piracicaba está vinculada à manutenção do presídio de Iguatemi, ao sul de Mato Grosso, na condição de pequeno núcleo agrícola incumbido de abastecer referido presídio (Sampaio, 1976). Piracicaba conviveu com as três condições de centro urbanístico: de Freguesia (1774), de Vila Nova da Constituição (1822), de Cidade (1856). Piracicaba, quando Vila, na metade do século XIX, já se apresentava bem servida de estradas terrestres. Para São Paulo, por Campinas e Jundiaí; ligavase também a Itu, Capivari, Porto Feliz, Pirapora, Limeira, Rio Claro e Araraquara. Estradas terrestres também entroncaram Piracicaba ao rio Paraná e a Cuiabá (Mendes, 1938). As terras piracicabanas foram povoadas, na sua maioria, por lavradores de Itu e Porto Feliz, que ocupam sesmarias ao longo do rio e iniciam, desde o fim do século XVIII, o plantio dos canaviais, derrubando matas e levantando engenhos. A presença do negro confere a miscigenação das bases do povoamento, explicadas pela existência do engenho e da cultura canavieira, atividades básicas da região. Moinhos de farinha de milho e mandioca completavam as atividades rurais do espaço piracicabano. As fazendas eram as próprias fornecedoras da matéria prima e independentes economicamente; adquiriam fora apenas o sal e o fósforo. A zona piracicabana apresenta grande penetração italiana e espanhola, que se reflete na linguagem e nos costumes dos velhos e antigos lavradores. Grupos de ingleses e franceses, ligados à criação dos engenhos centrais, também penetraram na região de Piracicaba. Ao lado da imigração estrangeira, aconteceu a introdução dos chamados “nortistas” a partir dos primeiros anos do século XX. A área de eleição da canadeaçúcar em São Paulo, na segunda metade do século XVIII e na primeira do XIX, foi a compreendida, como já se afirmou, no quadrilátero formado pelas terras de Sorocaba, Piracicaba, MogiGuaçu e Jundiaí. Tratase da área responsável pelo ciclo do açúcar que marca uma fase da evolução econômica paulista. Piracicaba, uma das regiões do chamado quadrilátero do açúcar, já em 1784 era uma área considerada promissora, em que se podiam fundar muitíssimas fábricas de açúcar, pois produz todo gênero de culturas com grandeza e diferença tal que, além das canas serem muito boas, muito perfilhadas, são muito doces e de melhor ponto e vêse mais um só canavial produzir seis, oito anos o mesmo rendimento, o que não acontece nos engenhos de Itu, que apenas dão uma folha... (Petrone, 1972) e em 1816 esta região ultrapassa a produção canavieira de Itu, possuindo as maiores propriedades rurais de São Paulo. Já em 1798, com três engenhos, a região de Piracicaba produziu 700 arrobas de açúcar; em 1799, nove engenhos produziram 1.922 arrobas. Em 1818, Piracicaba apresentava uma rede fundiária nitidamente apoiada na grande propriedade, com 27 fazendas de cana. Por volta de 1836, com 78 engenhos, produziu 115.609 arrobas de açúcar e 1.078 canadas de aguardente. Em 1854, 51 fazendas de cana produziram cerca de 131.000arrobas de açúcar (Canabrava & Mendes, 1938). A cultura da cana continuou progredindo e, mesmo após a penetração do café, as localidades de Itu, Piracicaba, Porto Feliz e Capivari contribuíram, em 1854 e 1855, com 2/3 da exportação do açúcar pelo porto de Santos. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1467 Paralelamente à exploração canavieira, Piracicaba, e região na qual se insere, também se destacou como produtora cafeeira, embora Piracicaba, durante o século XIX, nunca tenha chegado a alcançar posição de destaque no conjunto paulista da produção cafeeira. Muitos lavradores preferiram ampliar suas culturas de cana a instalar novos equipamentos para o beneficiamento do café; outros adaptaram o antigo programa de propriedade de cana para o cultivo do café. Na Província de São Paulo, caberá a Piracicaba o projeto de dinamização na instalação de Engenhos Centrais. O Engenho Central de Piracicaba, criado em 1881 e inaugurado em 1883, precedido pelo de Porto Feliz, instalado em 1878, resultou da fusão de capitais nacionais, representados pelos fazendeiros Barão de Rezende e Barão de Serra Negra, de Piracicaba, e internacionais, franceses em particular, o que ensejou a formação da Societé Sucrerie Bresiliènne, que oferecia o mais baixo preço de custo de açúcar da Província de São Paulo, com uma produção de 30.000arrobas em 1884 (Sawyer, 1908). O Engenho Monte Alegre, a segunda força açucareira do município, foi comprado dos herdeiros da Fazenda do Marquês de Monte Alegre. Os primeiros anos da República coincidem com o renascimento da indústria açucareira. Em 1896, Piracicaba e Capivari são os maiores centros açucareiros do Estado de São Paulo, com Santa Bárbara em primeiro lugar na produção de aguardente. Em 1903, das dez usinas açucareiras existentes no Estado, duas se situavam em Piracicaba. As usinas reúnem a agricultura e a indústria da cana, constituindo grandes unidade produtivas. A Usina de Piracicaba, antigo Engenho Central, dispunha de 24 quilômetros de via férrea, de um metro de bitola, ligada à Estrada de Ferro Ituana. A partir de 1905, Piracicaba e Capivari firmamse como centros açucareiros, sobretudo quando as crises sucessivas do café passam a favorecer o desenvolvimento da canadeaçúcar naquelas regiões. Em relação à produção de madeiras, Piracicaba foi citada no trabalho de Alice P. Canabrava e Maria Celestina T. Mendes, como a segunda localidade paulista, com extração de 13.200 metros cúbicos em 1896. A grande devastação das florestas, segundo o Relatório Sawyer, ocorreu principalmente durante o funcionamento dos Engenhos Centrais, que usavam a madeira como combustível para as máquinas de fabricação do açúcar. Este foi o perfil econômico da região piracicabana, que caminhou pela exploração de diferentes culturas agrícolas e madeireiras, o que deixou suas marcas arquitetônicas nos espaços das propriedades rurais e caracterizaram a dimensão históricosocial desta promissora região. PIRACICABA: O ACERVO RURAL Viajantes, historiadores, arquitetos, artistas já se preocuparam em descrever, muitos deles de forma poética, o processo de organização das propriedades rurais piracicabanas e da sua dimensão social. De sua viagem a Piracicaba, que por volta de 1860 contava com cerca de 50 engenhos de açúcar, Augusto Emílio Zaluar referese à Fazenda Monte Alegre. Descreve a localização da © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1468 casa, à margem do rio Piracicaba, suas plantações de cana, horta e pomar. Realça a ordem, método e disciplina reinante nessa propriedade agrícola (1975). J.J. von Tschudi pormenoriza a Fazenda Santo Antonio, situada a algumas léguas da Vila de Constituição (Piracicaba), a sua programação, fazendeiros e colonos (1953). As usinas e engenhos dos Estados fluminense e paulista foram descritos e documentados por Júlio Brandão Sobrinho. Em 1912, em seu relatório à Secretaria da Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, apresentou tabelas de produção, assim como referiuse às formas arquitetônicas e à aparelhagem do Engenho Central e da Usina Monte Alegre, de Piracicaba. Em Viagens no Brasil, T. Lynn Smith demonstra, entre outras, a organização de trabalho e produção, a distribuição da propriedade considerada por ele semelhante a um povoado, quando se refere à Usina Monte Alegre e à Usina Piracicaba (1971). Alice P. Canabrava e Maria Celestina T. Mendes descrevem, sem especificar determinada fazenda, o programa geral das propriedades da zona de Piracicaba e Capivari, seu plano de cultura, materiais e sistema de construção das casas principais, assim como da colônia, “unidas umas às outras” e que conservam as linhas impostas pela senzala primitiva (1938). Em A Lavoura Canavieira , Maria Thereza Petrone analisa o processo de aquisição de fazendas da região de Piracicaba e a extensão das propriedades. De forma geral, aborda a origem e a organização das fazendas de cana de açúcar. Autores já analisaram e caracterizaram o espaço de propriedades rurais paulistas e o partido arquitetônico das moradas. Júlio Katimsky, em Arquitetura Canavieira (1977), apresentou, em três cadernos, discussões, sumários, croquis e fotografias das fazendas de Cabreúva, Itu, Salto e Porto Feliz com vistas a identificar os remanescentes de engenhos de açúcar da primeira fase da instalação dessa indústria no planalto paulista. No estudo da sede da fazenda Milhã, em Piracicaba, Carlos Lemos (1976) demonstra a função dos espaços na arquitetura do ciclo canavieiro e realça a tese da superposição das zonas de estar e serviço, não com “rebaixamento, mas um acomodatício” da família. Lemos explica a conservação, por séculos, do partido arquitetônico da casa roceira do paulista; o paulista isolado satisfezse com pouco e o pouco que sabia conservouo por gerações e gerações. Contrastando com o apuro plástico das sedes do litoral da Serra Acima, do início do século XIX, apresenta estilo “severo e roceiro”. A herança da chamada “arquitetura dos engenhos” é revelada na arquitetura do café, considerada por Luiz Saia como solução mestiça. Esta solução é revelada tanto no espaço externo como interno. Em pesquisa no Repertório das Sesmarias, estas concedidas pelos Capitães Generais da Capitania de São Paulo, de 1721 até 1821, constatouse a maioria das concessões de terras de Piracicaba aos moradores de Itu e Porto Feliz, a um número menor de São Paulo e São Carlos (atual Campinas) e a um morador do Rio de Janeiro. Todas as sesmarias foram cuidadas pelos seus concessionários; muitas foram abandonadas e outras se encheram de plantação de cana. Compradas ou obtidas por títulos, geralmente por mais de uma pessoa, aos poucos as sesmarias se subdividiram. No início do século XIX, as terras piracicabanas apresentavamse como: © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1469 · terras já utilizadas com cultivos comerciais (açúcar, p.ex.) de posse e propriedade privada definida; · terras com cultivo “caboclo” (roçado simples, de posse privada mas sem estatuto definido de propriedade); · terras ocupadas por índios; · terras virgens, sem posse e propriedades não privadas, isto é, propriedades chamadas dissolutas (Sawyer, 1908). No Registro de Terras (18551856) estão registradas as propriedades rurais: 206 grandes, de 100 a 5.000 alqueires; 86 médias, de 25 a 100 alqueires; 77 pequenas, de 1 a 25 alqueires, num total de 369 propriedades (Piracicaba Antiga , vol.VI, s.d, p.19). A documentação relativa à região piracicabana demonstra que, na primeira metade do século XIX, a produção açucareira se situa dentro do chamado pequeno ciclo do açúcar. Existe uma produção expressiva destinada à exportação, ao lado de uma agricultura de subsistência para consumo interno. Não se constata a exploração em grande escala que caracterizava a grande lavoura das propriedades canavieiras nordestinas. Em 1836, Piracicaba já se colocava na situação de um dos mais prósperos núcleos da Província. De 34 engenhos em 1817, passara a 78 propriedades naquele ano de 1836; a monocultura não foi total, pois outros produtos, como café, arroz feijão, milho, fumo, amendoim, algodão, eram cultivados. Quanto ao produto principal, em Relatório de 1836, do Delegado de Polícia ao Presidente da Província de São Paulo, Constituição produziu 115.069 arrobas de açúcar e 4.699 de café. Em abril de 1852 foram registradas 160.000 arrobas de açúcar e 12.500 de café (Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba). Para a exportação, a indústria agrícola era a mais importante da região. Na tabela de procedência do açúcar exportado pelo porto de Santos, de 1836 a 1855, percebese a ascensão de Piracicaba que, nesta última data, obteve o segundo lugar na lista das cidades paulistas produtoras, com Itu em primeiro lugar. Na correspondência do ano de 1857 da Câmara da cidade de Constituição notase, porém, a preocupação quanto à oscilação valorativa do produto. Nos anos seguintes várias causas eram preocupantes; alguns estabelecimentos agrícolas teriam diminuído a produção do açúcar e outros aumentado, pois a dependência estava no interesse pelo produtor da parte dos herdeiros das terras, da aquisição da mãodeobra, na precariedade da máquina e na incerteza da produção, sempre sujeita a variações climáticas e seus desdobramentos no terreno. A mãodeobra escrava era a grande preocupação da região. “Não está sendo possível adquirir braços cativos para acudir às colheitas.” (Sawyer, 1908). Em 1825, os escravos naturais do Brasil, denominados crioulos, eram 393 na Vila de Constituição. Grupos de escravos trabalhavam em serviços de “dentro” (serviços domésticos). © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1470 Os escravos habitavam choças de pauapique, cobertas de sapé ou palmeira, sem janelas ou com grades, dormiam em esteiras sobre tarimbos de madeira, com dois e meio a três pés de largura. Recebiam duas ou três mudas de roupa por ano. A alimentação consistia em feijão, angu, farinha e às vezes um pedaço de charque ou toucinho e nas regiões de açúcar, o melado e nas zonas cafeeiras, o café. João Tobias de Aguiar, escravo de Ana de Castro Aguiar, da Fazenda Água Santa, no documento Um preto velho, testemunha ocular dentro da história , descreve a senzala como diversas fiadas de casas divididas em quartos de homens e de mulheres e quartos maiores para as famílias. Normalmente, os escravos dormiam em esteiras e os casados dormiam sobre forquilhas (Relatório dos lavradores de canna e café, 1883). Mal nutridos, adquiriam febre, cólera e tinham morte prematura devido as condições de trabalho, poeira e calor das fornalhas. O exame dos inventários e testamentos da primeira metade do século XIX revela a simplicidade da vida do fazendeiro. Poucas são as casas cobertas de telha, muitas delas cobertas de bica de palmito e nenhuma referência à casagrande, expressão usada para a sede nordestina. O que há, em geral, são as “moradas de casa”, ou “casas de morada”, além das senzalas, ao lado de monjolos. Não há referências a igrejas ou capelas na descrição dos bens inventariados; um ou outro oratório ou altar, num dos cômodos da morada, como hoje ainda pode ser encontrado (Mendes, 1975). Conforme notícias dos costumes regionais, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, os engenhos iniciam suas atividades em abril e maio de cada ano. Neste período, alguns senhores abandonam suas magníficas residências e confortáveis moradas, acompanhados da família, vinham residir nos engenhos, fiscalizando diretamente o trabalho (Ribeiro, 1977). A casa de vivenda do engenho, os porões, os depósitos e as senzalas eram caiados. Os escravos recebiam roupas limpas de algodão; a cana destinada à moagem chegava em carros de bois. Junto ao engenho, com música e comida, ficavam os escravos, moleques, escravos doceiros. Nesta ocasião, muito dos circunstantes, homens, senhoras e crianças subiam para as varandas superiores, aparatosamente ornadas e delas gozavam a festa da moagem. O vigário, o fazendeiro, o madamismo e demais convidados reuniamse nas salas para a refeição. Em bules de prata era servido caldo de cana da primeira moagem. Nesse dia, com exceção dos trabalhadores de engenho, ninguém mais trabalhava. O baile acontecia nos salões e os escravos dançavam à luz das candeias, no muro externo da senzala. Na documentação histórica pesquisada para este trabalho foi constatada a existência de várias propriedades de meados do século XIX, com plantadores de cana, produtores e “engenheiros” de açúcar e aguardente. Com descrições vagas de fábricas de açúcar com alambiques, olarias, engenhos movidos a água ou boi e bestas com escravos, as propriedades espalhavamse nos diversos bairros de Piracicaba. Por atas da Câmara Municipal, aprovadas a 13 de outubro de 1855, ficavam os donos dos engenhos obrigados a doar 20 réis por arroba de açúcar vendida para consertos e compra de material para a matriz de Piracicaba, durante 5 anos (Arquivo de Estado de São Paulo, Caixa 372, 1855). No decorrer do mês de outubro de 1858 são incorporados ao Código Municipal de Posturas os seguintes artigos: “Todo o proprietário capitalista deste Município, que reside em suas próprias fazendas, deve pagar 40 réis por cada arroba de açúcar para o Cemitério.” © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1471 AS FAZENDAS O presente estudo requereu o conhecimento geográfico da região de Piracicaba por meio da consulta a mapas topográficos de grande escala, plantas cadastrais, publicações sobre a área e uma incansável e permanente visita pessoal à região. Ao percorrer os sítios onde seriam encontrados os exemplares arquitetônicos, muitas vezes com dificuldades pelo estado precário das vias de acesso, deparamonos com muitas habitações que tiveram de ser desprezadas pela desagregação em que se encontravam ou pelo desvirtuamento que sofreram suas formas originais, com reformas mal conduzidas. Durante as visitas às diversas propriedades, os moradores ou donos foram informados sobre o trabalho. Muitas vezes, num primeiro contato, foi negado acesso ao local por receio de tombamento, fiscalização pública ou reportagem em revistas não especializadas. Em outras, foi necessária a apresentação do problema para possibilitar a realização do estudo. Procurouse, também, sensibilizar os proprietários das residências selecionadas para um interesse maior pela sua conservação e mesmo restauração dos exemplares. O material foi assim localizado: três propriedades em região atualmente urbana , duas no eixo PiracicabaRio Claro, seis no eixo PiracicabaTietê, quatro no PiracicabaConchas e uma no eixo PiracicabaLimeira. A identificação do material foi feita numa primeira análise mediante traços característicos segundo literatura já pesquisada. Foi feito o registro fotográfico do ambiente/entorno, das construções específicas, com tomada de vários ângulos, desenhos esquemáticos e cortes. Registrados os exemplares, foi necessária a pesquisa de documentos que permitissem verificar a origem das terras, o produto agrícola e as várias transformações por ventura sofridas. Tornouse consciente a necessidade da documentação ser tratada com o máximo de objetividade e as formas arquitetônicas vistas como índices que permitam recriar e reconstituir as condutas, motivações e os esquemas históricosócioculturais. Foram estes os exemplares identificados, selecionados e analisados: 1) Fazenda São José do Milhã eixo PiracicabaTietê 2) Fazenda D. Pedro II (antiga VaieVem) eixo PiracicabaTietê 3) Fazenda Zuim eixo PiracicabaTietê © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1472 4) Fazenda Pau d’Alho eixo PiracicabaConchas 5) Fazenda Boa Esperança eixo PiracicabaConchas 6) Fazenda São Pedro eixo PiracicabaConchas 7) Fazenda Serra Negra eixo PiracicabaConchas 8) Fazenda Pakes eixo PiracicabaTietê 9) Fazenda Monte Olimpo eixo PiracicabaTietê 10) Fazenda Arapongas eixo PiracicabaTietê 11) Chácara Nazaré Piracicaba (perímetro urbano) 12) Fazenda São José eixo PiracicabaLimeira 13) Fazenda Capuava (Usina) eixo PiracicabaRio Claro 14) Fazenda Indaiá eixo PiracicabaRio Claro 15) Engenho Central Piracicaba (perímetro urbano) © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1473 16) Usina Monte Alegre Piracicaba (perímetro urbano) O estudo da problemática de um edifício, dentro de suas funções, envolve três etapas: o edifício e seus documentos, a forma original e as transformações pelas quais tenha passado, com sua significação no tempo e no espaço. Lúcio Costa (1939) propõe que ao se estudar qualquer obra de arquitetura, cabe ter em vista as imposições do meio físico e social, consideradas no seu sentido mais amplo, o programa e a classificação das construções segundo: · sistema de construção · época · finalidade e função · elementos constitutivos do programa · elementos estruturais e de acabamento · características regionais e particularidades de estilo · comodulação e modenatura Pela soma de probabilidades de associações entre esses índices descritivos, terseá a relação arquitetura e aspectos históricosócioculturais. Os procedimentos para análise do material desta pesquisa elegeram o estudo de cada exemplar no seu produto agrícola, situação geográfica e geológica e como se apresenta nos seus aspectos construtivos e de organização espacial, iluminação, abastecimento hídrico e soluções plásticas. O estudo do solo é relevante por sua constituição e forma. A sua composição é significativa para a definição do sistema construtivo e dos materiais a serem empregados. Quanto à forma, temos como exemplos o terreno em aclive, as margens de um rio ou lago, forma que oferece amplas possibilidades de construções funcionais e expressivas. Os desníveis permitem conexões de aproveitamento do perfil do terreno quando, então, a fachada é assobradada e a parte posterior da morada permanece ao nível do solo. A forma de vegetação pode mudar o uso do terreno; pode comporse com o edifício e também interferir no clima de uma região. As transformações no sistema ecológico vão desde a quase total eliminação da vegetação primitiva até a sua substituição ou alteração nos espaços agropecuários. A geografia da região, os tipos de solo, as mudanças geológicas e o clima foram descritos, segundo publicações especializadas. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1474 Os aspectos históricosócioculturais da pesquisa foram estudados em acervos de documentação primária, publicada ou não, de natureza administrativa e sócioeconômica, dos Arquivo Municipal de Piracicaba e Arquivo do Estado de São Paulo, ou seja, atas e ofícios diversos da Câmara, os documentos cartoriais de compra e venda e inventários e documentos diversos dos arquivos particulares das propriedades estudadas; recorreuse, também, a autores preocupados com a análise do programa das propriedades, das formas arquitetônicas e da aparelhagem especial das usinas e dos engenhos produtores de açúcar. Foram analisadas as propriedades quantos aos seus elementos constitutivos, isto é, o espaço interno e suas divisões, funções e coordenação, seus elementos estruturais e de acabamento, sistema e materiais de construção, seus elementos plásticos e o programa da propriedade em relação ao meio, à época e ao produto agrícola. As soluções plásticas foram examinadas pelos componentes: linhas, superfície, volume, cor. As várias linhas retas, curvas e mistas das fachadas frontais, laterais e posteriores foram estudadas para a verificação da simetria ou assimetria, linhas contínuas ou descontínuas, unitárias ou múltiplas, determinando superfícies simétricas ou assimétricas, com unidade de elementos ou com elementos em multiplicidade, em visão tectônica (forma fechada) ou visão atectônica (forma aberta) (Wölfflin, 1945). O volume constitui o caráter próprio da tridimensionalidade física da arquitetura; nele pode prevalecer a sensação plástica de simetria ou assimetria, conjunto em unidade ou em multiplicidade, em forma geométrica fechada ou aberta. A cor é um dos elementos que torna visível a harmonia das relações arquitetônicas. Ela foi destacada sempre que se apresentou de forma original nos aspectos internos e externos dos exemplares. O espaço indica o caráter formal do volume físico, limitado por elementos construídos ou por elementos naturais. O espaço externo poderá conter elementos de vegetação, rio ou lago, construções secundárias de estradas. O interno poderá se apresentar contínuo ou descontínuo, articulado ou desarticulado, segundo suas divisões, funções e aberturas. A interrelação dos espaços internos e externos poderá também ser contínua ou descontínua. A descontinuidade produz espaços fisicamente separados e cada um deles deve ser observado como espaço autônomo. Na presente Comunicação, os Autores, em face da delimitação de espaço, passam a apresentar um único exemplar para cada uma das categorias em análise, quais sejam, fazenda, engenho e usina , vinculadas ao ciclo canavieiro. Cumpre destacar as diferenças de produção entre essas três categorias: as fazendas eram propriedades rurais, particulares, incumbidas da produção da cana, muitas vezes com engenhos menores, a quem competia o processo de industrialização do produto; os engenhos, como se disse, eram destinados à industrialização da cana, para a produção do açúcar e do álcool; as usinas, em momento posterior, aliaram os dois processos de produção do açúcar: a plantação da cana e sua industrialização. Fazenda Milhã ...e foi plantado na nova terra o capim milhan.... © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1475 A sede da velha fazenda Milhã, também chamada São José do Milhã, único reduto da região, está localizada no bairro rural de Formigueiro e faz parte do ciclo canavieiro que antecede a fase de cultivo do café. Em 28 de março de 1850 o ituano Antonio Ferraz de Arruda inaugurou a nova morada, ainda existente e reformada. Na primeira metade do século XIX, Ferraz de Arruda possuía terras em Capivari e plantava na nova terra o chamado capim milhã, onde também começou a plantar cana e a produzir açúcar, segundo Renato de Albuquerque Salles, em “A Fazenda Milhan” (1976). Essa fazenda, desmembrada da Sesmaria do Congonhal, situase no distrito de Saltinho, povoado distante 13 quilômetros da cidade de Piracicaba, no eixo PiracicabaTietê. A fazenda, com 540 alqueires, deixou traços de um programa de cultivo da cana. Somente a partir de 1867 seus proprietários plantam os primeiros pés de café. O programa anterior obedecia ao cultivo da cana e fabrico de açúcar, conforme “restos” encontrados no terreno. Os terreiros, mais tarde, foram localizados longe da morada , longe do engenho que continuou funcionando. Em 1980, em entrevista com Lúcio Ferraz de Arruda, descendente do patriarca Antonio Ferraz de Arruda e as pesquisas nos Ofícios Diversos de Piracicaba demonstram a evolução do cultivo: cana, café, cana e café ao mesmo tempo, algodão, cana. A “casa de morada”, construída há 175 anos e reformada em 1975, sem perder a estrutura do partido, “não foi na verdade uma casa de fazenda de café” (Lemos, 1976, p.92). A casasede dessa propriedade está implantada em terreno de meia encosta com a fachada lateral esquerda assobradada e apresenta a parte térrea “para despejo, acomodar hóspedes e gente de tropas” (Lemos, 1976, pp. 5152). Um muro de arrimo, construído inteiramente de pedras, apresentase transversal e em continuação à morada, separandoa da zona agrícola. Na reforma sofrida, a casasede perdeu a ala direita para a zona de serviço: sala de queijos, despensa, cozinha com fornos e ralador. Diretamente sobre o embasamento de tijolo e pedra sobem as paredes de taipa de mão. A estrutura da gaiola é de urindeúva e cabreúva, madeiras da região. Segundo entrevista da Autora, Neide Marcondes, com o proprietário na época (1980), Lúcio Ferraz de Arruda, não se conhece o mestreconstrutor da casasede. O que se sabe a respeito da planta é a chamada aplicação do “risco no chão”. O construtor da região e o proprietário, com certa facilidade, construíam as paredes, pois eram conhecedores das tradições regionais de construção e do aproveitamento e função dos espaços. A morada da Fazenda Milhã demonstra vínculos com as gerações anteriores...”está diretamente filiada à arquitetura tradicional bandeirista mas não ortodoxa no planejamento original” (Lemos, 1976, p. 99). Na parte fronteiriça estão as salas, os quartos, as alcovas e um corredor leva à varanda, antigo alpendre posterior das casas de tradição bandeirista. Essa varanda, na fase canavieira, foi o centro de toda a atividade familiar: zona de comer, laser, de mando, de estar, de trabalhar. A varanda forçou o convívio da família e o contato do chefe da propriedade com seus empregados. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1476 A zona de culto não se apresenta como um cômodo isolado, tão comum nas moradas do Vale do Paraíba, mas é representada pelo oratório sobre um arcaz da época. Entre os móveis ainda aproveitáveis na decoração do espaço interno da morada, destacamse os catres, baús e grandes armários usados anteriormente, no período das casas bandeiristas. O piso da casasede apresentase de duas formas: com soalho de tabuado largo ou com tijolos, fabricados na olaria da propriedade. O forro, também de tabuado largo, era protegido pelo telhado com multiplicidade de água, com telhas de canal, hoje substituídas. Largo beiral de madeira protege as superfícies externas. Os cheios predominam sobre os vazios, característica das moradas da primeira metade do século XIX. Os montantes retangulares são de madeira e na parte térrea estão os tradicionais janelões em treliça, comuns na época e na região, conforme foram encontrados em morada em Porto Feliz. Janelas gradeadas e treliçadas eram para proteger e impedir a fuga dos escravos e empregados. O abastecimento hídrico era feito por meio da canalização de aquedutos rústicos, feitos de telhas –seus restos ainda são visíveis– que chegavam até próximo da casa, sendo completado manualmente pela varanda, por onde a água era levada para a zona de serviço. Além da água, a varanda era o local do recebimento da lenha e dos mantimentos já beneficiados, para armazenagem. Ao lado da casasede, uma construção, com funções específicas, apresentase como depósito de arreios, ferramentas e móveis. Segundo explicações do proprietário (1980), o espaço era, também, destinado aos castigos de escravos. Tinha, ainda, a função de paiol e um grande moinho era tocado a bois. Constatase na mesma edificação a antiga instalação sanitária. São latrinas elevadas, com divisões de madeira, sem sistema de esgoto; os excrementos eram consumidos pelos porcos. Era um importante espaço da época da construção da morada, que apresenta em uma das superfícies armação com sino, onde Antonio Ferraz de Arruda chamava seus empregados. Percebese nesse anexo o tipo de material e sistema de construção da época, pois a mora principal sofreu reforma. São visíveis o madeiramento do telhado em tesoura, a taipa de mão das paredes e seus esteios, com a operação nabo , característica da região. Uma construção secundária significativa, que faz parte de uma antiga sede de fazenda de cana (1850), quando o acréscimo posterior de um programa para um período de cultivo e beneficiamento de café, não alterou o partido da sede propriamente dita. Piracicaba, centro importante da indústria açucareira na primeira metade do século XIX, presenciará o abandono de alguns engenhos em favor do cultivo do café. Em 1861, na Relação dos Engenhos d’Assucar d’esta Cidade (Constituição) e na Relação dos Fazendeiros de Café, foram relatados 47 produtores de açúcar, 53 de café e 12 engenhos e plantação de café (Arquivo do Estado de São Paulo, Caixa 372, 1861). È interessante notar que muitos fazendeiros não abandonavam a plantação de cana e o engenho. Encabeçando a lista citada, Luís Antonio de Sousa Barros, com 7.000 arrobas de © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1477 açúcar é, também, o primeiro fazendeiro de café, com uma produção de 30.000 arrobas naquele ano. Em 1866 o município conta com 159 propriedades, divididas em produtoras de açúcar e café; 69 eram consideradas de tamanho médio, 89 as grandes propriedades e não há referência às pequenas propriedades (Torres, 1975). Nesse período, Piracicaba apresentou a seguinte produção: 39.000 arrobas de açúcar e 112.830 de café. A produção paulista do café, que até o início da década de 1870 representava apenas 16% da produção brasileira, a partir daí, e em 1885, representa 40% (Cano, 1977, p. 31). Ao se difundir a cultura cafeeira, coincidindo com a cessação do tráfico de escravos, acentuase a necessidade de braços para a lavoura. Entre os produtores de açúcar, ao lado do braço escravo, já havia o sistema de plantação de cana de partido, em que os lavradores se estabeleciam em terras do senhor do engenho, fornecendo a cana para moagem e recebendo parte do açúcar produzido. Em 1860, em escritura de doação de uma crioula de 18 anos de idade, o seu valor é de 1.000 réis e a de 20 anos é de 1.500 réis. O valor da terra não aumenta na mesma proporção do valo da mão de obra escrava. Em 1872, um sítio vale 600 réis o alqueire, com casa de morada, senzala, paiol, engenho, pastos, cercas, plantação de açúcar e café; já um escravo com 20 anos de idade custa 1.800 réis. Naquele mesmo ano, a população negra de Piracicaba constituía 40% do total e a população estrangeira não atingia 11% (Arquivo do Estado de São Paulo, Maços de População de 1869 e Relatório das Terras). Em 1884, o número de imigrantes em São Paulo era suficiente para suprir a lacuna deixada pelos negros mortos ou libertos. Os fazendeiros do CentroOeste paulista diferiam dos do Vale do Paraíba, que se mantinham apegados ao trabalho escravo, indignadose com o procedimento dos primeiros, que pareciam assistir indiferentes ao avanço do abolicionismo. Os imigrantes que vieram em 1885, destinados à lavoura do Vale do Paraíba, recusaramse à contratação como lavradores desta região e seguiram para o oeste da Província, segundo relatório de Francisco Antonio de Sousa Queiroz Filho, vicepresidente da Província de São Paulo, em 1885 (Arquivo do Estado de São Paulo, Caixa 375, 1885). O imigrante sabia das zonas mais férteis e de trabalho mais cômodo. Entre 1871 e 1886 chegaram pouco mais que 40.000 imigrantes a São Paulo, e em 1888, foram 122.000. Entre 1881 e 1891, as despesas realizadas pelo Tesouro da Província/do Estado de São Paulo montaram a 9.244 contos de réis para a imigração (Viotti da Costa, 1976). Em 1890, o relatório da Comissão Central dos Estados indica 22 mil imigrantes europeus no município de Piracicaba. Os programas da fazenda de café apresentam uma solução mista. Adaptamse as construções secundárias do engenho para tulhas e terreiro; o terreno é aplainado para permitir a secagem do café. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1478 Engenho Central de Piracicaba Às terras da antiga Fazenda São Pedro, que no ano de 1861 produziram 3.000 arrobas de açúcar, couberam por partilha do inventário do Marquês de Valença, ao seu filho Estevão Ribeiro de Souza Rezende, o qual, com um capital de 400 contos de réis, funda em 19 de janeiro de 1881, o Engenho Central. Em 1883, o Engenho obteve a safra de 8.000 toneladas de cana, funcionando com aparelhos de construção francesa. O Engenho de Piracicaba deve sua produção de 9.000 sacas de açúcar naquele ano à queda d’água, com a utilização direta da força hidráulica. O Engenho dispunha, ainda, de caldeira para a evaporação da calda e o cozimento do xarope, fornos de queimar bagaços, uma chaminé quadrada, de tijolos, dois filtros, dois vácuos e um secador (Cruz, 1920). Faltavam os fornos automáticos, sem o trabalho do foguista, há muito utilizados pelos ingleses e americanos. Colocado, na época, entre os melhores engenhos do Brasil, o de Piracicaba tinha o mais baixo preço do açúcar do Estado de São Paulo. A grande distância que separava a atividade agrícola da industrial, no caso dos engenhos centrais, acarretava elevado custo do transporte da cana madura, que não poderia ser armazenada sem rico de perda total do teor da sacarose. Em 1899, o Engenho Central passa para a Companhia Açucareira de Piracicaba (Sucrérie de Piracicaba). A Societé Sucrérie Brésiliènne, com capital total de 7.000 milhões de franco, possuía no Brasil seis Engenhos Centrais, sendo quatro em São Paulo. Encerravase no ano de 1899 a fase dos engenhos centrais, iniciandose o período das usinas e com ele todo o processo de concentração fundiária. O Engenho Central de Piracicaba está atualmente incrustado na área urbana, denominada Vila Rezende. Parte de suas terras foi loteada e as casas transformaramse em escritórios. Os grandes edifícios, com características de construção inglesa, obedecem aos padrões do “functional tradition”. São formas que podem ser denominadas clássicas, dentro do padrão de construção para a indústria, um edifício sólido, cômodo, funcional, regular e simétrico. Engenho>Usina Monte Alegre O Engenho Monte Alegre foi comprado dos herdeiros da Fazenda do Marquês de Monte Alegre, que em 1887 já produzia de 8.000 a 10.000 arrobas de açúcar. A propriedade, situada à margem esquerda do rio Piracicaba, está a seis quilômetros do centro da cidade. O Engenho Monte Alegre foi desenvolvido pouco a pouco, improvisado com aparelhos das engenhocas e duas moendas. Monte Alegre era um engenho pequeno em relação à grande extensão de suas plantações de cana e de seus compromissos com os fornecedores. Em 1890, a já Usina reúne as atividades agrícolas e industriais, forma o seu latifúndio, aplicando métodos agrícolas tradicionais e criando no colono a consciência de fornecedor de cana. Aparece o tipo social empreendedor e dominador: o usineiro, que nada tem a ver com a figura do senhor de engenho ou do dono de fazenda. O usineiro é homem da cidade, o industrial representante da burguesia urbana. A utilização de colonos era uma imposição do próprio estágio de desenvolvimento da lavoura canavieira paulista. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1479 A usina é, portanto, uma fábrica de açúcar que, ao mesmo tempo, produz sua matéria prima e concilia os grupos hierarquizados de sua estrutura: o trabalhador rural, o trabalhador na indústria de produção e o comprador do açúcar e do álcool. Como qualquer indústria, a usina visa à produção de melhor qualidade, rentabilidade e baixo custo. Após pertencer à algumas companhias e proprietários particulares, em 1910 a Usina Monte Alegre passou a integrar a Companhia União de Refinadores. O programa da propriedade foi mantido. Os prédios mais antigos foram restaurados e mantidos alguns equipamentos e adquiridos outros para um perfeito funcionamento da Usina. A igreja dos colonos e suas casas, a dimensão territorial do plantio da cana, as formas arquitetônicas que abrigaram o comércio, a farmácia, o empório e demais construções do ramo ainda estão presentes no espaço onde floresceu e atuou a Usina. A casasede foi demolida e substituída por outra, na década de 1930. Piracicaba orientouse para a agroindústria do açúcar. A indústria açucareira piracicabana não chegou a se extinguir, mesmo durante o apogeu da produção cafeeira. Manteve um lugar preponderante na produção paulista do açúcar. O programa rural e o partido arquitetônico paulista, no século XIX, analisados neste trabalho, sofreram transformações durante aquele século. A agroindústria açucareira conferiu novas formas aos espaços e foi fator determinante na formação do programa rural das propriedades. As mudanças sócioculturais interferiram gradualmente no sistema e nos meios construtivos; houve a ocorrência da formação de latifúndios, da grande agricultura de tipo comercial para a formação de matéria prima, do proletariado industrial em área rurais e do crescimento da mãodeobra assalariada. O tema geral deste XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana permite uma reflexão final que extrapola a produção histórica da cana e do açúcar e a decorrente exportação de açúcar que dela resulta no período compreendido pelos séculos XIX e XX e em área geográfica que abrange esse privilegiado continente iberoamericano. No caso particular do Brasil, analisouse a região de PiracicabaSão Paulo, que ainda é, neste 2004, uma das grandes produtoras de cana e, portanto, de açúcar e sua exportação, o que contribui para tornar o Brasil um dos maiores exportadores deste produto de origem vegetal. Há, no entanto, uma dimensão que coloca este país em posição privilegiada em termos de produção exportadora dos produtos derivados da cana. A ninguém foge a perspectiva sombria do aumento de frotas de veículos em todo o cenário mundial, que se movem à base de fontes de energia finitas e esgotáveis, como o petróleo e seus derivados. O Brasil desenvolve presentemente pesquisas sobre o uso do álcool, derivado da cana, em vários sentidos: num primeiro, a sua mistura à gasolina que, se lhe rouba parte da potência, permite menor poluição do ar; num segundo, o desenvolvimento de veículos polimovidos por combustíveis como a gasolina e o álcool e a mistura de ambos. Em terceiro momento, o País desenvolve pesquisa no sentido da criação de motor que, embora já existente e movido exclusivamente a álcool, lhe permita a velocidade e a destreza daqueles desenvolvidos por combustível de primeira classe, derivado do petróleo. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 XVI Coloquio de Historia CanarioAmericana 1480 Fica assim, finalmente, caracterizada a pertinência da escolha do tema para este Colóquio, no qual foi possível refletir, não apenas sobre o açúcar, mas também sobre o seu irmãogêmeo, o álcool, que da cana ambos derivam. © Del documento, de los autores. Digitalización realizada por ULPGC. Biblioteca universitaria, 2009 O açúcar e a arquitetura rural no sudeste do Brasil … 1481 BIBLIOGRAFÍA CANABRAVA, A. e MENDES, M.C., “A região de Piracicaba”, Rev. do Arq. Municip. de São Paulo, março 1938, p. 277. CANO, W., Raízes da concentração industrial em São Paulo, São Paulo, Difel, 1977. COSTA, L. “Arquitetura dos jesuítas no Brasil”, Rev. do Patrim. Hist. e Art. Nacional. São Paulo 5, 1939, pp. 1213. FEDUCHI, L., Itinerarios de la Arquitectura Popular Española, Barcelona, H.Blume Edit., 1974. FRAGOSO PIRES, F.T., Antigas fazendas de café da Província Fluminese , Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980. GUIDONI, E., L’Architettura Popolare Italiana , Roma, Lateza, 1980. HEREDIA, B.M.A., A morada da vida. Trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil , Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. KATIMSKY, J.R., Arquitetura canavieira , São Paulo, FAUUSP, 1977. LEMOS, C., Cozinhas, etc., São Paulo, Perspectiva, 1976. 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