L I T E R A T U R A
A.N . CH1,ETA E O MAR . :i
P O R EL
"Bendito o Senhor que manda ao vento e ao mar
e Ihe obedecem, para que siryam aos homens que =o
mal obedecem A sua Divina Majestade!"
ANCHIFTA: Carta-s Jesuiticqs, TII, 221
"E muito experiente nas coisas da navega@omT. al juizo expendia
-sobre Anchieta, em fins de 1583, o Padre Cristóviio de Gouveia,
enumerando razioes, para que ele, apesar de suas conhecidas enfer-midades,
f6sse mantido ii frente da província da Companhia de
Jesus no Brasil. "Por mais pintado" que viesse alguém de Portugal
para substitui-lo-acrescentava o visitador-, dificilmente lograria
preencher sua falta, quer no tocante h santidade de seu exemplo,
ri..an ,....nr.Cn ,-.P;n;Ann;n ,-.-mnd:..ñn A,-. nrr.&,.- -..,.Llrrnirmri nrr....l:nunn
~ U G A q ua~i~aiu c .ubi%iibiau a clrycuiyau us; b c r bun p u u r s ; r r i a ~p z b u i i a r c u
,ao novo mundo.
Para a visita, por exemplo, As diiersas casas da provincia, dis-tribuídas
de Pernambuco A capitania de S o Vicente, visita que tao
somente por mar era possivel cometer,'se requeriam ordiniriamen@ ,
t s s anos-opinava o mesmo visitador. No periodo de um ano s4,
conseguiu todavia o Padre Anchieta efetuá-la, mais de urna vez!
E essas frequentes viagens, entrecortadas 'ocasionalmente de
P. H~LIU ABRALUCHES V I m I , S. J.
!S imprevistos, longe de ihe abaterem as f6qa
gurava ainda Gouveia-, faziam bem, pelo contrário, i sua saúde
combalida l.
Ilhéu por nascimento, natural de Tenerife, a pérola geográfica
do arquipélago das Canárias, est@o de refresco para as armadas
espanholas que velejavam na derrota das terras recém-devassadas
aquém-Atlantico, parece have-lo destinado a ProvidGncia a uma
vida de permanente contato com o oceano. Com o espetáculo sem-pre
grandioso de suas vagas, na majestosa serenidade da bonanca
ou na iracunda violencia de suas tempestades, o mar foi para ele,
desde a meninice, imagem familiar a fantasia criadora de poeta,.
fonte de profundos sentimentos de religiosidade.
Menino ainda, por 1-48, realizava sua primeira viagem marí-tima,
em demanda da península ibérica, para matricular-se no Co-légio
das Artes de Coímbra. Cinco anos depois, escolástico apro-vado
da nova Ordem religiosa, fundada por seu próximo parente-
Inácio de Loiola, embarcava em Lisboa, rumo ao Brasil. De 8 de
maio de 1553 até & chegada ao Saivador a i3 cie juko do mesme
ano, foram sessenta e seis dias de navegaGo particularmente prós-pera.
Descontada ligeira borrasca, ao sair do Tejo, mais alguns-ventos
contrários a princípio, que fizeram temer urna arribada a
Portugal, e ainda uma tempestade passageira no oceano, correu
tudo bonanqosamente nessa travessia.
Dessa terceira leva dos jesuitas enviados ao Brasil, vanguardas
na América do novo exército missionário suscitado por Deus em
auxilio de sua Igreja, sómente Anchieta, com certeza, possuia ex-rn-
e-r-i-B-n-~-i-a da nav~gg&. D Q variad9 P = ~ ~ ~ P I JquQe - e 0 -- --. .,
Atlantico, com seus cardumes de peixes voadores, as cambalhotas
dos golfinhos, as velas brdcas das pequenas embarca@es que
. 1 ARSZ, -S. 68, 343-343 v. V i r fidelis, prudens et humi3b in Clwisto.
--escreve a respeito de Anchieta o visitador-- e de todos muito benquisto, sem
que haja ninguém que dele tenha queixa; nem achar posso palavra ou ato '
<e tenha praticado mal". Fazia seis anos que presidia & província e continuou.
a governá-la por mais quatro anos e pouco. Seu sucessor Marcal Beliarte
ohegoU a Pernarnbuco já muito adiantado o ano de 1587. '
navegavam de conserva, pouco se Ihe dava. Já que a bondade de
Deus parecia restituir-lhe, desde os primeiros dias de viagem,
melhores disposiqoes de saúde, "Ian~ou logo m50 do fogiio e da
cozinha e assim da despensa dos Nossos, com que a todos veio
servindo" 2.
A altura do arquipélago nativo, divisaria o seu olhar, na di-r@
o do Nascente, envolto em farrapos de névoa, coroado pela
brancura das neves, o vulciinico pico de Teide, de que outrora to-mara
o nome a "Insula Nivaria". Nessa ilha, vivia sua piedosa
máe, Da Mencia de Clavijo y Llarena, nobre filha de conquista-dores
das Canárias. Seus numerosos irmiios. Ali perderia nesse
mesmo ano, prematuramente, o pai, D. JoZo de Anchieta, guipus-ro2m
& Urrestikz, fidz!g~ de origeiii, a qüsrii aiicesuivüs r: Iíün-rosos
cargos públicos vinham dando merecido relevo na sociedade-
Para o Brasil, porém, convergiam agora os seus anelos.
Tendo finalmente pisado a nova terra, a50 se demorou na Bahia-
Sua primeira viagem no Brasil-e seriam dezenas!--foi a que
empreendeu ainda tm 1553, de principios de outubro a 24 de
dezembro até o porto de Siio Vicente. Várias vezes interrompida,
inclusive por Pminente risco de naufrágio. Oito léguas abaixo de
Porto 'Seguro para o Sul, num lugar chamado antigamente pelos
índios Xerimbabo (coisa medonha), na direGo de leste, comecam
os Abrolhos. Temidos entáo pelos navegantes, avanqam tais recifes
de coral mar a dentro umas vinte léguas, entre chapeiroes e pocos
de água, formando algumas ilhas das quais a mais importante é a
de Santa Bárbara. Ai, a 21 de novembro, correram perigo de vida,
N53 imhindu brcvsa prc-msos iluviais, travessias menores
pela baia de Guanabara ou de Todos os Santos, as frequentes
singraduras pelo canal da Bertioga, e costeagens ao longo do litoral
esplritossantense, como de Vitória a Reritiba, e sem desdobrar
2 Quirício Caxa, S. J . : Breve relacáo da vzdn e morte ch PI~! - !JIoP& de
Anchieta (Lisboa, 19341, 12. V. ainda Carta de BrSs Lourenco, de 30 de juiho.
de 1558. ARSZ, Brm. 3 (l), 89 v.-90. Primeira vez publicada (em traduc$c~
portuguesa) em nosso trabalho A chegada de Anchieta ao Brasil, "Jornal da
Comercio" de 4 e 5 de abril de 1953.
4 P. HELIO ABRANCHES VIOTPI, S. J.
como se poderia o trajeto marítimo entre Bahia e S o Vicente, de
vez que se demorava em visita, quando provincial, As casas de
Porto Seguro, de Vitria e do Rio de Janeiro, &o mais de quarenta
as suas viagens no Brasil, documentadamente.
A maioria dessas jornadas, das quais vinte no mínimo durante
0 dednio de seu provincialado (1577-1587), levou-as a,cabo na nau
Santa Úrda, a fragata da província. O "barco dos Padres da
Companhia", no qual, por 1571 e sob a ocasional inspeccao do
Padre Quirício Caxa, trabalhava, na "fonte do Pereira" na praia
do Salvador, o construtor Manuel Faleiro, deve ter si60 justamente
&se pequeno, mas esplendido veleiro, de que indiretamente nos &o a
informa@es as mais favoraveis inúmeros fatos da vida de Bn- N
E ehieta O
n
Quase sempre felizes, por vezes excepcionalmente velozes, foram
+-:o rJ i i ~Lnnn~a UE~ U, ~Z ~ ~Z Sp., e lo m-& rie. julho de 1578. deverá ser
considerada a primeira regata histórica realizada na América.
Simáo de Vasconcelos, que a descreve, cita, & margem da ed@o
da Vida do Venerável, o Processo Apostólico do Rio de Janeiro '.
Trata-se do depoimento de urna testemunha de vista, o vicentino
.a50 Monteiro, jovem en60 de seus dezenove anos de idade, cha-mado
mais tarde a depor naquele processo, a 28 de julho de 1627.
Pretendia o Administrador apostólico do Rio de Janeiro, Bar-tolomeu
Simóes Pereira, seis meses depois de empossado na sua
prelazia, visitar a capitania de $350 Vicente. Insistiu com 6le o
provincial, que para 1á também navegava, para que viajasse no
navio dos jesuitas. Alegando haver tomado passagern noutra em-
A 24 de agosto de 1591, comparecendo perante o tribunal, constituido
na Bahia, durante a primeira visitaca0 do Santo oficio as partes do Brasil,
al i~diaF aleiro a &te fato, como se tenüo passado, "iioverh %%te ai~u::p CUcC
mais ou menos". Conpksóes da BaJiia (1935), 68.
4 Vida do VenercíveZ Padre José de Ainchieta, 1.' edipáo, Uaboa, 1672,
255-256, ou 1. TV, c. WIi, n. 2.
250 ANUARIO DE EXTUDIOS ATLANTICOS
barcacao, recusou terminantemente o prelado. Nesta, com um dia
de antecedencia, seguiu também Joao Monteiro. "E depois-atesta
&le-viram passar" ao Padre José de Anchieta.. . "E chegara dita
capitania de Sao Vicente em vinte e quatro horas e o dito prelado
em cinco dias. Vendo todos isto, que tiveram por milagre, porque
o dito padre ia muito depressa e eles devagar"! 5.
Nao foram raras, entretanto, as procelas que, em suas inúmeras
travessias, houve de arrostar. O que enfrentou todas as vezes com
a mais serena coragem. "Nos perigos-diz QWrício Caxa-, por
grandes que fcssem, nunca se desinquietava, mas sempre se con-servava
em grande paz e serenidade de animo; o qual.. . Ihe nascia
também de ter boa consci6ncia, satisfeita e contente, que o nao
mordia, nem mdestsiv~i,a inda nn temw dti mmte presente, quunde
se mostra mui delicada e nada dissimula" C.
Perigos do mar e prigos da pirataria! Nao se pode esquecer
a hecatombe dos Mártires de Tacacorte ou do Brasil, no ano de
1570, e o desastroso reves no ano seguinte da expedi@o de D. Luis
de Vasconceios. De 158Ü para diante, com a passagem de Portugal
e suas colonias para o dominio espanhol, vieram os corsários in-gleses,
depois os holandeses rondar também as costas do Brasil.
A esse último perigo se deve principalmente ter sido Anchieta
designado para visitador nas casas do Sul, entre 1592 e 1594, su-prindo
nisso ao provincial Marqal Beliarte, seu imediato sucessor.
- Ainda no século XVIII, ao comentar a viagem de certo licen-ciado
para a India, discreteava n'O Peregrino da América, o escri-tor
ascético baiano Nmo Marques Pereira: "Só vos digo que me
Jemhra q g ~ p, ergj~t~&c erte fi!&& p=r q ~ Z&En cr. se
. quis embarcar, respondeu: por me nao fiar de quatro loucos quais
5 Processo Apost6liCo do Rio de JaneCo (c6pia do Arquivo da Postula~~o
das Causas dos Servos de Deus da Companhia de Jesus em Roma), 123.
Trata-se do depoimento de Joáo Monteiro, natural da vila de Santos, filho de
Antonio Monteiro e de Catarina Ferreira, de idade de 67 para 68 anos. Sobre
as primeiras visitas do Prelado capitania de Sáo Vicente, v. Mons. Paulo
Florencio da Silveira Camargo: A Igreja m h.i.stórin de Báo Patclo, 86-87.
6 Q. Caxa, S. J.: Breve relapáo, 24.
. 60 o navio, o mar, o vento e o marinheiro" '. Anchieta, esse con- o
fiava no seu navio e nos seus marinheiros. Fiava-se, porém, sobre-tudo
na Providsncia de Deus: "Bendito o Senhor que manda ao
vento e ao mar e lhe obedecem, para que sirvam aos homens que
t5o mal obedecem a sua Divina Majestade."
Piloto, durante quarenta anos, da nau da provincia foi o Irm5o
Francisco Dias, substituído mais tarde pelo Irmiío Manuel Martins.
Francisco Dias, apontado recentemente para figurar como o pa-trono
dos navegantes em nossa tema, nunca padeceu naufrágio.
Abaixo de si tinha o mestre da equipagem, por nome Joáo Fer-nandes,
que serviu outros quarenta anos e acabou recebido na Com- a
panhia de Jesus, cumprindo assim, diz o documento relativo, uma c.
E
antiga profecia siichitaila S. O
'A 28 de maio de 1624 foi a fragata da Companhia apresada
n--
O9
a altura do morro de Sáo Paulo, litoral da Bahia, por uma nau h0- E
E
2
landesa e duas lanchas. AIém do provincial Padre Domingos
Coelho, que nessa ocasiiío, receiando o martirio para todos, recebeu
-
na Companhia JoZo Fernandes, iam a bordo mais nove jesubs,
3
-
um dos quais o piloto IrnGo Manuel Martins, quatro beneditinos e
-
0
m
dois franciscanos. Um destes o historiador F'rei Vicente do Sal- o
vador, que na sua HistórZa do Brasil narra o sucesso. Compunha-se n
entao a equipagem de uma dezena de marujos -E
a
Da serie de viagens de Anchieta, devem destacar-se as duas l
n
maiores tempestades, cuja descri@o possuímos. Da primeira n
deixou-nos ele próprio um primoroso relato em latim em sua Epis- 5
O
tola quamplurium rerum natzcralium de 1 de maio de 1560. Des-
7 Cornp&uiio narrativo do Peregrino da An~óricu, cdiqtio da Acacieinia
Brasileira de Letras, 1939, 1, 279. De Cairu o faz natural Varnhagen, se k m .
n50 aponte o documento em que se baseou para isso, Aistórin Gerat, ed. Melho-ramentos,
IV, 38 e 39. Que seja brasileiro (e baiano) claramente o insinua o
censor lusitano da obra, impressa em Lisboa em 1718. A opiniao iecente que
o faz wrtupJs, emitida embora por Afranio Peixoto, nao passa de uma conje-tura.
Contempor%neod e Rocha Pita, bem pode como éste, ter cursado o Colégio
dos Jesuítas na Bahia, que já dera anteriormente um Antonio Vieira.
8 ARBI, Bras. 8, 534-535. Cf. S. Leite, S. J.: ELstÓria, V, 35 e W, 254.
9 F'rei Vicente do Salvador: História do Brasil, ediqáo de 1918, 531-532.
252 ANUARIO DE ESTUDIOS ATLANTICOS
cric50 em portugu6s se lia na sua Histhia da Companhia no Br&Z
e Vida dos Padres Ilustres, que infelizmente anda extraviada. Re-fere-
se & viagem de 1553 lo.
De Porto Seguro haviam zarpado a 19 de novembro para o Sul,
indo lancar ferro a noitinha nas proximidades dos Abrolhos. No
dia 20 váo navegando dificultosamente por entre aqueles baixios,
usando a sonda, o que nao impediu um encalhe, seguido de borrasca,
que os arrastou por cima dos parceis. A tarde puderam ancorar
em um pego, acreditando haver passado o perigo.
Eis senáo quando pela 1 hora da madrugada do dia 21 rebata
violentíssima tempestade. Ábatidos os mastros, alagado o n d o , a
desgarrado o batel, a esperanca se concentrava t6da na amarra,
qnandc! esta se rnmpe. Sacudidos e arrebatados furiosamente pelo O
n
vento sul, esgueiram-se como por milagre por entre aqueles cacho- -- m
O
pos. Serenada a tormenta já pela manha, v5o ter nesse mesmo día o
E
2 da Apresenta~áod e Nossa Senhora ao rio das Caravelas, ai perma- E
necendo nove dias enquanto se repara o navio.
3 Pelo dia 16 de jui'no de 1583 suspenaia do Rio de Jaiieim para
-
a Bahia a fragata Santa Úrsula. Com o visitador Padre Cristóviio 0
m
E
de Gouveia, viajava o provincial Padre José -de Anchieta, o reitor O
do Colégio do Rio Padre Inácio Tolosa, o sócio do visitador Padre n
Fernáo Cardim e vários irmáos, entre eles Pero Leitiio, que termi- E
a
nara seu tempo de magistério no mesmo Colégio. A 22 de julho,
n
pela altura do Cabo Frio, esteve a morte o Padre Tolosa, curado n
n
repentinamente com a discreta interveneo de Anchieta. Fernáo 3
O
Cardim é quem na sua Narrativa Episto1ar;fornece sucinta infor-mayh
acerca, des silcessc~ d&8 nawga@n, que durou trhta e
dois dias ll.
.
10 ARSI, Bras. 3 '(l), 95, 89-92. Tradu@o portugu&sa em Cartas Jesuiti-
.cas, iii, 108-110. Para a descricáo que faz dessa "mesma tormenta e nau-frágio",
na Vida do Venerhel, fundamenta-se Vasconcelos nos Apontamentoa,
.citando B margem (l.* edicáo) : "Joseph in manuscriptis", pág. 43. Outra des-crigáo
ainda se 16 em Carta de Brás Lourenco, de 26 de marco de 1554, que
publicamos no "Jornal do Brasil" de 18 e 25 de julho de 1953.
11 F e d o Cardim, S. J.:. Tratados da Terra e Gente do Brasil (19251, '
:359-360.
A respeito, porém, do perigo de naufrágio e circunstiincias par-ticulares
do caso, foi o testemunho do Irrnáo Pero Leitao, dos mais
íntimos confidentes de Anchieta, que serviu sobretudo aos seus
biógrafos. Testemunho magníficamente confirmado, quanto As
principais circunstiincias, pelo depoimento de um dos passageiros
de bordo, o secular Joáo Botelho, chamado a depor no Processo
Apostólico do Rio de Janeiro a !9 de junho de 1627 12.
Por tres &as e tres noites continuas o temporal desfeito, que
os surprendera entrada da barra da baía de Todos os Santos, os
arrastou para o Norte. Abandonado, ao cabo de inauditos esfor~os "
da tripula@o, o navio &. sua sorte, davam-se todos por perdidos.
Só Anchieta nao esmorecia. No chapitel do veleiro, agarrado hs
cordas, perrnaneceu todo esse temp, quase sempre de joelhos,
entregue ii ora@o. Haviam atingido proximidades da foz do Vasa
Q Barris.
Ameaqava agora a tormenta arrojá-los contra os recifes da
costa.. . "Bendito sea DiCIs-exclamava InácEo Tolosa-, que se
escapamos de ia mar, no escaparemos iie ia tierra!" Nudia aos
gentios da regiáo que, em guerra contra os Portugueses, nao
deixariam de banquete&-los. A Pero Leitáo que o buscava para
confessar-se, deciarou entretanto Anchieta que nao naufragariam.
Querendo o irm5o levar lmediatarnente alvicaras aos padres, que
debaixo da coberta se aprestavam *para a morte, proibiu severa-mente
que o fizesse: "Deixai. Nao vades. Qué se perde em cha-marem
a Deus?" 13.
No decurso dessas navegacoes, interveio mais de urna vez para
orientar pssndmente n pihtn. Assim, por exemyln, r3ixante rerta
12 Q. Caxa, S. J.: Breve relacüo, 27; Pero Rodrigues, S. J.: Vida do Padre
José, em "Anais da Bibl. Nac.", XXlX, 276-277; S. de Vasconcelos: Vida do Ve-nerchel,
1. iV, c. XN, n. 3. Para se identificar quem 6 o religioso citado por
tais autores, v. o ms. da Universidade Gregoriana (APUG, 1067, 67), ou o
testemunho do Padre Manuel Tenreiro, S. J., no Processo Apostólico de Lisboa,
16-16 v. Quem nos fornece, para o navio da provincia, o nome de "Santa Orsula"
6 o depoimento de Joáo Botelho, no Processo Apostólico do Rio de Ja?zeiro, 72 v.
13 Com levíssrma diierenca &o exatamente essas as palavras que se leem.
Iuer em Pero Rodrigues, quer em Quirlcio Caxa, lugares acima citados.
254 ANUARIO DE. ESTUDIOS ATLANTZCOB
borrascosa cerra~iio,q ue dificultava perigosamente a entrada do
navio da provincia no porto do Rio de Janeiro. Assim igualmente
noutra viagem, saindo desse porto para montar o Cabo Frio, em
seguida junto a ilha da Ancora, onde fundearam, logrando evitar
a consequGncia' de vertiginoso vendaval, que inesperadamente
irrornpeu, contra o parecer dos experimentados mareantes.
O episódio, que Simiio de Vasconcelos insere erradamente na
jornada de 1585, pertence quase certamente a outra anterior. P e r ~
Rodrigues, que também o refere, fundamenta-se no testemunho de
Lop Fernandes, provavelmente o antigo e rico senhor de engenha
do rio Paraguagu 14, para inculcar que em tais casos agia um poder
sobrenatural, através da santidade do Apóstolo do Srasil 15.
fianeisev Dias, y ~ pzor &tas vezes, eluu 16.26 e em 1 l20v LWJ, dci
testernunho nos Processos para a beatifica@o de Anchieta no Rio
de Janeiro, conta por surt vez o seguinte: "E eu vi que, vindu o
dito padre da Bahia para a capitania do Espirito Santo no navia
em que eu vinha, estando para entrar no porto, dissera o dito padre
que nao gastassem muita água, que ainda tinham necessidade dela,
acontecendo assim, dando logo um tempo que se fizeram na volta
do mar, onde andarem cinco &as mais" 16.
14 Gabriel Soares de Sousa: Tratado descritivo do Brasil, apud "Revistd do.
Instituto Histórico e Geográficd Brasileiro" (RIHGB), XIV, 142.
15 P. Rodrigues, S. J. : Vida do Padre José, "Anais", XXiX, 256. Para quem
os conhece, nao é possivel, tal o volurne dos testemunhos e o valor da maior
parte deles, despojar a pessoa do Padre Anchieta do merecido título de "Tau-maturgo
do Novo Mundo". No De procuranda Imiorum salute (Salamanca,
í589), o contempor%neo de Anchieta, missionário também no Peru e no iU,éxico,
notável precursor da missionologia moderna, Padre José de Acosta, S. J..
aponta como "facilis et certa via.ad conversionem gentium harum", o melhor
caminho para a conversáo dos indígenas americanos, "vitae innocentia,
praesertim signorum splendore decorata", a santidade da vida, acomganhada
da rutilhcia dos milagres. E argumenta: "quid ergo? Cur putamus Fxcelsi
dexteram se continere, neque, quod facillime potest, gratia miraculorum tot
popuios ad fldem trahere"? Por que haveriamos de impor limites ao braco
do Todo-poderoso, para que nao fizesse milagres em favor da conversiZo da
raca americana? Op. cit., 1. 11, c. 9, pp. 115-116 (edicáo de LEO, 1669).
16 Processo hformativo do Rio de Janeiro, ano de 1620. Cópia do Ar-
10 P. HÉLIO ABRANCHES VIOTTI, S. J.
Parece tratar-se do mesmo sucesso de que testifica Diogo
Ferreira, no Processo Informativo do Rio, em que se relaciona o
episódio vinda de um excomungado a bordo, que ,furtara na
Bahia um livro dos Milagres de Nossa Senhora de Monsemate ao
governador D. Francisco de Sousa. Isto se passava no ano de 1592 17.
Nos seus Últimos anos de vida, ninguém conhecia melhor do .
que Anchieta o litoral brasileiro, de Itamaracá a Itanhaém. Um
trecho sobretudo se lhe tornara, por assim dizer trivial. O que vai
do Rio a Sao Vicente. Suas formosas enseadas, franjadas de alvis- a
simas praias, emolduradas em altitudes diversas pela crista ver-dejante
da Serra do Mar, que ora recua em anfiteatros, ora estende O
-n-os
seus tentáculos de pedra, em promontórios e ilhas que rebentam m
O
E
da superfície das águas-bem mais de vinte vezes percorrera Gle SE
em ambos os sentidos esse roteiro encantador. E
Brtioga. Sao Sebastiao, Iperui (a hodierna Ubatuba), Cairusu, 3
Ilha Grande, qué saudosas lembrancas dos tempos Iieróicos da in- O-f6ncia
do Brasil! Com as gracas da natureza, tudo isso lhe recor- m
E
dava, a cada momento, as maravilhas ainda maiores da divina O
graga! Antes de mais nada a eloquencia de Iperui ...
E ass se ando por aquela praia, compusera o De Beata Virgine a
Bei Matre Maria. Exatamente nesses termos relatou Gle ao com- n
panheiro de tantas jornadas, Pero Leitao, a história do Poema da n
Virgem. Sem omitir o dever da catequese, repartira ali as horas 3
O
do exilio entre a composi~&o do carne virginal e as negociacoes
da paz com os Tamoios da costa e do vale do Paraíba. Mais do que
a simples benevolencia, conquistara assim a verdadeira amizade
dos morubixabas fronteiros Pindobucu e Cunharnbeba. Nesse
quivo da Postula@o das Causas dos Servos de Deus da Companhia de Jesus
em Roma, 19 v.
17 Proc. hf. do R. de J., 57 v.-58. Esse excomungado, absolvido entáo
por Anchieta, era o toscano Francisco Feo. O episódio vem referido por Pero ,
Rodrigues, S. J. ("Anais", XXIX, 275), e Sirnlgo de Vasconcelos (1. IV, c. VI, n. 6).
256 ANUARIO DE ESTUDIOS ATLANTICOS
ANCHIETA E O MAB i¡
clima, @de &le consagrar-se, de 14 de julho a 14 de setembro prin-cipalmente,
a traduzir em versos elegíacos as inspiraqoes de sua
alma contemplativa.
Na igara de Cunhambeba retornara por fim a Sao Vicente.
Foram sete dias de canoagem, bordejando as reintrhcias do li-bral,
para percorrer as vinte e seis Iéguas que o separavam de Sao
Vicente. No fim da jornada, antes de chegarem a Bertioga lhes
deu urna tormenta táo rija, que nunca o i r d o , "como ele dizia"
-nota expressamente Quiricio Caxa-, se viu tao perto da morte.
Desembarcou assim meia légua antes de atingir a Bertioga, .se-guindo
no dia seguinte pela praia com dois ou tSs indios, enquanto
as demais prosseguiam remando até aquela fortaleza 18.
< 1
a - - - ----- L .--L -
v"aLr ;ar i~~c aat: Ilíea~uo~ recriua lié a, ~i a n a b a r a a, companhou
dois anos depois a expedi&io de Estácio de Sá, para a conquista
do Rio de Janeiro. Já nao mistia ali a constante ameqa dos Ta-moios
fronteiros, por &le pacificados. Com os cinco navios menores
e nove canoas de guerra, que transportavam a leva dos colonos,
mamelucos e indios de Sáo Vicente, ou recrutados anteriormente
no Espírito Santo, seguiram Anchieta e Goncalo de Oliveira. Tendo
partido a esquadrilha a 27 de janeiro da barra da Bertioga, só a
1 de maqo desembarcavam no sopé do Piio de Assucar. Para im-pedir
que, com as delongas da viagem, interrompida a cada passo,
a fome, a sede, as intempéries, desertasse o reforgo vicentino,
depois os indios de Araribóia, valeu mais do que nada o influxo
moral de Anchieta lS. ' Para essa espécie de navegaqáo de cabotagem em embarcasoea
a ieiiiu oü de pequeno porte consiiiuia temeroso obs¿áculo O pro-
18 Q. Caxa, S. J.: Breve reZa@o; S. de Vasconcelos, V4da do Venerd-ve&
1. 11, c. IX, n. 3. A melñor informa@o 6 a que d& o prdprio Anchieta em sua
cyrta de 8 de janeiro, de 1565. Cartas Jes., m, 232-233. Na biografia escrita
por Antonio 'de Alc&r2ta ra Machado, nesse mesmo volume, engana-se o autor'
quanto ao lugar do desembarque e ao trajeto por terra feito pr Anchieta
m Pero Rodrigues, S. J. : "Anais", MLM, 212-213; S. de Vasconcelos: Vida
do VelteráveZ, 1. 11, c. Xi, n. 1-2. Fonteoriginal, a carta de Anchieta: Cartns
JesuZticas, iii, 246-249. , . . ... . . .
P. H~LIO ABRANCHES VIOTTI, S. J.
montório de Caisucu. "O focinho ou a tromba deste promontório é
muito trabalhoso de passar, porque sempre está enfadado e colé-rico,
por nao achar no discurso de todo 6le [o mar] mais que rochas
vivas e talhadas a prumo para se espraiar, as quais resistindo e
repulsando os seus combates, . . . se enfurece com suas encrespadas
ondas tanto, que parece chegar ao céu com elas, com que as canoas
e lanchas que o passam, lhes,é muito necessário segurar o tempo,
e assim buscam a madrugada, em que reinam os ventos terrais que
abrandam o mar"
Indo de Sáo Vicente para o Rio, aportou Anchieta nessa para-gem
encostada ao Cairucu. "E ali mandara alevantar altar para a
dizer missa, como de efeito a disse", depos a 19 de julho de 1627 c.
E
no Rio de Janeiro Antonio Bernandes Gis, que lhe f6ra compa- O
nheiro nessa mesma viagem. A propósito desse acidente geográ- S-- m
O fico, de que faz também ligeira descrisáo, narrando sua viagem E E
de 1610, lembra o Padre Jácome Monteiro: "O. Padre santo José, 2
E
quando queria explicar a dificuldade de algum negócio [costunava
-
dizer] : rnais i;rabafioso & ,=fetuar & qse 6 czrfin,~{s ic) & 3
-
diobrar". E termina sentenciosamente: "enfjm é o Cabo de Boa. -
0
m
E
Esperanca deste Brasil" O
Através do canal da Bertioga, cujo rude esplendor natural das
n
eras quinhentistas parece conservar-se até hoje intacto, trafegou -E
a Anchieta inúmeras vezes, mormente no deobio de 1567 a 1577, l
d em que foi superior das casas da Companhia em Siío Vicente. Para n
n
atender com o seu ministério 5 popula@o das fortalezas da barra, 5
O ou desde 1574 para diante para catequese dos Maromomis ou
Gtmianases, riPscidos para o mar, catequese de que encarregou
en60 o Padre Manuel Viegas, seu discipulo de Piratininga.
Ali, junto 5 barra, se verificou, a 25 de julho de 1567 o episódio
da baleia que por um triz náo despedacava, de um golpe com a
cauda, o batel em que desciam a terra Anchieta, Gral Nóbrega e
m FOei Agostinho de S-anta Maria: Santu&rw Mariano, X, 107.
21 Jdcome Monteiro, S. J.: Rela~áod a prdincla do Brasil, apud S. Leite,
S. J.: Histórk, VD, 397. Depoimento de Fernandes Góis, no Proc. @ost. d@
R. de J., 110.
258 ANUARIO DE ESTUDIOS ATLANTICOS'
Inácio de Azevedo.. . Até alP acompanhara a expedicjio militar co-mandada
por Jer6nimo Leitao, destinada a engrossar as forcas,
com que o governador Antonio de Salema debelou em 1575 os Ta-moios
do Cabo Frio. Após alguns dias de agitaGo, aplacara o mar
sua braveza com a benciio de Anchieta, permitindo a partida dos
expedicionários, refere um deles, Baltasar Consalves, depondo a 9
de dezembro de 1627, no Processo Apostólico de Sao Paulo 22.
Se damos fé ao depoimento de testemunhas de vista (que o ju-raram
nos Proccasos), por duas vezes, a uma ordem sua, ern horas
da mais ardente calmaria, um bando de guarás, espaimando as
asas, se p6s a sobrevoar durante bastante tempo a desguarnecida
canoa, em que <le viajava, produzindo a sombra anciosamente ape-tecida
,wlns rnmpanhelrns, -?hrsrzrrd~*d; e CZ!G~. Singrande 6sse
mesmo canal em com$anhia de Leonardo do Vale, declara um dos
companheiros, Belchior Ferreira. Anchieta se teria dirigido pri-meiro
As aves, falando-lhes na lingua tupi: "eropita de boiaim
orebo". E ao despedi-las: "pe quairn pe suape". Segunda vez, na
baía de Guanabara, conforme depoimento dado por trés vezes peio
companheiro, Irmi50 Pero hitao 23.
A pé e descallco, palmiihou m sem número de vezes as durissi-mas
areias da "Praia de Nossa Senhora", atual Praia Grande, que
leva ao Santuário de Nossa Senhora da Conceiciio de ItaÍihaém.
De quantos prodigios da catequese cristá e graciosos milagres corn
os peixes e as aves, nao foi essa regia0 privilegiada para ele o
maravilhoso teatro! Ai possuia, conforme sua expressiio, para o
tesouro das almas, suas ricas minas de Potosi. Recordern-se os
hgtigm~g (?O y & ~ Rririé-di em Ttanksérn, e de rr!híssfm~
Adiio, indio da contracosta, misteriosamente ali vindo a morrer
22 Processo ApostóZico de Búo paulo, 54. Ao dar seu testemunho, a 9 de
dezembiVo de 1627, contava Baltasar Goncalves 87 anos de idade. Outro .de-poimento
nesse mesmo Processo, com referencia B expedicáo ao Cabo Frio 6
o de Maria Castanha de Almeida, cujo esposo recebeu em tal oportunidade um
relicário de marfim, que lhe doou Anchieta. Ibidem, 43-43 v.
23 Processo Apostólico do Rio de Janeiro, 28. Pero Rodrigues, S. J.: Vida
do Padre José, APUG, n. 1067, 67, ou "Anais", XXIX, 282. '
Núm. S (1957) 259
14 P. H L ~ OAB RANCHES VIOWI, S. J.
batisado, após haver observado sem quebra durante a vida a lei
natural 24.
Além dessa praia da capitania de S o Vicente, muitas outras
no litoral do Brasil, na Bahia, em Porto Seguro e especialmente
na Capitania do Espírito Santo, experimentaram, quicá com menor
frequencia, os passos ligeiros do Apóstolo do Brasil. Famosa é
a narrativa de Fernáo Cardim, que o pije, em companhia do visitador
Gouveia, de volta do Santuario de Nossa Senhora da Ajuda pelo
dia 24 de setembro de 1583, "vindo encalmados pela praia". Vinha
(o Padre José) de tras com as abas na cinta, descalco, bem cansado.
E este padre um santo de grande exemplo e ora@o, cheio de teda
a perfei@io, desprezador de si e do mundo, uma coluna grande
desta provincia. E tem feito grande cristandade e conservado
grande exemplo. De ordinário anda a pé, nem há tirá-lo de andar,
sendo muito enfermo. Enfim sua vida é vere apostolica" *=.
Junto ao mar Iocalizaram habitualmente os jesuitas as po-voacoes
de catecúmenos, descidos do sertao. E foram muitos
milhares no último quartel do século XVI. Movimento estimulado
sobretqdo por Anchieta, quer como provincial, quer como visitador
ou superior na capitania do Espírito Santo. RaGo principal para
isso era a facilidade de encontrarem os índios, numa ocupaqáo con-dizente
com os pendores próprios de seu estado de civilizacáo, a
indispensável provisáo aliment-ar, que o mar lhes podia oferecer.
A Pesca foi assim urna de suas fainas prediletas ...
Anchieta muitas vezes pessoalmente a favoreceu. Expiicitando
as entrelinhas, leiamos, por exemplo, esta phgina, arrancada por
assim dizer ao natural por seu biógrafo Pero Rodrigues:
-"Como está %o calada e triste esta aldeia", exclama o Padre
: '24 Depoimento do Padre Joao Femanaes Gato, S. J.: RiEGE, 222, $41.
P. Rodrigues, S. J.: APUG, n. 1067, 42 v., ou "Anais", XXM, 282; S. de Vas-concelos,
1. Di, c. VZI, nn. 3-4.
25 Ferdo Cardim, S. J.: Tratados da tema e gente do Brasil, 295.
ANUARIO DE ESTUDIOS ATLANTICOS.
ANCHIETA E O MAR
I
.José, ao chegar em visita 21, aldeia do Espirito Santo, boje vila de
Abrantes na Bahia.
-"Porque niio há que comer", Ihe respondern os indios.
-"Vamos todos 'ii praia a buscá-lo", retruca o Padre José.
-"Mas ni50 é conjun@io de tempo nem de maré", Ihe dizem os
caboclos taciturnos.
-"Vamos todos e &o fique ninguém", insiste o Pajéguassu,
"porque todos voltarao contentes".
T6da a aldeia o seguiu para .a praia,-distante d6sse local uns
quhze quili6mefros. A vista, porém, da maré montante, exclamam
-OS indios desolados :
-"Vede, Padre, que náo é conjunqiio. para pescar".
-u n..,. r ~ ; ~Y~~ cb~- etoims ar"?, interrompe Anchieta. E eles
zombando :
-< <G uarámirim". Que s5o uns xareus pequenos, pouco mais de
um.palmo e que nao se veem naquele tempo naquela praia, nota
Pero Rodrigues.
Aponta 0 missionário en60 um. lugar, quase a um quarto de
légua donde estavam: "Ide pescar naquele ponto". V5o os indios e
pscam a fartar. A tristeza da vinda se converteu na volta em
festival
Náo nos parece estar lendo uma página do Evangelho, em que .
as margens do mar de Tiberíades se tivessem transportado, com
esse alter Chmstw, para as praias americanas? Episódios do mesmo
gsnero .Go igualmente relatados por outros.. .
"Um dia-conta Pero Leitáo, depondo no Processo Informativo
da Babia, em i6i9-, faiiando- O peixe neste Colegio, nos anos
de 1579. ou 1580, por quanto a testemunha se lembra, regressando
do mar os pescadores com as redes sem ter pescado nada, pela
manha desse dia o Padre José, tendo chamado o mestre das redes,
o condueiu a.uma janela do Colégio, da qual lhe mostrou um lugar
dentro do porto de Pirajá, distante do Colégio urna Iégua ou pouco
mais, dizendo que f6sse até 1á e langasse a rede urna vez só, enchesse
26 Pero Rodrigues, S. J.: "Anais", m, 253-254.
NQm. 3 (1957)
,
'16 P. HBLIO ABWCHES VIOTTI. S. J.
a barca de peixes e tornasse imediatamente. E replicando o mestre
que dio era conjm@o para pescar por causa da maré, o Padre
José lhe respondeu:
-"VA e faca o que eu Ihe digo, e volte logo".
E obedecendo o pescador, sucedeu-lhe tudo como o Padre Ihe
havia dito, segressando logo ao Colegio com a barca repleta de
pekes. 0. que a testemunha sabe, porque esteve presente a
tudo". . . 27.
Tais cenas se reproduziram nos mais diversos lugares. Ainda
boje aponta a tradi~áo,n áo longe de Itanhaém, o conhecido pes-queiro
de pedras, que a seu mandado ali foi construído em favor ::
N
dos indígenas da regiáo. Mas foi nas aldeias do Espirito Santo, em
Reritiba sobretudo, que essa interven@o do Pauii~át-mgoU a N w e U
%-
Mundo, he mereceu da parte dos sehícolas brasileiros o título de 8'
"senhor das pescas", ou COMO diríamos hoje "patrono dos pesca- I 8
dores". Ei-lo auxiliando numa aldeia, provlavelmente a de S50 Bar- - e
nabé na baixada fluminense, a lanqar ao rio a canoa, que por serem 5
poucos nao conseguiam os índios mover de seu lugar. "Índios civi- Y
E
=
lizados ou seus descendentes", habitantes das povoa@es do litoral,
n
6
os "caicaras" de hoje nZo deveriam esquecle-lo! =. U
E
Mas de todos os fatos relacionados com essa ocupaq5.0, nada i
mais sugestivo do que a chamada "pescaria milagrosa de Maricá", 1
a
no ano de 1583. Desde marco do ano anterior se encontrava o pro- 9
i
n
vincial no Rio de Janeiro. Com a longa permanencia da esquadra ie 5 de Diogo Flores Valdes em 1582 e novamente, Lt volta do estreito, o
em 1583, escasseavam os viveres na ci.d-a..d .e . Visando armazenar uma reserva de pescado, promoveu o ~olegio urna pescaria em
grande escala nas piscosas águas da lagoa de Maricá. Com escravos
do Colégio, iam também alguns índios da aldeia de Sao Barnabé.
Para lhes orientar a tarefa, foi designado o Pmáo Pero Leitao, que,
27 Proc.esso iizjw?mitivu B~h.Dct, 53 v. Trndiizimos do Summarium,
Romae, 1733, n. 30, 201-203. p. Rodrigues, S. J. : "Anais", XXIX, 252; S. de Vas-concelos,
1. IV, c. III, n. 10.
28 C6sar Augusto Marques: DicioniírOo EIistórico, Ceogrctfico e Estntástico
do Bsgtrito santo, Rio, 1878, 4, col. 2.a
entre outros ofícios, parece ter sido auxiliar do ec6nomo daqueIq
casa.
b
Para 1á celebrar a missa e poder dedicar-se com mais desafogo
h contemplac50, seguiu também o Padre Anchieta, já desemba-rasado
de outras ocup@es. De caminho, esteve algum tempo com
essa comitiva o Padre JoZo Lobato, missionário naquela aldeia,
que testemunhou, e testificará mais tarde, um dos episódios dessa
expedigao. O depoimento fundamental, porém, de que se serviram
Quirício Caxa, Pero Rodrigues, mais tarde S i d o de Vasconcelos,
é o do Padre Pero Leitáo, por sinal tres vezes dado, a primeira em
1598, para a primeira noticia biográfica; se,wda vez em 1604,
perante o provincial Cardim e outros padres graves; finalmente,
perante a autoridade eclesiástica, no Processo Informativo da
Baia 29.
Após a missa dita pela madrugada e antes de com%ar a tarefa
diária, perguntava Anchieta aos pescadores qué casta de peixes
desejavam. Conforme a res-posta os encaminhava a diferenien FE-tos
da lagoa. Depositado por fim o copioso resultado da pesca, na
restinga entre a lagoa e o mar, principiava o demorado e penoso
servi90 da salga dos peixes. Gaivotas, alcatrazes, corvos marinhos,
'grasnindo e esvoacando em torno, acudiam vorazes a disputar a
presa. Impacientados, rogam os índios ao Padre José que ponha
cobro a tamanha importunidade. F'alando-lhes na lingua tupi, lhes
teria entáo proibido Anchieta que continuassem molestando. No
fim receberiam o seu quinhao.. . "Dali por diante nao enfadaram
mais" 30.
Um belo dia, concluida a faina diária, o padre d o aparecia.
Desde ti.es para quatro horas ninguém mais o vira. Afanosamente
2s De~imento do Padre J&o Lobato, S. J., a 2 de agosto de 1627, Proc.
Apost. do R. de J., 128. Q. Caxa, S. J.: Breve relacáo, 25 e 27-28; B. Ro?ri-pl
lP4, s. 3.: I < - ~ ~ ~%-iTT~T?" OfiQ o=* .70<)-~0.4 <,m- --LA --d.-- ----- 3 - - o--- , -Y--, YVV, LIUT, LOA &o=. _~1111~ L I L ~ J&VLSPJ C ~ J U - U ~ Z no-drigues
(282)-foi companheiro do Padre José o Padre Pero Leitáo". S. de
Vasconcelos: Vida do Vmrán>el, 1. IV, cc. XII e XIii.
30 P. Rodrigues, S. J.: Vida do Padre José, APUG, n.?L067,67, ou "Anais",
XXM, 282.
18 P. Hl?LIO ABRANCHES YIOTTI, S. J.
se pos o companheiro a buscá-lo por toda a parte. Conduzido afinal
pelas pegadas impressas na areia, foi dar com este rnaravilhoso-espectáculo..
. : avassalando a praia, numa estehsiio de seus quinze
metros, deixara a preamar em seco um circulo, em cujo centro per-manecia
imóvel o Padre José de Anchieta; em seco igualmente
ficara urna larga passagem até ele; rodeado assim quase total-mente
pela muralha das ondas marulhantes ali estava &, assen-tado,
os bracos cruzados sobre o peito, absorto, olhos postos no
céu.. .
, Debalde tentou o irmiio despertá-lo de longe, aos gritos e pro-vocando
o ruido que @de. Nao restando outro meio, encheu-se de
coragem, penetrou pelo boqueiriio a dentro e, sacudindo-o, fe-lo
VOimr urn -a au--q -V--C-L- U--U- .-c.-YIUIr~; ~e' ,+b mamr Aa>>. l¡'rcar-i-i-pvn dn,q-p -,
veio Ando calmamente, enquanto o mar, reconquistando os seus.
direitos, reocupava ao mesmo tempo o espago, que até ai respeitara
vazio. Sentindo a vaga a Ihe rolar sobre os calcanhares, Pero Leitáo,
que.vinha detrás, precipitou-se para a frente.
-ModZcae fidei, qwre dubitasti ?-teria exclamado Anchieta :
táo exígua é a vossa fé, para que assim duvideis? "Nao sabeis que
o mar e o vento obedecem a De-?"-quia venti et rnare obediunt
ei? Era o eco, agora bem mais poderoso, das palavras que escre-vera
cerca de trinta anos antes: "Bendito o Senhor que manda ao
vento e ao mar e Ihe obedecem, para que sirvam aos homens que
60 mal obedecem 5 sua Divina Majestade!"
a a a
A grande experiencia das coisas do mar, que o visitador Cris-tóváo
de Gouveia assinalava no provincial do Brasil, se deduz fa-cilrnente,
Go apenas das vicissitudes de sua vida em contato per-
.ai O texto. latino de Sáo Mateus, c. 14, v. 31 vern citad6 expressamente-p@
Antonio Ribeiro, no Proc. Apost. de Lssboa, 14. As palavras de Anchieta.
correspondentes a0 texto que c i t e o s de Sao Mateus, c. 8, v. 27, estáo e m
portugu8s, reprodwdas, conforme o depoimento de Pero LeiMo, na Vida do
Padre Jos6, APUG, n. 1067, 69 v. ou "Anais". XXM, 284. ..
2.6. 4.
ANUARIO DE ESTUDIOS ATLANTICOR:
ANCNIEX-4 E. O MAK 1s
manente com o oceano, mas também dos seus numerosos escritos,
já que nele se verifieam puco menos que inseparáveis o homem
de acao e o homem de letras. Nas suas composicoes poéticas sobre-tudo,
se podem recolher essas outras provas do que até aqui viemos
comprovando através dos fatos. A fei@o maravilhosa, de que al-guuis
se revestem, nao suprime esses fatos.
Folheemos antes de mais nada o De Gestis Mendi de Sáa, o
poema até agora inédito dos Feitos de Men de Sá 32. Eis, por exem-plo,
a viva exposiGo que aí faz de urna tempstade. Aquela em
que naufragou nas costas de Alagoas, em meiados de junho de
1556, o primeiro Bispo do Salvador, D. Pedro Fernandes Sardinha,
logo depois devorado pelos selvagens Caetés:
"Era o tempo em que, ao sopro do Sul, o nauta abandona
as praias brasilicas em direGo dos reinos que jazem
sob o Boieiro que guia o seu carro de estrelas. O Bispo,
com inúmeros cidadiios, embarcou mar em fora
da cidade do Salvador, rumo ao litoral das Espanhas.
Os ventos propicios enchiarn o boj0 das velas
e alisavam o oceano como um afago celeste
As naus que sulcavam as ondas do mar espumoso.
De repente trovoes comecam de ouvir-se rolando
na amplidiio do céu, medonhos relbpagos chispam
do embate das nuvens e as alturas se desfazem em raios.
O vento leste se atira torcendo em vórtice as ondas
e sacode em turbilhoes horrendos o mar tenebroso,
que se enfurece ao peso da borrasca, ergue em montanha
as águas turvadas e as lanca raivoso as alturas.
Tudo é confusiio: range ao embate das ondas inchadas
a nau que os ventos fustigam com as cordas da chuva.
O piloto já brada do alto da popa: "Marujos,
recolher velas depressa! Soltar as enxarcias ...
sopra o Leste, depressa!" Ergue-se a grita da gente,
precipitam-se todos a uma a soltar as amarras,
e 8GhGrI ve!ozes sus mcrstruj: e iec.colheiii ái;
32 De gestOs Mendi de Xisa. Citaremos: DGMDB. Data eeniu, servir-nos-
.emos da traduqáo portuguesa do Padre Armando Cardoso, S. J. O poema
está, atuaimente, para entrar ern impressáo.
20 P. HELIO ABRANCHEC VIOTTI, S. J.
e tibatem as vergas. Tudo ferve em tumulto feroz:
o terror se abate sobre todos e a todos agita.
Entra o medo, tremem de horror e ,o espetro da morte
se agarra teimoso aos olhos espavoridos da gente.
Do alto da popa lanca-se entáo a áncora para
firmar com o dente férreo a nau: Última luz de esperanca! . .
Uas uma onda em montanha se. quebra contra o costado,
arranca das máos a corda e arroja a nau as alturas.
A tempestade horrenda em rugidos imensos se assanha
" cada vez mais contra o mar e escorada nos ventos
revolve e arroja, montanhas de água espumosa.
Próximas estáo já as praias da bárbara tema
onde o indio feroz habita em inacessiveis florestas a
N
ocas escuras ¡que ressumam densa fumaca" 38. E
O
n
No mesmo poema se Ie mais de uma descsicao, cheia de realis-
-- m
O
mo, de expeditcties marítimas, cuja partida, marcha e ancoragem E
2 por assim dizer contemplarnos. Aqui vai, para exempio, a de Ferngo E
de Sá em socorro da capitania do Espírito Santo, assediada pelos
3
Tamoios em 1558: -
0
m
E "De pronto ergue hcoras a marujada valente U
e em voz cadenciada puxa as amarras que vai recolhendo
em círculos. Volta proas vaga a marulhar mar em fora, n
E desdobra dos altos mastros o candido linho, a
enquanto o vento, bojando as velas, as cordas estira. n
O Norte se abate sobre o mar, o casco impelindo n
n
e abaiilando as velas: voa a lisa proa, cortando 3
o pego espumante, rocando apenas o dorso das ondas, O
Ora aqui, ora além fundeia nos litorais rumorosos.
Só se abranda o ronco do oceano enraivacío,
quando a Ursa Maior o bafeja com ventos propicios
e a nau, vencidas muitas milhas, ferra os diversos
portos dos cristáos"
Soberba, sob todos os aspectos, é a épica narrativa da "Batalha
dos nadadores", travada no ano de 1559, entre os indios cristaos
266 ANUARIO DE ESTUDIOS ATLANTICO8
das .tropas de Men de Sá e os Tupinambás, que haviam, com seus
assaltos, reduzido ao último extremo a capitania dos Ilhéus. Des-baratados,
grscas principalmente superioridade das armas, os
selvagens inimigos, num último recontro junto B orla do oceano.. .
"Alguns ern corrida ligeira
atiraram-se As ondas e através das vagas bravias
deslisavam velozes e a poder de rudes bracadas
venciam enormes espacos do mar agitado:
era a última e fugaz esperanca dos infelizes.
Os brasis que seguiam a bandeira de Cristo
e as armas do Cinefe, atiram-se 5s ondas de üiii eaiio
e sem perda de tempo cortam as vagas como golfinhos,
quando pelas sendas do mar váo no encalso dos peixes.
Clava na m50 esquerda com a direita no corte das ondas,
com os pés por remos, sulcam as planícies encapeladas
do vasto abismo, e caem sobre o inimigo que foge.
Voa das ondas fendidas a espuma, ao sdpro do vento,
já se aferram aos malparados fugitivos e travam combates
horrendos e entre as ondas bravas vibram golpes ferozes.
Já se erguem nos altos cabecos das ondas
do mar indignado, já desaparecem nos seios profundos
da vaga que se abre, redobrando sem cessar os seus golpes" SS.
Para completar a narrativa, segue-se o paralelo entre essa ba-talha
e os tremendos combates nos quais, em urna época especial,
se engaifinhavam ~ ~ u 6 lt"eem po as baleias, nas enseadas do nosso
litoral. E rematando a cornposiqi5o literária, a exaltaca0 da impá-vida
bravura dos brasilindios.
Passando agora ao De Beata Virgine Dei Natre Maria, com-posto
em 1563, nas circunstancias atrás relembradas, eis como,
a, de l l n m..-"-- 9 . . u 1 : ,mltn A a Taai ia D e t l l l U L do ,aL , .,,-u, ,A, a,, 5 ""A, w "cm-do
Egito para a Palestina, a vida pública do Redentor:
35 DGMDS, W. 1526-1545.
.22 P. HJ%IO ABRANCHES VIOTTI, S. J.
"Entáo o mar o verá efetuar novos milagres
e ao imperio de sua voz o Onipotente
acalmará o furor de suas vagas.
Ao despontar na praia como um sol,
- o mar oferece aos pescadores pesca imensa.
Os vagalhoes conhecer50 os pés de seu Senhor
e se lhe postrar50 em sólida estrada reverentes."
Tomando por base o "signo de Jonas", assim traduz a seguir,
mediante imagem pedida ao oceano, a morte e a ressurreiqiío de
Cristo :
"Um dia o Norte acumulará enraivecido
ondas de Ódio , ,
e a tedpestade submergirb a face Divinal.
A morte cruel o arrastará ao alto mar
e um monstro o engulirá em suas fauces.
s té que o abismo aplaque as suas furias
e o mármore das ondas se afaste respeitoso,
e o monstro vomite sBbre a praia o novo Jonas,
para nunca mais beber bguas de morte" 38.
Náo podiam faltar, evidentemente, Gsses mesmos tropos, sob
as mais variadas formas, aplicados no Poema da Virgem glori-ficaciio
du invoca@.o da Santissima Virgem Maria. Ora ela é o
"Mar imenso", que abriga no selo desde os pequeninos até os enor-mes
seres marinhos: justos e pecadores Ora, a "Nau":
"Tu és a nau: u
que nenhuma vaga do oceano arrasta,
que nenhum turbilháo dos ares despedaca,
Em teu convés perfaz o navegante
' tranquila derrota
e pisa com alvorw o litoral da pátria" 98.
De Beata Viryine Dei Matre Maria. Citaremos : DBVDMM, VV. 3861-3874.
87 DBVPNM, VV. 433-438
38 DBVDMM, nT4.3 9-442.
-268 ANlJ-4RIO DE ESTUDIOS ATLANTZCOS
ANCHIEi'A E O MAR
Ora, o "Porto" :
"Tu és o porto tranquilo,
a enseada segura dos navios,
. batidos pela fúria do mar enlouquecido.
Eis que a minha barquinha,
a bracos com medonha tempestade,
ti se acolhe já ao p6r do sol,
com o remeiro alquebrado.
Agora que o mármore do mai- se erica contra os ventos,
estende-me tua mao, Yirgem bondosa, .
para que nao pereca" 39.
Acimi de tudo é a "~rotetosad os Navegantes" :
"Se o mar revolto por hórrida procela, ameaca
tragar nas ondas a vida ao marinheiro,
tu alisas o mármore das águas,
abrandando os ventos,
qual mansa brisa soprando em mar tranquilo" 40.
Essa prote@o, d o cessa Anchieta de invocá-la:
"Orla do mar.
seguro porto as naus avariadas,
acolhe-me,' que me engole o mar encapelado!" ".
Para nao omitir nesta resenha suas Poesias líricas e dramá-ticas,
traslademos para aqui Gstes dois exemplos. O primeiro um
trecho da famosa PregagGo Universal, recolhido por Simáo de
TJnonrrnnrrlrro nn T7irln ;I- ?7nmn&n+n7 A 4rJn h.rmnnn n n n1nnnr:n r.3.n v CLU~VIL~GIVIJi ia v uww w v v r o v r wvvu. A v i u a uuuiaiia, ua a ~ ~ e vy~ucr a
vem dos recuados tempos da cultura clássica, comparada a urna
travessia marítima, dá ensejo ao poeta para esta graciosa alusáo
a urna personagem seguramente ficticia, mas que devia figurar a
vida de nao poucos moradores de Sao Vicente:
8s DBVDMM, w. 449-454.
40 DBVDMM, VV. 2153-2156; '
41 DBVDMM, w. 5759-5760. ...
24 P. H w AB RANCHES VIOTTI, S. J.
"A viagem éstá acabada,
a nau vai se alagando,
e desta vida em que ando,
por tantas causas errada,
meus dias já nao siio nada,
pois peco por tantas vias.
Triste 'de Francisco Dias!
Nao lhe sinto salvaciio,
se vós, Miie da Conceiciio,
niio pagais as avarias!" ".
No Auto da Vkitagáo de Santa Isabel, derradeira composig5o
poética de Anchieta, escrita puco antes de sua moste, lemos ainda
estas duas estrofes. Dia assim o primeiro companheiro do castelha-no,
que empreendera sua romarza ao santuário de Santa Isabel da
Santa Casa de Misericórdia de Vila Velha:
"Nosotros, con vos iremos
a ver la madre-doncella,
y el "Ave, do mar estre!aM!
iia wfiA~l1ocs ln Aivnmcm u- LVUIYYY A" UILIY)"",
para haber mercedes de ella."
Ao que replica o romeiro :
"Ave! Estrella de la mar,
'guía de los que navegan
los cuales a vos se entregan,
porque en este navegar
.por muchas vías se ciegan" 43.
Por estas e outras muitas demonstraqoes (nao excluindo as ,$e
ordem sobrenatural), que deu de seu grande conhecimento teórico
e prático das coisas do mar e de seu carinhoso interesse para com
a vida e para com os homens do mar, queremos crer que nenhuma
outra figura da Historia da Compañhla ou da Igr e~ano ñrasil estti:
42 S. de Vasconcelos: Vida do VenerhveZ, 1. 1, c. M, n. 5.
4a Anchieta: Poesku @%o Paulo, 19541, 524.
270 ANUARIO DE ESTUDIOS ATLANTZCOS.
ANCHIETA E O MAR 25
em condicses de lhe disputar os titulos, mais que merecidos, de
"Patrono dos navegantes", patrono dos pescadores, patrono da
classe de todos os marítimos de um povo, de que foi ele o Apóstolo
por excelencia.
A respeito de suas viagens, eis o que, em síntese, apresenta
Sirnao de Vasconcelos :
"Em todas as suas jornadas, que foram muitas e diferentes, seu
cuidado era somente que nao faltasse provisiio para os compa-nheiros.
Para sua pessoa, além do breviário e papéis importantes
a suas visitas, de nenhuma okra coisa curava, fiado (segundo seu
costume) na providencia do Senhor, a quem servia. O camarote
que se h e aprestava era do primeiro necessitado; sua perene assis-t&~
cise rz E^ CQEY& hnuveoe &=va Q- m], ahrigadn com qual-quer
roupiio velho, vigiando e acudindo 5s obras do navio, como
qualquer dos marinheiros, e tao dextro nelas que os admirava-
Passava as noites em vigia e a mor parte em contempla&o do
Autor dos elementos, dos céus e das estrelas que dali ihe ficavam
patentes e, nesta profunda considera@o, depóem muitos que foi
visto por várias vezes arrebatado e fora dos sentidos; algum
espaco que gozava do sono era encostado ao bordo ou caixa de
algupn passageiro" 44.
Seu cuidado em favor dos navegantes se manifesta, entre outros
fatos, no segiainte: estava de partida do Rio de Janeiro para Per-nambuco
um i h o da Companhia, aproveitando a viagem de urna
nau mercante, destinada &quele porto; preparando-lhe o despen-
,seir0 a matalotagem conveniente, interveio Anchieta, que a esse
tGGnAL-ymu n v n m n v o üe EGS ~ E ~ c . E ~ 9~ GcaSrg, e de trkit8dcx &S
casas do Sul, que Ihe dobrassem as ra@es-foi o aviso que deu-,
já que dobrada seria a jornada que teria que fazer; e, com efeito,
tangida pela f6qa dos ventos, nao logrou a nau aferrar o Recife,
indo tomar porto nas Antilhas 45.
44 S. de Vasconcelos: Vida do Venerümt, l. m, c. VI, n. 2.
45 P. Rodrigues, S. J.: Vlaa 62~ Padre Jos&, A&*, XXM, 259; S. de Vas-roncelos:
Vi& do Venencúvel, 1. W, c. X, n. 2.
Núm. 3 119571 271
A despedir-se de Anchieta, f6ra ter ao Colégio da Bahia no ano
de 1592, Antonio das Neves, de regresso a Portugal. Do eirado do
Colégio, localizado o navio surto na: baia de -Todos os Santos,
lancou-lhe o Padre José a sua bengo. Com esse pequeno navio,
,navegaria de conserva outra embarcas50 maior. Insistiu o padre
em querer certeza de que nao era esta outra a conducjio do Neves.
A& riscos das tempestades marítimas, juntava-se na época outro
perigo, que eram os corsários inimigos. .. . .
Bem maltratada por um temporal -que lhe arrancou o leme¡
chegou a .nau maior aos Asores, onde se refez. Mas no trajeto'dai.
para o Reino veio a cair em poder dos piratas. Ao passo que o
pequeno barco abencoado por Anchieta, em que velejaram Antonio
&S Npypn p ~cmpgp,h_eirMc gniipl mmcjscg Pinto, r.~nqua_nt'
.atravessando algumas peripécias arriscadas, ancorou felizmente
ileso no porto de .Viana. A vista de uma poderosa nau de corsários,
que os perseguiu, pouco antes de atingirem esse porto, exclamava
confiante Antonio das Neves: "Rememos, irmaos, que Deus nos
i ~ a - dlee var a saivamento, por intercessáo do Pacire José, que 15
fica rogando por nós"
Por volta de 1a0, navegava da capitania do Espirito Santo
para Lisboa, mandado para Portugal, .o ~ a & eM anuel do Couto
,(Senior), que convivera com Anchieta e consigo levava entao uma
reliquia do grande missionário, falecido treze anos antes naquela
capitania em odor de santidade. Ao norte da ilha de Sáo Miguel!
dos Acores, foi o navio assaltado por perigosa tormenta. Perante
o iminente risco de naufrágio, lembrou-se Couto da preciosa reli-
Tanto bastou para que amainasse o temporal 47.
Náo Go ¿%es os Únicos fatos, seja durante a sua vida, como
depois de sua morte, a sugerir o poder de sua intercessáo em favor
dos homens do mar
4.8 Processo Apost61ico de ,960 Paulo, 49 v.-50 v., Depoimento de ~ a n u e i
Francisco Pinto. S. de Vasconcelos: Vida do Vener@el, 1. IV, c. m, n. 11:
47 S. de Vasconcelos: Vida &J Velzer&el, 1. VI, c. 1, n. 14. Cf. S. Leite, s.'J.:
, . , História, 11, 451, nota.
'272 ANUARIO DE ESTUDIOS ATLANTZCOS
Em janeiro de 1884, coroando larga m i d o popular em Uba-luba,
antiga Iperui do voluntário cativeiro de Anchieta, promo-veram
os Padres Taddei e Giomini da Companhia de Jesus, que se
erguesse na praia da velha cidade litorgnea um cruzeiro comemo-iativo,
em homenagem ao Apóstolo do Brasil. Dias mais tarde,
pegando os missionários em Sáo Luis do Paraitinga, o pároco de
Ubatuba, Padre Manuel Macedo Vieira da Rosa, a fim de lhes
trazer a seguinte informagio, os procurava. Escreve o Padre José
Giomini :
"A outra noticia foi urma espécie de prodígio do Venerável
Padre Anchieta, semelhante Aqueles que costumava fazer em vida.
Aqugle ponto do mar, em cuja areia foi plantada a Cruz da Missáo.
era um lugar em que nunca se pescava, porque nunca 1á apareciam
peixes; toda pesca se fazia no litoral longe da cidade, de modo que
nesta havia muitas vezes falta de pescado. Apenas plantada a Cruz,
porém, foi tamanha a abundancia de peixes que se recolheu ai ao
pé da Cruz, que toda a cidade se fartou, bendizendo cada um a
djvina fi&dcncia p r &te temwrd oueo;iu &, yubr2:zo 203 hax-tantes
de Ubatuba"
Tornemos porém aos temps coloniais, a recolher urna última
noticia a respeito da nau da província. A 5 de dezembro do ano
de 1759, aguardavam os jesuitas do Su1 do Brasil, empilhados a
bordo da nau "Livramento e Sáo José", a viagem para o exílio;
quando entrou na Guanabara a fragata da Coinpanhia, que trazia
do Norte para o Rio de Janeiro dezesseis religiosos. Nao bem fun-deara,
que foi imediatamente apresada pelas autoridades e trans-feridos
os jesuitas para a nau dos exilados:
"O Venerável Padre José de Anchieta, que foi também provin-cial
do Brasil-consigna o Padre Caeiro-, servia-se de urna nau
em tudo semelhante a esta, quando ia A visita dos colégios. E
muitas vezes profetizou que nunca a nau da província viria a sofrer
mufrágio. X8 t e ~ p ü t ~0 ~die~ rLia:iéi iq~ü e dai añeorada no porto,
da G. Giomini, S. J., Lettera VI, apuü Lettere'edificanti.:.d e l h ' p ~ o v iwi k
romana (Roma, 18841, 65.
28 P. HZLIO ABRANCHES VIOTPI, S. J. /
veio a sossobrar para os jesuitas, havendo esta, em continua60
das anteriores, percorrido as costas da América, durante mais de
duzentos anos, dio só incólume, mas, o que é mais, sem temer
naiafrágioy'
Sabre as velas daa pequenas embarc&es de pesca ou de re-creio,
que enchem de vida e de beleza as pitorescas abras da orla
marítima e volteiam pelas verdes ibas do nosso litoral, sobre os
mastros dos navios mercantes, que ligam nossos portos entre si
ou com as outras n@es da terra, sobre as torres dos vasos de
guerra que defendem a soberania do pais, uns e outros a servíso
da mesma civiliqiio cristá, que com tamanho zelo e durante tan-a
tos anos contribuiu para que se implantasse nesta banda do oceano, N
de cujas mesmas águas emerge o seu arquipélago nativo-continua O
por certo a pairar a En&o taumaturga do Apóstolo do Brasil. - n -
m
Como outrora, na penúria dos primeiros tempos da catequese O
E
americana, quando em Piratininga fundava Anchieta e seus com- E
2
E
panheiros o Colégio de Sáo Paulo, o pano das velas dos galeóes da -
&&a, r o t ~=a s truvesuizs ,uoce&nicas, tinglcln no tijuco dos vales 3
do planalto, lhes fornecia a humilde roupeta de missionários, assim
- -
0
m
possam hoje as velas simbólicas das esquadras, que cruzam pelo E
O
Atlfintico, envolver na prote&o de suas dobras, nas dobras de suas
bandeiras, os valores impereciveis que Jesus Cristo veio oferecer n
\ -E
ti humanidade. a
2
Para que nos seja garantida a perene libesdade de sua divina n
n
mensagem. A liberdade, por exemplo, de repetir com Anchieta:
3
"Bendito o Senhor que manda ao vento e ao mar e Ihe obedecem, O
para que sirvam aos homens que táo mal obedecem 5 sua Divina
Majestade". Bendito para sempre AquGle, a quem está sujeito este
universo, o mundo material com a energia de seus átomos, o mundo
espiritual com a sua pergtua aspiraqáo de beleza e de felicidade.
4s .?m6 Czeirc, s. & : i ~ s ~ i fd-n o1 )rnFiZ e 'da India (Babia. 1936), 197.
Introduzimos ligeiros retroques na traducáo portuguesa do texto latino dessa.
obra intitulada nb original De exilio provinciamm transmarinarunz assi$entkze
Zusitanae Societatis Jsm. '
274 . , ANUARIO DE ESTUDIOS ATLANTICOK